São dessas pequenas brigas, ou chantagens recíprocas entre executivo e legislativo -- aqui num caso absolutamente paroquial, deputados-vereadores querendo assegurar verbas para seus gastos eleitoreiros -- que provocam consequências danosas não só para as contas públicas (cuja racionalidade é altamente questionável), como também para o chamado "risco-Brasil".
Não tenho nenhuma dúvida de que as agências de risco vão rebaixar a classificação do Brasil, em face de notícias como as que vão abaixo.
Paulo Roberto de Almeida
Base aliada ignora trégua e desafia Dilma
Com empenho pessoal do presidente da
Câmara, comissão especial aprova texto que obriga governo a pagar todas as
emendas parlamentares
Eduardo Bresciani e Tânia Monteiro,
Brasília
A base aliada ignorou o pedido de trégua de
Dilma Rousseff e confrontou a presidente um dia depois de líderes de
bancadas visitarem o Planalto. Comissão Especial da Câmara aprovou ontem
proposta de emenda constitucional que obriga o Executivo a pagar todas as
emendas parlamentares previstas no ano. Trata-se do Orçamento impositivo, que
poderá garantir a cada um dos deputados R$ 10 milhões para obras em seus
redutos no ano eleitoral de 2014. O governo é contra a medida.
Agora, o texto da PEC está pronto para ser
submetido ao plenário. Depois de votação em dois turnos, terá de ser
encaminhado para o Senado, algo que os deputados querem fazer até amanhã.
O presidente da Câmara, Henrique Eduardo
Alves (PMDB-RN), empenhou-se pessoalmente para fazer o tema tramitar. Ontem,
foi duas vezes até à comissão que debatia o projeto para cobrar a aprovação.
Para ele, a medida é o fim do "toma lá, dá cá" entre Legislativo e
Executivo. Normalmente, as emendas parlamentares são usadas como moeda de
troca: o governo libera a verba e o parlamentar aprova os temas de interesse do
Executivo e não cria embaraços para o Planalto.
"A matéria está inteiramente amadurecida",
disse Alves sobre a emenda constitucional.
Pedidos. Alguns líderes chegaram a sugerir
ao presidente da Câmara um adiamento da votação, mas ele disse não ver motivo
justificado para postergar. Foi além: procurou o presidente do Senado, Renan
Calheiros (PMDB-AL), para pedir tratamento prioritário à matéria, para que
possa entrar em vigor em 2014. A emenda não precisa de sanção presidencial para
passar a valer.
O texto prevê a execução financeira, de
forma isonômica, das emendas parlamentares com um limite de 1% da receita
corrente líquida do ano anterior.
Termos. Em 2014, a estimativa é que o
montante das liberações supere R$ 6 bilhões no total.
O texto traz um dispositivo que os
parlamentares dizem poder facilitar a vida do governo: nos dois primeiros anos
de vigência, será possível usar emendas de anos anteriores para se chegar ao
mínimo estabelecido.
Os parlamentares colocaram ainda um gatilho
para que caso haja necessidade de contingenciamento a fim de cumprir metas
fiscais: as emendas poderão sofrer corte no mesmo porcentual do aplicado pelo
governo em seu próprios gastos.
Isolado, o PT tentou ainda apresentar
propostas alternativas para reduzir à metade o porcentual ou obrigar também
estados e municípios a seguir a exigência. Não obteve sucesso.
Parlamentares argumentam que o anúncio
feito na semana passada de liberação de R$ 6 bilhões até o fim do ano para
acalmar a base mostram como as emendas tem sido usadas para
"chantagem". Reconhecem também que frequentemente propostas de
interesse do Planalto acabam paradas pelo mesmo motivo, a barganha por emendas.
A aceleração da proposta do Orçamento
impositivo ocorre também de olho no calendário eleitoral. Se conseguirem
transformar a proposta em regra constitucional, os parlamentares terão
garantidos recursos para suas bases justamente no ano da eleição. Além de
auxiliá-los na conquista de um novo mandato, a medida pode ainda dará mais
forças a seus partidos, que com garantia de recursos podem se sentir mais
liberados na negociação de alianças. Esse tipo de confronto é explicitado pelo
fato de que PT e PMDB, por exemplo, dificilmente estarão juntos nos principais
colégios eleitorais, como São Paulo, Rio, Pernambuco, Ceará e Rio Grande do
Sul.
Vetos. A movimentação do Congresso
novamente em direção ao confronto já levou o governo a pautar seu discurso
sobre outro tema que o preocupa: a votação de vetos presidenciais. A ministra
das Relações Institucionais, Ideli Salvatti, já antecipou que irá recorrer ao
Supremo Tribunal Federal caso o governo seja derrotado. "Todas as matérias
que acabam indo para o Judiciário acabam ficando um tempo para ter a decisão. O
exemplo mais concreto disso, na distribuição dos royalties, está no Supremo e
estamos perto de um ano aguardando. O melhor é evitar (a judicialização). Se
não tiver possibilidade de evitar, o judiciário é o recurso legal,
constitucional que o Executivo teria para recorrer", afirmou a ministra,
após reunião da presidente com líderes no Senado. / Colaborou Rafael Moraes
Moura
Lei em debate no Congresso não elimina
'faz de conta'
Análise - GUSTAVO PATU, DE BRASÍLIA
Folha de S.Paulo, 7/08/2013
Texto aumenta
poder de parlamentares e mantém truque de 'criar' arrecadação
O texto discutido
na Câmara dos Deputados eleva os poderes dos congressistas sobre o Orçamento, mas,
retórica à parte, mantém o Legislativo brasileiro livre de novas preocupações
com a qualidade dos gastos e a solidez das contas públicas.
No atual faz de
conta da elaboração da lei orçamentária, deputados e senadores recorrem a um
truque para criar novas despesas sem desagradar a ninguém: inventam
arrecadação.
A estimativa de
receita para 2013, por exemplo, subiu de um já otimista R$ 1,230 trilhão, no
projeto do Executivo, para R$ 1,253 trilhão --o bastante para incluir emendas
de R$ 22,7 bilhões.
Encerrado o
primeiro semestre, a receita esperada pela equipe econômica já caiu para R$
1,185 trilhão. E, assim como a arrecadação fictícia, as obras prometidas pelos
congressistas a seus redutos eleitorais evaporaram.
O relatório que
acompanha a proposta de execução obrigatória das emendas reconhece, em meio a
eufemismos, a necessidade de uma nova prática. A solução encontrada foi incluir
mais uma declaração de boas intenções na Constituição.
"A previsão
de receita e a fixação da despesa no projeto e na lei orçamentária devem
refletir com fidedignidade a conjuntura econômica e a política fiscal",
dirá o 10º parágrafo do artigo 165, caso a proposta avance.
REGRA IGNORADA
O texto
constitucional em vigor já estabelece, no artigo seguinte, uma regra para as
emendas sistematicamente ignorada: as despesas criadas pelos congressistas
devem ser compensadas com a anulação de despesas propostas pelo Executivo.
Se aplicado, tal
modelo submeteria deputados e senadores ao constrangimento político de cortar
investimentos em infraestrutura, já escassos, para acomodar uma miríade de
despesas miúdas, típicas de prefeituras.
Algo como
remanejar verbas da conservação de rodovias --porque a maior parte do Orçamento
é tomada por despesas obrigatórias como o pagamento de salários e aposentadorias--
para o calçamento de ruas ou festas folclóricas no interior do país.
Na proposta
votada pelos deputados, esse ônus ficará, na prática, com o governo. De
concreto, a única salvaguarda oferecida pelo Congresso Nacional é a dimensão
relativamente reduzida de suas pretensões.
Os parlamentares
contentam-se com pouco mais de R$ 6 bilhões, metade de um centésimo do
Orçamento. Ainda assim, é o triplo do dinheiro disponível neste ano para o
transporte ferroviário --ou o dobro do reservado à educação infantil.
Impositivo demais
Deputados fariam
melhor se pusessem freio nos gastos obrigatórios do Orçamento, em vez de tentar
fixar cota individual de emendas
Está prevista
para hoje na Câmara dos Deputados a votação da proposta de emenda
constitucional que instituiria o "Orçamento impositivo" no Brasil. O
conceito, inspirado em democracias maduras, predica que todo gasto pactuado na
confecção da lei orçamentária anual deve ser de realização obrigatória ao longo
do período.
A programação de
despesas pode ser alterada apenas diante de imprevistos, como catástrofes ou
quebra na receita de impostos. Mesmo nessas hipóteses, o desvio do script está
sujeito a limites e à mediação do Legislativo.
A PEC em
tramitação na Casa dos deputados, entretanto, tem objetivos mais provincianos.
Tenta instituir uma cota anual de emendas por parlamentar, R$ 10 milhões por
cabeça, cuja execução pelo Planalto seria obrigatória. Está mais para
"bolsa emenda" do que para Orçamento impositivo.
O governo veria
diminuído o seu poder de barganha, pois se vale da liberação discriminada de
emendas para assegurar apoio em momentos decisivos no Congresso. Ficaria um
pouco mais difícil, por outro lado, para o Executivo ajustar a dura realidade
da arrecadação aos desejos fiscalmente irresponsáveis de congressistas,
impressos na peça de ficção que uma vez por ano entregam ao governo.
A conta da
"bolsa emenda" não parece tão salgada. Seriam R$ 6,2 bilhões ao longo
de 12 meses, cerca de 0,5% do desembolso da União, que passa de R$ 1 trilhão.
Mas seria um meio
ruim, pulverizado e de difícil fiscalização, de aplicar dinheiro dos impostos.
O ideal seria privilegiar as emendas coletivas, pactuadas entre os
congressistas de cada Estado e mais coerentemente inseridas em planos de
desenvolvimento regional.
Emendas tratam
sobretudo da despesa na infraestrutura, a rubrica mais sacrificada nos
orçamentos, embora decisiva para o crescimento econômico. Quando se fixa uma
cota para as emendas paroquiais, obriga-se o governo a sacrificar outros
investimentos.
O Orçamento já é
bastante impositivo. Despesas obrigatórias com manutenção da máquina, pessoal,
juros e seguridade consomem mais de R$ 80 de cada R$ 100 gastos pela União. O
quadro reflete escolhas sedimentadas da democracia brasileira ao longo de três
décadas. Optou-se pela constituição de um colchão social extenso, mas incapaz
de oferecer serviços de boa qualidade --limitado pela renda apenas média do
Brasil.
Se os
congressistas desejam transformar o Orçamento numa peça importante para o
desenvolvimento do país, deveriam começar pela revisão das despesas
obrigatórias. De sua diminuição relativa nos próximos anos depende a retomada
de um ritmo confortável de aumento na renda nacional.