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Este blog trata basicamente de ideias, se possível inteligentes, para pessoas inteligentes. Ele também se ocupa de ideias aplicadas à política, em especial à política econômica. Ele constitui uma tentativa de manter um pensamento crítico e independente sobre livros, sobre questões culturais em geral, focando numa discussão bem informada sobre temas de relações internacionais e de política externa do Brasil. Para meus livros e ensaios ver o website: www.pralmeida.org. Para a maior parte de meus textos, ver minha página na plataforma Academia.edu, link: https://itamaraty.academia.edu/PauloRobertodeAlmeida.

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quarta-feira, 7 de agosto de 2013

Brasil: congresso aumenta a irracionalidade orcamentaria, contas publicas se deterioram

São dessas pequenas brigas, ou chantagens recíprocas entre executivo e legislativo -- aqui num caso absolutamente paroquial, deputados-vereadores querendo assegurar verbas para seus gastos eleitoreiros -- que provocam consequências danosas não só para as contas públicas (cuja racionalidade é altamente questionável), como também para o chamado "risco-Brasil".
Não tenho nenhuma dúvida de que as agências de risco vão rebaixar a classificação do Brasil, em face de notícias como as que vão abaixo.
Paulo Roberto de Almeida

Base contraria Dilma e aprova Orçamento impositivo

O Estado de S. Paulo, 7/08/2013 

Base aliada ignora trégua e desafia Dilma

Com empenho pessoal do presidente da Câmara, comissão especial aprova texto que obriga governo a pagar todas as emendas parlamentares

Eduardo Bresciani e Tânia Monteiro, Brasília

A base aliada ignorou o pedido de trégua de Dilma Rousseff e confrontou a presidente um dia depois de líderes de bancadas visitarem o Planalto. Comissão Especial da Câmara aprovou ontem proposta de emenda constitucional que obriga o Executivo a pagar todas as emendas parlamentares previstas no ano. Trata-se do Orçamento impositivo, que poderá garantir a cada um dos deputados R$ 10 milhões para obras em seus redutos no ano eleitoral de 2014. O governo é contra a medida.
Agora, o texto da PEC está pronto para ser submetido ao plenário. Depois de votação em dois turnos, terá de ser encaminhado para o Senado, algo que os deputados querem fazer até amanhã.
O presidente da Câmara, Henrique Eduardo Alves (PMDB-RN), empenhou-se pessoalmente para fazer o tema tramitar. Ontem, foi duas vezes até à comissão que debatia o projeto para cobrar a aprovação. Para ele, a medida é o fim do "toma lá, dá cá" entre Legislativo e Executivo. Normalmente, as emendas parlamentares são usadas como moeda de troca: o governo libera a verba e o parlamentar aprova os temas de interesse do Executivo e não cria embaraços para o Planalto.
"A matéria está inteiramente amadurecida", disse Alves sobre a emenda constitucional.
Pedidos. Alguns líderes chegaram a sugerir ao presidente da Câmara um adiamento da votação, mas ele disse não ver motivo justificado para postergar. Foi além: procurou o presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), para pedir tratamento prioritário à matéria, para que possa entrar em vigor em 2014. A emenda não precisa de sanção presidencial para passar a valer.
O texto prevê a execução financeira, de forma isonômica, das emendas parlamentares com um limite de 1% da receita corrente líquida do ano anterior.
Termos. Em 2014, a estimativa é que o montante das liberações supere R$ 6 bilhões no total.
O texto traz um dispositivo que os parlamentares dizem poder facilitar a vida do governo: nos dois primeiros anos de vigência, será possível usar emendas de anos anteriores para se chegar ao mínimo estabelecido.
Os parlamentares colocaram ainda um gatilho para que caso haja necessidade de contingenciamento a fim de cumprir metas fiscais: as emendas poderão sofrer corte no mesmo porcentual do aplicado pelo governo em seu próprios gastos.
Isolado, o PT tentou ainda apresentar propostas alternativas para reduzir à metade o porcentual ou obrigar também estados e municípios a seguir a exigência. Não obteve sucesso.
Parlamentares argumentam que o anúncio feito na semana passada de liberação de R$ 6 bilhões até o fim do ano para acalmar a base mostram como as emendas tem sido usadas para "chantagem". Reconhecem também que frequentemente propostas de interesse do Planalto acabam paradas pelo mesmo motivo, a barganha por emendas.
A aceleração da proposta do Orçamento impositivo ocorre também de olho no calendário eleitoral. Se conseguirem transformar a proposta em regra constitucional, os parlamentares terão garantidos recursos para suas bases justamente no ano da eleição. Além de auxiliá-los na conquista de um novo mandato, a medida pode ainda dará mais forças a seus partidos, que com garantia de recursos podem se sentir mais liberados na negociação de alianças. Esse tipo de confronto é explicitado pelo fato de que PT e PMDB, por exemplo, dificilmente estarão juntos nos principais colégios eleitorais, como São Paulo, Rio, Pernambuco, Ceará e Rio Grande do Sul.
Vetos. A movimentação do Congresso novamente em direção ao confronto já levou o governo a pautar seu discurso sobre outro tema que o preocupa: a votação de vetos presidenciais. A ministra das Relações Institucionais, Ideli Salvatti, já antecipou que irá recorrer ao Supremo Tribunal Federal caso o governo seja derrotado. "Todas as matérias que acabam indo para o Judiciário acabam ficando um tempo para ter a decisão. O exemplo mais concreto disso, na distribuição dos royalties, está no Supremo e estamos perto de um ano aguardando. O melhor é evitar (a judicialização). Se não tiver possibilidade de evitar, o judiciário é o recurso legal, constitucional que o Executivo teria para recorrer", afirmou a ministra, após reunião da presidente com líderes no Senado. / Colaborou Rafael Moraes Moura

Lei em debate no Congresso não elimina 'faz de conta' 

 AnáliseGUSTAVO PATU, DE BRASÍLIA

Folha de S.Paulo, 7/08/2013

Texto aumenta poder de parlamentares e mantém truque de 'criar' arrecadação

O texto discutido na Câmara dos Deputados eleva os poderes dos congressistas sobre o Orçamento, mas, retórica à parte, mantém o Legislativo brasileiro livre de novas preocupações com a qualidade dos gastos e a solidez das contas públicas.

No atual faz de conta da elaboração da lei orçamentária, deputados e senadores recorrem a um truque para criar novas despesas sem desagradar a ninguém: inventam arrecadação.
A estimativa de receita para 2013, por exemplo, subiu de um já otimista R$ 1,230 trilhão, no projeto do Executivo, para R$ 1,253 trilhão --o bastante para incluir emendas de R$ 22,7 bilhões.
Encerrado o primeiro semestre, a receita esperada pela equipe econômica já caiu para R$ 1,185 trilhão. E, assim como a arrecadação fictícia, as obras prometidas pelos congressistas a seus redutos eleitorais evaporaram.
O relatório que acompanha a proposta de execução obrigatória das emendas reconhece, em meio a eufemismos, a necessidade de uma nova prática. A solução encontrada foi incluir mais uma declaração de boas intenções na Constituição.
"A previsão de receita e a fixação da despesa no projeto e na lei orçamentária devem refletir com fidedignidade a conjuntura econômica e a política fiscal", dirá o 10º parágrafo do artigo 165, caso a proposta avance.

REGRA IGNORADA
O texto constitucional em vigor já estabelece, no artigo seguinte, uma regra para as emendas sistematicamente ignorada: as despesas criadas pelos congressistas devem ser compensadas com a anulação de despesas propostas pelo Executivo.
Se aplicado, tal modelo submeteria deputados e senadores ao constrangimento político de cortar investimentos em infraestrutura, já escassos, para acomodar uma miríade de despesas miúdas, típicas de prefeituras.
Algo como remanejar verbas da conservação de rodovias --porque a maior parte do Orçamento é tomada por despesas obrigatórias como o pagamento de salários e aposentadorias-- para o calçamento de ruas ou festas folclóricas no interior do país.
Na proposta votada pelos deputados, esse ônus ficará, na prática, com o governo. De concreto, a única salvaguarda oferecida pelo Congresso Nacional é a dimensão relativamente reduzida de suas pretensões.
Os parlamentares contentam-se com pouco mais de R$ 6 bilhões, metade de um centésimo do Orçamento. Ainda assim, é o triplo do dinheiro disponível neste ano para o transporte ferroviário --ou o dobro do reservado à educação infantil.

Impositivo demais

Editorial Folha de S. Paulo, 7/08/2013

Deputados fariam melhor se pusessem freio nos gastos obrigatórios do Orçamento, em vez de tentar fixar cota individual de emendas
Está prevista para hoje na Câmara dos Deputados a votação da proposta de emenda constitucional que instituiria o "Orçamento impositivo" no Brasil. O conceito, inspirado em democracias maduras, predica que todo gasto pactuado na confecção da lei orçamentária anual deve ser de realização obrigatória ao longo do período.
A programação de despesas pode ser alterada apenas diante de imprevistos, como catástrofes ou quebra na receita de impostos. Mesmo nessas hipóteses, o desvio do script está sujeito a limites e à mediação do Legislativo.
A PEC em tramitação na Casa dos deputados, entretanto, tem objetivos mais provincianos. Tenta instituir uma cota anual de emendas por parlamentar, R$ 10 milhões por cabeça, cuja execução pelo Planalto seria obrigatória. Está mais para "bolsa emenda" do que para Orçamento impositivo.
O governo veria diminuído o seu poder de barganha, pois se vale da liberação discriminada de emendas para assegurar apoio em momentos decisivos no Congresso. Ficaria um pouco mais difícil, por outro lado, para o Executivo ajustar a dura realidade da arrecadação aos desejos fiscalmente irresponsáveis de congressistas, impressos na peça de ficção que uma vez por ano entregam ao governo.
A conta da "bolsa emenda" não parece tão salgada. Seriam R$ 6,2 bilhões ao longo de 12 meses, cerca de 0,5% do desembolso da União, que passa de R$ 1 trilhão.
Mas seria um meio ruim, pulverizado e de difícil fiscalização, de aplicar dinheiro dos impostos. O ideal seria privilegiar as emendas coletivas, pactuadas entre os congressistas de cada Estado e mais coerentemente inseridas em planos de desenvolvimento regional.
Emendas tratam sobretudo da despesa na infraestrutura, a rubrica mais sacrificada nos orçamentos, embora decisiva para o crescimento econômico. Quando se fixa uma cota para as emendas paroquiais, obriga-se o governo a sacrificar outros investimentos.
O Orçamento já é bastante impositivo. Despesas obrigatórias com manutenção da máquina, pessoal, juros e seguridade consomem mais de R$ 80 de cada R$ 100 gastos pela União. O quadro reflete escolhas sedimentadas da democracia brasileira ao longo de três décadas. Optou-se pela constituição de um colchão social extenso, mas incapaz de oferecer serviços de boa qualidade --limitado pela renda apenas média do Brasil.

Se os congressistas desejam transformar o Orçamento numa peça importante para o desenvolvimento do país, deveriam começar pela revisão das despesas obrigatórias. De sua diminuição relativa nos próximos anos depende a retomada de um ritmo confortável de aumento na renda nacional.

quinta-feira, 27 de junho de 2013

Protests in Brazil: Carlos Pio (UnB) joins the debate in a NYTimes forum

These Protests Will Accomplish Very Little

Carlos Pio
Carlos Pio is a professor of international political economy at the Universidade de Brasilia and at the Australian National University in Canberra.
New York Times, Forum, JUNE 20, 2013, 3:01 PM

The world has been optimistic about Brazil for the past decade. Productivity has risen as trade has been liberalized, state-owned companies have been sold and many industries deregulated. Hyperinflation has been controlled and the exchange rate has been floated. Social policies, called conditional cash transfers, have targeted the poor. And commodity exports to China soared. The economy grew stronger and many became richer.
But the country has one of the highest levels of social inequality in the world. Many of the rich live in bubbles of prosperity, like Brasilia and beachfront avenues in major cities. The poor are almost invisible, forgotten in rural areas or marginalized in urban slums.
Unfortunately Brazil will remain socially unequal, attached to failed ideologies -- economically stagnate but still democratic.
And the policies that led to Brazil’s growth have been undermined since the 2003 inauguration of PresidentLuiz Inácio Lula da Silva, who, along with all the left-wing parties, opposed those policies while out of power. On the positive side, Lula increased the scope of "bolsa família" (the umbrella name for all cash-transfer benefits) until it reached 12 million families. But he slowly discontinued the programs that had produced economic gains — a process that accelerated under President Dilma Rousseff, who took office in 2011.
Private investors were scared off by zigzag regulatory changes. Government finances were stressed by the rising cost of developmental projects like the 2014 World Cup and the 2016 Summer Olympics, as well as by generous wage concessions for public employees. After growing 7.5 percent in 2010, Brazil's gross domestic product growth has stalled as the Chinese economy has slowed. Simultaneously, inflation and interest rates are rising.
The first protest was aimed at a bus fare increase decreed by the mayor of São Paulo, who is aligned with Lula and Rousseff. But responsibility for crowd control fell under the governor of São Paulo state, who is a leading force in the opposition to President Rousseff. Soon the protestors were crowded out by waves of upper-middle-class and wealthy citizens touched by strong images depicting police violence. The protestors called for solidarity marches in other cities.
But spontaneous crowds -- everywhere, not just in Brazil -- lack a consistent agenda and a leadership that can enact reform. The protesters will not win much and will soon recede. And unfortunately Brazil will remain socially unequal, attached to failed ideologies -- economically stagnate but still democratic.

sábado, 22 de junho de 2013

Os deslumbrados e os mentirosos das manifestacoes - Percival Puggina

      A VOZ DAS RUAS E OS TOUCAS-NINJA
          Percival Puggina
           
            Se as pessoas que estão saindo às ruas nestes dias, em todo o país, votaram na Dilma e há uma década estufam o próprio peito com as fanfarronadas de Lula, o Brasil está salvo. Se são outras pessoas, estamos perdidos. Se as pessoas que estão saindo às ruas são as mesmas que chamavam golpistas quem se dispusesse a escrutinar a péssima biografia dos governos petistas, estamos salvos. Se forem outras, estamos perdidos. Ou seja, se o petismo não estiver perdendo força como religião hegemônica no país, por conversão de antigos fiéis ao até agora minoritário reduto da sensatez, então nada está acontecendo. Os sensatos abriram as portas do clube e saíram à rua, apenas isso. O placar do jogo político permanecerá o mesmo. E Deus se apiede do Brasil. Dilma continuará percorrendo o país para operar prodigiosa multiplicação de inexistentes bilhões, em meio a muita festa e louvação.

            Faço estas considerações com absoluto senso prático. A alma brasileira foi envenenada pela propaganda do governo. Milhares de comunicadores, diariamente, compram essa propaganda como coisa boa e reproduzem o ufanismo oficial. É de se ver e eu vi, é de se ouvir e eu ouvi, nestes últimos dias, eminentes formadores de opinião embasbacados ante as mobilizações populares, como que exclamando: "Mas estava tudo tão bem! O Brasil é uma ilha de satisfações cercada pelo oceano das inconformidades! O próprio Lula disse, não disse?". Disse. E quanto e-mail desaforado recebemos, ao longo destes últimos anos, eu e alguns outros, enquanto brandíamos a verdade em nossas passeatas lítero-panfletárias de protesto! Faziam para conosco como os empedernidos cardeais fizeram com Galileu. Recusavam-se a esquadrinhar a realidade através da luneta da verdade: "Noi non vogliamo guardare perché se lo facciamo potremmo cambiare". Não olham porque mudar de opinião pode custar caro. A mentira paga melhor.

            Todos os indicadores confirmavam o que dizíamos e os olhos viam: a educação pública é um desastre, vive-se ao completo desabrigo dos aparelhos de segurança pública, temos poltronas nos estádios de futebol e pacientes deitados sobre colchões no chão dos hospitais, a infraestrutura brasileira dá sinais de haver trombado contra um PAC acelerador  da destruição, o Erário é rapinado em moto-contínuo pelo arrastão dos corruptos. Mas, como vai o Brasil? Ah, o Brasil é outra coisa. O Brasil vai às mil maravilhas. Foi bafejado pela fortuna. Saiu das mãos de um gênio prodigioso para as de uma testada e competente gestora. Meu Deus!

***

            Por fim, três observações. Primeira: passe livre é marotagem; é querer andar de graça com os outros pagando a conta. A segunda é para lembrar que, em Porto Alegre, a mobilização inicial contra o preço das passagens foi empreendida por militantes de partidos de esquerda, notadamente do PSOL. Eles foram para a frente da Prefeitura armados de paus, pedras, latas de tinta, toucas ninja (bem como se tem visto, agora, em toda parte), enfrentaram a polícia e vandalizaram o prédio e seu entorno. Naquele ato não houve "infiltração" alguma! Os malfeitores eram alinhados com partidos que não rejeitam o emprego da violência para fins políticos. Terceira: não parece prudente adotar como coisa certa que os malfeitores "são uns poucos". Não, não são uns poucos, são muitos, muitíssimos, como as próprias imagens mostram à exaustão. "Se a maior violência neste país tiver que vir desses movimentos, que venha", disse num debate na TVCOM certo defensor desse vandalismo. Tampouco parece prudente, então, desconsiderar o risco de que a esplêndida massa de cidadãos retamente intencionados venha a ser apropriada pelo que de pior existe em todos esses movimentos. Saiba, no conjunto do espectro político há quem, com o mesmo e justo discurso que enfeita as ruas e nos traz júbilo ao coração, vista toucas ninja.
_____________
Percival Puggina (68) é arquiteto, empresário, escritor, titular do site www.puggina.org, colunista de Zero Hora e de dezenas de jornais e sites no país, autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia e Pombas e Gaviões.

Movimento Passe Livre: uma irracionalidade envelopada no oportunismomentiroso - Paulo Roberto de Almeida

Vou ser claro, objetivo e sintetico no meu argumento, como exigiriam os Adesistas Anônimos e os Mercenários a Soldo, que covardemente só se manifestam aqui de maneira envergonhada, ofensiva e clandestina, sempre para atirar no mensageiro, jamais para debater o assunto em pauta.
Isso deve ser porque eles são tão irracionais e inconsistentes quanto os militantes oportunistas do MPL, que só têm uma única pauta, irracional, inexequível e altamente prejudicial a todos os trabalhadores, de quaisquer condições e origens.

Se os transportes públicos têm um custo é evidente que o passe livre obrigaria TODOS os contribuintes a subsidiar o serviço, mesmo quando dele não se utilizam. Isso é inerentemente irracional e injusto, pois não precifica devidamente a oferta e a demanda. Vou dizer claramente: a proposta é economicamente estúpida e socialmente injusta. Ponto.

Por outro lado, os militantes do MPL são sorrateiros, oportunistas e mentirosos. Eles se pretendem apartidários, quando não o são, e recuaram justamente agora, quando a população interessada em lutar contra corrupção no governo e os desvios de verbas públicas se juntou às manifestações. Eles não querem protestar contra a própria origem do mal-estar, mas apenas ficar com o seu tema estúpido e inexequível.

Pronto, acho que fui claro.
Comentários, apenas os substantivos. Ponto.
Paulo Roberto de Almeida

sexta-feira, 24 de maio de 2013

Brasil-EUA: irracionalidade vs racionalidade da organizacao laboral -Carlos Alberto Sardenberg

Crescer e proteger

Carlos Alberto Sardenberg
O Globo, 23/03/2013

“Ninguém aqui em Chicago pode trabalhar por menos de US$ 4,50 por hora”, conta o garçom de um bom restaurante, um rapaz de menos de 30 anos. Feitas as contas, considerando jornada de 40 horas por semana, dá US$ 800/mês.
“Mas gente ganha mais, dá para fazer mais de 300 dólares em um dia de bom movimento”, explica o rapaz. É a gorjeta, claro. O rendimento variável é o que vale e depende não das horas de trabalho, mas do movimento e da capacidade de atendimento do garçom.
A gorjeta, pelos costumes americanos, varia de 10% a 20%, e vai direto para o bolso do garçom, no dia mesmo de trabalho. Afinal, acrescenta o rapaz, “a gente trabalha para o freguês, não para o restaurante”. Mas, considerando que a gorjeta está incluída na conta, junto com comida e bebidas, como calculam e como pagam por dia (ou por noite)?
O garçom traz então os boletos, as contas pagas por cada mesa que atendeu naquela noite. Já está tudo grampeado e calculado.
Ele mostra e explica: “Eu vendi hoje 2.060 dólares, a gorjeta foi de uns 350 (cerca de 17%). Aí eu pago uma parte para o ajudante e outra para o pessoal do bar. Vou levar limpos uns 250 dólares”.
Repararam os verbos? “Eu vendi... eu pago...”
O restaurante, a empresa, paga na base do mínimo, a cada duas semanas. E só. Ou seja, é o trabalhador, nesse setor, que precisa cuidar de sua previdência e seu plano de saúde.
Claro que em outros setores da economia, em fábricas, por exemplo, ou em empresas maiores, o sistema é diferente, com salários semanais fixos maiores que a parte variável. Mas em boa parte do setor de serviços (incluindo comércio), a variável é maior.
Assim, esse caso dos restaurantes é um bom exemplo das vantagens e desvantagens de uma legislação trabalhista bastante flexível e na qual vale mais o combinado entre as partes.
Para o restaurante, a empresa, a vantagem é a redução do custo fixo. Gasta pouco com a folha de salários, ao contrário, por exemplo, de um restaurante no Brasil, cujo dono paga salário fixo e todos os demais itens (FGTS, INSS, 13º, adicionais diversos e por aí vai).
Nos EUA, quando o movimento cai, o prejuízo se distribui entre empresa e empregados, pois os dois lados passam a “vender” menos.
No Brasil e em muitos outros países, europeus, por exemplo, caindo o movimento, aumenta proporcionalmente o custo do restaurante , já que não é possível passar parte dos garçons para um sistema de trabalho apenas nos fins de semana.
Não raro, cria-se um impasse: o restaurante (ou a empresa) só consegue se manter funcionando no prejuízo, dado o baixo faturamento combinado com custos fixos elevados. No fim, a casa fecha e não se protegeram os empregos.
Nos EUA, para o garçom, a vantagem é receber diariamente e conforme a qualidade reconhecida de seu serviço. Para o público, a regra é um incentivo ao bom atendimento. Diferente, por exemplo, do sistema dominante no Brasil, no qual o caixa do restaurante recolhe toda as gorjetas e distribui por igual no final do mês.
(Aliás, o Congresso está discutindo uma legislação que obriga os restaurantes a repassar pelo menos 80% da gorjeta para os garçons e cozinheiros. Devia ser 100%, não é mesmo?).
Por outro lado, nos EUA, havendo uma crise, a empresa tem ampla possibilidade de cortar pessoal e reduzir os pagamentos. A taxa de desemprego praticamente dobrou de 2008 para 2009, nos momentos mais difíceis da crise financeira que quase paralisou a toda a economia .
E os salários também caem rapidamente, pois são basicamente negociados e não garantidos em lei.
Nos países que têm ampla e meticulosa legislação trabalhista, o ajuste — com desemprego e redução do nível médio de salários — sempre acaba acontecendo, mas demora mais e é mais custoso, como está acontecendo na maior parte dos países europeus.
Pelo outro lado, a recuperação econômica é sempre mais rápida nos Estados Unidos. Começa a melhorar e os empregos começam a voltar. Mas o desemprego cai antes de subirem os salários. Neste momento, por exemplo, a taxa de desemprego, que chegou a passar dos 10%, está na casa dos 7%. Já o salário médio, descontada a inflação, é praticamente o mesmo de 2009.
Em compensação, todo o sistema permite que as empresas reduzam custos e se esforcem para ganhar produtividade, que é, de novo, o que acontece. A produção por trabalhador/hora cresce 1,5% ao ano, desde que se iniciou a recuperação. E isso é a chave do crescimento.
No Brasil, onde o emprego formal é superprotegido, a produtividade está em queda e o custo unitário do trabalho em alta. Resultado: empresas menos competitivas. As que podem, reduzem a produção, mas mantêm a os trabalhadores, na expectativa de retomada da atividade. Se a retomada demora e essa expectativa enfraquece, o ajuste — corte de custos e de empregos — vem, então, mais forte.
Difícil combinar crescimento e proteção.

Carlos Alberto Sardenberg é jornalista.

sábado, 31 de março de 2012

Sobre a irracionalidade das políticas governamentais - Paulo Roberto de Almeida


Sobre a irracionalidade das políticas governamentais

Paulo Roberto de Almeida

Quem se expõe muito tecendo comentários sobre nossa irrealidade cotidiana – aproveitando o título de um livro do Umberto Eco, de crônicas sobre as coisas bizarras que ele encontra pelo mundo, em suas viagens – sempre se arrisca a receber comentários “corretivos”, como acontece frequentemente com este humilde blogueiro, que não possui nenhum poder externo, nenhuma capacidade de mudar o mundo, e suas idiossincrasias bem mais perigosas do que os exemplos de kitsch em que tropeçava o escritor italiano. O único poder deste blog, na verdade, está nas poucas virtudes socráticas que ele possa ter, o poder – muito vago, é verdade – de convencer outros, de forma didática, por demonstrações que possuem certa lógica intrínseca, certo embasamento na realidade e certa coerência entre os meios e as finalidades, o que nem sempre é fácil de encontrar nas medidas do governo, vou logo adiantando.
Por que digo isto? Bem, digamos que, como cidadão consciente, sou tremendamente exigente quanto ao uso que se faz do meu dinheiro, sim, todo aquele terço – senão mais – da minha renda que é apropriado pelo governo para fazer, supostamente, obra benemérita. O mais das vezes, o que vejo, são políticas erradas, que deixam os ricos ainda mais ricos, e distorcem cada vez mais as regras do jogo no Brasil. Por isso escrevo, sem muita audiência, mas com a certeza de que pelo menos cumpro ou dever cívico, ou no mínimo didático, ao alertar os mais jovens – e alguns mais velhos também – sobre o real sentido, e as consequências efetivas de todas essas políticas governamentais, que eu encontro particularmente malucas. Sim, sou um anarquista conceitual, e sempre serei crítico dos governos: afinal de contas somos nós que os colocamos lá, e eles são pagos com o nosso dinheiro. Temos, portanto, todo o direito de criticá-los à vontade.
Nessa tarefa, encontro muita gente que escreve raivosamente para este blog, me acusando disso ou daquilo, o que pode fazer parte do jogo; desde que seja pertinente ao post, não tenho problema em publicar. Não é o caso do comentário abaixo, que transcrevo em sua integralidade, antes de oferecer uma pequena aula de economia política, ao jovem acadêmico que o escreveu. Sim, primeiro pensei que se tratava de um economista governamental, de um Adesista Anônimo como muitos que se encontram por aí, e que se comprazem em defender a sua boa causa, mesmo com todos os equívocos acumulados ao longo do tempo. Depois concluí que se trata apenas de um estudante de graduação querendo aprender economia. Sendo assim, vou parar com outras tarefas mais importantes, para oferecer-lhe uma pequena aula de economia brasileira e internacional.
Mas primeiro a transcrição do comentário. Ele deu-se a propósito deste post:
SEXTA-FEIRA, 30 DE MARÇO DE 2012

Eis aqui o comentário recebido, em itálico:

Anônimo deixou um novo comentário sobre a sua postagem "Governo aumenta a irracionalidade e a ilegalidade ...":

O sistema internacional esta mal regulado e cheio de distorções, como mostra sabiamente o documentário "Inside Job".Com o câmbio sobrevalorizado de 20% a 30%, a indústria brasileira tem sido massacrada desde 2008, com a invasão de produtos do sudeste asiático. A China utiliza um câmbio desvalorizado em 40%, como é de amplo conhecimento no cenário internacional. Além disso, conta com uma infraestrutura eficiente, energia elétrica barata e uma mão de obra semiescrava. O Brasil tem feito um esforço grande para voltar a investir, mas tem muitos problemas estruturais. A baixa taxa de poupança, a maneira como a CF/88 estabeleceu um amplo sistema de seguridade social (que é caríssimo, algo que a China não tem que arcar), isso tudo leva a uma baixa taxa de poupança, o que dificulta um crescimento dos investimento. A reforma tributária é um exemplo, o Delfim Neto diz que desde a época em que ele era ministro se fala de reforma tributária. Ele diz que a reforma não sai, porque os governadores e as bancadas estaduais sempre travam a discussão, ficam com medo de saírem prejudicados, preferindo deixar a coisa no 0x0. Pequenas reformas foram feitas ultimamente, dentro das possibilidades politicas (simples nacional, por exemplo). Eu teria de escrever um livro aqui para falar como é dificílimo atacar os problemas estruturais do Brasil. Acho que no curto prazo o Brasil esta correto ao aplicar essas medidas, não existe outra opção. É necessário criar empregos de qualidade para 200 milhões de pessoas, só o agronegócio e o setor de serviços não conseguem atingir essa marca. É muito fácil falar que o protecionismo é um erro, quando você esta assistindo tudo de fora, sentado na sua poltrona. Difícil é abrir uma fábrica e concorrer com os chineses. O governo sabe que o protecionismo leva à ineficiência, ninguém lá é idiota. No momento, o Brasil tem a industrialização que ele consegue ter. Ponto final. Agora é apagar o incêndio, deixar a indústria respirar um pouco, para depois tentarmos mudar as questões mais complexas.

Postado por Anônimo no blog Diplomatizzando em 31/03/12 00:37

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Agora meus comentários a cada uma das afirmações do meu anônimo comentarista. Como sempre faço, procederei por transcrever, topicamente, cada uma das afirmações ou argumentos que me parecem suscitar reparos, e agregarei meus próprios comentários em seguida.
O autor dos comentários está convidado a me rebater, e me prontifico a publicar sua réplica, ou tréplica, neste caso.
Vamos lá:

1) “O sistema internacional esta mal regulado e cheio de distorções, como mostra sabiamente o documentário "Inside Job".
PRA: Concordo, parcialmente, com a primeira parte da frase, mas nunca recomendaria, para qualquer aluno, esse filme, que me parece um Michael Moore um pouco mais especializado. Recomendo ao meu comentarista o filme “Too Big To Fail”, bem mais realista e confiável do que essa lamúria contra os “especuladores” que constitui o “Inside Job”. Francamente, se trata de um filme piegas, maniqueísta.
Agora, discordo dele em que exista algo próximo a um sistema internacional. Que sistema é esse? Quais são suas regras? Onde está o Board que dirige o sistema, seu processo decisório e outras coisas que definem um sistema? O que existe são fluxos, dos mais diversos – comerciais, financeiros, tecnológicos, humanos, etc. – sendo intercambiados em economias de mercado mais ou menos reguladas de modo muito imperfeito nos planos nacional e multilateral, com uma descoordenação total entre as diversas unidades que participam desses mercados: empresas, governos, entidades intergovernamentais, blocos, ONGs, etc., com poderes muito diversos entre eles. Não é exatamente uma anarquia, mas é algo muito próximo disso, com a vantagem de que na nossa atual anarquia, poucos são os malucos que acham que governos devem substituir totalmente os mercados – embora sempre tenhamos neobolchevique por aí, que acreditam nisso – e são bem mais os numerosos os que concordam em que a economia capitalista é assim mesmo, dada a sobressaltos e crises eventuais (sempre recorrentes, mas de formas novas e inesperadas).

2) “Com o câmbio sobrevalorizado de 20% a 30%, a indústria brasileira tem sido massacrada desde 2008, com a invasão de produtos do sudeste asiático.
PRA: Coitadinha da indústria, tão massacrada... Mas será que a razão principal é o câmbio? Pode ser em parte, mas não totalmente. Outros países passaram por processos de valorização tão, ou mais, intensos que o brasileiro, e sobreviveram e se beneficiaram, como Alemanha e Japão, por exemplo, grandes importadores, e exportadores. Sempre quando se fica mais rico, a moeda tende a se valorizar. Isso por acaso é ruim.
Se o meu comentarista for examinar as outras fontes da valorização da moeda, ele certamente vai achar algo que não é da responsabilidade dos chineses: eles são por acaso culpados por nossa taxa de juros tão elevada, que atrai tantos capitais?
E a carga tributária brasileira? Será que ela não começa a ser massacrada aqui mesmo no próprio Brasil? Sugiro ao comentarista que examine os dados de tributação e constate para mim quais são os países malucos que impõem um custo de 40% aproximadamente sobre os produtos de uso corrente, proteção tarifária idem, e outras coisas mais. Não vale dizer “escandinavos”, a menos que ele compare os níveis de renda e de produtividade, também. Pode buscar...

3) “A China utiliza um câmbio desvalorizado em 40%, como é de amplo conhecimento no cenário internacional. Além disso, conta com uma infraestrutura eficiente, energia elétrica barata e uma mão de obra semiescrava.”
PRA: Não é verdade, ou é apenas parcialmente verdade. A China ancora sua moeda no dólar, pois grande parte de suas exportações é feita nessa moeda, e ela quer preservar certo equilíbrio de valores. Pode-se dizer que o dólar se desvaloriza... mas isso também reduz o poder de compra da China no exterior. Ela mantém sua população mais pobre do que poderia ser, e isso é ruim.
Outra coisa: o Brasil praticou manipulação cambial durante 40 anos, e não tivemos reclamação de ninguém contra isso, pois a medida nos deixava mais pobres, justamente, e éramos totalmente desimportantes no comércio internacional. A China não é, mas não adianta reclamar: depois de 1973, cada país pode fazer o que quiser com sua própria moeda, e não foram poucas as vezes nas quais os EUA, coitadinhos, tiveram de operar uma desvalorização administrada do dólar...

4) “O Brasil tem feito um esforço grande para voltar a investir, mas tem muitos problemas estruturais. A baixa taxa de poupança, a maneira como a CF/88 estabeleceu um amplo sistema de seguridade social (que é caríssimo, algo que a China não tem que arcar), isso tudo leva a uma baixa taxa de poupança, o que dificulta um crescimento dos investimento.”
PRA: Não estou vendo nenhum esforço, repito, nenhum: fazem pelo menos 20 anos (e mais de dois governos, portanto), que a taxa de investimento está abaixo de 20% do PIB. Qual é o esforço aí? Não vejo nenhum.
Coitadinho do Brasil: tem problemas estruturais? E não consegue resolver? Mas onde está o governo do “nunca antes”? Nunca antes, na história do Brasil, tantos se beneficiaram da ação tão esplendorosa de tão poucos... Foram mais de 40 milhões arrancados da miséria, ao que parece, embora possa haver certo exagero, claro. A poupança potencial do Brasil, na verdade, não é baixa, pois se considerarmos determinados recolhimentos compulsórios que NÃO SÃO consumidos pelo setor privado, ou pelas empresas, e sim absorvido na esfera governamental, essa taxa poderia ser bem mais alta.
Ah, mas o meu comentarista vai me dizer que a tal de “Constituição cidadã” determinou um padrão de gastos – aliás sempre crescentes – incompatível com uma taxa maior de poupança e de investimentos. É verdade!
Mas que estúpidos brasileiros: já se passaram mais de 20 anos e ainda não se decidiram por reformar a CF e corrigir essas estupidezes! Vão esperar alguma crise, por acaso?
As pessoas não são inteligentes o bastante para perceber que estão num impasse, ou num caminho que leva ao abismo?
Discordo do meu comentarista quando diz que a seguridade social é caríssima. Comparada com o quê? Claro, comparado com os recolhimentos feitos e os benefícios pagos. E somos estúpidos o suficiente para deixar essa situação se prolongar até quando?
Os chineses tem algo a ver com isso? Absolutamente nada. Eles estabeleceram um outro arranjo: as pessoas fazem poupança, e investem, justamente, para terem dinheiro suficiente na velhice. Com isso a poupança e o investimento são altos. Não é inteligente, isso? O que impede os brasileiros de fazer o mesmo? Preguiça? Atraso mental?
O que o meu comentarista me apresenta não é uma explicação; é apenas um lamento. Bem, então invente um mais palatável...

5) “A reforma tributária é um exemplo, o Delfim Neto diz que desde a época em que ele era ministro se fala de reforma tributária. Ele diz que a reforma não sai, porque os governadores e as bancadas estaduais sempre travam a discussão, ficam com medo de saírem prejudicados, preferindo deixar a coisa no 0x0.”
PRA: O motivo não é bem esse. Nos 20 anos decorridos desde a CF, quem aumentou sua parte das receitas totais foi o governo federal, com base em contribuições que não são divididas com os estados e municípios, e é razoável que os governadores e prefeitos se sintam logrados pelo governo federal e queiram uma maior parte da benesse. A questão foi que a CF, estupidamente, deu mais encargos ao governo federal, ao mesmo tempo em que lhe retirava receitas, para distribuir aos estados e municípios. Aí o governo foi buscar o dinheiro onde ele está: no bolso dos cidadãos e no caixa das empresas.
Mas a solução não está em fazer uma reforma tributária que aumente a carga para todos e dê mais dinheiro para o Estado, e sim uma que reduza a carga e isso tem de começar pela redução das despesas públicas. Este é o verdadeiro debate que os governos, em geral, e os economistas também, não fazem. Reduzir despesas, reduzir impostos, dar mais espaço para as iniciativas privadas.
Os economistas do governo, sobretudo deste governo, dizem que estão fazendo distribuição de renda, inclusão social, justiça fiscal, etc. Mentira: os mandarins de sempre estão se apropriando de fatias cada vez maiores da riqueza coletiva: basta comparar salários e benefícios do setor privado com os do setor público. Esta é a vergonha.

6) “Pequenas reformas foram feitas ultimamente, dentro das possibilidades politicas (simples nacional, por exemplo). Eu teria de escrever um livro aqui para falar como é dificílimo atacar os problemas estruturais do Brasil.”
PRA: Pois bem, sinta-se à vontade, escreva seu livro; se ele tiver contribuições relevantes, terei prazer em ajudar a divulgá-lo. Mas, faça, e não se esconda no anonimato, pois debate público é importante, com pessoas inteligentes como parece ser este meu comentarista.
Agora, dizer que o Simples é uma reforma é um exagero. Ele é um paliativo, para não manter na informalidade milhões de micro e pequenas empresas. Mas é estúpido, também, pois limita a capacidade de uma micro ou pequena converter-se em média ou grande empresa, pela engenhosidade e trabalho de seus proprietários, que ao fazê-lo cairiam no inferno tributário que é o Brasil hoje, um verdadeiro manicômio.
O Brasil está sempre inventando expedientes para não fazer as reformas verdadeiras.

7) “Acho que no curto prazo o Brasil esta correto ao aplicar essas medidas [protecionistas], não existe outra opção. É necessário criar empregos de qualidade para 200 milhões de pessoas, só o agronegócio e o setor de serviços não conseguem atingir essa marca.”
PRA: Pois é, nosso comentarista deveria se teletransportar para 1929-1931: ele estaria perfeito lá. Todos os líderes políticos e econômicos fizeram exatamente isso que ele recomenda, e o mundo entrou na maior depressão já conhecida na história. Protecionismo nunca foi solução para nada, apenas para dar dinheiro a industriais espertos, e tornar o país ainda mais pobre.
Claro que existem outras opções: reformar a economia, diminuir custos, aumentar a produtividade, modernizar a infraestrutura, etc. Difícil fazer isso, mas isso cria emprego também, e protecionismo NUNCA foi aumento de qualidade para NADA. O nosso comentarista não conhece história econômica ou se ilude com o discurso do governo.

8) “É muito fácil falar que o protecionismo é um erro, quando você esta assistindo tudo de fora, sentado na sua poltrona. Difícil é abrir uma fábrica e concorrer com os chineses.”
PRA: Sentado na poltrona? Bobagem. Ninguém está falando em concorrer com os chineses naquilo que os chineses fazem melhor e mais barato. Existem milhares de outros produtos que podemos fazer melhor e mais barato que os chineses, pois temos vantagens comparativas que eles não têm e NÃO PODEM ter, só nós temos. Por que não fazemos isso? Queremos continuar brigando com a realidade?
Havia um tempo em que éramos imbatíveis no fornecimento de café, tanto que vendíamos tudo o que produzíamos, mas naquela base do “enfiar no saco” e mandar para o porto. Os colombianos, que JAMAIS poderiam concorrer conosco na quantidade, começaram a concorrer na qualidade, e conseguiram. Por que não fazemos o mesmo?
Burrice? Talvez, mas nada que não possa ser remediado com pessoas inteligentes no governo. A menos que...

9) “O governo sabe que o protecionismo leva à ineficiência, ninguém lá é idiota.”
PRA: Bem, peço licença para não concordar...

10) “No momento, o Brasil tem a industrialização que ele consegue ter. Ponto final. Agora é apagar o incêndio, deixar a indústria respirar um pouco, para depois tentarmos mudar as questões mais complexas.”
PRA: Mas que afirmação mais fatalista. Como “ponto final”? Nenhuma industrialização é estática, jamais. Os EUA começaram na linha de montagem fordista, e teriam sido engolidos pelos japoneses nos anos 1970, por ineficiência, justamente porque ficou na industrialização que “poderiam ter”. Idiotas. Deveriam ter sido comidos pelos japoneses, pois pelo menos não teriam dado despesas nos anos 1970 e agora, justamente, ao terem sido salvos uma segunda vez. Indústria é assim: ou você avança, ou é superado.
O argumento do meu comentarista é a coisa mais fatalista, determinista, que eu poderia encontrar em qualquer pessoa que observa o mundo.
O Brasil já não PODE mais ter a indústria que ele construiu dos anos 1950 aos 1970: isso acabou, e devemos ir mais à frente, agregar valor, passar para outras linhas de produção, inovar.
Difícil? Certamente, mas ninguém disse que o mundo é feito para preguiçosos e acomodados.
Como diz a canção: “I never promised you a rose garden...”
(Se não for isso, alguém me corrija...).

De nada.
Paulo Roberto de Almeida
Paris, 1ro de abril de 2012.

sexta-feira, 30 de março de 2012

Governo aumenta a irracionalidade e a ilegalidade da tributacao nacional...

O título do post é meu, mas eu explico logo abaixo, depois de postar a matéria. O básico é que se trata de tratamento discriminatório e injusto, irracional, e ilegal, tanto no plano interno quanto internacional.
Meus argumentos podem eventualmente ser contestados pelos técnicos do Governo, mas eu gostaria de ver esses argumentos a favor...
Paulo Roberto de Almeida  



Governo vai taxar produtos importados e reduzir impostos da indústria nacional

Raquel Landim
O Estado de S. Paulo, Sexta, 29 de Março de 2012

Os novos setores contemplados devem ser máquinas, móveis, geração e transmissão de energia, plásticos, fabricantes de ônibus, de aviões e indústria naval


SÃO PAULO - A presidente Dilma Rousseff vai elevar a tributação sobre produtos importados ao mesmo tempo em que reduz os impostos pagos pela indústria nacional. Na terça-feira, a equipe econômica pretende anunciar a desoneração da folha de pagamento para cerca de nove setores e a criação de uma Cofins (Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social) adicional para as importações desses produtos.
Os setores contemplados devem ser aqueles que se reuniram recentemente com o ministro da Fazenda, Guido Mantega: máquinas, móveis, geração e transmissão de energia, plásticos, fabricantes de ônibus, de aviões, indústria naval, além de calçados e têxteis, que já haviam sido beneficiados anteriormente. 
Esses setores deixam de pagar os 20% de INSS que incidem sobre os salários dos seus trabalhadores e, em troca, vão contribuir com um alíquota equivalente a cerca de 1% do faturamento bruto. A alíquota ainda não está fechada, mas a intenção do governo é adotar o mesmo porcentual para todos os setores.
A avaliação da equipe econômica é que a instituição da Cofins sobre os importados significa garantir "isonomia" para a indústria nacional. A alíquota de cerca de 1% será cobrada sobre o faturamento das empresas já acrescida de PIS/Cofins, que hoje está em 9,25%. Dessa maneira, na prática, aumentaria a Cofins paga pela indústria brasileira. Logo, a alíquota extra para o importado só compensa a diferença.
A avaliação de especialistas ouvidos pelo Estado, no entanto, é diferente: ao tributar só o importado, o governo federal estaria promovendo tratamento discriminatório, que vai contra as regras da Organização Mundial de Comércio (OMC). É a mesma polêmica da alta de 30 pontos porcentuais do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) para os automóveis importados.
Para tentar escapar do questionamento na OMC, o governo poderia recorrer ao esquema de elevar a Cofins para todos os produtos manufaturados e devolver o imposto à indústria nacional por meio de crédito tributário. 
Segundo um estudo que circula na administração federal, obtido pela reportagem, o governo avalia essa alternativa. Com o título de "Indústria da transformação e a concorrência externa predatória. Uma proposta de mitigação dos efeitos", o documento tem 35 páginas.
No trabalho, os técnicos do governo simularam o que ocorreria se o governo desonerasse a folha de pagamento de toda a indústria da transformação brasileira e concluíram que representaria uma perda de arrecadação de R$ 20 bilhões.
De acordo com o documento, se fosse instituída uma alíquota extra de 9% de Cofins para os produtos importados, isso significaria arrecadação extra de R$ 27,3 bilhões. O valor é mais do que suficiente para cobrir o rombo da desoneração da folha. Procurado, o Ministério da Fazenda não se pronunciou.
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Comentários PRA:
Todos os demais setores da economia nacional vão se sentir discriminados e se perguntar: "Por que só esses aí, e o meu setor não? São só eles que sentem os efeitos perversos de uma supertributação?"
De fato, reduções setoriais representa um tratamento discriminatório, desigual, iníquo, pois parece que só os que choram, os que vão a Brasília, é que conseguem algumas migalhas aparentes do governo.
De fato, essa dedução dos recolhimentos laborais do INSS contra um recolhimento do faturamento bruto vai ajudar as empresas que empregam relativamente mais capital humano do que máquinas, mas isso vai ao contrário da modernização tecnológica, pois as empresas vão evitar de se capitalizar, e aumentar sua rentabilidade no upgrade tecnológico, para não ter de pagar mais impostos.
É esse o caminho da modernização competitiva que o Brasil pretende?
Pretende ser um eterno utilizador de mão-de-obra extensiva em todos os setores?
Esse é o resultado, estrutural e de longo prazo, que nos prometem essas medidas bem intencionadas, mas como tudo em economia, sempre tem consequências pelo outro lado.
O governo está dizendo aos empresários: "Não se capitalizem, empreguem mais gente, conservem o seu pessoal, não se modernizem, senão vocês vão pagar mais impostos..."
Belo futuro temos pela frente.

Quanto à outra medida, ela não poderia ser mais inconstitucional, irracional, deletéria, estúpida e, no limite, contrária a qualquer regra do sistema multilateral de comércio.
Afinal de contas, o que um Cofins sobre as importações?
O que é o Cofins?
Literalmente se trata de uma contribuição para o financiamento da seguridade social, ou seja, como os trabalhadores são formados no que se chama (muito mal aliás) sistema nacional de educação -- teoricamente estudos básico e médio público gratuito -- e depois colocados à disposição do setor privado, no processo produtivo, se pede uma contribuição do empresário para a aposentadoria desses mesmos trabalhadores, no pressuposto de que eles tiveram uma boa educação e foram formados pelo Estado, ou seja, a coletividade, para servir a fins privados.
Não importa aqui -- e isso já representa uma irracionalidade -- que os mesmos empresários já recolhem 20% de INSS para as mesmas finalidades, e que a Cofins, portanto, é duplicada e cumulativa, o fato é que se paga duas vezes pela mesma finalidade, mas o fato relevante é que produtos que não passaram pelo processo produtivo nacional, e que NUNCA TIVERAM TRABALHADORES FORMADOS NO BRASIL, não deveriam ser submetidos a uma tributação nacional.
Ou seja, o Brasil está cobrando por um suposto benefício que JAMAIS teve uma contrapartida nacional, a menos que ele pretenda remeter o dinheiro do Cofins para os países de origem do produto, pois seria teoricamente o vínculo estrutural desse tributo.
Começa, portanto, que essa Cofins sobre importações já é uma irracionalidade, uma prepotência brasileira, uma taxa iníqua que jamais deveria ter sido criada e aplicada, não só internamente -- pois corresponde a um imposto duplicado --, mas sobretudo externamente, pois NÃO CORRESPONDE A QUALQUER CONTRAPARTIDA DO ESTADO.
Desde 2003 que a Cofins vem sendo cobrada também nas importações, e eu digo que isso é ilegal, discriminatório, injusto e contrário às obrigações internacionais do Brasil.
Agora pretendem aumentar os 8% de mais 9% de Cofins nas importações. Pois eu acho que os países do Gatt vão reclamar contra o Brasil e pedir eliminação dessa cobrança ilegal, QUE NÃO CORRESPONDE A QUALQUER regra de comércio que o Brasil tenha apresentado e consolidado no Gatt. Aliás, deveria antes passar pelo Mercosul, que é a união aduaneira através da qual -- hoje bem mais ficcional -- o Brasil consolida sua política comercial no sistema multilateral.
O Estado brasileiro é um país que já vive à margem da legalidade no plano interno e agora se prepara também para viver na ilegalidade no plano internacional.
Paulo Roberto de Almeida 

sábado, 20 de agosto de 2011

Irracionalidades economicas brasileiras: apenas uma entre muitas...

Não adianta o governo querer proteger a indústria nacional contra a "concorrência predatória" estrangeira (supostamente chinesa ou especialmente da China e seus "aliados" e "comissionados"), se o próprio governo central e os estados mantêm uma rede de impostos extorsivos e irracionais que gravam terrivelmente a competitividade dos produtos brasileiros:


Peso do ICMS faz país perder competitividade
Brasil Econômico - Ponto Final, 19, 20 e 21 de agosto de 2011, pag. 39

Segundo dados do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior (Mdic), historicamente, entre 25% e 30%das exportações brasileiras utilizam o regime de drawback. Em síntese, o drawback visa desonerar a aquisição de matérias-primas, partes e componentes que serão ou que foram utilizados na industrialização de produtos destinados à exportação.

Para 2011, com a nova meta de exportações de US$ 245 bilhões, o Mdic espera que o mecanismo seja utilizado em pelo menos 40% do total vendido ao exterior. Para isso, o Mdic aposta no crescimento do drawback integrado.

O drawback integrado permite, além da importação, a aquisição de produtos no mercado interno com suspensão dos tributos federais. Uma novidade pouco difundida é que os exportadores que desconheciam as regras podem, desde fevereiro, adquirir no mercado interno, com isenção de IPI e das contribuições PIS/Cofins, mercadorias equivalentes às empregadas ou consumidas na industrialização de produto exportado, a fim de repor seus estoques.

Tais medidas, embora sejam louváveis, não resolvem o principal peso dos exportadores brasileiros, que é o acúmulo de créditos de ICMS. Dependendo das regras de devolução do Estado em que o exportador está localizado, bem como da estrutura de negócios da empresa, os créditos acumulados de ICMS tornam-se irrecuperáveis, o que acaba por aumentar o custo, e, por consequência, o preço do produto que se pretende exportar.

Isso ocorre porque o regime de drawback só inclui o ICMS nas importações de insumos que serão posteriormente destinados à fabricação de produtos exportados. A aquisição de insumos nacionais e a importação de matérias-primas de reposição, não estão abrangidos pela desoneração do ICMS.

É imprescindível que os avanços na legislação federal sejam acompanhados pelos Estados. Não há como se admitir que os estados continuem trabalhando contra os interesses do país

Essa diferença de tratamento tributário, como se pode prever, causa algumas distorções e limitações ao regime.A principal distorção é que exportadores brasileiros preferem importar insumos a adquiri-los localmente, o que coloca os fornecedores brasileiros em situação de desvantagem com os fornecedores estrangeiros. Muitas empresas brasileiras que,mesmo praticando margens de lucro reduzidas, poderiam competir no mercado internacional, deixam de ter qualquer competitividade ao computar os créditos acumulados de ICMS como custo.

Diante desse cenário, mostra-se imprescindível que os avanços na legislação federal sejam acompanhados pelos Estados. Não há como se admitir que os estados continuem trabalhando contra os interesses do país.

Do ponto de vista jurídico, a inclusão do ICMS no regime de drawback não depende de iniciativas isoladas de cada umdos Estados,mas deumaação coordenada no âmbito do Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz). Por essa razão, muitos Estados se escondem atrás da inércia desse órgão, sem se dar conta que tal postura está sufocando as empresas situadas em seu território, sobretudo as exportadoras e aquelas que fornecem insumos para as indústrias exportadoras.

Em troca de migalhas recolhidas — e não devolvidas — a título de ICMS, os Estados acabam prestando um desserviço aos planos de expansão das exportações do país, e impedindo melhores resultados da balança comercial.

O governo federal deve, por meio do Ministério da Fazenda, iniciar discussões e pressionar os Estados para que seja aprovada a uniformização tributária no regime de drawback, com a inclusão do ICMS em todas as modalidades.

segunda-feira, 6 de setembro de 2010

Carta Tributaria Brasileira: simplesmente escorchante

Sim, já falei muito disso, e vou continuar a falar. Inclusive porque o Ministério da Fazendo publica dados sobre o nível da carga fiscal, que ficou abaixo do índice da OCDE, sem explicar que ocorreu, três anos atrás uma revisão metodológica das contas nacionais, que redundou no rebaixamento de uma carga fiscal que, provavelmente, já estaria três ou quatro pontos acima do que se pretendo hoje.
Mas, deixo a palavra hoje com quem entende melhor do assunto do que eu.
Paulo Roberto de Almeida

A carga tributária brasileira e os impostos sobre os mais pobres
Por Leandro Roque
Extraído do site do Instituto Ludwig von Mises Brasil
[pelo meu colega blogueiro Kleber Pires, em Libertatum]

A imprensa vem alardeando com pompa e circunstância o fato de que a carga tributária brasileira em 2009 — em porcentagem do PIB — foi menor que a média dos países da OCDE (33,6% contra 35%).

Não sei muito bem qual a grande vantagem de termos uma carga tributária 1,4 ponto percentual menor que a de Portugal, mas, se a imprensa está eufórica, então deve ser coisa boa. (...)

Mas a questão a ser abordada aqui não é essa. Houve um detalhe embutido nessa notícia que fez a imprensa verter lágrimas, compensando sua euforia com a notícia principal: o Brasil, em média, tributa bem menos a renda e a propriedade, e sobrecarrega de impostos os bens de consumo e os serviços.

Aparentemente, o pessoal quer assistencialismo e bem-estar social, mas não quer saber dureza para financiá-los. Querem ir a um restaurante fino, empanturrar-se de escalopes, belugas e vinhos franceses, mas não querem fazer cara de espanto quando chega a conta.

Em primeiro lugar, vale notar que, não fosse o Banco Central e sua capacidade de expandir continuamente a oferta monetária, a carga tributária necessária para financiar todos os serviços e funcionários estatais seria muito maior. Estamos trocando mais impostos por inflação monetária. A consequência desse arranjo é inevitável: preços constantemente em ascensão ao invés de preços em queda, o que realmente seria bom para os mais pobres. Mas como são muito poucas as pessoas que realmente entendem a perversidade desse mecanismo fraudulento, todo mundo acha normal.

Porém, e finalmente entrando na questão principal, uma coisa precisa ser dita, sem qualquer juízo de valor: se os gastos do governo não caírem, se é para ter impostos para financiar um estado deste tamanho, e se é para permitir que haja um mínimo de crescimento econômico, então o único arranjo correto é de fato tributar o consumo, e não a renda e a propriedade. Mais ainda (só para deixar evidente a perversidade da coisa): é preferível que a carga tributária seja pequena sobre os ricos e mais alta sobre os mais pobres. E tudo isso para o bem destes.

Explico.

Poupança, produção e consumo
Para uma economia enriquecer e melhorar o padrão de vida de todos, ela precisa produzir bens e serviços de qualidade. Quanto maior a abundância desses bens e serviços de qualidade, menor o preço deles. O nível de riqueza de um país é proporcional à quantidade e à variedade de bens disponíveis em sua economia.

Porém, para que eles sejam produzidos, é necessário haver capital. Capital, no caso, refere-se não a dinheiro, mas a ativos físicos das empresas e indústrias. Capital são as instalações, os maquinários, as ferramentas, os estoques e os equipamentos de escritório de uma fábrica ou de uma empresa qualquer. Ou seja, capital é tudo aquilo que auxilia um modo de produção

Quanto maior a quantidade desse capital, maior será a intensidade, a abundância e a qualidade dos produtos criados. Portanto, para uma economia crescer e melhorar o padrão de vida das pessoas, ela precisa ser intensiva em capital.

Qualquer outra maneira de melhorar o padrão de vida de um país que não seja por meio do aumento do capital acumulado será completamente insustentável. Essa, aliás, é a grande falácia do pensamento keynesiano, que diz que é o consumo que gera a riqueza. Porém, se não houver produção, como pode haver consumo? Como você pode consumir algo que não foi produzido? Antes do consumo, tem de vir a produção. E, para haver produção, é preciso acumular capital.

O problema é que o capital não surge do nada; ele não cai do céu. Para haver um acúmulo de capital que possibilite toda essa produção, é preciso antes haver poupança. E poupança nada mais é do que a abstenção do consumo. O sujeito que poupa é aquele que deixa de consumir. Ao se abster do consumo, esse indivíduo estará liberando bens de consumo para serem usados nos processos de produção que irão criar os bens de capital.

Funciona assim: se grande parte da população deixa de comprar computadores, laptops, carros, motos, celulares, iPhones, televisões, DVDs etc., isso fará com que haja uma maior abundância desses bens, reduzindo seus preços e liberando as indústrias da necessidade de produzir mais destes bens apenas para suprir a escassez deles. Tal atitude estará liberando os fatores de produção dessas indústrias, que agora poderão utilizá-los em outros processos de produção, resultando em uma abundância ainda maior de bens de consumo.

Mais ainda: os bens que já foram produzidos e não consumidos — isto é, os bens que foram poupados — poderão ser empregados em outros processos de produção cujos produtos finais, embora irão estar prontos somente daqui a algum tempo, trarão óbvias satisfações para os consumidores.

Como disse Mises,
Aqueles que poupam — isto é, que consomem menos que a sua parcela dos bens produzidos — inauguram o progresso em direção à prosperidade geral. As sementes que eles semearam enriquecem não apenas eles próprios, mas também todas as outras camadas da sociedade. Sua poupança beneficia os consumidores.

Portanto, a poupança dos indivíduos permite que haja uma maior quantidade de bens (recursos) a serem empregados na produção, ajudando na criação de bens de capital, os quais, por sua vez, irão produzir mais e ampliar a abundância de produtos na economia.

O capital advém da poupança. É a poupança que permite a formação de capital, o qual, por sua vez, irá produzir uma maior quantidade de bens de consumo.

Gastos do governo, tributação, pobres e ricos
O governo atrapalha esse processo de formação de capital de três maneiras: gastando, tributando e incorrendo em déficits orçamentários.

Quando o governo gasta — seja comprando recursos para fazer obras, seja comprando bens para políticos, seja dando salários para funcionários públicos, os quais irão consumi-los —, ele está impedindo diretamente a formação de capital. Afinal, os gastos do governo fazem com que haja uma menor quantidade de bens na economia, anulando a poupança dos indivíduos (eles se abstiveram do consumo mas não terão o benefício da abundância futura de produtos, pois o governo consumiu boa parte) e interrompendo o processo de formação de capital acima descrito.

Para financiar seus gastos, o governo utiliza em grande parte as receitas provenientes de impostos. Se a incidência de impostos for sobre a renda — e sobre a poupança advinda dessa renda —, então o governo estará impedindo que esses recursos sejam destinados a investimentos produtivos, levando aos mesmos efeitos acima.

Por fim, se o governo incorre em déficits orçamentários, ele terá de pegar empréstimos para cobrir esse rombo. Na maioria dos casos, ele venderá títulos em troca do dinheiro poupado por indivíduos e empresas, e utilizará esse dinheiro para cobrir seus gastos. Obviamente, essa apropriação de renda de indivíduos e empresas também surtirá os mesmos efeitos acima.

Portanto, se uma economia quiser aumentar a poupança e a formação de capital, o governo terá de ter um orçamento equilibrado, impostos baixos e gastos idem. E, principalmente, os impostos não devem recair sobre a produção e nem sobre a renda, pois isso seria um enorme obstáculo à poupança e à formação de capital.

Sendo assim, o artifício de reduzir impostos sem uma concomitante redução de gastos — uma medida que soa muito positiva para muitos liberais —, não ajuda no processo de formação de capital. Ao contrário, pode piorá-lo ainda mais, pois, os fundos que o governo agora deixou de confiscar via impostos, ele irá recolher via empréstimos. O governo está trocando um real de impostos por um real de endividamento. Cada real adquirido pelo governo desta forma significa um real a menos disponível para o resto do sistema econômico, e com um agravante: a pressão sobre os juros que tal medida pode criar. Afinal, como o governo está desviando poupança para si próprio, haverá menos fundos disponíveis para investimentos produtivos, aumentando o preço (juros) deles.

Portanto, cortes de impostos que causam um aumento no déficit do governo não promovem a poupança e nem a formação de capital. São, portanto, contrários a esse propósito. O mesmo é válido para os déficits que, ao invés de serem financiados por mais endividamento, sejam financiados pelo aumento da expansão monetária praticada pelo banco central. A inflação desestimula a poupança e estimula o consumo do capital numa velocidade ainda maior — afinal, poupar deixa de ser uma atividade benéfica, dado que seu dinheiro está perdendo poder de compra.

Da mesma forma, dado que a inflação provoca um aumento nominal da renda e dos lucros, isso faz com que as empresas tenham de pagar uma quantidade maior de impostos sobre a renda e sobre o lucro — a tabela do imposto de renda não é corrigida anualmente pela inflação —, reduzindo ainda mais sua capacidade de investimento.

Os críticos da alta carga tributária que recai sobre os bens de consumo — prejudicando, portanto, os mais pobres — querem que haja mais impostos sobre a renda e sobre a propriedade dos mais ricos, exatamente a medida mais destrutiva para a formação de capital, algo que seria ainda mais prejudicial para os mais pobres no longo prazo. É dos ricos e das grandes empresas que vem a poupança necessária para os investimentos produtivos.

Ironicamente — e essa é a parte chocante —, a única maneira de haver um estado assistencialista, provedor e gastador, sustentado por uma alta carga tributária, e que, ao mesmo tempo, permita uma relativa formação de capital, é fazendo com que a carga tributária se concentre majoritariamente sobre os mais pobres (tanto sobre sua renda quanto sobre os bens de consumo). Isso simplesmente porque os pobres poupam relativamente menos de sua renda do que os ricos, de modo que eles pouco contribuem para o processo de formação de capital.

Assim, a única forma de haver uma maior poupança e uma maior formação de capital em uma economia como a brasileira, cujo governo só faz aumentar seus gastos, é mantendo um orçamento equilibrado por meio de impostos que recaem maciçamente sobre os mais pobres. Mais ainda: para aumentar a poupança, e com isso acelerar o processo de formação de capital, os impostos sobre os ricos teriam de ser reduzidos, o que significa que os impostos sobre os pobres teriam de ser aumentados ainda mais — dado que o governo se recusa a cortar gastos.

Portanto, se uma pessoa se recusa a aceitar que o governo tem de reduzir gastos, e ao mesmo tempo ela quer que haja crescimento econômico, então ela está logicamente obrigada a defender aumentos de impostos sobre a renda dos mais pobres e sobre os bens de consumo, de modo a compensar a necessária redução de impostos sobre a renda dos mais ricos.

Como bem explicou George Reisman,
Ironicamente, um aspecto dessa abordagem existe — dentre todos os lugares — justamente na Suécia! O que permite que a Suécia tenha uma das mais altas cargas tributárias do mundo e, ao mesmo tempo, se mantenha como um país moderno, com avanços moderados, é o fato de que a carga tributária na Suécia recai mais pesadamente no assalariado sueco médio, e não nas empresas suecas, cuja carga tributária é na realidade menor do que a das empresas de muitos outros países ocidentais. (Por exemplo, quando consideramos o fato de que as empresas suecas podem deduzir 50 por cento de seus lucros para reinvesti-los no futuro, o que os torna uma reserva isenta de impostos, o imposto de renda de pessoa jurídica efetivo se torna menor na Suécia do que nos EUA: 26 por cento versus 35 por cento). Se as empresas suecas tivessem de arcar com a mesma carga tributária que incide nos assalariados suecos, a economia sueca há muito já estaria em ruínas.

Conclusão
Um estado inchado como o brasileiro não oferece almoço grátis. Ao contrário: ele cobra muito caro até pelo couvert.

Se os brasileiros querem manter um estado com esse mesmo nível de gastos, então não apenas a carga tributária não pode ser reduzida, como, pior ainda, ela tem de ser aumentada sobre os mais pobres e concomitantemente reduzida sobre os mais ricos, de modo que a arrecadação final se mantenha. Esse seria o único arranjo compatível com um crescimento econômico sustentável — embora muito abaixo do crescimento possível caso houvesse uma redução dos gastos do governo.

Portanto, um estado desse tamanho pode até permitir que haja crescimento econômico. Mas não será nada bondoso com os mais pobres, que só começarão a se beneficiar do capital acumulado em um futuro longínquo — e isso levando-se em conta um nível constante de gastos do governo. Quanto mais estes forem elevados, pior para eles.

Finalmente, uma vez compreendida a real natureza da poupança, torna-se compreensível por que a mera expansão monetária — isto é, criação de dinheiro pelo banco central — não pode gerar investimentos. Como Mises nunca se cansou de explicar, bens de capital não podem ser criados por meio de uma expansão monetária. Inundar uma economia de dinheiro não vai fazer com que os bens de capital necessários para os processos de produção surjam do nada. O que importa não é a quantidade de dinheiro em circulação, mas sim a quantidade de capital acumulado pela economia. E esse capital só pode crescer se houver poupança — isto é, abstenção do consumo.

Resta saber o que os intelectuais acham disso. Por que não defender a redução de gastos do governo? Não é nada impossível.