Carlos Alberto Sardenberg
O Globo, 23/03/2013
“Ninguém aqui em Chicago pode trabalhar por menos de US$ 4,50 por hora”, conta o garçom de um bom restaurante, um rapaz de menos de 30 anos. Feitas as contas, considerando jornada de 40 horas por semana, dá US$ 800/mês.
“Mas gente ganha mais, dá para fazer mais de 300 dólares em um dia de bom movimento”, explica o rapaz. É a gorjeta, claro. O rendimento variável é o que vale e depende não das horas de trabalho, mas do movimento e da capacidade de atendimento do garçom.
A gorjeta, pelos costumes americanos, varia de 10% a 20%, e vai direto para o bolso do garçom, no dia mesmo de trabalho. Afinal, acrescenta o rapaz, “a gente trabalha para o freguês, não para o restaurante”. Mas, considerando que a gorjeta está incluída na conta, junto com comida e bebidas, como calculam e como pagam por dia (ou por noite)?
O garçom traz então os boletos, as contas pagas por cada mesa que atendeu naquela noite. Já está tudo grampeado e calculado.
Ele mostra e explica: “Eu vendi hoje 2.060 dólares, a gorjeta foi de uns 350 (cerca de 17%). Aí eu pago uma parte para o ajudante e outra para o pessoal do bar. Vou levar limpos uns 250 dólares”.
Repararam os verbos? “Eu vendi... eu pago...”
O restaurante, a empresa, paga na base do mínimo, a cada duas semanas. E só. Ou seja, é o trabalhador, nesse setor, que precisa cuidar de sua previdência e seu plano de saúde.
Claro que em outros setores da economia, em fábricas, por exemplo, ou em empresas maiores, o sistema é diferente, com salários semanais fixos maiores que a parte variável. Mas em boa parte do setor de serviços (incluindo comércio), a variável é maior.
Assim, esse caso dos restaurantes é um bom exemplo das vantagens e desvantagens de uma legislação trabalhista bastante flexível e na qual vale mais o combinado entre as partes.
Para o restaurante, a empresa, a vantagem é a redução do custo fixo. Gasta pouco com a folha de salários, ao contrário, por exemplo, de um restaurante no Brasil, cujo dono paga salário fixo e todos os demais itens (FGTS, INSS, 13º, adicionais diversos e por aí vai).
Nos EUA, quando o movimento cai, o prejuízo se distribui entre empresa e empregados, pois os dois lados passam a “vender” menos.
No Brasil e em muitos outros países, europeus, por exemplo, caindo o movimento, aumenta proporcionalmente o custo do restaurante , já que não é possível passar parte dos garçons para um sistema de trabalho apenas nos fins de semana.
Não raro, cria-se um impasse: o restaurante (ou a empresa) só consegue se manter funcionando no prejuízo, dado o baixo faturamento combinado com custos fixos elevados. No fim, a casa fecha e não se protegeram os empregos.
Nos EUA, para o garçom, a vantagem é receber diariamente e conforme a qualidade reconhecida de seu serviço. Para o público, a regra é um incentivo ao bom atendimento. Diferente, por exemplo, do sistema dominante no Brasil, no qual o caixa do restaurante recolhe toda as gorjetas e distribui por igual no final do mês.
(Aliás, o Congresso está discutindo uma legislação que obriga os restaurantes a repassar pelo menos 80% da gorjeta para os garçons e cozinheiros. Devia ser 100%, não é mesmo?).
Por outro lado, nos EUA, havendo uma crise, a empresa tem ampla possibilidade de cortar pessoal e reduzir os pagamentos. A taxa de desemprego praticamente dobrou de 2008 para 2009, nos momentos mais difíceis da crise financeira que quase paralisou a toda a economia .
E os salários também caem rapidamente, pois são basicamente negociados e não garantidos em lei.
Nos países que têm ampla e meticulosa legislação trabalhista, o ajuste — com desemprego e redução do nível médio de salários — sempre acaba acontecendo, mas demora mais e é mais custoso, como está acontecendo na maior parte dos países europeus.
Pelo outro lado, a recuperação econômica é sempre mais rápida nos Estados Unidos. Começa a melhorar e os empregos começam a voltar. Mas o desemprego cai antes de subirem os salários. Neste momento, por exemplo, a taxa de desemprego, que chegou a passar dos 10%, está na casa dos 7%. Já o salário médio, descontada a inflação, é praticamente o mesmo de 2009.
Em compensação, todo o sistema permite que as empresas reduzam custos e se esforcem para ganhar produtividade, que é, de novo, o que acontece. A produção por trabalhador/hora cresce 1,5% ao ano, desde que se iniciou a recuperação. E isso é a chave do crescimento.
No Brasil, onde o emprego formal é superprotegido, a produtividade está em queda e o custo unitário do trabalho em alta. Resultado: empresas menos competitivas. As que podem, reduzem a produção, mas mantêm a os trabalhadores, na expectativa de retomada da atividade. Se a retomada demora e essa expectativa enfraquece, o ajuste — corte de custos e de empregos — vem, então, mais forte.
Difícil combinar crescimento e proteção.
Carlos Alberto Sardenberg é jornalista.
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