Lembro-me perfeitamente bem, mais de dez anos atrás, quando o Brasil já tinha saído de suas décadas perdidas -- grosso modo o período que vai da crise da dívida externa, em 1982 (mas ela tinha raízes ainda no primeiro choque do petróleo, em 1973), até a estabilização parcialmente alcançada em 1994, e consolidada em 1999-2000 -- aí pelas alturas de 2001-2002, quando a Argentina ainda se debatia nas agruras da sua crise terminal da lei de conversibilidade e não tinha ainda entrado na gloriosa década dos K, a partir de 2003, lembro-me, pois, perfeitamente bem de uma discussão que tive com um alto figurão da república dos companheiros, que também se preparava, então, para tomar o poder, discussão na qual esse figurão (aliás do MRE) defendia ferrenhamente a decisão argentina de moratória unilateral (que até hoje não foi completamente absorvida pelas vítimas do calote) e as decisões posteriores de intervenções pesadas no jogo econômico, com perdas enormes para as empresas nacionais e estrangeiras que tinham investido em diversas áreas abertas pelo Estado na "década menemista", e eu, modestamente, dizia que tudo isso iria custar muito caro à Argentina e ao povo argentino.
Pois bem, parece que fui desmentido por muitos anos de grande crescimento argentina durante a primeira era dos K (mas muito era recuperação da enorme descida aos infernos nos anos 2001 e 2002, com um recuo de talvez 10 ou 15% no PIB), mas eu persistia em dizer que o preço ainda seria pago um dia.
Acho que esse dia já chegou, e a Argentina vai pagar caro, e o seu povo idem, coitado, por todos esses anos de abusos inacreditáveis não apenas contra a teoria econômica e o que dizem os manuais de faculdade, mas sobretudo contra os mais elementares princípios da boa conduta nos assuntos públicos, com atropelos constantes à legalidade e à própria constitucionalidade.
Os companheiros, que aplaudiam ruidosamente a conduta argentina -- principalmente seu calote contra os banqueiros internacionais, mostrando aliás que eles nunca entenderam de mercados financeiros -- devem estar hoje apreensivos, ao ver que esse "modelo" está fazendo água, e o pior é que vai prejudicar ainda mais o Brasil, como já tinha prejudicado desde os anos 1990 e especialmente a partir de 2002-2003, ante a completa passividade do nosso irresponsável dirigente, que deixou de defender os interesses nacionais e foi cúmplice no afundamento do Mercosul.
Mais um crime econômico que pode ser creditado ao inacreditável desastre moral que tem sido a nossa lula-década.
Paulo Roberto de Almeida
Os Kirchners e a década perdida
25 de maio de 2013 | 2h 04
Editorial O Estado de S.Paulo
Numa nova tentativa de reconquistar parte do apoio que a presidente argentina Cristina Kirchner perde velozmente, a Casa Rosada vem procurando popularizar o nome de "década ganha" para a grande festa de comemoração dos dez anos da chegada dos Kirchners ao poder. Para boa parte dos argentinos e, certamente, para a grande maioria dos produtores rurais, no entanto, a festa, se simbolizar alguma coisa, sintetizará uma década perdida.
A produção e as exportações de itens que, no passado recente, caracterizaram a pujança da agroindústria argentina estão em queda, há desânimo no campo e os agricultores lamentam a perda da oportunidade aberta no mercado internacional aos exportadores de commodities, com o alto preço desses itens. Mesmo que, daqui para a frente - numa inesperada e improvável correção de suas políticas nocivas para o setor produtivo e punitivas para os consumidores -, o governo Kirchner faça as coisas certas e libere as exportações, as vantagens para o país serão bem menores do que poderiam ter sido: os preços das commodities estão em queda.
Os problemas para a agricultura argentina começaram no governo de Néstor Kirchner (2003-2007). Sua sucessora e esposa, Cristina Kirchner, que está no segundo mandato presidencial, criou outros e, por causa do estrito controle exercido pelo secretário de Comércio Interior de seu governo, Guillermo Moreno, vem tornando ainda mais difícil a produção e, sobretudo, as exportações. Embora pareçam surpreendentes, os dados recentes sobre a notável perda de importância da agricultura argentina no cenário mundial são a consequência inevitável da política kirchnerista.
A Argentina é historicamente conhecida como importante produtor de carne bovina, pela qualidade de seu produto e, sobretudo, pela condição de ser um dos principais fornecedores mundiais. Cada vez mais, porém, o estrangeiro que quiser provar a qualidade desse produto terá de fazê-lo em território argentino. A carne foi o primeiro produto a entrar na lista baixada pelo governo Kirchner (o presidente era Néstor, morto em 2010) de itens que teriam sua exportação controlada, sob o argumento de que era necessário "garantir a oferta doméstica e preços acessíveis".
Disso surgiram duas consequências. A carne tornou-se um dos alimentos básicos mais caros da dieta dos argentinos. E a Argentina, que chegou a ser o terceiro maior exportador de carne do mundo, hoje está na 11.ª posição e exporta menos do que o Uruguai e o Paraguai (o Brasil é o segundo maior exportador, atrás da Austrália).
Em 2005, a Argentina exportou 771 mil toneladas de carne; em 2012, apenas 183 mil toneladas. As vendas externas do produto são taxadas com um imposto adicional de 15%, chamado de retenção. Além disso, os frigoríficos dispõem de cotas de exportação rigidamente fixadas por Moreno e seu fornecimento para o mercado doméstico está sujeito a tabelamento.
Como resultado, os pecuaristas passaram a se dedicar a outras atividades, como a produção de soja, cuja exportação está sujeita a uma retenção maior (35%), mas não depende de cotas. O rebanho, de 57 milhões de cabeças em 2007, se reduziu para 48 milhões em 2010. Houve uma pequena recuperação nos dois últimos anos.
O país vem perdendo posições também nas exportações de outros produtos, como leite e trigo. O problema tornou-se crítico no caso das exportações da área de energia. Em 2011, a Argentina tornou-se o quarto maior exportador mundial de biodiesel, mas, desde o ano passado, enfrenta crise nessa área. A produção no primeiro trimestre deste ano foi 39,8% menor do que a de igual período de 2012, enquanto as exportações diminuíram 51,2%.
É a consequência do gesto populista de maio de 2012, quando o governo Kirchner estatizou as ações que a espanhola Repsol detinha na petrolífera YPF. Em represália, a Espanha suspendeu as importações do biodiesel argentino. E a Espanha é a principal porta de acesso do produto à União Europeia, que absorvia 75% das exportações do biodiesel argentino.
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