Um relato objetivo sobre o homem enquanto empresário, e sua trajetória pouco conhecida.
A praxe sugere uma advertência que este observador cumpre a contragosto: ao assumir uma amizade de cinquenta anos fica parecendo que este texto estaria condicionado pelas emoções da perda pessoal. A pulsão de contar uma história (ou a compulsão do testemunho) geralmente obedece a motivações subjetivas, o que não as desqualifica nem as subordina a outros interesses. O relato acrítico, pretensamente objetivo, este sim é sempre deficiente. Ruim.
Os releases biográficos publicados na mídia foram pródigos em lembrar as façanhas de Roberto Civita ao criarRealidade, Veja e Exame num mercado de revistas até então dominado por O Cruzeiro e Manchete visivelmente dependentes do glamour da antiga capital federal.
Quando RoC (como assinava os bilhetes) procurou dar uma entonação verdadeiramente nacional à prospera editora de quadrinhos e revistas de serviços (fundada pelo pai, Victor Civita, na Marginal Tietê), deslocou para sempre o eixo jornalístico do país.
Os formidáveis aportes dos “anos de ouro” do jornalismo carioca (1949-1956) foram ultrapassados por um profissionalismo made in São Paulo jamais manifestado ou suplantado.
Em busca do modelo
Aqui entra o “professor” Roberto Civita com a sua obsessão por treinamento e qualificação. Parte do sucesso inicial de Veja deve-se ao curso pelo qual passou o seu quadro de jornalistas antes mesmo de impresso o projeto-piloto. O “estilo Veja de redação” (que tanta celeuma provocou nos primeiros anos) não aconteceu por acaso, foi seu subproduto.
O Curso Abril de Jornalismo, criado na década de 1980, mantém até hoje turmas anuais e, de certa forma, foi a matriz do seu projeto mais ambicioso em matéria de formação profissional: o Pós-Graduação em Jornalismo com Ênfase em Direção Editorial, em parceria com a ESPM, hoje na terceira edição anual.
Durante dois anos, Roberto Civita percorreu as principais escolas de jornalismo dos Estados Unidos, conversou com reitores, analisou grades curriculares, ajudou a selecionar o corpo docente e inclusive assumiu uma disciplina. Isso fazia parte de um postulado que não cansava de repetir: “Alguém precisa fazer o papel de chato, melhor que seja eu”.
Ironia, Veja foi o primeiro veículo de grande porte a atacar a obrigatoriedade do diploma para o exercício do jornalismo (1982), mas a Editora Abril foi também a primeira organização jornalística a ter como publisher um graduado em Jornalismo (pela Universidade da Pensilvânia).
Impossível verificar se em 2009 Roberto Civita concordou com o ministro Gilmar Mendes, relator da questão do diploma no STF, de que jornalismo, não sendo profissão, dispensa uma formação específica. A verdade é que todo o seu currículo como editor, publisher e empresário representa uma aposta consistente na direção contrária.
Esta vocação ancestral para ensinar aliada à insaciável curiosidade intelectual e amparadas por um fabuloso tino comercial foram as responsáveis por um trunfo que os primeiros obituários não tiveram tempo de valorizar: a Abril Educação (herdeira da Fundação Victor Civita, criada nos anos 1980) é empresarialmente tão importante quanto a Editora Abril – um poderoso conglomerado de editoras de livros didáticos, cursos de idiomas, escolas técnicas e universidades particulares.
Enquanto o jornalismo impresso debate-se em busca de um modelo de negócios capaz de neutralizar alguns efeitos da formidável onda digital, a Abril aponta na direção da indústria do conhecimento, um binômio estável, composto por vetores convergentes e associados: Imprensa e Educação.
Empresas divididas
De todas as nossas indústrias a da Comunicação é a que se assume como a mais legítima representante do modo capitalista de produção. Contudo, nem todas as empresas e grupos jornalísticos nacionais seguem seus paradigmas. Como se a ruidosa filiação à iniciativa privada e ao capitalismo fosse suficiente para garantir o sucesso empresarial.
Não é. O fato de serem organizações familiares não chega a ser entrave. Mas a transparência permanece uma questão chave, mesmo quando não são empresas de capital aberto ou quando suas ações não estão cotadas em bolsa.
Os irmãos Roberto e Richard Civita sempre trabalharam juntos, depois se separaram agressivamente, dividiram a empresa (Editora Abril e Abril Cultural). Apesar do forte sacolejo, o processo seguiu os cânones modernos da administração graças à intervenção de consultores e árbitros respeitados pelas partes. Reconciliaram-se como irmãos, a sociedade acabou.
As débâcles do Jornal do Brasil, Gazeta Mercantil, Grupo Bloch, as precariedades do espólio dos Diários Associados e o susto por que passa o Grupo Estado exibem uma caricatura do sistema capitalista justamente numa indústria que deveria ser o seu abre-alas, carro-chefe.
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Em aberto
Ao lembrar que a biografia de Roberto Civita começa a movimentar-se quando a família é obrigada a fugir da Itália fascista e antissemita, somos remetidos a um conjunto de situações e ingredientes geralmente desconsiderados ou atenuados em nosso biografismo e historiografia.
Por duas vezes os Civita foram obrigados a abandonar as editoras em que trabalhavam tocados pelo terror político. A segunda vez foi nos anos 1970, quando o ramo argentino, da noite para o dia, deixou a sua empresa e o país assustado pelas ameaças simultâneas das milícias de extrema esquerda e extrema direita.
O tópico lembra uma agenda de conversas infelizmente inconclusa. Roberto Civita, o racional, não a deixaria assim.
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O mesmo número do Observatório da Imprensa traz todas estas matérias, sobre Civita e sobre o outro morto ilustre do jornalismo brasileiro, Ruy Mesquita:
ROBERTO CIVITA (1936-2013)
Alberto Dines
ROBERTO CIVITA (1936-2013)
Paulo Nogueira
ROBERTO CIVITA (1936-2013)
Carlos Costa
ROBERTO CIVITA (1936-2013)
Veja.com
ROBERTO CIVITA (1936-2013)
Cynthia Malta
ROBERTO CIVITA (1936-2013)
Luís Nassif
ROBERTO CIVITA (1936-2013)
OESP
ROBERTO CIVITA (1936-2013)
Globo.com
RUY MESQUITA (1925-2013)
Fernando Morais
RUY MESQUITA (1925-2013)
Mino Carta
RUY MESQUITA (1925-2013)
Matías M. Molina
RUY MESQUITA (1925-2013)
Leão Serva
RUY MESQUITA (1925-2013)
Paulo Nogueira
RUY MESQUITA (1925-2013)
Roberto Salone
RUY MESQUITA (1925-2013)
Flávio Tavares
RUY MESQUITA (1925-2013)
Sandro Vaia
RUY MESQUITA (1925-2013)
Felipe Machado
RUY MESQUITA (1925-2013)
Oscar Pilagallo
RUY MESQUITA (1925-2013)
José Serra
Um comentário:
E eu que não sabia que jornalismo não é profissão! Se não é profissão, é o quê? Exercício diletante de uma modalidade específica de escrita? Tá bom: jornalismo não feito só de escrita. Mas começou por aí, então...
Pontos de vista semelhantes a esse sobre o jornalismo (aplicáveis, por extensão, a produtores textuais de outros gêneros de escrita, como os literatos) são fruto de uma visão romântica do ato de escrever.
Afinal de contas, escrever - seja um texto jornalístico ou um romance - já é tão prazeroso e o indivíduo ainda por cima quer se "profissionalizar" neste ramo deleitoso? Ah, aí já é demais! Ganhar dinheiro fazendo o que dá prazer? É muito pra maioria que trabalha em coisas chatas e penosas.
É por estas e muitas outras que eu admiro o american way of life: não é "pecado" ter prazer, nem buscar a felicidade. Felicidade, aliás, é um direito garantido pela Constituição de lá. Se não me engano, é nos EUA que se encontram as únicas faculdades que se propõem a formar escritores. Aqui não tem disso de jeito nenhum!
Jornalismo não é profissão, literatura não é profissão, filosofia não é profissão. Tudo não passa de diletantismo. Sei.
Qual é o pressuposto indispensável para o exercício - diletante ou não - do jornalismo, da literatura, da filosofia? A liberdade.
Ah, mas a liberdade é um bem metafísico caríssimo! Melhor investir na igualdade: é mais barata, deixa todos com a sensação de serem excelentes - principalmente os medíocres - e ainda tem o mérito de manter nas mãos do ditador de plantão a benesse da distribuição pra todos da igualdade em doses religiosamente iguais.
É triste. Triste e lamentável.
Para ser um bom jornalista, ou escritor, ou filósofo (ou seja, exercitar estas que são consideradas não-profissões) é indispensável a liberdade de pensamento. Os jornalistas precisam de liberdade para expressarem os fatos que presenciaram, os escritores precisam de liberdade para criarem as fantasias verossímeis que desejarem, os filósofos precisam de liberdade para buscarem a verdade do logos.
Em um país como o nosso, cuja tradição autoritária remonta àquele país europeu que já foi chamado de o Vale do Jequitinhonha da Europa, pensar a liberdade já é algo muito difícil. Viver livremente, então, é impossível.
Vou meditar sobre o tema na hora do angelus.
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