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terça-feira, 28 de maio de 2013

Roberto Civita, um outro retrato empresarial e humano - Cynthia Malta (Valor)


ROBERTO CIVITA (1936-2013)

Morre Roberto Civita, aos 76 anos

Por Cynthia Malta em 28/05/2013 na edição 748
Reproduzido do Valor Econômico, 27/5/2013; título original “Morre Roberto Civita, controlador do Grupo Abril, aos 76 anos”, intertítulos do OI
Roberto Civita, dono da maior editora de revistas da América Latina, morreu ontem em São Paulo, aos 76 anos. O controlador do Grupo Abril estava hospitalizado nos últimos três meses no Sírio Libanês, por complicações decorrentes de cirurgia para a colocação de stent abdominal. Seu filho Giancarlo Civita, vice-presidente do conselho de administração do grupo, ocupava interinamente as funções de Roberto, que presidia o conselho.
Criador e editor-chefe de Veja desde o seu lançamento em 1968, Roberto Civita assumiu a presidência da Abril em 1990. Nasceu em Milão, em 1936. É formado em Jornalismo e em Economia pela Wharton School, da Universidade da Pensilvânia e tem pós-graduação em Sociologia pela Universidade de Colúmbia. Sua família controla, por meio de uma holding, a Abrilpar, a Abril S.A. e a Abril Educação S.A, além de uma série de outros empreendimentos. A Abril Educação, no início de 2010, passou a atuar separadamente da Abril S.A. por meio de uma reorganização societária, sendo uma empresa de capital aberto
Roberto Civita deixou a Itália com 2 anos e meio. O pai, Victor Civita, fundador do grupo Abril, nasceu em Nova York e a mãe, Sylvana, em Roma. “Ela era mais forte do que ele. Sotaque italiano muito forte e, quando perguntavam 'a senhora é italiana?', respondia: 'No. Romana'“, contou Roberto ao Valor, em uma entrevista concedida em março do ano passado.
Ele morou em Nova York até os 12 anos, mas passou a adolescência no Brasil, onde se formou na Graded School, na zona sul de São Paulo. O adolescente bom de matemática ganhou uma bolsa para estudar física no Texas. Sua turma era de 400 alunos. Nos primeiros exames, ficou em segundo lugar: “Um cara fantástico, em primeiro lugar; um cara bom, eu; e o resto, que não ia ser físico nunca!”
Projeto problemático
Ele mesmo não ficou muito tempo na física. Olhando para trás, achava que poderia ter sido cientista, mas não seria “muito bom nem feliz”. O jovem Roberto perguntou-se o que sabia fazer bem. “Sei escrever bem. Fui diretor do jornal da Graded, trabalhei no jornal da universidade. Gostava de teatro, lia vorazmente. Pensei: 'Pare de lutar contra, vá a favor'.”
Seu pai, nessa época, já havia fundado a Editora Abril. Publicava revistas da Disney, como O Pato Donald, e fotonovelas.
Roberto Civita foi fazer, então, economia na Wharton Business School e jornalismo – os dois cursos, simultaneamente. Terminadas as duas faculdades, no fim dos anos 1950, foi selecionado, ao lado de cinco jovens em meio a dois mil candidatos, para estagiar na revista Time, então no auge de seu prestígio. Concluído o estágio, passou a ganhar “salário de gente”, três vezes maior do que o de trainee, e foi convidado a ser o número dois daTime na região do Pacífico. Mas o pai tinha outros projetos para ele. Mandou passagem para um encontro em São Paulo.
Victor perguntou o que Roberto queria fazer na vida. “Ah, mudar o mundo, claro, né?”. O pai ponderou: “Você já se deu conta de que aqui teria mais alavancagem? No Hemisfério Norte está cheio de jovens inteligentes, bem preparados. Aqui tem pouca gente inteligente, bem preparada.”
Roberto disse que queria fazer uma revista de informação semanal, como a Time, uma revista de negócios como aFortune e uma revista como a Playboy. O pai prometeu que prepararia a empresa. Roberto acabou concordando. “Foi o encontro mais importante que tive com meu pai... Eu me lembro dele todos os dias.”
Para Civita, conhecido nos corredores da Abril como Doutor Roberto ou pela sigla RC, o pai, que usava a sigla VC, era um homem carinhoso e exigente. “A expectativa dele era alta. Dele e a da minha mãe. E põe alta nisso.”
O pai o proibiu de dirigir, nos anos 80, quando Roberto já tinha mais de 40. Distraído, conversando ou lendo, ele se perdia na cidade ou batia no carro da frente.
Sob seu comando, a Abril lançou as revistas Quatro RodasClaudiaExame e Realidade. Depois desta, a Veja, que demorou a dar lucro. “Nos primeiros quatro anos, a revista perdia todo o dinheiro que a Abril ganhava. Tudo o que fazíamos de um lado sumia no ralo do outro”, lembrou Roberto. Hoje vende 1,1 milhão de exemplares e responde por cerca de 50% da publicidade vendida pela Editora Abril.
O fracasso inicial de Veja não foi o único projeto problemático da Abril. Civita reconhecia que foi um erro ter investido simultaneamente em TV por cabo (TVA), por satélite (DirecTV) e no sistema MMDS (micro-ondas): “Ninguém conseguiu na história do mundo fazer as três coisas... Alguém tinha que ter chegado e falado: você enlouqueceu? Não pode fazer isso!”
Investimento em educação
Quando não estava trabalhando, gostava de ver filmes em seu sítio, em São Lourenço da Serra, a cerca de 50 km de São Paulo. Mas nada de violência ou correria. “Odeio filme idiota. Se tem alguém com revólver apontando, com carro explodindo ou cara correndo, essa coisa adolescente, eu 'tô' fora. E a vida é muito curta. Prefiro ver filmes bons de 20, 30, 50 anos atrás... a ver filmes ruins de agora”. Seu preferido era Cidadão Kane, clássico de Orson Welles que, nas palavras de Civita, retrata muito bem “a vida, as dúvidas, os obstáculos e desafios de uma das grandes figuras da história da imprensa” – o magnata das comunicações William Randolph Hearst.
Na Abril, o xodó era a Veja, uma revista que provoca reações fortes, positivas e negativas. “Se você não está gerando reações fortes, está fazendo algo errado. Não acredito em imprensa que quer agradar a todo mundo.”
O leitor ideal, dizia, é aquele que toma partido e se indentifica com a publicação. “Eu gosto, é comigo, eu concordo. Esta [revista] aqui fala o que eu penso. Eu não quero um monte de leitores que dizem.... é, por um lado, mas se por um lado, e o outro lado... Não quero [...]. Que comprem outra coisa. Não preciso agradar a todo mundo.”
Acreditava na livre-iniciativa. Era contra “a estatização, a socialização, que não funciona”.
A mais recente reorganização do grupo, em setembro de 2011, colocou Fábio Barbosa, ex-presidente do banco Santander no Brasil, no comando da Abril S.A., em substituição a Giancarlo Civita. No ano passado, a companhia, com negócios nas áreas de mídia, gráfica, logística e distribuição, teve receita líquida de R$ 2,98 bilhões.
Na Abril Educação, onde a família Civita controla operação que engloba editoras de livros didáticos, apostilas e escolas de idiomas e cursos técnicos, a previsão é que o faturamento chegue a R$ 1 bilhão em 2013. No ano passado foi de R$ 883 milhões.
Civita deixa a mulher Maria Antônia, três filhos – Giancarlo, Victor e Roberta – e seis netos.
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Cynthia Malta, do Valor Econômico

Roberto Civita: um retrato empresarial e humano - Alberto Dines

Um relato objetivo sobre o homem enquanto empresário, e sua trajetória pouco conhecida.
Paulo Roberto de Almeida

ROBERTO CIVITA (1936-2013)

Editor, empresário, professor

Por Alberto Dines 
Observatório da Imprensa, em 28/05/2013 na edição 748
A praxe sugere uma advertência que este observador cumpre a contragosto: ao assumir uma amizade de cinquenta anos fica parecendo que este texto estaria condicionado pelas emoções da perda pessoal. A pulsão de contar uma história (ou a compulsão do testemunho) geralmente obedece a motivações subjetivas, o que não as desqualifica nem as subordina a outros interesses. O relato acrítico, pretensamente objetivo, este sim é sempre deficiente. Ruim.
Os releases biográficos publicados na mídia foram pródigos em lembrar as façanhas de Roberto Civita ao criarRealidadeVeja e Exame num mercado de revistas até então dominado por O Cruzeiro e Manchete visivelmente dependentes do glamour da antiga capital federal.
Quando RoC (como assinava os bilhetes) procurou dar uma entonação verdadeiramente nacional à prospera editora de quadrinhos e revistas de serviços (fundada pelo pai, Victor Civita, na Marginal Tietê), deslocou para sempre o eixo jornalístico do país.
Os formidáveis aportes dos “anos de ouro” do jornalismo carioca (1949-1956) foram ultrapassados por um profissionalismo made in São Paulo jamais manifestado ou suplantado.
Em busca do modelo
Aqui entra o “professor” Roberto Civita com a sua obsessão por treinamento e qualificação. Parte do sucesso inicial de Veja deve-se ao curso pelo qual passou o seu quadro de jornalistas antes mesmo de impresso o projeto-piloto. O “estilo Veja de redação” (que tanta celeuma provocou nos primeiros anos) não aconteceu por acaso, foi seu subproduto.
O Curso Abril de Jornalismo, criado na década de 1980, mantém até hoje turmas anuais e, de certa forma, foi a matriz do seu projeto mais ambicioso em matéria de formação profissional: o Pós-Graduação em Jornalismo com Ênfase em Direção Editorial, em parceria com a ESPM, hoje na terceira edição anual.
Durante dois anos, Roberto Civita percorreu as principais escolas de jornalismo dos Estados Unidos, conversou com reitores, analisou grades curriculares, ajudou a selecionar o corpo docente e inclusive assumiu uma disciplina. Isso fazia parte de um postulado que não cansava de repetir: “Alguém precisa fazer o papel de chato, melhor que seja eu”.
Ironia, Veja foi o primeiro veículo de grande porte a atacar a obrigatoriedade do diploma para o exercício do jornalismo (1982), mas a Editora Abril foi também a primeira organização jornalística a ter como publisher um graduado em Jornalismo (pela Universidade da Pensilvânia).
Impossível verificar se em 2009 Roberto Civita concordou com o ministro Gilmar Mendes, relator da questão do diploma no STF, de que jornalismo, não sendo profissão, dispensa uma formação específica. A verdade é que todo o seu currículo como editor, publisher e empresário representa uma aposta consistente na direção contrária.
Esta vocação ancestral para ensinar aliada à insaciável curiosidade intelectual e amparadas por um fabuloso tino comercial foram as responsáveis por um trunfo que os primeiros obituários não tiveram tempo de valorizar: a Abril Educação (herdeira da Fundação Victor Civita, criada nos anos 1980) é empresarialmente tão importante quanto a Editora Abril – um poderoso conglomerado de editoras de livros didáticos, cursos de idiomas, escolas técnicas e universidades particulares.
Enquanto o jornalismo impresso debate-se em busca de um modelo de negócios capaz de neutralizar alguns efeitos da formidável onda digital, a Abril aponta na direção da indústria do conhecimento, um binômio estável, composto por vetores convergentes e associados: Imprensa e Educação.
Empresas divididas
De todas as nossas indústrias a da Comunicação é a que se assume como a mais legítima representante do modo capitalista de produção. Contudo, nem todas as empresas e grupos jornalísticos nacionais seguem seus paradigmas. Como se a ruidosa filiação à iniciativa privada e ao capitalismo fosse suficiente para garantir o sucesso empresarial.
Não é. O fato de serem organizações familiares não chega a ser entrave. Mas a transparência permanece uma questão chave, mesmo quando não são empresas de capital aberto ou quando suas ações não estão cotadas em bolsa.
Os irmãos Roberto e Richard Civita sempre trabalharam juntos, depois se separaram agressivamente, dividiram a empresa (Editora Abril e Abril Cultural). Apesar do forte sacolejo, o processo seguiu os cânones modernos da administração graças à intervenção de consultores e árbitros respeitados pelas partes. Reconciliaram-se como irmãos, a sociedade acabou.
As débâcles do Jornal do BrasilGazeta Mercantil, Grupo Bloch, as precariedades do espólio dos Diários Associados e o susto por que passa o Grupo Estado exibem uma caricatura do sistema capitalista justamente numa indústria que deveria ser o seu abre-alas, carro-chefe.
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Em aberto
Ao lembrar que a biografia de Roberto Civita começa a movimentar-se quando a família é obrigada a fugir da Itália fascista e antissemita, somos remetidos a um conjunto de situações e ingredientes geralmente desconsiderados ou atenuados em nosso biografismo e historiografia.
Por duas vezes os Civita foram obrigados a abandonar as editoras em que trabalhavam tocados pelo terror político. A segunda vez foi nos anos 1970, quando o ramo argentino, da noite para o dia, deixou a sua empresa e o país assustado pelas ameaças simultâneas das milícias de extrema esquerda e extrema direita.
O tópico lembra uma agenda de conversas infelizmente inconclusa. Roberto Civita, o racional, não a deixaria assim.
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O mesmo número do Observatório da Imprensa traz todas estas matérias, sobre Civita e sobre o outro morto ilustre do jornalismo brasileiro, Ruy Mesquita:


ROBERTO CIVITA (1936-2013)
Alberto Dines
ROBERTO CIVITA (1936-2013)
Paulo Nogueira
ROBERTO CIVITA (1936-2013)
Carlos Costa
ROBERTO CIVITA (1936-2013)
Veja.com
ROBERTO CIVITA (1936-2013)
Cynthia Malta
ROBERTO CIVITA (1936-2013)
Luís Nassif
ROBERTO CIVITA (1936-2013)
OESP
ROBERTO CIVITA (1936-2013)
Globo.com
RUY MESQUITA (1925-2013)
Fernando Morais
RUY MESQUITA (1925-2013)
Mino Carta
RUY MESQUITA (1925-2013)
Matías M. Molina
RUY MESQUITA (1925-2013)
Leão Serva
RUY MESQUITA (1925-2013)
Paulo Nogueira
RUY MESQUITA (1925-2013)
Roberto Salone
RUY MESQUITA (1925-2013)
Flávio Tavares
RUY MESQUITA (1925-2013)
Sandro Vaia
RUY MESQUITA (1925-2013)
Felipe Machado
RUY MESQUITA (1925-2013)
Oscar Pilagallo
RUY MESQUITA (1925-2013)
José Serra

segunda-feira, 27 de maio de 2013

Roberto Civita: uma licao de sabedoria, em tres letras: LER



Em 2008, quando Roberto Civita completou 50 anos na Abril, uma publicação comemorativa trazia uma entrevista constituída de respostas que tinha dado ao longo de sua vida profissional a algumas questões centrais que dizem respeito à imprensa, ao Brasil e ao mundo, hauridas de discursos, palestras, depoimentos etc. 
VEJA.com, 27/05/2013

Como o senhor definiria o Brasil?
O Brasil é um fascinante, exasperante e bendito país!
Qual a razão do otimismo?
Nasceu em casa. Conto uma historinha para ilustrar o que aconteceu pouco antes do golpe militar de 64. Um jantar na casa do meu pai com uns oito ou dez amigos dele e os caras dizendo: “Eu estou tirando o meu dinheiro do Brasil…”, “Estou vendendo a minha fábrica…”, “Vou voltar a viver na Europa…”. O tom era esse. Eu calado porque eram todos de outra geração. Então, meu pai disse: “Pois eu estou comprando uma nova rotativa que custa 5 milhões de dólares”. Os amigos reagiram: “Você está maluco?”, “O que é que deu em você, enlouqueceu?”, “Você não está vendo o que é que está acontecendo neste país? O Brasil vai virar comunista…”, “Acabou tudo e você está investindo…”. A resposta do meu pai foi: “Se tomarem a minha empresa, pelo menos vão tomá-la com uma gráfica decente… É melhor que fiquem com uma gráfica grande”.
O comunismo não veio, o Brasil não acabou e passou até a se modernizar mais rapidamente…
É como dizem os hindus: a sorte é metade do sucesso. Mesmo assim, o que não falta é exasperação, certo? Era agosto de 1983. Eu dava uma palestra na Abril e dizia: “O Brasil está cansado e frustrado com a crise, com a corrupção, com a falta de perspectivas e com um governo que não governa”. Felizmente, concluí a palestra com uma nota otimista, e da qual muito me orgulho. Disse então: “Da mesma maneira que reencontramos os caminhos da democracia e soubemos mergulhar na abertura sem perder o equilíbrio, tenho a certeza de que — muito antes do que se possa imaginar — reencontraremos o caminho do crescimento econômico. Para isso, vai ser preciso repensar e mudar muitas coisas. Mas não tenho dúvida de que, juntos e com muita inteligência e ainda mais trabalho, saberemos fazê-lo”.
Existe uma fórmula mágica para o sucesso?
Sim. Eu a conheço e já registrei com o nome de A Fórmula Mágica da Sorte e do Sucesso (ou — pelo menos — da Sabedoria) em Alguns Minutos por Dia ou Seu Dinheiro de Volta.
Nossa! O senhor pode nos contar como ela funciona?
Trata-se, muito simplesmente, de LER.
Isso é uma sigla?
Verbo. Ler o quê? Tudo o que cair em suas mãos! Folhetos, folhetins, fascículos, panfletos e literatura de cordel. Jornais (grandes, pequenos, nanicos e alternativos), revistas (gerais, profissionais, técnicas… até da concorrência), boletins, fichas de receita, anúncios, embalagens, bulas, enciclopédias, circulares, relatórios, o manual de proprietário do seu carro, quadrinhos, dicionários, programas de teatro, discursos, cartas de amor e — se possível — até alguns livros… Em qualquer lugar. E especialmente no trânsito, no banheiro, no ônibus, no avião, na praia, no elevador, no metrô, no intervalo do jogo no Estádio do Morumbi e — naturalmente — na sala de espera do médico ou dentista. Onde quer que você esteja. Em qualquer momento disponível. Quando não conseguir dormir, quando se encontrar em qualquer fila, no café-da-manhã, na hora do almoço (ou — se estiver de regime — no lugar do almoço), entre duas partidas de tênis no clube, durante os comerciais… até em vez de assistir a uma novela! O importante é reservar tempo para ler. Escolha a hora que quiser. Acorde mais cedo. Durma mais tarde. Mude algum programa. Mas… leia!
Mas funciona mesmo?
A “fórmula mágica” deve ser testada ao longo de, digamos, 23 anos. Até lá não aceitamos reclamações. Falando sério, estou convencido de que a leitura é a receita mais simples para o conhecimento, a atualização permanente, o acesso ao mundo das idéias, a compreensão e a sabedoria. Quanto mais você ler, mais surpresas como estas terá: “Em vez de ser a condição natural do homem e da sociedade, a liberdade é algo que poucos alcançaram, em poucos lugares, através de esforço, dedicação, autodisciplina e engenhosidade social. A liberdade é a exceção da História, não a regra; é aquilo que os homens buscam, não o que possuem”. (Arthur Schlesinger) Ou, ainda, sobre liberdade: “Se uma nação espera ser ignorante e livre ao mesmo tempo, espera ser algo que nunca existiu e que nunca existirá”. (Thomas Jefferson) Ler não envolve apenas a busca de verdades eternas ou receitas universais. Ler é também diversão, entretenimento e bom humor. Alexandre Dumas escreveu sobre o matrimônio: “A cruz do casamento é tão pesada que são necessárias duas pessoas para carregá-la, às vezes três”. E, finalmente, um velho provérbio chinês, aplicável a todos os nossos planejamentos: “É muito difícil fazer profecias, principalmente com relação ao futuro”.
Mas haja memória…
Se me permitirem acrescentar mais uma recomendação àquela básica, eu lhes diria: sempre que possível, leiam com um lápis ou caneta na mão. Marquem os trechos que acharem importantes. Recortem artigos de jornais e revistas. Colecionem as frases ou parágrafos de que gostarem, como outras pessoas colecionam selos, figurinhas, autógrafos, conchas ou chaveiros. Classifiquem seus achados, arquivem-nos, troquem-nos com seus amigos… E voltem, sempre, para saboreá-los. Descobrirão que a sua coleção através dos anos revelará muitas coisas importantes a respeito de si próprios. Bem, se isso não trouxer sorte e sucesso, garanto que — no mínimo — trará sabedoria e muita satisfação.
As revistas podem competir com esses autores fabulosos que o senhor citou?
Podem porque elas são o mais seletivo, segmentado, regionalizado, brilhante, íntimo, aproveitável, portável, rasgável, eficiente, dramático, inteligente, lindo, duradouro e maravilhoso veículo de comunicação que existe.
E com as novas tecnologias?
A revolução iniciada por Gutenberg foi tão importante que ainda não terminou, já passados 500 anos. E, na essência, o que fazemos hoje em matéria de imprensa obedece aos mesmos propósitos que levaram o nosso patriarca a construir a sua primeira prensa: levar informação relevante (no caso dele, os ensinamentos da Bíblia) a um número maior de pessoas, por um custo mais acessível. Na Era da Informação — e apesar de tanta velocidade e diversidade — não podemos deixar de lado a fundamental importância da verdade, da honestidade, da objetividade, da solidariedade, e da “inteligência sensível”. Ou seja, daqueles princípios fundamentais que alicerçam a civilização desde os seus primórdios e sem os quais todo o resto será em vão.
Certas coisas não mudam, não é?
O mundo das publicações está mudando muito rapidamente (e vai continuar mudando ainda mais rapidamente). E a Abril pretende não apenas acompanhar mas liderar essas mudanças.
O que não muda?
Nossa credibilidade continua sendo nosso principal ativo. Daí a fundamental importância da rígida separação entre editorial e publicidade. É o certo a fazer, moral, ética e filosoficamente, como também (e felizmente) o que convém fazer pensando a longo prazo. É o que, afinal, transformou cada uma das nossas publicações na revista líder do seu setor. E é o que vai mantê-las nessa posição e fazê-las crescer e continuar contribuindo para o desenvolvimento do país no futuro.
O que mais não muda?
Quanto mais reflito, e quanto mais tempo sou editor, mais me convenço de que jornalista não precisa de diploma de jornalista, mas sim de uma boa e sólida formação que começa em casa, passa pela escola básica, e pode até chegar à universidade. Um jornalista precisa de escolas, sim — escolas sem rótulos, que ensinem história, literatura, economia, ciência, filosofia, direito… o universo! Um jornalista precisa aprender a pensar, analisar, questionar, usar a cabeça. Um jornalista precisa ler muitos livros, precisa ser curioso, querer saber sempre o porquê das coisas, todas as coisas. E precisa gostar de contar o que descobre, de contar histórias…
Além de querer tem de saber também…
Alguém com esse perfil acima vai ter apenas de aprender o ofício, a técnica, o “como fazer”. Eu não apenas acredito nisso, como pratico há mais de trinta anos.
Quando o senhor sabe que uma publicação está no caminho certo?
Existem muitas variáveis, mas a infalível é quando os jornalistas de uma revista acreditam que o leitor é o seu verdadeiro patrão. Quando eles trabalham unicamente para atender às necessidades desses leitores, por meio de um jornalismo sério, bem pautado, bem apurado, bem escrito, bem editado — resultando em revistas honestas, bonitas, úteis e surpreendentes.
Talvez nunca a imprensa tenha sido tão mal avaliada como agora, o senhor concorda?
Imprecisão, arrogância parcialidade (decorrente da defesa de interesses próprios em detrimento do interesse público), desprezo pela privacidade, insensibilidade, glorificação do bizarro, trivial e banal são queixas mais ou menos comuns atribuídas à imprensa em todos os tempos. Mais do que um elenco de pecados capitais da nossa imprensa, esses itens constituem um roteiro dos males a evitar, um vade mecum do que não deve ser feito.
Como evitá-los?
Primeiro, e principalmente, é preciso respeitar o público leitor. O público não é burro. No máximo ele é mal informado, ocupado com outras coisas, facilmente distraído, muitas vezes por culpa nossa. Os jornalistas devem conhecer melhor seu público. Temos a obrigação de entender que o processo de comunicação envolve não apenas transmitir mas também verificar o que foi captado e entendido do outro lado. E que a compreensão das notícias pelo público é parte essencial do processo. Ou seja, devemos prestar muita atenção no que nossos leitores pensam, acreditam, sentem, escrevem e dizem. Nesse contexto, vale a pena considerar a declaração de William Broyles Junior, ex-editor de Newsweek, quando disse: “Todo jornalista deveria ser entrevistado, analisado e dissecado por outros jornalistas durante certo tempo. Essa simples experiência contribuiria mais para melhorar o jornalismo do que todas as escolas de jornalismo juntas”.
O senhor mesmo gosta de dizer, citando Thomas Jefferson, que apesar de todos os defeitos é melhor ter imprensa imperfeita do que nenhuma, certo?
Aos críticos, nunca é demais repetir: não criamos os fatos, não inventamos a natureza humana, não somos deuses com o poder de alterar o curso dos acontecimentos. Não podemos mudar por muito tempo a verdadeira imagem de personagens ou sufocar as naturais repercussões dos eventos. Não podemos passar as 24 horas do dia ao lado de todas as figuras importantes ou acompanhar a evolução de todos os eventos significativos e significantes; por isso, somos obrigados a selecionar e trabalhar esse material com uma lente de aumento. Nesse processo de seleção, síntese e magnificação, tornam-se mais gritantes certos traços que, de outra forma, ficariam diluídos se porventura tivéssemos o dom da onipresença, ubiqüidade e onisciência — e nossos leitores não fizessem outra coisa que não nos ler o dia inteiro. Nosso Rui Barbosa definiu bem a necessidade da imprensa ao afirmar que ela é “a vista da nação. Através dela a nação acompanha o que se passa ao perto e ao longe, enxerga o que lhe malfazem, devassa o que lhe ocultam e tramam, colhe o que lhe sonegam ou roubam, percebe onde lhe alvejam ou nodoam, mede o que lhe cerceiam ou destroem, vela pelo que lhe interessa e se acautela do que a ameaça”.
Para finalizar, se fosse preciso escolher um único indicador de qualidade da imprensa, qual seria?
Quanto mais independente do governo, maior será a contribuição da imprensa e da livre-iniciativa ao desenvolvimento do país.

Roberto Civita: um editor que acreditava no seu trabalho (Abril-Veja)


Por Augusto Nunes
VEJA.com, 26/05/2013

“Gosto de ser editor e o que eu sei fazer é revista”, dizia Roberto Civita. Mesmo depois de 1990, quando a morte de Victor Civita o levou a assumir o comando da Abril e chefiar o processo de diversificação do grupo fundado pelo pai, ele nunca se afastou da atividade que o seduziu definitivamente na década de 60, quando começou a por em prática os conhecimentos assimilados anos antes, na sua segunda temporada nos Estados Unidos. Nascido em Milão, Roberto Civita morou em Nova York de 1939 a 1949, quando veio para São Paulo. O bom desempenho no Colégio Graded garantiu-lhe uma bolsa de estudos nos EUA, onde percorreu, ao longo da década de 50, caminhos que o levariam à descoberta da vocação profissional e à volta definitiva ao Brasil.
Depois de interromper o curso de Física Nuclear na Universidade Rice, no Texas, para diplomar-se em jornalismo e economia na Universidade da Pensilvânia, Roberto Civita conseguiu um estágio na editora Time Inc, que controlava as revistas Time, Life e Sports Illustrated. Durante um ano e meio, familiarizou-se com todos os setores da empresa, da redação à contabilidade. Em 1958, quando Victor Civita perguntou ao filho que acabara de voltar o que pretendia fazer, ouviu a resposta que apressaria a entrada da Abril no universo jornalístico: “Quero fazer uma revista de informação semanal, como a Time, uma revista de negócios como a Fortune e uma revista como a Playboy”, respondeu.
O pai prometeu preparar a empresa para o passo audacioso, consumado em 11 de setembro de 1968, quando chegou às bancas a primeira edição de VEJA. Roberto Civita participou intensamente das experiências pioneiras que resultaram no lançamento de Realidade, Exame, Quatro Rodas ou Playboy. Mas nada o deixava mais emocionado que recordar a trajetória descrita pela primeira revista semanal de informação do Brasil. Foi ele quem a criou. E foi ele o primeiro e único editor de VEJA, hoje a maior publicação do gênero fora dos Estados Unidos.
“Ninguém é mais importante que o leitor, e ele merece saber o que está acontecendo”, lembrava aos recém-chegados. “VEJA existe para contar a verdade. A fórmula é muito simples. Difícil é aplicá-la o tempo todo”. Sobretudo em ambientes hostis à liberdade de expressão, aprendeu Roberto Civita três meses depois do parto da revista. Em 13 de dezembro de 1968, a decretação do Ato Institucional n° 5 transformou o que era um governo autoritário numa ditadura militar sem disfarces. A capa da edição que noticiou o endurecimento do regime exibiu uma foto do general-presidente Arthur da Costa e Silva sentado, sozinho, no plenário do Congresso que o AI-5 havia fechado. Os chefes militares não gostaram da imagem, e ordenaram a apreensão de todos os exemplares. A essa violência seguiu-se a instauração da censura prévia, que só em meados da década seguinte deixaria de tolher os passos de VEJA.
Risonho, cordial, otimista, Roberto Civita sempre acreditou que nenhuma atividade vale a pena se não for praticada com prazer. “Você está se divertindo?”, perguntava insistentemente aos profissionais com quem convivia. Mantinha-se otimista mesmo quando contemplava a face sombria do país. Para ele, o Brasil só conseguiria atacar com eficácia seus muitos problemas se antes aperfeiçoasse o sistema educacional, modernizasse o capitalismo nativo, removesse os entraves à livre iniciativa e consolidasse o estado democrático de direito. “O que VEJA defende, em essência, é o cumprimento da Constituição e das leis”, repetia. Também essa fórmula parece simples. Difícil é colocá-la em prática. Foi o que o editor de VEJA sempre soube fazer.