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sábado, 7 de abril de 2012

Modelo de crescimento se esgotou - Gustavo Loyola

A entrevista toca em pontos relevantes, embora o entrevistado não consiga se explicar sobre as razões completas dos juros altos. Ele nada diz, por exemplo, da cartelização no sistema bancário e dos altos lucros do setor, como outros fatores importantes desses juros serem tão elevados.
Em segundo lugar, dizer que não é favorável a um "Estado fraco" é uma bobagem monumental, tanto em geral -- pois ninguém mede um Estado como fraco ou forte, pois isso depende de vários fatores, e sim se ele é eficiente, ou não -- como no caso brasileiro, onde o Estado é a coisa mais avassaladora -- pelos maus motivos -- que existe na economia brasileira.

A ler, com grão de sal...
Paulo Roberto de Almeida 

'Modelo de crescimento está se esgotando'
LEANDRO MODÉ
O Estado de S.Paulo, 07 Abril 2012

Para ex-presidente do BC, medidas de estímulo à indústria anunciadas nesta semana dão alívio apenas de curto prazo

As pesquisas que avaliam a popularidade da presidente Dilma Rousseff mostram aprovação recorde, em grande medida por causa do desempenho econômico do País: emprego em níveis historicamente elevados, inflação relativamente controlada e consumo em expansão, entre outros fatores. No entanto, o desconforto de alguns analistas com as perspectivas de médio e longo prazos para a economia brasileira vem crescendo.
Entre eles está o ex-presidente do Banco Central (BC) Gustavo Loyola, atualmente sócio da Tendências Consultoria Integrada. "Nos últimos anos, colhemos os resultados da estabilização, da abertura da economia, das reformas realizadas e de políticas sociais que elevaram a renda da população mais pobre. Esse modelo parece se esgotar", afirmou, em entrevista exclusiva ao Estado.
Para Loyola, o pacote anunciado pelo governo para fortalecer o setor industrial é composto de medidas de pronto-socorro. Algo que ele, a princípio, não é contrário. O centro da questão, segundo ele, é o ataque a problemas estruturais.
A seguir, os principais trechos da entrevista.
Apesar da conjuntura favorável da economia brasileira, alguns analistas se mostram apreensivos com as perspectivas para médio e longo prazos. Qual a visão do sr.?
Começamos a ver sinais mais evidentes de esgotamento do modelo de crescimento da economia brasileira. Ou pelo menos de crescimento mais acelerado. Nos últimos anos, colhemos os resultados da estabilização, da abertura da economia, das reformas realizadas e de políticas sociais que elevaram a renda da população mais pobre. Esse modelo parece se esgotar, em primeiro lugar, porque o crescimento do crédito como proporção do PIB vem se dando de uma maneira mais lenta. As políticas de transferência de renda também parecem se aproximar do limite. Do lado da oferta da economia, não estamos adotando políticas para aumentar os investimentos como proporção do PIB. Há uma carência grande de investimentos. Também não temos adotado políticas de longo prazo que aumentem a produtividade e a competitividade. Ao contrário. Temos visto políticas públicas que aumentam as incertezas do setor privado. As políticas de comércio exterior, por exemplo. A intervenção do governo na economia vem aumentando, bem como os custos de produção. No momento em que o mercado de trabalho se mostra pressionado, a infraestrutura dá sinais de esgotamento e a indústria aponta custos elevadíssimos e perda de competitividade, fica clara a necessidade de políticas estruturadas e mais horizontais. Em suma, políticas que reduzam o custo Brasil.
As medidas anunciadas pelo governo nesta semana vão nesse caminho?
Há boas e más medidas, mas são paliativas. São medidas de pronto-socorro. Não descarto que, em determinadas circunstâncias, o governo seja obrigado a adotar medidas emergenciais. Mas não acho que essas recém-lançadas atacam o cerne da questão. Uma delas desonera alguns setores da economia, mas não resolve o problema da disfuncionalidade do nosso sistema tributário, por exemplo.
O que o sr. quer dizer com medidas estruturadas e horizontais?
Por exemplo, políticas regulatórias. Precisamos dar maiores garantias institucionais a quem vai investir no País. Me refiro a garantias nas regras do jogo. Em setores nos quais o retorno só vem no longo prazo e, portanto, oferecem mais risco, estamos perdendo o marco regulatório. Ou não existe mais ou se deteriorou. As agências reguladoras foram loteadas entre partidos políticos. A autonomia, em muitos casos, foi violada.
Com medidas de pronto-socorro e sem medidas estruturais, onde vamos desembocar?
As medidas de pronto-socorro podem até provocar um alívio de curto prazo, até porque a maioria delas é direcionada à demanda. Mas as medidas protecionistas, por exemplo, a longo prazo, vão contra o interesse das cadeias produtivas locais - que dependem de insumos importados. Com isso, deixa de haver a competição saudável e se criam restrições à melhora da produtividade. Sem falar no aumento da incerteza para os investidores. As medidas de curto prazo funcionam como uma espécie de anestesia, uma vez que conseguem diminuir as pressões da sociedade em prol de reformas estruturantes.
O crescimento de menos de 3% em 2011 já é resultado do baixo investimento na economia?
A expansão do PIB de 2,7% em 2011 teve muito a ver com o alto crescimento, acima do potencial, de 2010. O governo foi obrigado a aplicar freios à economia entre o fim de 2010 e o início de 2011. Houve também influência do ambiente externo mais carregado, mas não foi por isso que o baixo crescimento se deu. Neste momento, estamos colocando lenha na fogueira para buscar uma expansão mais forte. O risco é chegarmos ao segundo semestre com crescimento novamente acima do potencial e sejamos obrigados a aplicar freios outra vez.
Os 2,7% ainda não refletem os sinais de esgotamento aos quais o sr. se refere?
Esse crescimento foi inferior ao que estimamos como potencial. É claro que é um número difícil de calcular, mas acreditamos que, hoje, esteja entre 3,5% e 4%. Talvez já tenha estado mais perto dos 4,5% há não muito tempo. Se não aumentarmos a taxa de investimento para algo entre 22% e 23% do PIB, é difícil sustentar em prazo mais longo um crescimento de 5%, como o governo almeja.
Aportes para o BNDES, como o anunciado esta semana pelo governo, são suficientes para elevar a taxa de investimento para esse nível a que o sr. se refere?
As perspectivas de crescimento do PIB no curto prazo são positivas, independentemente das medidas recentes do governo. O grande problema que vejo é achar que isso é suficiente para manter um nível de crescimento no longo prazo. Ou seja, tentar suprir deficiências estruturais com esse tipo de ação.
O sr. vê semelhanças entre o quadro que descreve com outros momentos da história econômica brasileira?
Vejo alguma similitude, sim. No fim dos anos 60, tivemos um período de reformas importantes. Depois veio o "milagre econômico". A seguir, esse modelo se esgotou. O crescimento foi mantido por mais algum tempo, com vários expedientes que levaram o Brasil à hiperinflação, ao baixo crescimento e à crise de dívida. Não quero dizer que estamos nesse caminho, mas apenas alertando que, se não adotarmos políticas que aumentem o potencial do crescimento, só restará nos conformarmos com uma taxa de expansão mais baixa. E, caso tentemos ultrapassar esse potencial, só criaremos mais distorções. Há uma ausência de medidas que tenham efeitos mais perenes sobre a oferta. Uma das questões primordiais a resolver é o gasto público. Com isso, se recuperaria a capacidade de o setor público investir naqueles segmentos determinantes. Não sou favorável ao Estado fraco.
A atuação do Banco Central tem sido muito criticada no mercado financeiro. Qual a sua avaliação?
A trajetória recente da política monetária parece não ser compatível com o atingimento do centro da meta de inflação em 2012 e 2013. As nossas projeções e as do mercado indicam que devemos ter uma inflação entre 5% e 5,5% nos próximos meses. O BC continua insistindo em que deve cumprir a meta, mas as expectativas estão muito "desancoradas". Isso tem a ver com a comunicação do BC, que ficou mais truncada e perdeu continuidade. Por exemplo, em uma determinada ata, o BC cita o setor externo turbulento como determinante para uma decisão. Em outro documento, recorre ao argumento do juro de equilíbrio mais baixo. Não acho que o BC perdeu o compromisso com a inflação baixa. Mas a comunicação ficou mais difícil de ser captada. Embora não admita que a inflação fique acima da meta, o BC corre mais riscos. A médio prazo, o que pode ocorrer é o BC perder credibilidade. Isso pode ocorrer até com o regime de metas. Muita gente próxima do governo diz que o regime já é parte do passado. Não é o que diz o BC, mas percebemos certa relativização do regime.
Faz mesmo tanta diferença uma inflação de 4,5% ou 5,5%?
A questão aqui é de "ex ante" e "ex post". A meta funciona como um guia para a sociedade (ou seja, é uma função ex ante). Mas não necessariamente será cravada ex post. Pode haver, por exemplo, um choque de oferta na economia. O nosso regime tem uma banda de tolerância grande para isso. Mas é vital haver ancoragem. Se os agentes não acreditam que o centro da meta será cumprido, não há razão para ter regime de meta. Mas, evidentemente, não se trata de cortar a cabeça do presidente do Banco Central se a inflação não fechar em 4,5%.
Os srs. já esperam novas altas da taxa básica de juros?
A atividade econômica estará, no último trimestre do ano, acima do potencial. Portanto, haverá pressão inflacionária. Nesse cenário, o Banco Central deverá reverter a política monetária, na pior hipótese, no início de 2013. Só assim conseguirá ter efeito sobre a inflação do ano que vem. De outro lado, há a possibilidade de o BC retardar a alta do juro básico e adotar, em seu lugar, novas medidas macroprudenciais.
O governo parece disposto a discutir novamente o spread bancário (diferença entre a taxa de captação e a cobrada dos clientes). Como ex-presidente do BC, como o sr. explica a diferença entre o juro básico e o que chega aos clientes aqui no Brasil?
É muito oportuna a retomada dessa agenda. De fato, o spread bancário é elevado no Brasil. Algumas razões: inadimplência muito alta, sobretudo em determinadas linhas de crédito; os impostos que incidem sobre a intermediação financeira são altos; outra fonte de custo são os compulsórios elevados. Há também questões específicas sobre determinados mercados, que devem ser igualmente atacadas. A agenda do spread bancário não é para resolver da noite para o dia, mas precisa ser negociada entre mercado e governo.


sábado, 31 de março de 2012

Sobre a irracionalidade das políticas governamentais - Paulo Roberto de Almeida


Sobre a irracionalidade das políticas governamentais

Paulo Roberto de Almeida

Quem se expõe muito tecendo comentários sobre nossa irrealidade cotidiana – aproveitando o título de um livro do Umberto Eco, de crônicas sobre as coisas bizarras que ele encontra pelo mundo, em suas viagens – sempre se arrisca a receber comentários “corretivos”, como acontece frequentemente com este humilde blogueiro, que não possui nenhum poder externo, nenhuma capacidade de mudar o mundo, e suas idiossincrasias bem mais perigosas do que os exemplos de kitsch em que tropeçava o escritor italiano. O único poder deste blog, na verdade, está nas poucas virtudes socráticas que ele possa ter, o poder – muito vago, é verdade – de convencer outros, de forma didática, por demonstrações que possuem certa lógica intrínseca, certo embasamento na realidade e certa coerência entre os meios e as finalidades, o que nem sempre é fácil de encontrar nas medidas do governo, vou logo adiantando.
Por que digo isto? Bem, digamos que, como cidadão consciente, sou tremendamente exigente quanto ao uso que se faz do meu dinheiro, sim, todo aquele terço – senão mais – da minha renda que é apropriado pelo governo para fazer, supostamente, obra benemérita. O mais das vezes, o que vejo, são políticas erradas, que deixam os ricos ainda mais ricos, e distorcem cada vez mais as regras do jogo no Brasil. Por isso escrevo, sem muita audiência, mas com a certeza de que pelo menos cumpro ou dever cívico, ou no mínimo didático, ao alertar os mais jovens – e alguns mais velhos também – sobre o real sentido, e as consequências efetivas de todas essas políticas governamentais, que eu encontro particularmente malucas. Sim, sou um anarquista conceitual, e sempre serei crítico dos governos: afinal de contas somos nós que os colocamos lá, e eles são pagos com o nosso dinheiro. Temos, portanto, todo o direito de criticá-los à vontade.
Nessa tarefa, encontro muita gente que escreve raivosamente para este blog, me acusando disso ou daquilo, o que pode fazer parte do jogo; desde que seja pertinente ao post, não tenho problema em publicar. Não é o caso do comentário abaixo, que transcrevo em sua integralidade, antes de oferecer uma pequena aula de economia política, ao jovem acadêmico que o escreveu. Sim, primeiro pensei que se tratava de um economista governamental, de um Adesista Anônimo como muitos que se encontram por aí, e que se comprazem em defender a sua boa causa, mesmo com todos os equívocos acumulados ao longo do tempo. Depois concluí que se trata apenas de um estudante de graduação querendo aprender economia. Sendo assim, vou parar com outras tarefas mais importantes, para oferecer-lhe uma pequena aula de economia brasileira e internacional.
Mas primeiro a transcrição do comentário. Ele deu-se a propósito deste post:
SEXTA-FEIRA, 30 DE MARÇO DE 2012

Eis aqui o comentário recebido, em itálico:

Anônimo deixou um novo comentário sobre a sua postagem "Governo aumenta a irracionalidade e a ilegalidade ...":

O sistema internacional esta mal regulado e cheio de distorções, como mostra sabiamente o documentário "Inside Job".Com o câmbio sobrevalorizado de 20% a 30%, a indústria brasileira tem sido massacrada desde 2008, com a invasão de produtos do sudeste asiático. A China utiliza um câmbio desvalorizado em 40%, como é de amplo conhecimento no cenário internacional. Além disso, conta com uma infraestrutura eficiente, energia elétrica barata e uma mão de obra semiescrava. O Brasil tem feito um esforço grande para voltar a investir, mas tem muitos problemas estruturais. A baixa taxa de poupança, a maneira como a CF/88 estabeleceu um amplo sistema de seguridade social (que é caríssimo, algo que a China não tem que arcar), isso tudo leva a uma baixa taxa de poupança, o que dificulta um crescimento dos investimento. A reforma tributária é um exemplo, o Delfim Neto diz que desde a época em que ele era ministro se fala de reforma tributária. Ele diz que a reforma não sai, porque os governadores e as bancadas estaduais sempre travam a discussão, ficam com medo de saírem prejudicados, preferindo deixar a coisa no 0x0. Pequenas reformas foram feitas ultimamente, dentro das possibilidades politicas (simples nacional, por exemplo). Eu teria de escrever um livro aqui para falar como é dificílimo atacar os problemas estruturais do Brasil. Acho que no curto prazo o Brasil esta correto ao aplicar essas medidas, não existe outra opção. É necessário criar empregos de qualidade para 200 milhões de pessoas, só o agronegócio e o setor de serviços não conseguem atingir essa marca. É muito fácil falar que o protecionismo é um erro, quando você esta assistindo tudo de fora, sentado na sua poltrona. Difícil é abrir uma fábrica e concorrer com os chineses. O governo sabe que o protecionismo leva à ineficiência, ninguém lá é idiota. No momento, o Brasil tem a industrialização que ele consegue ter. Ponto final. Agora é apagar o incêndio, deixar a indústria respirar um pouco, para depois tentarmos mudar as questões mais complexas.

Postado por Anônimo no blog Diplomatizzando em 31/03/12 00:37

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Agora meus comentários a cada uma das afirmações do meu anônimo comentarista. Como sempre faço, procederei por transcrever, topicamente, cada uma das afirmações ou argumentos que me parecem suscitar reparos, e agregarei meus próprios comentários em seguida.
O autor dos comentários está convidado a me rebater, e me prontifico a publicar sua réplica, ou tréplica, neste caso.
Vamos lá:

1) “O sistema internacional esta mal regulado e cheio de distorções, como mostra sabiamente o documentário "Inside Job".
PRA: Concordo, parcialmente, com a primeira parte da frase, mas nunca recomendaria, para qualquer aluno, esse filme, que me parece um Michael Moore um pouco mais especializado. Recomendo ao meu comentarista o filme “Too Big To Fail”, bem mais realista e confiável do que essa lamúria contra os “especuladores” que constitui o “Inside Job”. Francamente, se trata de um filme piegas, maniqueísta.
Agora, discordo dele em que exista algo próximo a um sistema internacional. Que sistema é esse? Quais são suas regras? Onde está o Board que dirige o sistema, seu processo decisório e outras coisas que definem um sistema? O que existe são fluxos, dos mais diversos – comerciais, financeiros, tecnológicos, humanos, etc. – sendo intercambiados em economias de mercado mais ou menos reguladas de modo muito imperfeito nos planos nacional e multilateral, com uma descoordenação total entre as diversas unidades que participam desses mercados: empresas, governos, entidades intergovernamentais, blocos, ONGs, etc., com poderes muito diversos entre eles. Não é exatamente uma anarquia, mas é algo muito próximo disso, com a vantagem de que na nossa atual anarquia, poucos são os malucos que acham que governos devem substituir totalmente os mercados – embora sempre tenhamos neobolchevique por aí, que acreditam nisso – e são bem mais os numerosos os que concordam em que a economia capitalista é assim mesmo, dada a sobressaltos e crises eventuais (sempre recorrentes, mas de formas novas e inesperadas).

2) “Com o câmbio sobrevalorizado de 20% a 30%, a indústria brasileira tem sido massacrada desde 2008, com a invasão de produtos do sudeste asiático.
PRA: Coitadinha da indústria, tão massacrada... Mas será que a razão principal é o câmbio? Pode ser em parte, mas não totalmente. Outros países passaram por processos de valorização tão, ou mais, intensos que o brasileiro, e sobreviveram e se beneficiaram, como Alemanha e Japão, por exemplo, grandes importadores, e exportadores. Sempre quando se fica mais rico, a moeda tende a se valorizar. Isso por acaso é ruim.
Se o meu comentarista for examinar as outras fontes da valorização da moeda, ele certamente vai achar algo que não é da responsabilidade dos chineses: eles são por acaso culpados por nossa taxa de juros tão elevada, que atrai tantos capitais?
E a carga tributária brasileira? Será que ela não começa a ser massacrada aqui mesmo no próprio Brasil? Sugiro ao comentarista que examine os dados de tributação e constate para mim quais são os países malucos que impõem um custo de 40% aproximadamente sobre os produtos de uso corrente, proteção tarifária idem, e outras coisas mais. Não vale dizer “escandinavos”, a menos que ele compare os níveis de renda e de produtividade, também. Pode buscar...

3) “A China utiliza um câmbio desvalorizado em 40%, como é de amplo conhecimento no cenário internacional. Além disso, conta com uma infraestrutura eficiente, energia elétrica barata e uma mão de obra semiescrava.”
PRA: Não é verdade, ou é apenas parcialmente verdade. A China ancora sua moeda no dólar, pois grande parte de suas exportações é feita nessa moeda, e ela quer preservar certo equilíbrio de valores. Pode-se dizer que o dólar se desvaloriza... mas isso também reduz o poder de compra da China no exterior. Ela mantém sua população mais pobre do que poderia ser, e isso é ruim.
Outra coisa: o Brasil praticou manipulação cambial durante 40 anos, e não tivemos reclamação de ninguém contra isso, pois a medida nos deixava mais pobres, justamente, e éramos totalmente desimportantes no comércio internacional. A China não é, mas não adianta reclamar: depois de 1973, cada país pode fazer o que quiser com sua própria moeda, e não foram poucas as vezes nas quais os EUA, coitadinhos, tiveram de operar uma desvalorização administrada do dólar...

4) “O Brasil tem feito um esforço grande para voltar a investir, mas tem muitos problemas estruturais. A baixa taxa de poupança, a maneira como a CF/88 estabeleceu um amplo sistema de seguridade social (que é caríssimo, algo que a China não tem que arcar), isso tudo leva a uma baixa taxa de poupança, o que dificulta um crescimento dos investimento.”
PRA: Não estou vendo nenhum esforço, repito, nenhum: fazem pelo menos 20 anos (e mais de dois governos, portanto), que a taxa de investimento está abaixo de 20% do PIB. Qual é o esforço aí? Não vejo nenhum.
Coitadinho do Brasil: tem problemas estruturais? E não consegue resolver? Mas onde está o governo do “nunca antes”? Nunca antes, na história do Brasil, tantos se beneficiaram da ação tão esplendorosa de tão poucos... Foram mais de 40 milhões arrancados da miséria, ao que parece, embora possa haver certo exagero, claro. A poupança potencial do Brasil, na verdade, não é baixa, pois se considerarmos determinados recolhimentos compulsórios que NÃO SÃO consumidos pelo setor privado, ou pelas empresas, e sim absorvido na esfera governamental, essa taxa poderia ser bem mais alta.
Ah, mas o meu comentarista vai me dizer que a tal de “Constituição cidadã” determinou um padrão de gastos – aliás sempre crescentes – incompatível com uma taxa maior de poupança e de investimentos. É verdade!
Mas que estúpidos brasileiros: já se passaram mais de 20 anos e ainda não se decidiram por reformar a CF e corrigir essas estupidezes! Vão esperar alguma crise, por acaso?
As pessoas não são inteligentes o bastante para perceber que estão num impasse, ou num caminho que leva ao abismo?
Discordo do meu comentarista quando diz que a seguridade social é caríssima. Comparada com o quê? Claro, comparado com os recolhimentos feitos e os benefícios pagos. E somos estúpidos o suficiente para deixar essa situação se prolongar até quando?
Os chineses tem algo a ver com isso? Absolutamente nada. Eles estabeleceram um outro arranjo: as pessoas fazem poupança, e investem, justamente, para terem dinheiro suficiente na velhice. Com isso a poupança e o investimento são altos. Não é inteligente, isso? O que impede os brasileiros de fazer o mesmo? Preguiça? Atraso mental?
O que o meu comentarista me apresenta não é uma explicação; é apenas um lamento. Bem, então invente um mais palatável...

5) “A reforma tributária é um exemplo, o Delfim Neto diz que desde a época em que ele era ministro se fala de reforma tributária. Ele diz que a reforma não sai, porque os governadores e as bancadas estaduais sempre travam a discussão, ficam com medo de saírem prejudicados, preferindo deixar a coisa no 0x0.”
PRA: O motivo não é bem esse. Nos 20 anos decorridos desde a CF, quem aumentou sua parte das receitas totais foi o governo federal, com base em contribuições que não são divididas com os estados e municípios, e é razoável que os governadores e prefeitos se sintam logrados pelo governo federal e queiram uma maior parte da benesse. A questão foi que a CF, estupidamente, deu mais encargos ao governo federal, ao mesmo tempo em que lhe retirava receitas, para distribuir aos estados e municípios. Aí o governo foi buscar o dinheiro onde ele está: no bolso dos cidadãos e no caixa das empresas.
Mas a solução não está em fazer uma reforma tributária que aumente a carga para todos e dê mais dinheiro para o Estado, e sim uma que reduza a carga e isso tem de começar pela redução das despesas públicas. Este é o verdadeiro debate que os governos, em geral, e os economistas também, não fazem. Reduzir despesas, reduzir impostos, dar mais espaço para as iniciativas privadas.
Os economistas do governo, sobretudo deste governo, dizem que estão fazendo distribuição de renda, inclusão social, justiça fiscal, etc. Mentira: os mandarins de sempre estão se apropriando de fatias cada vez maiores da riqueza coletiva: basta comparar salários e benefícios do setor privado com os do setor público. Esta é a vergonha.

6) “Pequenas reformas foram feitas ultimamente, dentro das possibilidades politicas (simples nacional, por exemplo). Eu teria de escrever um livro aqui para falar como é dificílimo atacar os problemas estruturais do Brasil.”
PRA: Pois bem, sinta-se à vontade, escreva seu livro; se ele tiver contribuições relevantes, terei prazer em ajudar a divulgá-lo. Mas, faça, e não se esconda no anonimato, pois debate público é importante, com pessoas inteligentes como parece ser este meu comentarista.
Agora, dizer que o Simples é uma reforma é um exagero. Ele é um paliativo, para não manter na informalidade milhões de micro e pequenas empresas. Mas é estúpido, também, pois limita a capacidade de uma micro ou pequena converter-se em média ou grande empresa, pela engenhosidade e trabalho de seus proprietários, que ao fazê-lo cairiam no inferno tributário que é o Brasil hoje, um verdadeiro manicômio.
O Brasil está sempre inventando expedientes para não fazer as reformas verdadeiras.

7) “Acho que no curto prazo o Brasil esta correto ao aplicar essas medidas [protecionistas], não existe outra opção. É necessário criar empregos de qualidade para 200 milhões de pessoas, só o agronegócio e o setor de serviços não conseguem atingir essa marca.”
PRA: Pois é, nosso comentarista deveria se teletransportar para 1929-1931: ele estaria perfeito lá. Todos os líderes políticos e econômicos fizeram exatamente isso que ele recomenda, e o mundo entrou na maior depressão já conhecida na história. Protecionismo nunca foi solução para nada, apenas para dar dinheiro a industriais espertos, e tornar o país ainda mais pobre.
Claro que existem outras opções: reformar a economia, diminuir custos, aumentar a produtividade, modernizar a infraestrutura, etc. Difícil fazer isso, mas isso cria emprego também, e protecionismo NUNCA foi aumento de qualidade para NADA. O nosso comentarista não conhece história econômica ou se ilude com o discurso do governo.

8) “É muito fácil falar que o protecionismo é um erro, quando você esta assistindo tudo de fora, sentado na sua poltrona. Difícil é abrir uma fábrica e concorrer com os chineses.”
PRA: Sentado na poltrona? Bobagem. Ninguém está falando em concorrer com os chineses naquilo que os chineses fazem melhor e mais barato. Existem milhares de outros produtos que podemos fazer melhor e mais barato que os chineses, pois temos vantagens comparativas que eles não têm e NÃO PODEM ter, só nós temos. Por que não fazemos isso? Queremos continuar brigando com a realidade?
Havia um tempo em que éramos imbatíveis no fornecimento de café, tanto que vendíamos tudo o que produzíamos, mas naquela base do “enfiar no saco” e mandar para o porto. Os colombianos, que JAMAIS poderiam concorrer conosco na quantidade, começaram a concorrer na qualidade, e conseguiram. Por que não fazemos o mesmo?
Burrice? Talvez, mas nada que não possa ser remediado com pessoas inteligentes no governo. A menos que...

9) “O governo sabe que o protecionismo leva à ineficiência, ninguém lá é idiota.”
PRA: Bem, peço licença para não concordar...

10) “No momento, o Brasil tem a industrialização que ele consegue ter. Ponto final. Agora é apagar o incêndio, deixar a indústria respirar um pouco, para depois tentarmos mudar as questões mais complexas.”
PRA: Mas que afirmação mais fatalista. Como “ponto final”? Nenhuma industrialização é estática, jamais. Os EUA começaram na linha de montagem fordista, e teriam sido engolidos pelos japoneses nos anos 1970, por ineficiência, justamente porque ficou na industrialização que “poderiam ter”. Idiotas. Deveriam ter sido comidos pelos japoneses, pois pelo menos não teriam dado despesas nos anos 1970 e agora, justamente, ao terem sido salvos uma segunda vez. Indústria é assim: ou você avança, ou é superado.
O argumento do meu comentarista é a coisa mais fatalista, determinista, que eu poderia encontrar em qualquer pessoa que observa o mundo.
O Brasil já não PODE mais ter a indústria que ele construiu dos anos 1950 aos 1970: isso acabou, e devemos ir mais à frente, agregar valor, passar para outras linhas de produção, inovar.
Difícil? Certamente, mas ninguém disse que o mundo é feito para preguiçosos e acomodados.
Como diz a canção: “I never promised you a rose garden...”
(Se não for isso, alguém me corrija...).

De nada.
Paulo Roberto de Almeida
Paris, 1ro de abril de 2012.

quarta-feira, 22 de junho de 2011

Politicas de governo e politicas de Estado - Ariane Cristine Roder Figueira

Elaborei, tempos atrás, um pequeno artigo sobre as distinções que se impõem entre políticas de governo e políticas de Estado, pensando especificamente na política externa. Abordei o tema pelo lado do processo decisório, como pode ser visto aqui:

Sobre políticas de governo e políticas de Estado: distinções necessárias
Brasília, 11 julho 2009, 3 p. Exatamente o que diz o título.
Postado no blog Diplomatizzando (12.07.2009; link).
Revisto ligeiramente e adaptado para publicação no Instituto Millenium (13.08.2009; link).
Relação de Originais n. 2026; Publicados n. 914.

Tomo conhecimento agora deste artigo de uma colega acadêmica, que analisa a questão pelo lado das teorias relativas ao sistema mundial: estado-cêntrica e pluralista.

Política Externa: Política de Estado ou Política de Governo?
Ariane Cristine Roder Figueira
Mundorama, 10 junho 2010

Um tema recorrente no debate acadêmico contemporâneo sobre a política externa brasileira é a partidarização que esta vem sofrendo especialmente no governo Lula. Na visão de acadêmicos e alguns diplomatas, política externa deve ser encarada como política de Estado e não de governo, o que significa que as ações externas do país devem ser pensadas em longo prazo, com isenção de valores e regada de profissionalismo e pragmatismo. Em outras palavras, nessa visão, a política externa deve estar afastada dos interesses partidários de curto prazo, direcionada para grupos específicos da sociedade, base política do governo. Mas esses argumentos sugerem algumas questões, quais sejam: existe política isenta de valores? O insulamento dos assuntos da política externa garante a representatividade dos interesses da Nação? Quais os mecanismos de controle social e político existentes para assuntos decididos em âmbito internacional?
Para refletir sobre esse assunto recorreremos a um debate clássico entre as perspectivas tradicionalista (ou estadocêntrica) e pluralista, ambas com visões antagônicas sobre o modo de se fazer política externa.
A perspectiva tradicionalista (ou realista) trata os Estados como atores unitários e monolíticos, em que as decisões de política externa estão centradas exclusivamente nas mãos do Executivo, desconsiderando a interação entre os agentes domésticos como partícipes do processo de tomada de decisão. O pressuposto em que estiveram pautadas essas análises é que as decisões de política externa resguardam um diferencial significativo em relação às demais políticas públicas, devendo manter-se apartada dos interesses domésticos conflitivos para, com isso, tomar decisões que reflitam diretamente o interesse nacional. Por isso, o chefe de Estado e seu representante imediato para assuntos de política externa (o Ministro de Estado) teriam que manter concentrado em suas “mãos” essas decisões, visto que as mesmas deveriam preservar seu caráter de continuidade, afastando-se das influências geradas pelas mudanças políticas internas e pelos diferentes grupos de pressão.
Essas abordagens de cunho tradicionalistas (realistas) que caracterizam estudos de política externa apenas a partir da inserção da unidade (Estado) no macro sistema internacional, destacam os fatores negativos de uma possível politização da política externa, visto que observam na opinião pública e nos atores não-estatais um desprovimento da racionalidade e das informações técnicas necessárias para a tomada de decisão em política externa, uma vez que são agentes suscetíveis a emoções momentâneas, sem considerar e nem mesmo conhecer o passado e futuro que compõem as relações diplomáticas entre países e que influenciam diretamente na decisão do Estado em âmbito internacional.
Assim também, aos parlamentares não há espaço para participação em política externa, pois não provêem de informações técnicas e conhecimento especializado sobre o assunto, além de estarem muito próximos aos interesses conflitantes da sociedade, descaracterizando, portanto, o interesse nacional, o qual, segundo essa visão, deve ser representado pela Chancelaria. Portanto, processos de formulação e decisão na área de política externa são relativamente desconsiderados, tratando o interesse nacional como um consenso captado pelo governista que irá representá-los no âmbito internacional.
Para a abordagem realista das relações internacionais, o interesse nacional do Estado deve e está, portanto, orientado para o poder, sendo sua conduta permeada pelos constrangimentos e possibilidades externas. Desconsidera-se, com isso, as variáveis da política doméstica (interna) e sua relação com o ambiente internacional. Neste sentido, personificam a figura do Estado tratando-o, sob o ponto de vista analítico, como uma estrutura racional e monolítica, ou seja, uniforme e homogênea, análogo ao modelo das “bolas de bilhar” que interagem como outras estruturas dessa mesma natureza dentro de um sistema (Morgenthau, 2003).
Em oposição a essa visão, a tradição pluralista considera a multiplicidade de atores que interagem e influenciam as decisões internacionais adotadas pelos Estados, além de formarem uma rede complexa de relações transnacionais, ou seja, o Estado não pode ser considerado o único ator das relações internacionais. Com isso, observou-se a necessidade da formação de tradições teóricas que dessem conta de explicar qual o papel desses “novos” atores (Organizações Internacionais, organizações não-governamentais, empresas multinacionais, opinião pública, etc) para as relações internacionais e como os mesmos influenciam na formação da agenda externa dos Estados e na construção das preferências nacionais (ou do interesse nacional). Além disso, negam a tradição realista no que se refere ao foco de análise na segurança internacional e no desprezo a outros processos relevantes das relações internacionais, tais como os processos de cooperação entre os Estados cada vez mais freqüentes e institucionalizados.
Essas novas abordagens têm como origem comum a busca pela compreensão da política a partir de seu processo de constituição, considerando uma diversidade de variáveis que influenciam diretamente na formação da agenda, no processo de escolha entre as alternativas decisórias e no próprio processo de implementação da política, superando, com isso, as análises que consideram o Estado como um ator monolítico, em que o interesse nacional se confunde com o próprio interesse de Estado.
Nesta visão, o interesse nacional deve ser considerado como um vetor resultante flexível, mutável e fragmentado, sendo o interesse nacional interpretado como a somatória de interesses particulares em conflito, ou seja, toda decisão internacional do país irá gerar ganhadores e perdedores domesticamente. Nesta lógica, os pluralistas consideram como positiva a participação mais assertiva de parlamentares, opinião pública e atores não-estatais, já que as preferências nacionais constituídas no campo da política externa são resultantes das disputas internas e permeadas pelos constrangimentos e incentivos gerados pelo sistema internacional. Neste sentido, o processo decisório de política externa é um complexo jogo de interação entre diferentes atores permeados por uma imensa gama de estruturas, seja do sistema internacional, sejam do doméstico, envolvidos em um processo dinâmico de interação (Hudson; Vore,1995).
Neste sentido, a horizontalização decisória com o aumento da participação parlamentar nos assuntos de política externa passa a ser observada como um fator positivo, sendo garantia de representatividade democrática. Além disso, Lisa Martim (2000) e Helen Milner (1997) defendem que o Poder Legislativo passa também a ser considerado como um ator primordial no estabelecimento de cooperação entre os Estados, isto porque quanto maior a participação do Parlamento no processo decisório, maior a confiança que os outros Estados depositam no país para o estabelecimento de acordos, já que decisões tomadas pelo governo, com aprovação do Legislativo, demonstram ter sido fruto de debate doméstico nas devidas instâncias democráticas. Seriam também essas decisões mais estáveis, visto que não podem ser anuladas discricionariamente pelo Executivo, sendo elementos, portanto, que conferem maior credibilidade aos compromissos internacionais assumidos pelo Estado.
Outro ponto a ser considerado é o caráter “interméstico” cada vez mais predominante nas temáticas presentes nas agendas diplomáticas dos Estados, que dificulta uma apreensão muito clara sobre o que é interno e o que é externo. Exemplos disso são as questões de preservação ambiental, respeito aos direitos humanos, direitos da criança e do adolescente, políticas comerciais, financeiras entre outras diversas problemáticas. Neste sentido, a internacionalização e a expansão das agendas comercial e social têm trazido a política externa mais próxima às políticas públicas, dada suas características vinculantes, tais como os efeitos distributivos das políticas sobre a sociedade, bem como o nível de mobilização de atores estatais e não-estatais na busca por influenciar o resultado das decisões políticas tomadas em âmbito internacional.
Nesse ensejo, este debate permite-nos refletir sobre o melhor modo de se fazer e decidir política externa, seja ele centralizado e conduzido prioritariamente pela diplomacia, que garante sua continuidade e eficiência; seja ele horizontalizado, com influência de diversos atores, garantindo com isso maior representatividade democrática e credibilidade internacional, embora desse modo mais suscetível às descontinuidades e à ineficiência nas decisões.

Bibliografia
• CLARKE, Michael, WHITE, Brian (eds.) (1989). Understanding Foreign Policy: The Foreign Policy Systems Approach. Aldershot: Elgar.
• DEUTSCH, Karl W. (1982) “Como se Faz Política Externa” in Análise das Relações Internacionais. Brasília: Editora da UnB, 1982.
• HUDSON, Valerie M., VORE, Christopher S (1995). Foreign Policy Analysis Yesterday, Today and Tomorrow. Mershon International Studies Review, Vol. 39, nº 2, outubro.
• LIMA, Maria Regina Soares de (2000). “Instituições Democráticas e Política Exterior” in Contexto Internacional, vol 22, n. 2, julho-dezembro.
• MARTIN, Lisa (2000). “Democratic Commitments: legislatures and international cooperation”. Princeton, Princeton University Press
• MILNER, Helen V. (1997). “Interests, Institutions, and Information”. Princeton, Princeton University Press.
• MORGENTHAU, H. (2003) Política entre as Nações. Brasília: Editora UNB.
Ariane Cristine Roder Figueira é Doutora em Ciência Política pela Universidade de São Paulo – USP e professora dos cursos de Relações Internacionais da Fundação Armando Álvares Penteado – FAAP e da Universidade Anhembi Morumbi (arianeroder@gmail.com).

segunda-feira, 2 de maio de 2011

Politicas de governo e politicas de Estado - Paulo Roberto de Almeida

Fui alertado, por um aluno de curso à distância -- um desses tantos cursos patrocinados pelo governo sobre gênero e raça, que cabe olhar com cuidado -- de que um texto meu estava sendo usado (sem que minha autorização tivesse sido sequer solicitada), obviamente de forma truncada e seletiva.
Para que não se perca o contexto mais amplo em que foram elaborados meus argumentos, transcrevo aqui o trabalho em sua integralidade, que pretendo retrabalhar assim que possível.

Sobre políticas de governo e políticas de Estado: distinções necessárias
Autor: Paulo Roberto De Almeida
Site do Instituto Millenium, Agosto 13, 2009

O que são políticas de Estado e o que são políticas de governo? Seriam os dois termos intercambiáveis, como preferem alguns? Ou são elas necessariamente distintas e próprias de cada situação, de cada arranjo de poder, correspondendo cada uma a uma forma específica de elaboração e de aprovação? Esta não é uma questão trivial, pois dependendo da resposta que se dá a estas questões pode-se estar sancionando meras políticas do governo como se fossem políticas de Estado ou travestindo as primeiras com a aura indevida do processo decisório articulado e responsável, como devem ser todas as políticas que aspiram à chancela “de Estado”.
Com efeito, determinadas políticas, seguidas por um governo específico, num dado momento da trajetória política de um país, podem corresponder à expressão da chamada “vontade nacional”, dado que contêm certo número de elementos objetivos que podem entrar na categoria dos sistêmicos ou estruturais, respondendo, portanto, ao que normalmente se designa como política de Estado. Alternativamente, porém, ela pode expressar tão somente a vontade passageira de um governo ocasional, numa conjuntura precisa, geralmente limitada no tempo, da vida política desse mesmo país, o que a coloca na classe das orientações passageiras ou circunstanciais.
Muitos pretendem que toda e qualquer política de governo é uma política de Estado, posto que um governo, que ocupa o poder num Estado democrático – isto é, emergindo de eleições competitivas num ambiente aberto aos talentos políticos – é sempre a expressão da vontade nacional, expressa na escolha regular daqueles que serão os encarregados de formular essas políticas setoriais. Os que assim pensam consideram bizantina a distinção, mas estes são geralmente pessoalmente do próprio governo, eventualmente até funcionários do Estado que pretendem se identificar com o governo de passagem. O que se argumenta é que, na medida em que suas propostas políticas já foram “aprovadas” previamente no escrutínio eleitoral, elas correspondem, portanto, aos desejos da maioria da população, sendo em conseqüência “nacionais”, ou “de Estado”.
Não é bem assim, pois raramente, numa competição eleitoral, o debate pré-votação desce aos detalhes e minudências das políticas setoriais e a todos os contornos e implicações dos problemas que podem surgir na administração corrente do Estado após a posse do grupo vencedor. Campanhas eleitorais são sempre superficiais, por mais debates que se possam fazer, e os candidatos procuram simplificar ainda mais os problemas em confronto, adotando slogans redutores, e fazendo outras tantas simplificações em relação às posições dos seus adversários. Por outro lado, as promessas são sempre genéricas, sem muita quantificação – diretamente quanto às metas ou sua expressão orçamentária – e sobretudo sem precisão quanto aos meios e seus efeitos no cenário econômico ou social. Todos prometem empregos, distribuição de renda, crescimento e desenvolvimento, defesa dos interesses nacionais, resgate da dignidade e da cidadania e outras maravilhas do gênero. Em outros termos, raramente a eleição de um movimento ou partido político ao poder executivo lhe dá plena legitimidade para implementar políticas de governo como se fossem políticas de Estado, que por sua própria definição possuem um caráter mais permanente, ou sistêmico, do que escolhas de ocasião ou medidas conjunturais para responder a desafios do momento.
Políticas de governo são aquelas que o Executivo decide num processo bem mais elementar de formulação e implementação de determinadas medidas para responder às demandas colocadas na própria agenda política interna – pela dinâmica econômica ou política-parlamentar, por exemplo – ou vindos de fora, como resultado de eventos internacionais com impacto doméstico. Elas podem até envolver escolhas complexas, mas pode-se dizer que o caminho entre a apresentação do problema e a definição de uma política determinada (de governo) é bem mais curto e simples, ficando geralmente no plano administrativo, ou na competência dos próprios ministérios setoriais.
Políticas de Estado, por sua vez, são aquelas que envolvem as burocracias de mais de uma agência do Estado, justamente, e acabam passando pelo Parlamento ou por instâncias diversas de discussão, depois que sua tramitação dentro de uma esfera (ou mais de uma) da máquina do Estado envolveu estudos técnicos, simulações, análises de impacto horizontal e vertical, efeitos econômicos ou orçamentários, quando não um cálculo de custo-benefício levando em conta a trajetória completa da política que se pretende implementar. O trabalho da burocracia pode levar meses, bem como o eventual exame e discussão no Parlamento, pois políticas de Estado, que respondem efetivamente a essa designação, geralmente envolvem mudanças de outras normas ou disposições pré-existentes, com incidência em setores mais amplos da sociedade.
Se quisermos ficar apenas com um exemplo, no âmbito da diplomacia, pode-se utilizar esta distinção. Política de Estado é a decisão de engajar um processo de integração regional, a assinatura de um tratado de livre comércio, a conclusão de um acordo de cooperação científica e tecnológica numa determinada área e coisas do gênero. Política de governo seria a definição de alíquotas tarifárias para um setor determinado, a exclusão de produtos ou ramos econômicos do alcance do tratado de livre comércio, ou a assinatura de um protocolo complementar definindo modalidades para a cooperação científica e tecnológica na área já contemplada no acordo. Creio que tanto o escopo das políticas, como os procedimentos observados em cada caso podem ser facilmente distinguidos quando se considera cada um dos conjuntos de medidas em função das características definidas nos dois parágrafos precedentes.
Por isso, não se pode pretender que as políticas de Estado possam ser adotadas apenas pelo ministro da área, ou mesmo pelo presidente, ao sabor de uma sugestão de um assessor, pois raramente o trabalho técnico terá sido exaustivo ou aprofundado o suficiente para justificar legitimamente essa designação. Isso se reflete, aliás, na própria estrutura do Estado, quando se pensa em como são formuladas e implementadas essas políticas de Estado.
Pense-se, por exemplo, em políticas de defesa, de relações exteriores, de economia e finanças – em seus aspectos mais conceituais do que operacionais – de meio ambiente ou de educação e tecnologia: elas geralmente envolvem um corpo de funcionários especializados, dedicados profissionalmente ao estudo, acompanhamento e formulação das grandes orientações das políticas vinculadas às suas respectivas áreas. Ou considere-se, então, medidas de natureza conjuntural, ou voltadas para uma clientela mais restrita, quando não ações de caráter mais reativo ou operacional do que propriamente sistêmicas ou estruturais: estas podem ser ditas de governo, aquelas não.
Portanto, quando alguém disser que está seguindo políticas de Estado, pare um pouco e examine os procedimentos, a cadeia decisória, as implicações para o país e constate se isso é verdade, ou se a tal política corresponde apenas e tão somente a uma iniciativa individual do chefe de Estado ou do ministro que assim se expressou. Nem todo presidente se dedica apenas a políticas de Estado, e nem toda política de Estado é necessariamente formulada pelo presidente ou decidida apenas no âmbito do Executivo.
Como dizem os americanos: think again, ou seja, espere um pouco e reconsidere o problema…

quinta-feira, 15 de julho de 2010

Os maus investimentos do governo e o desvio de funcoes

Um tema recorrente neste meu blog, por ser relevante para todos nós. Afinal de contas, quando se escreve, fraudulentamente, que "o governo investiu 'x' bilhões" nisso ou naquilo, se deveria imediatamente acrescentar: "dinheiro arrancado dos contribuintes (empresas e indivíduos) e aplicados discricionariamente pelo governo para beneficiar privilegiados selecionados pelo próprio governo".
Ou seja, o governo não faz NADA que ele não tenha primeiro arrancado da sociedade.
Ele ainda quer nos provar que o que faz está sempre certo...
Somos carneiros passivamente tosquiados, talvez, mas não somos idiotas (eu pelo menos não)...
Paulo Roberto de Almeida

O Governo como indutor de (maus) investimentos
por João Luiz Mauad
Ordem Livre, 15 de Julho de 2010

Segundo nota divulgada à imprensa no dia 1º de julho, o BNDES “desembolsou R$ 46 bilhões nos primeiros cinco meses deste ano, alta de 41% na comparação com os R$ 32,6 bilhões do mesmo período do ano passado. Comportamento similar foi observado nas aprovações de empréstimos, que registraram aumento de 43% em relação a janeiro/maio de 2009.” A referida nota aponta ainda que “nos últimos 12 meses encerrados em maio, os desembolsos do BNDES mantiveram fôlego (sic), com R$ 150,7 bilhões, e exibiram crescimento de 64% se comparados com os mesmos meses do ano anterior.” Na mesma matéria, é creditado ao PSI (Programa de Sustentação dos Investimentos), “criado pelo governo federal em julho do ano passado para impulsionar o crescimento por meio do aumento dos investimentos”, o incremento dos desembolsos.

Os economistas do Governo Lula acreditam cegamente neste modelo intervencionista, em que o Estado, além de regulador, aparece como “indutor da atividade econômica”, planejando e escolhendo as áreas e setores que devem ser privilegiados. Estão convictos de que esta é a fórmula do desenvolvimento, da geração de riquezas e, principalmente, de empregos. Será mesmo?
Bastiat dizia que

“Entre um bom e um mau economista existe uma diferença: um se detém no efeito que se vê; o outro leva em conta tanto o efeito que se vê quanto aqueles que se devem prever. E essa diferença é enorme, pois o que acontece quase sempre é que, quando a conseqüência imediata é favorável, as conseqüências posteriores são funestas e vice-versa.”

Dizem que economia é a ciência da escassez, pois os recursos produtivos são limitados, enquanto os desejos e necessidades humanos por bens e serviços são ilimitados. Desta verdade deriva uma outra: se não podemos ter tudo o que queremos ou precisamos, somos forçados, constantemente, a fazer escolhas (trade-offs), nem sempre fáceis.

Quando se utilizam recursos para produzir um bem "X" qualquer, esta ação desvia recursos da produção de outros bens. O custo de "X", portanto, equivale ao de outros bens que poderiam ter sido produzidos e consumidos, mas não o foram em virtude da escolha pela produção de "X". Em outras palavras, a utilização de recursos para produzir alguma coisa reduz a disponibilidade de recursos para a produção de outras.

Numa economia de mercado, a demanda dos consumidores e os custos dos produtores desempenham um papel importantíssimo, que é o de ditar onde os recursos escassos devem ser aplicados da maneira mais eficiente, vele dizer: de forma que produzam maior satisfação ao consumidor e maior lucro ao produtor/comerciante. Na essência, a demanda é a voz do consumidor instruindo as empresas a produzir determinados bens e serviços em lugar de outros que, pelos motivos acima expostos, deixarão de ser produzidos.
Nas palavras de Von Mises, no seu magistral Ação Humana:

Numa economia de mercado, o leme do navio está nas mãos dos empresários. Um observador superficial poderia pensar que eles estão no comando. Mas não estão. Ao contrário, estão obrigados a obedecer incondicionalmente às ordens do capitão: o consumidor. Nem os empresários, nem os fazendeiros ou os capitalistas determinam o que se deve produzir, mas apenas e tão somente os consumidores.

Qualquer empresário tem um fortíssimo incentivo para oferecer ao mercado aqueles produtos que podem ser vendidos por valores maiores que os respectivos custos de produção. Isso ocorre quando há escassez desses bens, seja ela motivada por uma eventual retração da oferta, seja pelo aumento de demanda. É dessa maneira "democrática", como bem definiu o saudoso Roberto Campos, que o mercado está sempre se reciclando, adaptando, planejando e gerando mais e mais riquezas. É através da voz e das escolhas dos consumidores que o mercado se torna eficiente.

Com efeito, numa economia de mercado são os sinais de preço (inclusive do capital) e lucro que ditam a produção e o consumo ao longo do tempo. Os consumidores sinalizam a intensidade de suas preferências presentes e futuras através do incremento ou redução de suas poupanças, com isso elevando ou reduzindo as taxas de juros. Se o consumidor se retrai e poupa mais no presente, está sinalizando que provavelmente irá consumir mais no futuro. Os empreendedores, por seu turno, dada a redução do preço do capital, serão incentivados a investir para atender a demanda futura. O sistema irá funcionar razoavelmente, a menos que o governo intervenha, deturpando os sinais do mercado, iludindo produtores e distorcendo a alocação intertemporal dos recursos.

Embora os bons economistas saibam disso há tempos, muitos ainda acreditam que a cobrança de impostos, o endividamento público, a inflação (emissão de moeda) e os gastos governamentais podem substituir a velha lei da oferta e da demanda, além de tornar ilimitados recursos que são, por natureza, limitados. Os economistas do governo parecem desconhecer que o propósito da produção é atender a demanda dos consumidores. Acham que o objetivo central da economia é a criação de empregos. Pouco lhes importa o que, quanto ou a quê custo se vai produzir. A única coisa que interessa são as estatísticas de emprego a curto prazo. Esta visão míope e estrábica, no entanto, tem efeitos nefastos mais adiante. A intervenção governamental desvirtua o consumo de capital, não considera o uso alternativo dos recursos e, como disse Bastiat, os "efeitos invisíveis" do desvio desses recursos. Em resumo, ignora totalmente os custos de oportunidade, que só podem ser determinados pelo mercado, desde que operando livremente.

A longo prazo, portanto, essas políticas “indutoras da atividade econômica" não passam de um tiro no pé, pois distorcem o rateio ótimo entre consumo, poupança e investimento. As tentativas do governo de fomentar este último de forma artificial, subsidiando o custo do capital através de taxas de juros irreais, não raro bem abaixo das taxas de mercado, acabam gerando empreendimentos que, se avaliados pelos critérios normais de preço e lucro, talvez nunca saíssem do papel. E maus investimentos são empreendimentos fadados ao fracasso, que no lugar de multiplicar a riqueza, acabam por destruí-la.

Se o governo realmente quiser fazer alguma coisa para incrementar a economia, que corte os próprios gastos e, principalmente, os impostos, deixando de distorcer os sinais de preços do mercado e encorajando os indivíduos a decidir por si mesmos onde e como aplicar os próprios recursos, seja poupando, consumindo ou investindo diretamente.

João Luiz Mauad é administrador de empresas formado pela FGV-RJ e profissional liberal (consultor de empresas).