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segunda-feira, 2 de maio de 2011

Politicas de governo e politicas de Estado - Paulo Roberto de Almeida

Fui alertado, por um aluno de curso à distância -- um desses tantos cursos patrocinados pelo governo sobre gênero e raça, que cabe olhar com cuidado -- de que um texto meu estava sendo usado (sem que minha autorização tivesse sido sequer solicitada), obviamente de forma truncada e seletiva.
Para que não se perca o contexto mais amplo em que foram elaborados meus argumentos, transcrevo aqui o trabalho em sua integralidade, que pretendo retrabalhar assim que possível.

Sobre políticas de governo e políticas de Estado: distinções necessárias
Autor: Paulo Roberto De Almeida
Site do Instituto Millenium, Agosto 13, 2009

O que são políticas de Estado e o que são políticas de governo? Seriam os dois termos intercambiáveis, como preferem alguns? Ou são elas necessariamente distintas e próprias de cada situação, de cada arranjo de poder, correspondendo cada uma a uma forma específica de elaboração e de aprovação? Esta não é uma questão trivial, pois dependendo da resposta que se dá a estas questões pode-se estar sancionando meras políticas do governo como se fossem políticas de Estado ou travestindo as primeiras com a aura indevida do processo decisório articulado e responsável, como devem ser todas as políticas que aspiram à chancela “de Estado”.
Com efeito, determinadas políticas, seguidas por um governo específico, num dado momento da trajetória política de um país, podem corresponder à expressão da chamada “vontade nacional”, dado que contêm certo número de elementos objetivos que podem entrar na categoria dos sistêmicos ou estruturais, respondendo, portanto, ao que normalmente se designa como política de Estado. Alternativamente, porém, ela pode expressar tão somente a vontade passageira de um governo ocasional, numa conjuntura precisa, geralmente limitada no tempo, da vida política desse mesmo país, o que a coloca na classe das orientações passageiras ou circunstanciais.
Muitos pretendem que toda e qualquer política de governo é uma política de Estado, posto que um governo, que ocupa o poder num Estado democrático – isto é, emergindo de eleições competitivas num ambiente aberto aos talentos políticos – é sempre a expressão da vontade nacional, expressa na escolha regular daqueles que serão os encarregados de formular essas políticas setoriais. Os que assim pensam consideram bizantina a distinção, mas estes são geralmente pessoalmente do próprio governo, eventualmente até funcionários do Estado que pretendem se identificar com o governo de passagem. O que se argumenta é que, na medida em que suas propostas políticas já foram “aprovadas” previamente no escrutínio eleitoral, elas correspondem, portanto, aos desejos da maioria da população, sendo em conseqüência “nacionais”, ou “de Estado”.
Não é bem assim, pois raramente, numa competição eleitoral, o debate pré-votação desce aos detalhes e minudências das políticas setoriais e a todos os contornos e implicações dos problemas que podem surgir na administração corrente do Estado após a posse do grupo vencedor. Campanhas eleitorais são sempre superficiais, por mais debates que se possam fazer, e os candidatos procuram simplificar ainda mais os problemas em confronto, adotando slogans redutores, e fazendo outras tantas simplificações em relação às posições dos seus adversários. Por outro lado, as promessas são sempre genéricas, sem muita quantificação – diretamente quanto às metas ou sua expressão orçamentária – e sobretudo sem precisão quanto aos meios e seus efeitos no cenário econômico ou social. Todos prometem empregos, distribuição de renda, crescimento e desenvolvimento, defesa dos interesses nacionais, resgate da dignidade e da cidadania e outras maravilhas do gênero. Em outros termos, raramente a eleição de um movimento ou partido político ao poder executivo lhe dá plena legitimidade para implementar políticas de governo como se fossem políticas de Estado, que por sua própria definição possuem um caráter mais permanente, ou sistêmico, do que escolhas de ocasião ou medidas conjunturais para responder a desafios do momento.
Políticas de governo são aquelas que o Executivo decide num processo bem mais elementar de formulação e implementação de determinadas medidas para responder às demandas colocadas na própria agenda política interna – pela dinâmica econômica ou política-parlamentar, por exemplo – ou vindos de fora, como resultado de eventos internacionais com impacto doméstico. Elas podem até envolver escolhas complexas, mas pode-se dizer que o caminho entre a apresentação do problema e a definição de uma política determinada (de governo) é bem mais curto e simples, ficando geralmente no plano administrativo, ou na competência dos próprios ministérios setoriais.
Políticas de Estado, por sua vez, são aquelas que envolvem as burocracias de mais de uma agência do Estado, justamente, e acabam passando pelo Parlamento ou por instâncias diversas de discussão, depois que sua tramitação dentro de uma esfera (ou mais de uma) da máquina do Estado envolveu estudos técnicos, simulações, análises de impacto horizontal e vertical, efeitos econômicos ou orçamentários, quando não um cálculo de custo-benefício levando em conta a trajetória completa da política que se pretende implementar. O trabalho da burocracia pode levar meses, bem como o eventual exame e discussão no Parlamento, pois políticas de Estado, que respondem efetivamente a essa designação, geralmente envolvem mudanças de outras normas ou disposições pré-existentes, com incidência em setores mais amplos da sociedade.
Se quisermos ficar apenas com um exemplo, no âmbito da diplomacia, pode-se utilizar esta distinção. Política de Estado é a decisão de engajar um processo de integração regional, a assinatura de um tratado de livre comércio, a conclusão de um acordo de cooperação científica e tecnológica numa determinada área e coisas do gênero. Política de governo seria a definição de alíquotas tarifárias para um setor determinado, a exclusão de produtos ou ramos econômicos do alcance do tratado de livre comércio, ou a assinatura de um protocolo complementar definindo modalidades para a cooperação científica e tecnológica na área já contemplada no acordo. Creio que tanto o escopo das políticas, como os procedimentos observados em cada caso podem ser facilmente distinguidos quando se considera cada um dos conjuntos de medidas em função das características definidas nos dois parágrafos precedentes.
Por isso, não se pode pretender que as políticas de Estado possam ser adotadas apenas pelo ministro da área, ou mesmo pelo presidente, ao sabor de uma sugestão de um assessor, pois raramente o trabalho técnico terá sido exaustivo ou aprofundado o suficiente para justificar legitimamente essa designação. Isso se reflete, aliás, na própria estrutura do Estado, quando se pensa em como são formuladas e implementadas essas políticas de Estado.
Pense-se, por exemplo, em políticas de defesa, de relações exteriores, de economia e finanças – em seus aspectos mais conceituais do que operacionais – de meio ambiente ou de educação e tecnologia: elas geralmente envolvem um corpo de funcionários especializados, dedicados profissionalmente ao estudo, acompanhamento e formulação das grandes orientações das políticas vinculadas às suas respectivas áreas. Ou considere-se, então, medidas de natureza conjuntural, ou voltadas para uma clientela mais restrita, quando não ações de caráter mais reativo ou operacional do que propriamente sistêmicas ou estruturais: estas podem ser ditas de governo, aquelas não.
Portanto, quando alguém disser que está seguindo políticas de Estado, pare um pouco e examine os procedimentos, a cadeia decisória, as implicações para o país e constate se isso é verdade, ou se a tal política corresponde apenas e tão somente a uma iniciativa individual do chefe de Estado ou do ministro que assim se expressou. Nem todo presidente se dedica apenas a políticas de Estado, e nem toda política de Estado é necessariamente formulada pelo presidente ou decidida apenas no âmbito do Executivo.
Como dizem os americanos: think again, ou seja, espere um pouco e reconsidere o problema…

2 comentários:

tania regina disse...

Prezado Paulo,
Talvez a minha escrita ofende a sua intelectualidade, mas sou uma simples
alfabetizada. Gostaria de que voce de forma simplificada me ajudasse no entendimento. Politica de governo é aquela que é implementada pelo poder constituido e a politica de Estado é aquela em que tem a participação popular, que a sociedade civil organizada discuti e decidi o que é melhor para aquela população? ou estou enganada no meu entendimento? Por favor me auxilie.
Obrigada.
Tania Regina M. Cubiça

Paulo Roberto de Almeida disse...

Tania Regina,
A coisa é um pouco mais complicada e exigiria um pouco de explicação sobre processos decisorios e envolvimento das instituições, o que não posso fazer aqui ou agora.
Participação popular não precisa ser direta, e sim pelos representantes eleitos, apreciando e votando projetos de lei.
O que temos no Brasil hoje é um Legislativo abastardado e comprado pelo Executivo, fazendo tudo o que o Planalto deseja, o contrário de uma democracia.
Vamos demorar para ter politicas de Estado.
Paulo R. Almeida