A VOZ DAS RUAS E OS TOUCAS-NINJA
Percival Puggina
Se as pessoas que estão saindo às ruas nestes dias, em todo o país, votaram na Dilma e há uma década estufam o próprio peito com as fanfarronadas de Lula, o Brasil está salvo. Se são outras pessoas, estamos perdidos. Se as pessoas que estão saindo às ruas são as mesmas que chamavam golpistas quem se dispusesse a escrutinar a péssima biografia dos governos petistas, estamos salvos. Se forem outras, estamos perdidos. Ou seja, se o petismo não estiver perdendo força como religião hegemônica no país, por conversão de antigos fiéis ao até agora minoritário reduto da sensatez, então nada está acontecendo. Os sensatos abriram as portas do clube e saíram à rua, apenas isso. O placar do jogo político permanecerá o mesmo. E Deus se apiede do Brasil. Dilma continuará percorrendo o país para operar prodigiosa multiplicação de inexistentes bilhões, em meio a muita festa e louvação.
Faço estas considerações com absoluto senso prático. A alma brasileira foi envenenada pela propaganda do governo. Milhares de comunicadores, diariamente, compram essa propaganda como coisa boa e reproduzem o ufanismo oficial. É de se ver e eu vi, é de se ouvir e eu ouvi, nestes últimos dias, eminentes formadores de opinião embasbacados ante as mobilizações populares, como que exclamando: "Mas estava tudo tão bem! O Brasil é uma ilha de satisfações cercada pelo oceano das inconformidades! O próprio Lula disse, não disse?". Disse. E quanto e-mail desaforado recebemos, ao longo destes últimos anos, eu e alguns outros, enquanto brandíamos a verdade em nossas passeatas lítero-panfletárias de protesto! Faziam para conosco como os empedernidos cardeais fizeram com Galileu. Recusavam-se a esquadrinhar a realidade através da luneta da verdade: "Noi non vogliamo guardare perché se lo facciamo potremmo cambiare". Não olham porque mudar de opinião pode custar caro. A mentira paga melhor.
Todos os indicadores confirmavam o que dizíamos e os olhos viam: a educação pública é um desastre, vive-se ao completo desabrigo dos aparelhos de segurança pública, temos poltronas nos estádios de futebol e pacientes deitados sobre colchões no chão dos hospitais, a infraestrutura brasileira dá sinais de haver trombado contra um PAC acelerador da destruição, o Erário é rapinado em moto-contínuo pelo arrastão dos corruptos. Mas, como vai o Brasil? Ah, o Brasil é outra coisa. O Brasil vai às mil maravilhas. Foi bafejado pela fortuna. Saiu das mãos de um gênio prodigioso para as de uma testada e competente gestora. Meu Deus!
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Por fim, três observações. Primeira: passe livre é marotagem; é querer andar de graça com os outros pagando a conta. A segunda é para lembrar que, em Porto Alegre, a mobilização inicial contra o preço das passagens foi empreendida por militantes de partidos de esquerda, notadamente do PSOL. Eles foram para a frente da Prefeitura armados de paus, pedras, latas de tinta, toucas ninja (bem como se tem visto, agora, em toda parte), enfrentaram a polícia e vandalizaram o prédio e seu entorno. Naquele ato não houve "infiltração" alguma! Os malfeitores eram alinhados com partidos que não rejeitam o emprego da violência para fins políticos. Terceira: não parece prudente adotar como coisa certa que os malfeitores "são uns poucos". Não, não são uns poucos, são muitos, muitíssimos, como as próprias imagens mostram à exaustão. "Se a maior violência neste país tiver que vir desses movimentos, que venha", disse num debate na TVCOM certo defensor desse vandalismo. Tampouco parece prudente, então, desconsiderar o risco de que a esplêndida massa de cidadãos retamente intencionados venha a ser apropriada pelo que de pior existe em todos esses movimentos. Saiba, no conjunto do espectro político há quem, com o mesmo e justo discurso que enfeita as ruas e nos traz júbilo ao coração, vista toucas ninja.
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* Percival Puggina (68) é arquiteto, empresário, escritor, titular do site www.puggina.org, colunista de Zero Hora e de dezenas de jornais e sites no país, autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia e Pombas e Gaviões.
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