O editorial do Estadão pode até tocar numa questão real, e ela não se reduz ao Executivo: os maiores responsáveis pelos poderes do Estado no Brasil estão despreparados para exercer suas funções, seja porque não possuem atributos intrínsecos para isso, seja porque cedem à pressão das ruas ao menor sinal de descontentamento popular, seja porque ficam dando entrevistas à imprensa comentando como se fossem triviais, e dando opiniões pessoais, sobre questões institucionais da mais alta gravidade para o funcionamento do Estado e da própria sociedade.
Como o cidadão eleitor saberá quais são as regras em vigor para o próximo escrutínio se cada uma dessas cabeças tem uma opinião sobre o sistema político? Como o capitalista -- nacional ou estrangeiro -- vai tomar a decisão de fazer investimentos, se as autoridades, quaisquer autoridades, podem, de um simples traço, mudar as condições de remuneração, ou de tributação de suas respectivas atividades. Como vamos nos defender das minorias organizadas, algumas das quais pretendem coisas absolutamente antidemocráticas?
Não se trata apenas de despreparo, em certos casos: mas de uma agenda consciente de monopolização do poder. E sabemos de onde vem o perigo: das velhas forças totalitárias que sempre pretenderam outra coisa que não uma democracia de mercado para o Brasil. Elas ganham no quanto pior melhor e na disseminação da confusão. Inclusive porque sempre tem um messiânico salvacionista à espreita para voltar com toda a sua demagogia populista.
Paulo Roberto de Almeida
Editorial O Estado de S. Paulo, 26/06/2013
Custa crer que a presidente Dilma Rousseff
tenha falado sério quando propôs um "plebiscito popular" - existe
outro? - para a convocação de uma Assembleia Constituinte, sem a
participação dos atuais legisladores, com a incumbência
exclusiva de fazer a reforma política. Essa foi a principal enormidade
que apresentou na reunião de emergência da segunda-feira com os 27
governadores e 26 prefeitos de capitais, convocada para a presidente
mostrar serviço à rua. Ela também pediu pactos nacionais
para, entre outras coisas, tipificar a "corrupção dolosa" - existe
outra? - como crime hediondo e pela responsabilidade fiscal para conter a
inflação. Eis um faz de conta: ninguém contribuiu tanto para
desmoralizar esse princípio do que o atual governo com
a "contabilidade criativa" a que recorre para tapar os seus desmandos
fiscais.
A ideia da Constituinte exclusiva - que teria sido
soprada para a presidente pelo ministro da Justiça, José Eduardo
Cardozo, e o governador do Ceará, Cid Gomes - foi defendida pelo então
presidente Lula na campanha reeleitoral de 2006,
para exorcizar o mensalão denunciado no ano anterior. É um delírio
político e jurídico. Chegue como chegar a respectiva proposta ao
Legislativo, são remotas as chances de ser aprovada. É mais fácil
Dilma se transformar da noite para o dia numa chefe de governo
afável, pronta a ouvir e a respeitar os seus subordinados do que os
congressistas entregarem de mão beijada a terceiras pessoas a
atribuição, esta sim de sua alçada exclusiva, de aprovar
mudanças na legislação eleitoral e partidária. E, raciocinando por
absurdo, se o fizerem, a lei que vier a ser sancionada pela presidente
deverá ser abatida pelo Supremo Tribunal Federal (STF).
Plebiscitos e referendos o Congresso tem a
prerrogativa de convocar - desde que os seus propósitos não colidam com a
Constituição. O conceito de Constituinte exclusiva simplesmente
inexiste na Carta de 1988. Uma assembleia do gênero não
poderia ter o seu âmbito circunscrito de antemão. Nomeado por Dilma,
o novo ministro do STF, Luís Roberto Barroso, que toma posse hoje,
escreveu em 2010 que "ninguém pode convocar um Poder Constituinte e
estabelecer previamente a (sua) agenda". De resto,
"não há absolutamente nada" na Constituição que impeça a reforma
política. No mínimo, portanto, a Constituinte dilmista é uma falsa
solução para um problema verdadeiro - a crônica relutância dos políticos
em mexer nas regras sob as quais fizeram carreira.
O debate sobre o assunto data de 1993. Mas só na
legislatura iniciada 10 anos depois a questão avançou. Uma comissão
especial aprovou, com o endosso do PT, a proposta de seu relator,
deputado Ronaldo Caiado, do então PFL, pelo financiamento
público exclusivo das campanhas e o voto em listas fechadas para
deputados e vereadores. A proposta, afinal, não vingou. Hoje, o que se
tem é o projeto do deputado Henrique Fontana, do PT gaúcho. O texto
conserva o financiamento público e o voto em lista,
porém "flexível" em vez de fechada. O que tem de melhor é a extinção
das coligações partidárias em eleições proporcionais, o que permite aos
partidos nanicos vender aos maiores o seu tempo no horário de propaganda
em troca de vagas na chapa comum. O ponto
é que a reforma política não é um antídoto contra a corrupção.
Aplica-se, a respeito, o comentário do criminalista
Antônio Cláudio Ma-riz de Oliveira sobre o segundo desatino da
presidente - o de querer enquadrar a corrupção como crime hediondo. "A
lei penal não inibe a prática de qualquer crime, especialmente
de corrupção", observa Mariz. "Acabar com a corrupção ou reduzi-la
depende de mudança ética. Depende da classe política e da própria
sociedade." O pretendido enquadramento, para ele, é "medida demagógica,
sem nenhum alcance prático". A verdade, ao fim e ao
cabo, é que seria ingênuo esperar de Dilma que tivesse chamado
governadores e prefeitos para uma conversa objetiva e conse-quente - em
vez de brindá-los com "qualquer nota". Pouco antes,
Dilma havia recebido os líderes do MPL, que pregam o transporte
gratuito. À saída, uma deles, Mayara Vivian, foi ao nervo do problema.
"A Presidência", resumiu, "é completamente despreparada."
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