A nossa Constituição, que me perdoem aqueles que a amam e acham tratar-se do mais perfeito instrumento de justiça social, é o mais perfeito instrumento para o atraso do Brasil.
Não vou nem justificar, agora, o meu argumento, porque estou justamente preparando um artigo analítico justamente chamada "A Constituição contra o Brasil", para demonstrar o estou dizendo.
Acho que não estou sozinho.
Com vocês, um analista sensato.
Paulo Roberto de Almeida
Bruno Garschagen
Ordem Livre, 25/06/2013
É
enorme a quantidade de pessoas que atribuem ao Poder Público um amplo leque de
funções e responsabilidades. Se perguntarem a respeito de qualquer tema
diretamente relacionado ao dia-a-dia da população, a opinião corrente dirá: é
um direito, portanto, cabe ao estado. Esse anseio de parte da sociedade é oriundo
da própria ação do agente político, que tem na promessa de garantir todos os
direitos possíveis, a despeito de não prover à maioria e prover mal à minoria,
sua moeda de troca para se manter na estrutura de poder que o beneficia e o
elege e reelege.
A Constituição Brasileira é um sintoma dessa
mentalidade. Concebida e aprovada sob a ressaca dos 20 anos de um governo
militar, a Carta Magna é extensa, detalhada, confusa e desequilibrada.
Originalmente, continha 250 artigos. Há cabimento uma Constituição elencar como
direito até o piso salarial proporcional à extensão e à complexidade do
trabalho? Espanta-me é que dentre os mais de 200 artigos não haja unzinho
sequer dedicado a nos garantir fama, glória, dinheiro, poder, ou, sei lá, uma
vaga no Big Brother Brasil.
Para efeitos
comparativos, a Constituição do Chile tem 129 artigos, a da Argentina tem 129
artigos, a da Alemanha tem 146 artigos, a dos Estados Unidos tem sete artigos
originais e 27 emendas. O Reino Unido não tem uma Constituição como a
conhecemos, mas um conjunto de leis criadas no Parlamento (Statute Law), decisões judiciais (Common Law e Cases Law) e as
Convenções Constitucionais.
Além
dos números, uma diferença marcante entre a Constituição Brasileira e as dos
demais países (não apenas os citados) é a inserção de direitos sociais que não
deveriam ser matéria constitucional e são de impossível provisão. Ninguém de
boa fé seria contra assegurar às pessoas emprego, renda, saúde, habitação etc.
Mas essas garantias impõem ao estado o papel de provedor daquilo que foi
prometido e de coator, tanto dos pagadores de impostos que o financiam quanto
dos empreendedores obrigados a prestar alguns daqueles serviços a preços abaixo
dos de mercado — em alguns casos, até mesmo do custo.
Armada essa estrutura
institucional e legal, é perfeitamente natural que uma pessoa reaja quase
sempre da mesma forma ao perder o familiar por falta de vaga nos hospitais: a
saúde é um direito que lhe foi negado. Ela não está errada. O art. 6º da Constituição define como “direitos
sociais a educação, a saúde, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a
previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos
desamparados, na forma desta Constituição”. É como se eu chegasse na sua casa
durante o jantar e fizesse um belo discurso: “Salve, salve, minha gente! É o
seguinte: vocês têm direito à moradia, à saúde, à escola, às terra dos outros,
desde que improdutivas (se não forem, a gente dá um jeito). De lambuja, para a
vovó ali, uma dentadura nova; para o bebezinho, uma linda chupeta sabor
tutti-frutti. Mas é o seguinte, todo mês eu venho aqui pegar 36,56% de tudo o
que o papai, a mamãe e a vovózinha ganham. Não se preocupem. Confiem em mim.”
Sei
que vocês sabem, mas permitam-me a repetição sistemática para lembrar-lhes e
motivá-los a difundir a informação: quem paga pelos direitos sociais não é o
estado, somos nós (concorde-se ou não).
A nota dissonante na
existência de tais direitos na Constituição e na manutenção sem oposição do
discurso mantenedor dessa leviandade social é que a garantia legal e as
promessas retóricas se mantêm vigorosas a despeito de os serviços públicos
serem prestados de forma ruim e precária — quando são prestados. E há gente que defenda a Carta
Magna sob o argumento de que esta “promoveu a diminuição do
descompasso existente entre o direito e os fatos sociais”, e “informou e conformou
todo o corpo normativo pátrio com os princípios genéricos do respeito à
dignidade da pessoa humana, da liberdade e da igualdade”. O que a Constituição
fez foi tipificar uma utopia. Os resultados são exemplares: desejos ilimitados
para realizações limitadas geram insatisfação, impotência e angústia.
Há uma obsessão por
direito sociais. Direito social não passa de uma weasel word. O ‘social’ esvazia o significado da
palavra ‘direito’. Numa conferência realizada em Brasília em 1981, Hayek
aplicou a expressão ao termo justiça social:
“Weasel, doninha, é aquele animal capaz de sugar o
conteúdo de um ovo (sem quebrá-lo) sem que se note que a casca está oca. Social
é, neste sentido, uma weasel word, e
quando ligada a algum termo tradicional, a palavra perde o seu significado. Nós
temos uma economia de mercado, mas quando você a classifica de uma economia
social de mercado, já não significa mais nada. Você tem a justiça, mas quando
você diz justiça social, ela não quer dizer mais nada. Você tem
o Estado de Direito — o que os alemães chamam de Reichstadt — mas, quando você junta o termo social ao Reichstadt,
novamente isto não quer dizer nada”. [1]
Não se trata aqui de
uma defesa contra a existência de direitos na Constituição. Proponho que a
Constituição, se necessária na sua forma escrita, trate dos direitos e
liberdades individuais, além de definir os poderes e suas respectivas
limitações das várias esferas do governo (Executivo, Legislativo e Judiciário).
Quanto menos artigos numa Constituição, quanto menos leis em vigor ou em vias
de, maior o grau de mobilidade dos indivíduos e da sociedade. Richard Posner dá
um conselho valioso: seria bom que os estudantes da Constituição prestassem
mais atenção aos aspectos positivos de seu objeto de estudo, em particular as
causas e consequências dos direitos, deveres, poderes e estrutura
constitucionais. [2]
As
leis que promovem obrigações são as mesmas que arruínam nosso senso de
responsabilidade, porque há uma crença disseminada, inclusive entre os
profissionais do Direito (talvez justamente por causa da profissão), de que as
leis garantem os direitos. O que a lei faz, geralmente, é criar novos problemas
ao tentar disciplinar determinadas condutas e relações, não propriamente
resolver as questões que pretendia solucionar quando foi criada. Nossa
legislação penal, por exemplo, impede que uma nova lei retroaja para prejudicar
o autor de um crime. De nada adianta defender uma lei mais dura contra um
criminoso que praticou uma barbaridade porque ele não será condenado com base
na nova lei.
No
plano cultural, seria ótimo convencer os políticos do Poder Legislativo
(vereadores, deputados estaduais, federais e senadores) de que sua função
principal é fiscalizar, não fabricar leis. No plano político, convencê-los de
que a revogação total (ab-rogação) ou parcial (derrogação) sistemática das leis
é o melhor caminho para o país. Convencer é mais inteligente, menos oneroso,
porém mais difícil do que defender a criação de mais leis que os obriguem a
agir nesses dois sentidos sem qualquer garantia de que sejam respeitadas.
Notas
[1]
HAYEK, Friedrich. Hayek na UnB, Coleção Itinerários,
Brasília: Editora das Universidade de Brasília, 1981, p. 16.
[2]
POSNER, Richard A. Overcoming Law,
Harvard: Harvard University Press, 1997, p. 171.
* Publicado originalmente em
12/02/2010.
SOBRE
O AUTOR
Bruno Garschagen é colunista do OrdemLivre.org, podcaster do
Instituto Mises Brasil e especialista do Instituto Millenium.
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