Ricardo Vélez-Rodríguez
Blog Rocinante, 23 Junho 2013
Se vivo fosse, o general Golbery, o engenheiro da abertura nos anos oitenta do século passado, teria escrito no seu diário, após assistir pela TV às enormes manifestações dos jovens no Rio e em outras cidades brasileiras, neste final de outono e início de inverno de 2013: “é o fim do populismo”. Lembremos que o esclarecido militar escreveu no seu diário, após as passeatas e assembléias que se desenvolveram por todos os cantos do Brasil pedindo as Diretas Já: “é o fim do regime militar”. Só um louco poderia fazer ouvidos moucos diante dos milhões de pessoas protestando nas ruas, de forma pacífica, como tem acontecido nas últimas semanas pelo país afora. O Brasil custa a acordar. Mas, quando acorda, vira gigante que deixa no ar as suas mensagens, esquecidas pelos políticos e pela burocracia governamental. Aconteceu isso no movimento das “Diretas Já” (nos anos oitenta), nas manifestações populares que colocaram para fora o corrupto governo Collor e sua gangue (nos anos noventa). E está acontecendo a mesma coisa neste movimento pacífico de jovens de classe média, que percorrem alegremente praças e avenidas das cidades brasileiras, portando mensagens que, segundo os manifestantes, permanecem distantes dos partidos políticos. Manifestações multitudinárias que se caracterizam pela tranqüilidade e que terminam levando às ruas a pessoas de todas as idades. É importante e essencial para a sobrevivência de quem faz política ter o esclarecimento necessário para escutar a mensagem das ruas. O que é que a sociedade brasileira tem a dizer nas suas passeatas?
Os novos "caras pintadas" se organizaram nas redes sociais para mostrar ao governo que nem tudo está aparelhado pelos petralhas neste país. Gilberto Carvalho, no início do ano, dizia que "o bicho vai pegar". E está pegando. Só que está pegando no pé de quem esperava se beneficiar espertamente com a força das ruas e dos movimentos sociais. Militantes de partidos de esquerda e alguns sindicalistas simpáticos ao governo tentaram se somar à onda cívica, mas foram colocados para fora como oportunistas. Uma minoria de alucinados, que a polícia está identificando e prendendo, tentou desmoralizar com a sua barbárie a pacífica manifestação do milhão e meio de brasileiros que saíram às ruas. Mas foram identificados e isolados. São lamentáveis as cenas de vandalismo que essa minoria protagonizou. Contudo, isso não conseguiu silenciar as legítimas reivindicações dos manifestantes. O movimento ficou fora do controle dos estrategistas do governo e está dando ensejo às reivindicações da classe média, esquecida pelo Palácio do Planalto, do alto da prepotência de um partido que imaginou ter carta branca, ao longo destes dez anos, para colocar o partido acima do Brasil.
A voz das ruas, explicitada nos cartazes e na alegre voz dos manifestantes, tem deixado clara a sua mensagem. Chega de “bolsa-tudo-que-é-coisa” paga sem transparência com o dinheiro do contribuinte! Chega de corrupção! Chega de vigarice de políticos profissionais que não representam os interesses do eleitor, mas que se beneficiam com o dinheiro público! Chega de gastança federal, estadual e municipal com essas obras para eventos esportivos que nunca acabam e que custam cada vez mais! Chega de péssimos serviços públicos de transporte, educação, segurança pública, saneamento e saúde! Chega de um regime tributário injusto, que penaliza os que trabalham e criam empregos! “Chega de pão e circo"! Assim rezava o cartaz de um jovem manifestante em Belo Horizonte. Chega das tentativas do partido do governo para tentar inviabilizar a atividade do Ministério Público, na vergonhosa Proposta de Emenda Constitucional 37! Essas parecem ser as principais reivindicações. Certamente são lamentáveis os atos de vandalismo, causados por baderneiros infiltrados, que estão sendo enquadrados pelas autoridades. São lamentáveis, também, os excessos das forças policiais em algumas cidades. Mas as manifestações massivas estão aí e, certamente, conduzirão a mudanças profundas na política brasileira. Após este movimento de fim de outono o Brasil não será mais o mesmo.
Para além das reivindicações de serviços públicos de qualidade, a voz dos manifestantes explicitou um grito de patriotismo, que ficou preso nas gargantas dos cidadãos ao longo destes anos de cinismo oficial. “O meu partido é o Brasil”, rezava o cartaz de um jovem manifestante. O entusiástico coro dos que cantavam o Hino Nacional contrastava com o silêncio perplexo dos políticos que foram surpreendidos com a manifestação cívica das ruas. A classe média tornou-se porta-voz desse grito engasgado que clama por decência e que apregoa a volta aos valores do patriotismo, esquecido nas negociatas de políticos com empreiteiras e de governantes corruptos que se vangloriam dos seus malfeitos e que, cinicamente, reconduzem à vida pública, figuras condenadas pela Justiça. A era do lulopetismo, contaminada pelo modelo da antiética do herói sem nenhum caráter, foi colocada no pelourinho da crítica cidadã. Os jovens manifestantes querem sentir orgulho do seu país. Essa classe média, vilipendiada por intelectuais chapa-branca como refém do autoritarismo e do atraso, saiu às ruas apregoando o seu orgulho de ser brasileira.
Muita coisa deverá ser feita no âmbito do Estado, para colocar em sintonia a voz das ruas com as instituições republicanas. Quem se recusar a fazê-lo, colherá resultados negativos nas próximas eleições. A primeira coisa é renovar a representação. A reforma política é essencial e deve ser colocada em pauta. Sem a esperteza gramsciana de dirigir todo o esforço para fazer do partido do governo o ator hegemônico da vida republicana.
Nenhum comentário:
Postar um comentário