O tema é educação, que continua a decair assustadoramente no Brasil. Eu escrevi sobre isso, mas quando os desastres ainda eram pequenos, no primeiro governo Lula. A coisa continuou a se deteriorar desde então.
Leitora deste blog me indica a leitura deste livro, que efetivamente devo ler, embora conheça muito do conteúdo, que já na Veja:
Um dos livros que li recentemente, somente me aprimorou em pensamentos contrários aos da Pedagogia do Oprimido, por exemplo. Não sei se o Sr. já leu: "O que o Brasil quer ser quando crescer?", de Gustavo Ioschpe. Os artigos que ele selecionou para o livro foram artigos base para pensamentos de educadores que querem mudar a educação nesse país, mas não no sentimentalismo e sim em lógicas e estatísticas. Se ainda não leu, indico. Excelente livro.
Respondi o que segue, indicando todas as postagens deste blog relativas a esse autor (index: Ioschpe). Ao final, transcrevo a versão completa de minha resenha (de 2006) sobre o primeiro livro dele, pois creio que nunca a havia postado aqui:
Ainda não li esse livro, que é uma coleção de artigos que ele publicou na Veja, muitos dos quais eu já li, mas já tinha lido o primeiro livro dele, que eu recomendo: A ignorância custa um mundo: o valor da educação no desenvolvimento do Brasil (São Paulo: Francis, 2004, 234 p.). Eu fiz uma extensa resenha desse livro, como registrado aqui: 1537. “A educação é cara?; experimente a ignorância...”, Brasília, 22 janeiro 2006, 3 p. Resenha de Gustavo Ioschpe: A ignorância custa um mundo: o valor da educação no desenvolvimento do Brasil (São Paulo: Francis, 2004, 234 p.). Feita versão resumida sob o título “Reforma do ensino no Brasil”. Publicada, sob o título de “O custo da ignorância”, em Desafios do Desenvolvimento (Brasília, IPEA-PNUD, a. III, n. 20, mar. 2006, p. 62). Colocado no blog “Book Reviews”, sob nº 29 (link: http://praresenhas.blogspot.com/2006/04/29-educao-cara-experimente-ignorncia.html#links). Expandido a pedido de Roberto Macedo para a revista de Relações internacionais e Economia (Trabalho n. 1602). Relação de Publicados n. 632.Conheço bem as ideias e materiais do autor, e já postei muita coisa dele neste mesmo blog, como se pode ver abaixo:Diplomatizzando: Educacao:utopia e realidade - Gustavo Ioschpe13 Abr 2013Gustavo Ioschpe Revista Veja, 13/04/2013. A missão da boa escola é ensinar as disciplinas fundamentais aos alunos, e não tentar corrigir as desigualdades do Brasil. Um dos males que assolam nossa educação é a ...http://diplomatizzando.blogspot.com/A educacao no mundo ea deseducacao no Brasil - Gustavo Ioschpe20 Fev 2012Gustavo Ioschpe. Revista Veja, 22/02/2012. O ensino superior do futuro. Há uns anos, fui dar uma palestra em uma universidade privada. Perguntei ao diretor qual era o maior desafio deles. Imaginei que ele fosse me dizer ...http://diplomatizzando.blogspot.com/Diplomatizzando: A escola brasileira degringola, literalmente...30 Jun 2010Minha atenção foi chamada para este artigo do Gustavo Ioschpe pelo meu colega de resistência anti-irracionalidades Orlando Tambosi, que o postou em seu blog. Conheço outros trabalhos do autor, entre eles este seu livro, ...http://diplomatizzando.blogspot.com/Diplomatizzando: A destruicao da escola publica pela universidade ...21 Ago 2011Como pai da ideia, o empresário e economista Gustavo Ioschpe, pensador ad hoc da educação, esteve em Goiânia respaldando a decisão do secretário de Educação, Thiago Peixoto. Em seu Twitter, no final da tarde de ...http://diplomatizzando.blogspot.com/Diplomatizzando: Educacao na China, educacao no Brasil: tudo a ...20 Dez 2011Educacao na China, educacao no Brasil: tudo a ver? Gustavo Ioschpe um economista conhecido por ser especialista em educação, passou algum tempo na China, inquirindo sobre a educação. O resultado completo está na ...http://diplomatizzando.blogspot.com/Diplomatizzando: 2081) Brasil: potencia economica de semiletrados12 Abr 2010(Shanghai, 13.04.2010) Brasil: a primeira potência de semiletrados? Gustavo Ioschpe Revista Veja, 14.04.2010 "Apesar do oba-oba, o Brasil está próximo de ser um colosso econômico e esquecer a formação de sua gente"http://diplomatizzando.blogspot.com/Diplomatizzando: Educacao no Brasil: salarios e desempenho dos ...30 Mai 2010Artigo • Gustavo Ioschpe Revista Veja, edição 2167 - 2 de junho de 2010 "A partir da década de 90, ocorreu um aumento substancial de salário nas regiões mais pobres do Brasil, mas não houve melhoria na qualidade do ...http://diplomatizzando.blogspot.com/Diplomatizzando: Descontruindo a educacao brasileira09 Mai 2010Acho que o Gustavo Ioschpe é tão preocupado quanto este escriba no que se refere à tragédia que é a educação brasileira, em todos os níveis. Paulo Roberto de Almeida. 10/05/10 11:38 · Paulo R. de Almeida disse.http://diplomatizzando.blogspot.com/
Educação e desenvolvimento: como o Brasil vem falhando
nos dois lados
Gustavo Ioschpe:
A
ignorância custa um mundo: o valor da educação no desenvolvimento do Brasil
(São Paulo: Francis, 2004, 234 p.)
“Se você acha a educação cara, experimente a ignorância”. A frase é de um antigo reitor
(presidente) de Harvard, respondendo a reclamações de pais de alunos quanto ao
custo da universidade. Ninguém que já esteja ou que tenha colocado o seu filho
no ensino superior tentará a via alternativa, obviamente, o que promete
reclamações contínuas pelo futuro previsível e custos crescentes no terceiro
ciclo, tanto para as famílias quanto para os governos. Todos os países
desenvolvidos possuem universidades de primeira linha, assim como o Brasil
(ainda que as nossas ainda não figurem no panteão das “excelências” mundiais).
Elas custam caro, muito caro, qualquer que seja seu modo de financiamento, pela
via privada, pela via pública, ou por combinações variadas de ambas.
Nem sempre qualidade equivale a custos, mas há uma razoável
expectativa de que a melhor qualidade exija e corresponda a uma fatura mais
elevada. Os retornos, segundo se depreende das experiências conhecidas, são
proporcionais aos investimentos, embora existam países que insistem em
desmoralizar a teoria e o registro histórico, como se pode adivinhar pela
singular trajetória brasileira de custos elevados e qualidade nem sempre
compatível com o retorno esperado. Mas este não parece ser o problema mais
importante que nos deveria ocupar neste momento, haja visto o fato de que o
Brasil parece possuir universidades que constituem um poço sem fundo do ponto
de vista orçamentário, sem que elas consigam exibir uma produtividade à altura.
O que justamente distingue o Brasil dos países desenvolvidos é que estes também
exibem qualidade boa ou aceitável nos dois ciclos anteriores ao ingresso nas
universidades, o que não parece ser o caso do Brasil. Este é um dos problemas
de que se ocupa este denso e instigante livro, um dos mais importantes a ter
sido publicado no Brasil nesta área extremamente problemática de planejamento e
de aplicação de políticas públicas setoriais nos três níveis da federação.
Quanto o autor do livro propôs, em 1997, a cobrança de
mensalidades dos alunos abastados das universidades públicas, as reações foram
inusitadamente fortes, o que comprovou que ele tocara em um ponto caro (e como)
às classes médias. Afinal de contas, elas já tinham sido obrigadas a pagar
pelos dois ciclos precedentes em instituições privadas e agora gostariam de
usufruir o que existe de melhor na educação brasileira. Mas o importante a ser
ressaltado no excelente livro de Ioschpe é que o ensino superior não é o
problema principal do Brasil, ou pelo menos este não é O problema nacional,
ainda que os indicadores a esse respeito nos coloquem abaixo da média dos
países emergentes e muito aquém dos países da OCDE. A grande questão,
obviamente, é a má qualidade do ensino nos dois primeiros ciclos. Esta é a
verdadeira tragédia nacional.
Para situar os problemas da educação no Brasil, Gustavo
Ioschpe não esconde o seu pessimismo: “estamos pior do que se poderia imaginar”
(p. 132). Também, pudera: o secretário de educação do maior estado da federação
publicou, em 2003, no maior jornal do país, um artigo no qual ele defende uma
concepção “poética” para a educação, no qual ele diz ser “necessário que os
educadores propiciem aos seus aprendizes a consciência do que é o bem, o bom e
o belo”!!! Como diz o autor, seria preciso que os “aprendizes” soubessem,
antes, ler e escrever – e contar, eu acrescentaria –, “coisa que hoje não sabem
fazer” (p. 15). “O resultado dessa visão da educação desprovida de qualquer
sentido prático e objetivos mensuráveis é uma confusão de sentimentos nobres e
resultados pífios, em que a incompetência se traveste de qualquer rótulo
pedagógico ou posicionamento ideológico que a torne inatacável. Em última
escala, esse desacerto conduz ao atoleiro do atraso, no qual o Brasil se afunda
cada vez mais à medida que seus concorrentes evoluem a passos largos na
popularização do conhecimento” (idem).
No seu prelúdio, “para que serve o governo”, Ioschpe
descarta duas possíveis objeções à sua abordagem. Ele não adota, em primeiro
lugar, uma visão economicista da educação, “como se sua única função fosse
gerar aumento de renda”, mas ele pensa, sim, a educação como “ferramenta” para
o crescimento e para o desenvolvimento econômico. Ele não pensa, em segundo
lugar, que uma educação voltada para o desenvolvimento é necessariamente
técnica, profissionalizante, ou “alienadora”, como se dizia antigamente. Ele
crê ser necessária uma “vasta base intelectual – multidisciplinar, horizontal”.
É com base nessas duas premissas que ele estuda o impacto da educação sobre o
crescimento e busca propor mudanças no sistema educacional brasileiro para que
essa relação se torne não apenas viável mas virtuosa.
Na primeira parte, ele traça um quadro abrangente sobre
o papel da educação no crescimento – mostrando o impacto altamente relevante
dessa variável no desempenho econômico relativo dos países, com base em amplo
espectro de estudos especializados –, o que lhe permite fazer, na segunda
parte, um diagnóstico preciso desses problemas no Brasil. A situação é
estarrecedora: temos poucos jovens nas escolas e os testes aplicados, tanto
internamente como no contexto de programas da OCDE, dão resultados não só
pífios, como caminhando para pior. Na educação, como na política, o Brasil
consegue realizar o milagre que caminhar para trás...
Uma frase resume o sentido de sua crítica. “No Brasil,
um país onde a educação é um dos principais responsáveis pela desigualdade de
renda, assiste-se a uma grande mistificação sobre o assunto, em grande parte
porque aqueles que se dizem esquerdistas e igualitaristas no discurso acabam
defendendo, na prática, um modelo elitista e exclusivista que mantém e protege
as desigualdades reinantes” (p. 158). A solução não está em aumentar a oferta
de vagas nos níveis mais baixos (já perto de 100%), mas sim a de concluintes
capazes de entrar nos segundo e terceiro ciclos e a única solução para isso é
“aumentando a qualidade dos níveis mais baixos de educação” (p. 161).
Antes de propor a reforma completa do ensino no Brasil,
não custa nada eliminar alguns mitos, como por exemplo o de que o Brasil gasta
pouco em educação. Não: gastamos mais (5,1% do PIB) do que a média da OCDE
(4,9%). Colocar mais dinheiro seria aumentar a ineficiência do sistema. Os
professores tampouco ganham mal, para o número de horas efetivamente
trabalhadas, ao contrário: eles ganham um pouco mais do que outros profissionais
de mesmo nível de qualificação, sem falar das outras benesses do serviço
público (estabilidade, melhor pensão, menos anos para aposentadoria etc.).
Descobre-se que o Brasil gasta dinheiro nos níveis errados, com prioridades
erradas.
Alguns dados, entre outros: “os universitários de
instituições públicas representam menos de 2% das matrículas da educação do
Brasil, mas recebem 29% dos gastos públicos destinados à educação” (p. 183). O
custo por aluno é quase o dobro da média da OCDE, a relação aluno-professor é
inferior, a formação leva mais tempo e o professor universitário recebe por uma
pesquisa que ele não faz. No Brasil, o custo de um aluno universitário do setor
público pode ser 4 a 9,5 vezes mais do que o similar do setor privado, contra
uma média internacional de 2,3 para 1 (p. 189).
Quanto à reforma do ensino no Brasil, não é que faltem
metas: os MEC as tem demais, mas esse ministério tão cheio de pedagogas e de
técnicos educacionais continua insistindo nos caminhos errados. Como o livro
foi escrito no primeiro ano do governo Lula, com base em pesquisas conduzidas
bem antes, é provável que, se lhe fosse dado o lazer de atualizar os dados com
base nas propostas para os vários ciclos efetuadas nestes três últimos anos, o
autor contemplasse estarrecido o cenário de desolação que se desenha e que
continua a se desenvolver no Brasil. A começar pela insistência do MEC em
pretender monitorar ideológica e administrativamente as universidades privadas
e em dar foros de igualitarismo às universidades públicas, contra a vontade dos
próprios reitores, que, diga-se de passagem, insistem por outro lado em elevar
o seu quinhão no bolo de recursos que já se destina ao terceiro ciclo público.
Ora, pesquisas efetuadas nos anos 1990, com base no desempenho das universidades
públicas confrontado aos seus custos, revelam que elas ostentam resultados
apenas 67% melhores do que as privadas, para “um custo 950% maior!” (p. 190).
Os problemas mais dramáticos estão, obviamente, nos dois
primeiros ciclos, com um estrangulamento ainda mais preocupante no secundário.
A proposta do autor é que o Brasil tenha 66% de taxa de escolarização líquida
no segundo ciclo até 2014, ou seja, que 2/3 dos jovens de 15 a 17 anos consigam
completar o ensino médio. Para que isso se faça, seria preciso alfabetizar
todas as crianças ao final da primeira série e a dificuldade, aqui, é bem mais
gerencial do que pedagógica. É preciso melhorar a qualidade do ensino e
redirecionar os recursos dos abonados do terceiro ciclo para os pobres do
primeiro.
O plano de reformas do autor compreende a ampliação do
FUNDEF, cobrindo o ensino médio (como no FUNDEB), a premiação da melhoria do
desempenho nos estados e municípios, o fim do abatimento no imposto de renda
dos gastos em escolas privadas e o fim da gratuidade no ensino superior, com
transferência dos recursos para o FUNDEB. A distribuição do dinheiro adicional
deveria premiar não aqueles que menos têm, mas os que melhorarem seu
desempenho, relativamente. Segundo ele, o novo fundo “deveria transferir
recursos de acordo com a diminuição das taxas de repetência de cada estado” (p.
223). O fim da gratuidade no ensino superior público é, obviamente, o grande
elefante no meio da sala: “o estrangulamento nacional não deve acabar enquanto
a universidade pública não se tornar mais eficiente e menos custosa, para que
possa voltar a se expandir” (p. 231). O dinheiro arrecadado não seria para
cobrir os custos da própria universidade, mas sim deve ser transferido para o
ensino básico.
As universidades públicas passariam a ter permissão para
cobrar o que achassem compatível com sua estrutura de custos, segundo os cursos
mais requisitados. Os alunos carentes teriam ajuda governamental garantida,
dentro de certos parâmetros, e o resultado seria uma melhoria da qualidade
tanto no setor público como no privado. As propostas são ousadas e dignas de
reflexão, quando não de implementação imediata. A pior coisa seria maior
transferência de recursos para as universidades públicas, sem a contrapartida
da melhoria na eficiência. O Brasil já gasta muito nas prioridades erradas.
Deve-se agora fazer o que tem de ser feito, que é o que já foi feito em outros
países.
Como diz o autor, no capítulo conclusivo, todas essas
variáveis “dependerão, crucialmente, das universidades públicas. No melhor dos
casos, as públicas aceitam a nova realidade e passam a se preocupar com sua
eficiência. Essa preocupação teria duas faces: aumentar receitas e cortar
gastos” (p. 252) Não é difícil aumentar receitas, mas é provável que batalhas
lamentáveis venham a se instalar nos campii,
aliás, na indiferença geral da sociedade, como tem ocorrido com as últimas
greves. “Antes de cortar custos”, continua o autor, “a medida indispensável e
óbvia é a redução dos excessos da folha de pagamentos, com a dispensa de
funcionários e professores ociosos e/ou afastados”, hoje protegidos pelo regime
jurídico único, “que afasta a possibilidade de demissões”. A solução seria
“transferi-los para a rede de ensino médio”, o que demandaria acordos entre a
União e os estados. “O problema maior, porém, seria se as universidades
tivessem uma posição menos receptiva” (p. 252).
Conhecendo-se as universidades públicas brasileiras, não
se concebe outra reação: greves, paralisações, manifestações já despontam no
horizonte. O autor, otimisticamente, acha que a ameaça de “suicídio” fará com
que as universidades públicas se acomodem ao novo espírito reformista. O
componente decisivo teria de ser a determinação política do governo de fazer as
reformas. Pelo que se vê em matéria de coordenação governamental, não é
provável que isto ocorra. Teremos de caminhar para a falência da universidade
pública e para o estrangulamento completo do segundo ciclo antes da reforma
inevitável? O autor acha que essa é uma “boa luta, e [que] o Brasil a merece”
(p. 253). E você leitor?
Paulo
Roberto de Almeida
Brasília,
12 de maio de 2006
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