O que é este blog?

Este blog trata basicamente de ideias, se possível inteligentes, para pessoas inteligentes. Ele também se ocupa de ideias aplicadas à política, em especial à política econômica. Ele constitui uma tentativa de manter um pensamento crítico e independente sobre livros, sobre questões culturais em geral, focando numa discussão bem informada sobre temas de relações internacionais e de política externa do Brasil. Meus livros podem ser vistos nas páginas da Amazon. Outras opiniões rápidas podem ser encontradas no Facebook ou no Threads. Grande parte de meus ensaios e artigos, inclusive livros inteiros, estão disponíveis em Academia.edu: https://unb.academia.edu/PauloRobertodeAlmeida

Site pessoal: www.pralmeida.net.
Mostrando postagens com marcador cláusula de Nação Mais Favorecida. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador cláusula de Nação Mais Favorecida. Mostrar todas as postagens

segunda-feira, 4 de agosto de 2025

As consequências econômicas de Mister Trump - Paulo Roberto de Almeida (Radar Político)

Trabalho mais recente publicado:
5008. “As consequências econômicas de Mister Trump”, Brasília, julho 2025, 3 p. Artigo para o boletim do Ranking dos Políticos, abordando a destruição da cláusula de nação mais favorecida por Trump. Publicada no Radar Político, boletim do Ranking dos Políticos (n. 229, 4/08/2025).
Vou colocar o texto abaixo e no blog Diplomatizzando:

As consequências econômicas de Mister Trump

Paulo Roberto de Almeida, diplomata, professor.
Artigo para o boletim do Ranking dos Políticos, abordando a destruição da cláusula de nação mais favorecida por Trump. Publicada no Radar Político (n. 229, 4/08/2025)

        As Consequências Econômicas de Mr. Churchill foi um segundo “panfleto”, que o já famoso economista Keynes publicou, em 1925, contra a decisão do então ministro do Tesouro britânico, Winston Churchill, de voltar a cotar a libra em ouro na mesma paridade que existia no período anterior à Grande Guerra, o que Keynes considerava uma decisão fundamentalmente errada, pois não levava em conta a inflação acumulada durante a guerra e no pós-guerra. O título aproveitava, é claro, o sucesso do primeiro livro, As Consequências Econômicas da Paz, publicado em 1919, contra o Tratado de Versalhes, que atribuía toda a culpa da guerra à Alemanha e lhe impunha compensações financeiras extremamente pesadas, que se estenderiam durante 40 anos, ou seja, até os anos 1960. Keynes dizia que tão severas imposições poderiam precipitar uma nova guerra mais adiante: ele foi, de certa forma, um profeta, apenas que com 20 anos de antecipação.
        Keynes também tinha razão quanto à paridade de 1925: a decisão causou uma crise tão grave no ano seguinte, que precipitou uma greve geral e a saída de Churchill do governo. O presidente Trump está em vias de precipitar uma crise nos Estados Unidos provavelmente tão grave quanto a crise e a recessão derivadas da paridade equivocada da libra britânica em 1926. A grande diferença está em que as medidas de Trump afetarão não apenas o seu país, mas praticamente o mundo inteiro, dada a enorme interface entre a economia americana com os demais 195 países contra os quais ele está impondo uma nova “paridade” para as tarifas aduaneiras até o ano passado protocoladas na OMC em nome dos EUA para regular o seu comércio com o universo completo de parceiros comerciais do país, ou seja, o mundo todo.
        Para compreender a enormidade e a gravidade das medidas totalmente mal concebidas e erraticamente aplicadas pela sua segunda administração bastaria dizer que Trump está simplesmente implodindo o sistema multilateral de comércio existente desde o final da Segunda Guerra Mundial, ao ignorar completamente a principal cláusula do Acordo Geral de Tarifas e Comércio (GATT, na sigla em inglês), a de nação mais favorecida, muito mais antiga e consolidada do que os 78 anos do GATT e os 31 anos da OMC. A cláusula NMF constitui o eixo central do moderno sistema de comércio multilateral, ao lado dos demais princípios nele integrados (tratamento nacional, reciprocidade, não discriminação e a eliminação de restrições quantitativas). Provavelmente por ignorância rudimentar em história econômica, mais provavelmente por arrogância autoritária, Trump desprezou por completo o conjunto de regras existentes, estabelecidas pelos próprios Estados Unidos e seus principais parceiros, primeiro em Bretton Woods (1944), depois em Genebra, em 1947, como forma de superar a Grande Depressão dos anos 1930, produzidas justamente pelo protecionismo dos EUA desde aquele ano, aprofundado pelas restrições cambiais e de pagamentos adotadas pelos demais países como resultado das crises bancárias em 1931. A ordem econômica global atualmente existente foi principalmente construída pelos “pais fundadores” americanos do sistema multilateral de comércio nos anos finais da Segunda Guerra Mundial e nos primeiros tempos da ONU e do GATT. Trump disparou mísseis protecionistas contra tudo isso, o que justificaria, plenamente, que todos os demais membros do sistema multilateral de comércio expulsassem os EUA do GATT e da OMC, como primeiro passo para a reconstrução de uma arquitetura absolutamente essencial para o funcionamento adequado dos intercâmbios em bens e serviços, para a prosperidade do mundo, para a previsibilidade das trocas comerciais.
        A cláusula de nação mais favorecida deita raízes em plena idade média, como uma espécie de tendência natural da Lex Mercatoria, fazendo com os estados em construção naquele período adotassem como regra prática a equalização de suas tarifas aduaneiras, para evitar conflitos em função de tratamentos diversos para os diferentes parceiros comerciais. Ela foi sendo aplicada de maneira condicional e restrita, nos acordos bilaterais de comércio e navegação, até ser adotada de maneira ilimitada, incondicional e irrestrita nos acordos contraídos ao abrigo do primeiro GATT (reformado, mas não quanto a isso, em 1994, quando se criou a OMC, o terceiro pé da ordem econômica concebido em Bretton Woods).
        Trump ignora, despreza, confronta tudo o que seus antecessores das administrações americanas das últimas oito décadas fizeram para trazer paz e prosperidade a um mundo dilacerado, primeiro pelas restrições comerciais e cambiais introduzidas desde 1930, depois pela mais terrível guerra global até então conhecida pela comunidade internacional. O chamado “tarifaço” que ele introduziu, de forma unilateral contra TODOS os parceiros comerciais dos EUA é, antes de tudo, ilegal e irracional, contrário ao próprio bem-estar dos EUA e seus habitantes, e ao Direito Internacional Econômico, penosamente construído ao longo dessas décadas. As medidas são principalmente contraditórias com o suposto objetivo declarado do presidente, introduzir reciprocidade nos tratamentos tarifários bilaterais e fazer com que os EUA reduzam o seu déficit comercial e tornem novamente o país um grande produtor próprio dos produtos atualmente importados, o que é uma missão impossível.
        A ignorância econômica de Trump se revela, em primeiro lugar, no que concerne as possibilidades de transformar os EUA, uma economia atualmente de serviços (e superavitária nesse aspecto), novamente em grande país industrial. O que Trump pretende, bizarramente, é fazer os EUA retornarem à época da segunda revolução industrial, a do carvão, a do petróleo, a do motor à explosão, um estágio da evolução econômica do seu país ultrapassado nos cem últimos anos, já disputando com a China a liderança tecnológica na quarta ou na quinta revolução industrial. O segundo equívoco é o de acreditar que tarifas aduaneiras – que são pagas exatamente pelos importadores e consumidos americanos – sejam capazes de trazer de volta indústrias nas quais os EUA não mais possuem mais vantagens comparativas, nem podem recuperar por um ato governamental de duvidosa legalidade ou utilidade para tal.             Trump está criando as condições para um surto inflacionário nos EUA, e construindo um atraso econômico jamais visto no país desde a Grande Depressão dos anos 1930.

[Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 5008, 29 julho 2025, 3 p.]