No dia 30 de outubro escrevi e publiquei neste meu blog — que eu sempre classifiquei como um “quilombo de resistência intelectual” (e talvez tenha faltado complementar a designação com o acréscimo necessário: resistência contra o quê, exatamente? Bem, contra a indignidade na vida pública e nos assuntos de Estado) — o texto que reproduzo novamente abaixo, por perceber que ele não foi suficientemente explicito em algumas coisas que nos concernem, como país, e que também me concernem pessoalmente, como ex-funcionário da burocracia federal, mais precisamente como diplomata aposentado. Pois complemento agora, em face de novos desafios ao Brasil como nação partícipe das relações internacionais e exibindo uma diplomacia de qualidade, como sempre foi a sua, a minha, durante mais de quatro décadas.
Quando falo de "moral", ou de ética, nos assuntos diplomáticos, nas relações internacionais, sei que estou falando de um tema absolutamente marginal, secundário nas preocupações de operadores da política externa de um país, pois que antes passam os interesses, os mais imediatos ou relevantes que se apresentam. Poucos países renunciam a determinadas vantagens que possam obter nos assuntos externos por considerações de caráter moral ou ético em suas respectivas condutas, mesmo que determinados fatos sejam chocantes, e que mesmo se chocam contra tratados e convenções solenemente firmados, promulgados e supostamente seguidos.
Eu me referia mais concretamente às relações entretidas com um violador sistemático das obrigações internacionais, como é o caso da Rússia de Putin, e deixei a entender que o Brasil, desde Bolsonaro, tem sido leniente e relativamente amoral a esse respeito. Pois bem, sei que o governo Lula, atualmente, apoia objetivamente a Rússia na sua guerra de agressão contra a Ucrânia, por mais que ele e a sua diplomacia aleguem neutralidade nessa grave questão internacional. Repito: o Brasil de Lula despreza seus compromissos derivados da Carta da ONU e continua apoiando uma potência agressora, que pratica terrorismo contra a população civil, que sequestrou crianças e as expediu ilegalmente para a Rússia, que se empenha no mais terrível morticínio contra quem ousou não se submeter à sua vontade, e que continua a destruir sistematicamente o país vizinho.
Não fui suficientemente explícito contra os crimes de guerra perpetrados pelas Forças Armadas de Israel contra a população civil da Faixa de Gaza e agora contra o povo libanês, ambos abrigando, contra a vontade da maioria da população, movimentos terroristas que pretendem destruir Israel e matar o povo judeu.
O governo Lula tem sido bastante eloquente contra Israel, alegando inclusive o crime de genocídio contra o povo palestino – o que ainda precisa ser aferido concretamente pelos órgãos internacionais – e também acredito que o líder Benyamin Netanyahu precisa ser enquadrado como criminoso de guerra, assim como Putin, e demandado pelo TPI para cumprir pena pelos crimes cometidos. Concordo inteiramente com essa postura, menos certos exageros verbais do presidente – como empregar improvisadamente conceitos como nazista ou fascista –, mas acho que sua tolerância para com Putin é absolutamente inaceitável no plano moral. Sei também que meu protesto não terá nenhum efeito no plano prático.
Mas, sinto-me no dever moral de reforçar a mensagem abaixo transcrita.
Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 11/11/2024
Da Moral no Plano Internacional
Paulo Roberto de Almeida
30/10/2024
Que o Brics seja pró ou antiamericano não tem nenhuma importância, uma vez que ninguém, ou nenhum país, é obrigado a gostar ou se relacionar com todo mundo.
Como se diz, gosto não se discute. Preferências politicas, ou diplomáticas, tampouco. Cada país, ou governo, pode ter suas amizades ou parcerias estratégicas com quem quiser, bastando respeitar a Convenção de Viena sobre Relações Diplomáticas (1961), assim como, mais importante, a Carta da ONU (1945).
O mais preocupante, ou propriamente escandaloso, é que países ou governos, teoricamente aderentes a esses instrumentos, considerem ser normal, e até observem comportamento simpático, e mesmo cooperativo, com paises ou governos que violam concretamente, abertamente, desavergonhadamente, a Carta da ONU e outros instrumentos da convivência cooperativa no plano internacional (bilateral ou plurilateral).
Estão neste caso, atualmente, Rússia e Israel (ademais de muitos outros, mas num plano puramente interno, como, por exemplo, Sudão ou Venezuela).
A Rússia, particularmente, conduz, desde quase três anos, uma guerra criminosa, destruidora e mortifera, contra um país soberano, ademais de já ter violado diversos outros princípios do Direito Internacional, assim com das leis de guerra e convenções humanitárias, sem mencionar suas contravenções às rrgras da não interferência nos assuntos internos de outros Estados.
Que o Brasil, ademais de muitos outros paises, considere normal, admissível ou moralmente aceitável, se relacionar normalmente, e até cooperativamente, com um país notoriamente contraventor do Direito Internacional me parece degradante nos planos político, diplomático, mas, sobretudo, moral.
Certas coisas ofendem o sentido de justiça, de ética no campo dos comportamentos, ou simplesmente o senso comum.
Certas atitudes, na verdade, se afiguram repugnantes, quando se considere a simples postura no que concerne a vida humana, o respeito à dignidade de cada ser humano, ou, no plano diplomático, as regras mais elementares do Direito Internacional.
Não, existem coisas que não são admissíveis num relacionamento normal bo contexto da comunidade internacional.
Sinto dizer, como diplomata, ou como simples cidadão brasileiro, que o atual governo brasileiro, ao lado de muitos outros — como por exemplo o governo dos Estados Unidos no tocante a Israel — não faz juz a princípios do Direito Internacional ou a simples regras morais admissíveis no comportamento humano.
Ninguém tem o direito de tirar a vida, impor sofrimentos, violar a dignidade de outrem.
Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 30/10/2024