Across the Empire, 2014 (25): Back home, where there
is work waiting...
Paulo Roberto de Almeida
A despeito meu anúncio, na postagem 24, de que voltaríamos para casa via
nova passagem em Corning, NY, onde se encontra o maior museu do mundo de
objetos de vidro, resolvemos, na partida, seguir direto de Toronto a Hartford,
e isto por duas razões muito simples: na segunda-feira 22, o tempo começou a se
deteriorar rapidamente, e na manhã da segunda tinha começado a ficar frio e
nublado, ameaçando possíveis chuvas na jornada, em todo caso o final do verão
(e de fato, já entramos no outono, que nestas paragens do norte costuma ser
invernal, estrito e lato senso).
A outra razão foi um simples equívoco de distância, feito quando eu
estava montando o esquema de viagem, entre km e milhas, o que pode dar
diferenças consideráveis. Eu tinha anotado uma distância total de quase 800
milhas entre Toronto e Hartford, o que recomendaria, sem dúvida, quebrar em
duas etapas, pelo menos, daí a sugestão de visitar novamente o museu do vidro
de Corning, onde já tínhamos estado no ano passado. Mas, distraído, apressado,
ou sonolento, fui vítima da precisão milimétrica (se ouso dizer) do Google
maps: como fui estabelecendo o roteiro de viagem e de distâncias respectivas
com a ajuda dessa ferramenta a partir dos EUA, todas as distâncias mostradas
estavam em milhas. Já ao traçar a etapa final, colocando Toronto, o Google maps
usou obviamente o sistema métrico universal, que a Inglaterra adotou creio que
quando ingressou na então Comunidade Europeia, no início dos anos 1970; só os
EUA ficaram no seu velho sistema de unidades bizarras: milhas, pés, galões,
jardas, bushels, barris, etc. O fato é que eu registrei uma distância de 799
milhas de Toronto a Hartford, quando isso era em quilômetros. Em milhas daria
apenas 499 milhas, um trajeto facilmente coberto por nômades como nós. Quando
descobrimos isso, decidimos deixar Corning para uma outra ocasião, menos
cansativa.
A propósito, lembrei-me agora de uma história real, na verdade uma perda
imensa, de vários milhões de dólares, e de muitos meses de trabalho
desperdiçados, por um erro banal desse tipo. Eu havia acabado de chegar aos
EUA, em 1999, e ouvi falar de um satélite lançado em um projeto conjunto de exploração
espacial – mais provavelmente de espionagem – entre os EUA e o Reino Unido.
Depois de lançado, por um foguete americano, a partir de Cabo Canaveral, o
foguete simplesmente desapareceu dos sistemas de monitoramento, quando estava
sendo colocado em órbita, em operação efetuada pelas duas agências nacionais.
Por um momento se teve uma enorme dúvida do que tinha acontecido, e onde tinha
ido parar o tal satélite. Finalmente, depois de alguns dias veio a explicação
oficial – e depois nunca mais se falou nisso – e ela era tão prosaica quanto o
meu erro: os americanos estavam dirigindo o satélite usando o seu sistema de
orbitagem, todo efetuado em milhas, e os britânicos estavam usando o seu, todo
ele calculado em quilômetros. Pronto, foi o que bastou para o satélite se
perder no espaço, para nunca mais ser localizado. Perderam, envergonhados,
vários milhões nessa brincadeira, e ainda assim os americanos ainda não se
decidiram pelo sistema métrico, praticamente universal. Este é um problema que
persiste desde Thomas Jefferson, que por ter sido embaixador em Paris, preconizou
a mudança, nunca realizada. O Brasil também teve a sua revolta de
quebra-quilos, quando finalmente se decidiu a passagem para o sistema métrico, adotado
desde a independência, mas nunca efetivado até bem mais tarde no segundo
império: os comerciantes, obviamente, aproveitaram a oportunidade para roubar
alguns tostões dos consumidores, incertos sobre as novas medidas, e daí se
passou ao “quebra-quilos”. Bem, conosco não aconteceu nenhuma revolta popular,
nem imensas perdas econômicas, ao contrário, economizamos alguns dias de hotel
e viagem.
Enveredamos,
portanto, pelo mesmo caminho até as quedas do Niágara, onde comemos no mesmo
Hotel Sheraton que já tínhamos estado em maio último, com um restaurante na
altura das cataratas e plena visão sobre o conjunto, sem precisar enfrentar o
tempo chuvoso, ventoso, “urlante”, lá fora. Depois, na altura de Buffalo, em
lugar de seguir para o Sul, tomamos a I-90 em direção a leste, direto a
Massachusetts e depois Connecticut, onde chegamos de noite.
Decidimos, portanto, concluir a viagem cinco dias antes do prazo, mas
isso também porque eu tenho muito trabalho pelo frente: estou editando um livro
sobre a política brasileira com meu amigo Ted Goertzel, e ele decidiu que
tínhamos de tirá-lo, se possível, antes das eleições, o que é sempre uma aposta
sobre o desconhecido. Em todo caso, passei metade da viagem revisando textos,
organizando algumas tabelas, e preparando esta edição que precisa ser em
Kindle, do contrário não ficaria pronta. Foi uma razão poderosa para voltar,
pois ainda temos de ver capa e outros detalhes técnicos dessa edição. Vai se
chamar The Drama of Brazilian Politics, mas ainda estamos acertando o
subtítulo. Nada de muito dramatique, ou dramatik, mas uma coleção de estudos
sobre a política brasileira no século 20 e 21, com ênfase no período
contemporâneo. Meu capítulo é sobre mudanças de regime econômico em função das
conjunturas políticas. Depois informo melhor.
Mas lá viemos nós, em desabalada carreira pela I-90, tão desabalada que
acabei pegando uma multa no estado de NY, a única de toda a viagem, por estar a
87 milhas por hora, quando o limite era de 65. Justo: ninguém mandou afrontar a
lei. Ainda não sei quanto vai custar, mas deve ser salgada...
Chegamos não muito tarde em Hartford, mas ainda trabalhei intensamente
no livro, até a madrugada, e acabei dormindo toda a manhã desta terça-feira,
para dar por encerrada, apenas agora, este último relato de viagem.
Ainda vou fazer um balanço geral da viagem, provavelmente a última desse
tipo de aventura, pelo menos nos EUA. Ainda falta cruzar todo o Canadá, a
Rússia, a China e vários outros continentes, mas por enquanto nos damos por
satisfeitos. Agora, viagens por lugares mais costumeiros, da costa leste.
No total do trajeto, fizemos exatamente 7.842 milhas, ou 12.547 km, o
que dá uma média de aproximadamente 500 kms por dia. Não está mau para quem
pretende atravessar um país continente. Na verdade, a média das etapas é bem
maior, pois estivemos por dois ou três dias em cada uma das grandes cidades que
visitamos. Fizemos um pouco mais do que o planejado, aliás, como sempre acontece,
mas isso eu deixo para comentar depois.
Agora vou terminar de revisar o livro e depois volto para um balanço final.
Paulo Roberto de Almeida
Hartford, 23 de setembro de 2014