Gustavo Miquelin Fernandes
“Os Ínclitos” era um grupo sediado na cidade de Paraty, Brasil, criado analogicamente ao “The Inklings” aquele ligado a Oxford, cujo objetivo, por aqui entre nós, era fazer a discussão da boa e alta Literatura tupiniquim.
E assim foi feito. O grupo de intelectuais foi crescendo, em latitude e longitude, transmudando aquela porca coisa de Bruno Tolentino e Machado em algo diametralmente superior e, o melhor, com um olhar mais ao social, mais ao país mesmo – já que Literatura deve, sim, ser mais um instrumento para o melhoramento de um povo.
Logo o círculo de altos estudos “Os Ínclitos” se tornou o centro irradiador da grossa intelectualidade e alta cultura do Continente Americano.
De início arrostou alguma dificuldade mais séria. Todo grupo em vias de crescimento tem esse tipo de obstáculo. Mas o patrimônio nacional foi imediatamente mobilizado para alavancá-lo com forte patrocínio e o grupo salvador já não mais teria dificuldade financeira. A Caixa Federal e a Petrobras encabeçaram esse bonito projeto que já chamava a atenção de nossos vizinhos.
Todo Cone Sul estrepitou-se e, em visitas periódicas, tratarem de fazer uma parceria bem da umbilical e copiaram o modelo. Afinal, Literatura é o instante mágico que o cérebro torna-se mente, que torna-se espírito, que torna-se palavras, que novamente torna-se mente. Isso tudo constava das atas do grupo, bastante difundidas para toda população – orgulhosa que entendia não somente as figurinhas e ilustrações.
As pautas eram assustadoramente densas e riquíssimas em conteúdo.
Jovens uspianos e unespianos formavam grupos aos magotes nos recintos ricamente adornados com emblemas de estatais e, cá e ali, retratos em moldes do novo estilo neo-bolivaripetistomarxistosocialdesenvolvimensalistasulamericano, de escritores e filósofos como George Lukacs, alguns motoqueiros em poses sedutoras, munidos romanticamente com pistolas e fuzis. Não era violência, era arte da mais alta sofisticação.
A sedução era tanta que trataram de não descuidar da nossa infância pobre em intelectualidade literária. Era preciso expandir a capacidade imaginativa dos infantes. Foi criado, com apoio da Livrobras (estatal que apoiaria a criação e difusão do neo-literalismo) e ANLIVRO (agência reguladora da espécie) a sala “Turma da Mônica”, onde seu vestidinho vermelho ganhou uma estrelinha bem na altura do peito. Foi criado o PAL (Projeto de Aceleração da Literatura) para alavancar a nova ordem intelectual.
O Brasil tornou se a Capital Sul-Continental da Literatura. Era a super-literatura. Alguns países não endossaram o modelo; o Chile pedia mais detalhes do projeto, mas o Ministério da Educação rompeu diplomaticamente com aquele, chamou o embaixador de volta e tratou de aplicar uma provinha para ver se fora contaminado com tamanho analfabetismo social, cultural e literário.
As reuniões eram densíssimas. E o conteúdo programático embotado de sabedorias, quase que iniciáticas em níveis deveras elevados.
As atas, no apogeu do grupo, davam conta de uma brutal discussão do gênero misticista-esotérico inaugurador de uma nova ordem cultural, onde bruxos dominariam escritores e a alquimia mandaria todas as páginas, letras e rascunhos para um certa dimensão do espaço etérico cósmico.
Paulo Coelho era a grande sensação e sua cara já ilustrava moedas correntes no país.
O tradicionalismo, nessa época de mudanças rápidas e de uma nova espiritualização pelas letras e alta cultura deveria ser fortemente combatido. Clássicos sofreriam sua especial “noite de São Bartolomeu”. Tudo que era clássico era considerado um “kitsch relutante”, um “démodé reiterativo” e já definanhava no inconsciente coletivo daquele povo já tão bem aculturado. Épocas de boas mudanças.
O gigante Fiodor alquimisticamente transformado em um poeta menor, fruto de um conluio grafo-elitista foi devidamente desmascarado em praça pública; era um analfabeto funcional e, sobretudo, social.
Onde se lia “Os Demônios” se leria “o Aleph”. E ponto final – opcional, já que o anarco-grafismo e a licença poética eram assuntos bem aventados e já assentados como direitos inalienáveis de um povo, tese defendida por Marilena Chauí no Congresso “Como a classe média destruiu a Literatura”.
Na sala “E. L. James”, os 67 ghostwriters da coalizão governista, que já durava 25 anos, foram, numa noite emocionante, agraciados com o prêmio “Cágado Vermelho” pelos relevantes serviços prestados a toda América Latina – um continente unido pela cultura e transformação social.
O Governo distribuía almanaques para toda população, com conteúdos essenciais à promoção da “intelectualidade ativista e social” – nos dizeres oficiais.
O MEC apoiava o grupo e já repassa pingues verbas, já que o Ministro (que se honrava de no passado ter sido palhaço e ser o deputado mais votado do Brasil) considerava que aquilo era uma revolução no“pensamento geral de um povo socialmente coletivo unido em torno de uma estratégia comum de desenvolvimento generalizado para todos”.
O Ministério dos Livros tratou logo de fazer uma propaganda: “Brasil: Leia ou Deixe-o”. Jornais como “O mestre Keynes” passou circular gratuitamente produzidos pela estatal JornalBras.
O MEC também lançou o periódico “O Pravdão”, tendo como editor-chefe Franklin Martins, que insistia que o povo lia pouco, e que as elites abocanhavam os operários pelo vácuo intelectual.
Os “burokratas” todos intelectuais 5 estrelas (sim, os pensadores eram devidamente catalogados) insistiam num novo regime que estava se instaurando. E regozijavam-se. A miséria intelectual fora vencida. O espaço estava aberto para uma reforma política mais ousada, do tipo social, claro, em que os pobres teriam vez nas discussões.
De fato, o analfabetismo passava da casa dos 54%, mas o povo era culto, instruído e lia mais.
O Brasil era outro. Mas era preciso fazer mais…
Advogado e Articulista do Liberdade Econômica.
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