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Este blog trata basicamente de ideias, se possível inteligentes, para pessoas inteligentes. Ele também se ocupa de ideias aplicadas à política, em especial à política econômica. Ele constitui uma tentativa de manter um pensamento crítico e independente sobre livros, sobre questões culturais em geral, focando numa discussão bem informada sobre temas de relações internacionais e de política externa do Brasil. Para meus livros e ensaios ver o website: www.pralmeida.org. Para a maior parte de meus textos, ver minha página na plataforma Academia.edu, link: https://itamaraty.academia.edu/PauloRobertodeAlmeida.

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segunda-feira, 29 de abril de 2024

Em busca de um paradigma diplomático: resenha de livro de Celso Lafer: Comércio, Desarmamento, Direitos Humanos (1999) - Paulo Roberto de Almeida

 Em busca de um paradigma diplomático

Paulo Roberto de Almeida

 

Resenha de:

Celso Lafer:

Comércio, Desarmamento, Direitos Humanos: reflexões sobre uma experiência diplomática

São Paulo: Paz e Terra, 1999. 

 

            Desde o final dos anos 60, quando publicou um artigo pioneiro nesta mesma revista (“Uma interpretação do sistema das relações internacionais do Brasil”, RBPI, Rio de Janeiro: ano 10, n. 39/40, 1967, pp. 81-100), o professor e empresário Celso Lafer tem sido uma das presenças mais constantes, se não a mais frequente, na bibliografia brasileira de relações internacionais. Gerações de estudantes das universidades e da academia diplomática (o Instituto Rio Branco do MRE) debruçaram-se sobre seus artigos e livros, dali retirando reflexões inovadoras sobre o papel do realismo e do idealismo na política internacional, lições enriquecedoras sobre as desigualdades intrínsecas entre as nações na ordem política e na economia internacional, sobre a situação do Brasil no comércio internacional, bem como contribuições de alto sentido filosófico e moral sobre a defesa dos direitos humanos e das causas humanitárias num mundo em mudança. Mas Celso Lafer não apenas desempenhou-se como intelectual de grande brilho nas lides acadêmicas; ele também exerceu seu talento na gestão prática das relações internacionais e na política exterior do Brasil, retomando com isso uma herança familiar, pois que é sobrinho do falecido político Horácio Lafer, que foi ministro da Fazenda do segundo governo Vargas e Chanceler de Juscelino Kubitschek.

            O livro aqui resenhado combina um pouco de todas essas aquisições intelectuais ao longo de uma vida dedicada ao estudo e ao trabalho em suas diferentes vertentes práticas de defesa dos interesses nacionais do Brasil no plano externo, pois que reunindo o que o autor chamou de “reflexões sobre uma experiência diplomática”. Ele já tinha tido a oportunidade de demonstrar suas qualidades à frente da chancelaria brasileira, num curto, porém profícuo período do início dos anos 90. Os textos coletados neste livro remetem à sua estada em Genebra, como representante brasileiro junto à OMC (que recuperou e desenvolveu o legado institucional do antigo GATT) e os demais organismos internacionais ali sediados, com destaque para a Conferência do Desarmamento e a Comissão dos Direitos Humanos (conformando as três seções em que se divide o livro). 

Em Genebra, Celso Lafer não foi, porém, um simples representante “burocrático” dos interesses brasileiros nesses órgãos cruciais para nosso desenvolvimento econômico e nossa imagem externa, mas atuou propriamente no sentido de elevar o status do País no diálogo que ali se trava sobre temas comerciais, estratégicos e humanitários. Seus “relatórios” de gestão sobre os mecanismos de revisão de políticas comerciais ou sobre o órgão de solução de controvérsias, por exemplo, ou suas considerações sobre o “prosaico” regime de origem são invariavelmente recheados de argumentos de ordem geral, retirando ensinamentos sobre as formas de melhor inserir o Brasil no plano econômico mundial. Um dos melhores textos do volume é, precisamente, o que apresenta suas reflexões sobre os 50 anos do sistema internacional de comércio, do qual o Brasil é um dos founding fathers, tendo estado presente na criação do GATT em 1947-48. Essa primeira parte do livro de certo modo retoma e completa sua contribuição anterior oferecida em A OMC e a regulamentação do comércio internacional: uma visão brasileira (Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1998).

            No plano estratégico, igualmente, as conhecidas lições do intelectual dos anos 70 e 80 – sobre a conhecida disjunção entre ordem e poder no plano mundial ‑ são retomadas em seus argumentos sobre o novo quadro estratégico surgido com o final da Guerra Fria e a perspectiva concreta de um processo realista de desarmamento nuclear. Suas reflexões sobre as nova dimensões do desarmamento incorporam aliás a primeira “racionalização” de amplo escopo sobre a política externa brasileira depois da decisão corajosamente assumida pelo Presidente Fernando Henrique Cardoso em 1997 de fazer o Brasil aderir ao Tratado de Não-Proliferação Nuclear – durante anos denunciado pela diplomacia brasileira como discriminatório e ineficaz – e de inserir o País nos mais importantes esquemas de controle de armas de destruição em massa e seus vetores (Nuclear Suppliers Group, Regime de Controle de Tecnologias de Mísseis, CTBT, etc.). Esse mesmo texto, preparado originalmente para seminário organizado pela Fundação Alexandre de Gusmão e pelo IEA-USP, encontra-se aliás reproduzido em outro volume recentemente publicado, digno de registro: O Brasil e as novas dimensões da segurança internacional, organizado por Gilberto Dupas e Tullo Vigevani (São Paulo: Alfa-Ômega, 1999). Num outro artigo dessa mesma seção, sobre os chamados “dividendos da paz”, Celso Lafer lembra que já em 1960 o Chanceler Horácio Lafer propunha que se criasse um fundo internacional para o desenvolvimento, com recursos da corrida armamentista, que tinha de ser detida.

No plano da defesa dos direitos humanos, finalmente, não é preciso relembrar o papel de intelectual engajado e de promotor ativo desses direitos que Lafer exerceu durante toda a sua vida, aspecto já refletido, aliás, em muitos de seus trabalhos anteriores. Junto com Antônio Augusto Cançado Trindade, Lafer forma no batalhão de frente da proteção dos direitos humanos no plano interno brasileiro, tendo patrocinado a incorporação vários instrumentos que se encontravam numa espécie de “limbo” diplomático ou legal. A comemoração dos 50 anos da Carta da ONU e, logo em seguida, os da Declaração Universal de 1948 oferecem-lhe oportunidade para ressaltar o papel da organização na defesa desses direitos, no qual se destacam as atividades da CDH, criada já em 1946.

No conjunto, os textos coletados oferecem mais do que simples “reflexões sobre uma experiência diplomática”, de fato várias, pois que eles consolidam também os ensinamentos de sua gestão anterior como Chanceler à época da Conferência do Rio de Janeiro sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento (1992). Eles conseguem realizar, na verdade, a virtude rara de combinar o insight diplomático com a sistematização teórica de quem, tendo começado sua carreira numa perspectiva quase que “kantiana” de observações e comentários gerais sobre a natureza do poder, teve em seguida a oportunidade de exercer seus talentos na vida prática de negociador internacional engajado na defesa dos interesses do País. 

 

Paulo Roberto de Almeida

[Washington, 716: 02/11/1999]

 

sábado, 30 de outubro de 2010

A utopia do desarmamento nuclear - Book by Michael E. O’Hanlon

Drop the Weapons

A SKEPTIC’S CASE FOR NUCLEAR DISARMAMENT
By Michael E. O’Hanlon
174 pp. Brookings Institution Press. $26.95


Since the detonation of nuclear weapons over Japan, American presidents haven’t learned to love the bomb, but rather have worried about it. In 1946, the Truman administration presented the United Nations with the Baruch Plan for international control of nuclear weapons, which Stalin, working on his own bomb, rejected. Four decades later, Ronald Reagan almost signed a deal with Mikhail Gorbachev to eliminate nuclear weapons, but this time missile defense proved an insuperable stumbling block. Now that President Obama and senior statesmen like George Shultz and Henry Kissinger have endorsed the abolition of nuclear weapons, the issue has assumed a fresh ­prominence.
In “A Skeptic’s Case for Nuclear Disarmament,” Michael E. O’Hanlon, a defense analyst at the liberal Brookings Institution who has attracted much controversy on the left for supporting the Iraq war, joins the debate. O’Hanlon expertly unravels the myriad threads of the often abstruse disputes about nuclear weapons and disarmament. He seeks to chart a middle ground between the nuclear abolitionists and the proponents of retaining the bomb in perpetuity. His solution is to advocate full dismantlement — but only if the United States and other major powers can reconstitute nuclear weapons rapidly if, say, menaced by a foreign foe who had secretly kept them. Like many attempts to cope with the problem of nuclear proliferation, however, O’Hanlon’s proposal is unpersuasive. His book is better at outlining the problems surrounding disarmament than at solving them.
According to O’Hanlon, pushing for disarmament without retaining the right to reconstruct nuclear weapons is sheer utopianism. He also notes that no major power is about to defer to the United Nations Security Council for authorization to rebuild these weapons. So he suggests the creation of a “contact group for each country that wishes to preserve the right to build or rebuild a nuclear arsenal under extreme conditions.” But this defies credibility. What commander in chief would ever put America’s national security in the hands of a “contact group”?
Still, as O’Hanlon sees it, one advantage of pushing for disarmament is simply that it might promote more general enthusiasm for arms reduction. “Tired of incrementalism,” he states, “the American public has long since lost its real interest in arms control.” But did it ever have any such interest in the first place? O’Hanlon himself doesn’t seem to have all that much interest in full disarmament.
His suggestion is that the United States should pursue a rather Machiavellian policy: On the one hand, it should “endorse a ­nuclear-free world with conviction.” On the other, “it should not work to create a treaty now and should not sign any treaty that others might create for the foreseeable future.” Only when Iran, North Korea, the status of Taiwan and Kashmir, and a host of other issues are settled will the great powers be able to cooperate on moving toward a world truly free of nuclear weapons. Of course, setting world peace as a precondition for nuclear disarmament is tantamount to saying it will never occur.
Even the act of disarming, O’Hanlon notes, could throw America’s relations with its allies into turmoil. Japan continues to rely on American nuclear assurances. So does Europe. In short, the American nuclear umbrella extends far and wide — indeed, Secretary of State Hillary Clinton suggested last year that a “defense umbrella” now extends to shield Middle East states like Saudi Arabia from a potential Iranian strike.
Rather than seeking the utopian dream of ridding the world of nuclear weapons, keeping a small arsenal on hand as a deterrent is far more likely to preserve the peace than abandoning them completely. The fundamental problem is that nuclear weapons are not the source of international tensions but an expression of them.

Jacob Heilbrunn is a senior editor at The National Interest.

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Os interessados em ler largos extratos do livro para conhecer as teses do autor, podem percorrer estas páginas no Google Books, que aliás segue o sistema da Amazon: dá para ler, mas não para copiar.

Excerpt by Google Books

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Transcrevo abaixo um comentário recebido e minha resposta a ele: 
Julian Farret disse...
A questão nuclear é um tema em voga. E não poderia ser diferente. Há algumas semanas, Roger Noriega denunciou o apoio de Hugo Chavez a o programa nuclear iraniano. Aparentemente, através de um acordo de "troca de tecnologia", a Venezuela forneceria urânio ao Irã, ao arrepio das Resoluções da ONU que tentam impedir que o país se arme. Apesar de neste caso tratarmos de governantes que, claramente, compõem sistemas autoritários de governo (e isso bastaria para que alguém repudiasse meus questionamentos), não posso deixar de me ansiar com um fator. Um aspecto, acredito, paradoxal ao paradigma da não-proliferação. Me refiro à utopia do absoluto desarmamento nuclear, tema do livro deste post. Posso estar equivocado, e sobre isso gostaria muito de ouvir o que pensa o estimado blogueiro, mas me parece que o armamento nuclear, quando em mãos de Estados de Direito, democráticos são excelentes "instrumentos da paz". Parecem garantir uma espécie de "isonomia" entre os Estados. Em sentido oposto, a insegurança surge, creio, ao passo que "esse" ou "aquele" país é detentor de uma arma tão poderosa. Isso faz surgir, sem dúvida alguma, uma hegemonia militar que em nada contribui para a segurança internacional. Não faço votos de proliferação das bombas atômicas, mas compreendo os governos que investem forças nesse sentido. Aproveito a oportunidade para registrar minha profunda admiração pelo autor do blog. Não é de hoje que o acompanho, apesar de não ser 'follower' nem ter antes me manifestado. Sucesso! Um forte abraço. Julian.
Resposta de Paulo Roberto de  Almeida:

Julian,
Discordo ligeiramente de sua analise. A questão da arma nuclear não tem tanto a ver com a natureza do regime -- democrático ou ditatorial -- e sim com sua capacitação tecnológica e industrial. Democracia e ditaduras, totalitarismos, enfim, qualquer tipo de regime, desde que dotado de capacitação adequada, pode chegar à manufatura de artefatos nucleares. A sequência é exatamente esta: EUA, URSS, UK, França, RP China, Israel, India, Africa do Sul (que depois voltou atrás), Paquistão e Coréia do Norte.
Podem fazer um artefato nuclear em menos de um ano, se assim o desejarem: Alemanha, Canadá, Japão, Suécia, Espanha, Itália, Ucrânia, Suíça e vários outros.
Demorariam um pouco mais mas poderiam também fazê-lo: Irã, Coréia do Sul, Africa do Sul, Indonésia, México, Argentina, e vários outros.
A natureza do regime não tem nada a ver com a capacidade nuclear.
Não diria que os artefatos nucleares são instrumentos de paz, e sim que são elementos estratégicos suficientemente desestabilizadores, e tremendamente destruidores, para atuar como fatores de dissuasão estratégica e obstáculos de ordem prática a uma guerra global, ou seja, entre potências detentoras desse tipo de armamento. Nesse sentido, ele garantiu, não a paz, mas a "não-guerra", que continuou a existir por outros meios: proxy wars, guerra fria, espionagem, desestabilização, guerras regionais com sistemas de alianças, e todos os tipos de golpes baixos, alguns ainda em curso e se reforçando.
Tampouco é uma isonomia completa, pois há outras maneiras de se projetar poder, mas de certa forma equaliza as chances de destruição mútua (caso ambos tenham meios de delivery, pois não adianta ter a ogiva ou a bomba, sem meios de entregá-la no lugar "certo").
Claro, quando a bomba é detida por líderes perfeitamente malucos, como alguns que existem por aí, a insegurança aumenta, pois outros vão procurar se armar nuclearmente também.
Governos que investem nesse sentido, estão simplesmente cometendo um crime contra seus povos, e jogando dinheiro no lixo.
Mas, não tenho espaço aqui para desenvolver todas as ideias.
Paulo R. Almeida