Sobre a natureza do declínio relativo do Brasil no último meio século
Paulo Roberto de Almeida
Não existe qualquer fatalidade interna ou externa que explique a perda de impulso para o crescimento e o desenvolvimento econômico e social que afeta o Brasil desde a fase final, de crises e desacertos, do regime militar. As razões são essencialmente políticas e self-made.
O Brasil afundou menos pela ação persistente de algum projeto organizado de pensamento equivocado aplicado à nação — como podem ter sido os fenômenos do bolchevismo e do peronismo, nos casos bem mais graves dos desacertos ocorridos na Rússia e na Argentina durante décadas— e mais pela inconsciência geral quanto aos destinos do país por parte daqueles que ascenderam ao poder, de esquerda ou direita, desde aquela época.
Os problemas foram se acumulando lentamente, asfixiando não só a possibilidade de correções pontuais pela via da política, como a própria consciência de que problemas conjunturais estivessem reforçando tendências estruturais negativas, já longamente estabelecidas, como por exemplo a persistência de baixos níveis de educação na população.
A correção dos desacertos é difícil e incerta, ao observarmos o cenário de curto prazo, uma vez que ainda persistimos em identificar um improvável “salvador da pátria” como o redentor dos nossos males, sendo que este pode estar tanto à direita quanto à esquerda. Tais são as indefinições que persistem, e que mostram a divisão do país, num quadro de incerteza geral quanto a um programa geral de ajustes. As “soluções” ainda são buscadas em nível de pessoas, não de políticas.
Vejo qualquer inversão da atual tendência declinante e de recuperação da nação como um processo longo e desgastante, tantas são as deformações criadas por políticos desonestos e medíocres no comando do país — de esquerda e de direita —, ao lado da incultura ainda largamente predominante em todos os estratos sociais.
Não há nenhuma dúvida quanto a inexistência de fatalidades inevitáveis, pois todos os nossos problemas são o resultado de disfuncionalidades cumulativas criadas domesticamente. Mas muitas são as dúvidas de que possamos ter, no ambiente atual da fragmentada política brasileira (ou seja, as “elites dirigentes”) e da virtual inexistência de qualquer consenso sobre a natureza dos desafios entre as elites verdadeiramente dominantes (ou seja, os donos do capital), alguma possibilidade de correção de rumos no futuro previsível.
Em resumo: a retomada do dinamismo é incerta e provavelmente tomará mais de uma geração. Perdemos o rumo e até a consciência de que devemos ter algum tipo de rumo, qualquer que seja ele. Vai demorar para encontrar algum outro, tal a rigidez de interesses consolidados na atual anomia societal.
De minha parte, persistirei a pensar no Brasil do futuro, 80 anos depois que Stefan Zweig ousou predizer boas promessas nessa perspectiva, em boa medida pelo caráter plástico de nossas relações raciais. Parece que até isso se perdeu. Vamos insistir naquilo que nos distingue como povo tolerante e culturalmente integrado.
Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 26/01/2022