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sábado, 5 de julho de 2014

Eleicoes 2014: rachas na coalizao governista tem aliancas no plano estadual

Racha com PT colocou peemedebistas e tucanos lado a lado em cinco Estados
Daniel Haidar, do Rio de Janeiro
Veja.com, 05/07/2014

DIVÓRCIO – A presidente Dilma Rousseff e o vice Michel Temer. Consórcio PT-PMDB foi mantido na disputa nacional, mas há divergências como nunca nos Estados (Lula Marques/Frame/Folhapress)
A presidente Dilma Rousseff e o PT enfrentam, a partir deste domingo, a eleição mais disputada desde que o partido chegou ao Palácio do Planalto, em 2003. Rebelado, o PMDB, pilar da governabilidade no Congresso, com tamanho e peso incomparáveis entre os aliados na esfera nacional, já havia sinalizado em sua convenção, dia 10 de junho, a dimensão de sua insatisfação: pouco mais da metade (54%, descontadas as abstenções) do partido disse “sim” para a renovação da aliança com os petistas, frustrando previsões da cúpula da sigla que estimava em cerca de 70% a aprovação da manutenção do "casamento" de doze anos.
As convenções realizadas desde então confirmaram o que Dilma e o PT tentaram a todo custo evitar: o PMDB terá, em 2014, o maior número de candidaturas próprias a governador desde a disputa de 2002, quando Luiz Inácio Lula da Silva foi eleito – dezoito peemedebistas disputarão eleições para governos estaduais. Em 1998, foram lançadas 19 candidaturas próprias. Em 2010, o partido lançou 13 candidatos nos Estados.
Insatisfeitos, sentindo-se preteridos na indicação para cargos no Executivo e, sobretudo, sentindo-se traídos pelo descumprimento de acordos pré-estabelecidos nos Estados – o mais evidente deles no Rio de Janeiro, onde o senador petista Lindbergh Farias insistiu em lançar-se candidato, apesar do pacto com o ex-governador Sérgio Cabral (PMDB) e o atual, Luiz Fernando Pezão –, os peemedebistas mostraram sua força e abriram diálogo com rivais do petismo.
Na opinião do senador Vital do Rêgo (PMDB-PB), que se lançou candidato ao governo da Paraíba mesmo sem apoio do PT, o quadro de candidaturas é resultado de rachas nos Estados da aliança com o PT. Em 17 unidades da federação, coligações apoiadas pelo PMDB vão enfrentar chapas do PT. Em dez Estados, repetirão a aliança nacional, mas em sete o PMDB estará na cabeça de chapa. "A aliança com o PT está rachando. O PMDB vai sair muito fortalecido dessa campanha, em qualquer resultado", afirma Rêgo.
O divórcio com os petistas colocou o PSDB na mesma chapa dos peemedebistas em pelo menos cinco Estados: Acre, Bahia, Ceará, Espírito Santo e Rio de Janeiro. Não é pouca coisa. Somados, são mais de 31 milhões de eleitores. Já o PSB vai ser companheiro de coligação em pelo menos quatro unidades da federação: Mato Grosso do Sul, Rio Grande do Sul, Rondônia e Sergipe. PSDB e PSB estão juntos no mesmo palanque que PMDB em Pernambuco, Piauí, Rio Grande do Norte e Roraima.
A briga mais barulhenta de peemedebistas e petistas começou no Rio de Janeiro, quando o PT decidiu aproveitar a baixa popularidade do ex-governador Sérgio Cabral (PMDB), atingido por uma sucessão de escândalos e pelos protestos de junho de 2013, e lançar a candidatura do senador Lindbergh Farias (PT) neste ano. Esperavam convencer os peemedebistas a desistir da candidatura do vice de Cabral, Luiz Fernando Pezão (PMDB). A Direção Nacional do PT tentou sacrificar candidaturas próprias, ou com mais afinidades, em outros estados para compensar os peemedebistas. Não deu certo.
O PT abortou a candidatura do deputado federal Claudio Puty no Pará, para apoiar Helder Barbalho (PMDB). Também foi boicotada a candidatura de Paulo Mourão no Tocantins. Não foi o suficiente. "O PT nem existe no Tocantins", ironiza um peemedebista.
Em Goiás, o PT lançou candidato próprio, Antonio Gomide, contra Iris Rezende (PMDB), uma aliança que estava acertada teoricamente desde 2012. O Piauí também virou caso emblemático do racha, porque o PT oficializou a candidatura do senador Wellington Dias contra a reeleição do governador José Filho (PMDB), que vai dividir palanque para os presidenciáveis Aécio Neves (PSDB) e Eduardo Campos (PSB) no lançamento de sua candidatura.
Ceará – Outro divórcio hostil, embolado pela preocupação do PT em afagar os irmãos Cid e Ciro Gomes (Pros), ocorreu no Ceará. O PMDB argumenta que estava acertado apoio do PT no Estado, mas os petistas cogitaram lançar a ex-prefeita de Fortaleza Luizianne Lins e, ao fim, o deputado estadual Roberto Santana (PT) foi escolhido como nome à sucessão do governador Cid Gomes (PROS). Em retaliação, o senador Eunício Oliveira (PMDB), que lidera as últimas pesquisas registradas no Tribunal Superior Eleitoral (TSE), abriu palanque para o PSDB com convite para que o ex-senador Tasso Jereissati (PSDB) integre a chapa peemedebista.
“Tivemos consideração com a saída dos irmãos Gomes do PSB, em nome da manutenção da aliança com o PT. O Eunício colocou sua candidatura como estratégia central e não mediu consequências”, afirmou o presidente do PT no Ceará, Francisco de Assis Diniz.

São Paulo – No maior colégio eleitoral do Brasil – 32 milhões de votos –, a eleição estadual começará pela primeira vez desde 2002 sem a tradicional polarização entre petistas e tucanos. Governado há vinte anos pelo PSDB, São Paulo é, hoje, a maior dor de cabeça para o comando da campanha da presidente Dilma Rousseff. No Estado, o ex-presidente Lula lançou seu "terceiro poste" na disputa, o ex-ministro Alexandre Padilha, que patina no patamar de 3% das intenções de voto. Mais: a sigla perdeu na última hora o apoio do PP e não conseguiu atrair o PSD para a chapa, o que deixará Padilha em desvantagem na propaganda eleitoral no rádio e na TV. Sem votos no interior do Estado, historicamente refratário à sigla, e com um prefeito na capital mal avaliado, o PT ainda busca uma solução para tentar alavancar Dilma em terreno paulista.
Por outro lado, é em São Paulo que o PSDB aposta suas fichas para tentar fazer a candidatura de Aécio crescer. A intenção dos tucanos é colar o mineiro no governador Geraldo Alckmin (PSDB), que tentará a reeleição, e em José Serra (PSDB), que tentará uma vaga no Senado, para pregar a imagem de que o partido está unido – pela primeira vez desde 2002. A avaliação dos tucanos é que se Aécio conseguir uma boa vantagem em relação a Dilma em São Paulo, somada à esperada vitória com folga em Minas Gerais, sua terra natal, é possível reverter o capital eleitoral do PT no Nordeste.

PSB – Sem nomes fortes nos maiores colégios eleitorais, o PSB de Eduardo Campos lançou doze candidaturas ao governo, ante nove apresentadas em 2010. Nos demais Estados, o partido apoiará candidatos do PSDB (São Paulo, Paraná, Santa Catarina e Pará), do PT (Rio de Janeiro e Acre) e do PMDB (Rio Grande do Norte, Piauí, Rio Grande do Sul, Sergipe e Mato Grosso do Sul). O melhor exemplo da heterodoxia dos palanques está justamente em São Paulo e no Rio de Janeiro. Em solo paulista, o PSB indicou o vice na chapa do tucano Geraldo Alckmin. No Rio, apoia o petista Lindbergh Farias. Nos dois casos, a estratégia nacional de Campos é tentar angariar votos de eleitores que não associam automaticamente as candidaturas de Alckmin e Lindbergh aos nomes de Aécio e Dilma.
Em Pernambuco, Estado de Campos, o candidato pessebista ao governo, Paulo Câmara, marca apenas 8% das intenções de voto em pesquisas recentes. Seu principal adversário, o senador Armando Monteiro Neto (PTB), apoiado pelo PT, lidera com 63% das intenções de voto.
Cobrança – Com disputas nos Estados entre petistas e peemedebistas e descontentamento de parlamentares da base aliada no Congresso, o cientista político Rubens Figueiredo, sócio-diretor da Cepac, avalia que vão aumentar as exigências do PMDB por cargos, verbas e ministérios em eventual novo governo de Dilma. ”O governo Dilma juntou a falta de carinho, com a falta de orçamento, e gerou um descontentamento na base aliada. O PMDB pratica a ‘realpolitik’ (o poder pela política, sem grandes considerações morais). Existe para galgar posições no Estado, ter cargos e controlar orçamentos. É certo que a fatura para recomposição em um eventual segundo governo Dilma vai ser maior”, afirma Figueiredo.
Herdeiro do antigo MDB, criado em 1965 pelo AI-2, que forjou um bipartidarismo no país na ditadura militar, o PMDB passou a controlar máquinas partidárias que remontam aos anos 60 nas principais regiões do país. Pelo tamanho da bancada parlamentar (segunda maior na Câmara dos Deputados, com 73 deputados, e a maior do Senado, com 20 representantes) e por possuir a maior quantidade de governadores hoje no poder (em sete estados), a legenda é, para o bem e para o mal, fiel da balança em qualquer coalizão de governo federal, destaca o cientista político Maurício Rebello, professor da Universidade Federal da Fronteira Sul. “Qualquer um dos presidenciáveis eleitos terá que dialogar com o PMDB. Sem ele, fica mais difícil compor uma coalizão, ou, pelo menos, com maiores custos de negociação”, afirmou Rebello.


domingo, 13 de junho de 2010

Contra as divisões e o reducionismo

Algumas reflexões
Paulo Roberto de Almeida

O primeiro ato que ocorre a uma mente autoritária é a divisão: eu contra você; nós contra os que se nos opõem; pobres (forçosamente a maioria) contra os ricos (sempre uma minoria); negros (supostamente oprimidos) contra brancos (usualmente os opressores); estas nossas ideias e propostas, necessariamente melhores e sempre benéficas para o maior número, contra as ideias deles, perversas, nefastas à maioria, feitas em favor da minoria opressora. Este é o esquema, que infelizmente se reflete em uma variedade de formas, em diferentes épocas e situações, por vezes, inclusive, em circunstâncias da maior liberdade possível e com todas as garantias asseguradas de livre manifestação do pensamento, de organização e até de recusa, não violenta, da situação existente.
Pensemos um pouco, por exemplo, nos Estados Unidos, manifestamente o pais mais livre e democrático do mundo, com amplos direitos individuais até os limites mais absurdos que se possa pensar (entre eles a livre disposição de armas, que acaba por vezes redundando em tragédias terríveis, mas que as pessoas, mesmo vítimas ocasionais desse tipo de “liberdade”, se recusam a limitar). Aqueles, mal informados ou de má fé, que acham que os EUA são apenas aparentemente livres, pois que dominados pela “ditadura do capital” e pelo controle da “mídia” pelas grandes corporações capitalistas, podem parar de ler este texto por aqui, pois não escrevo para os já convencidos e os que preferem se enganar a si mesmos com esse tipo de besteirol maniqueísta. Eu me refiro aos EUA como nação absolutamente livre, na qual um indivíduo pode inclusive escolher “desaparecer” no mundo, escolher outra identidade, mudar de estado, de profissão, de vida, sem que ninguém venha obstar a essa sua decisão. Pois bem: mesmo assim, os americanos estão, pelo menos temporária e aparentemente, prisioneiros de um sistema político “ditatorialmente” bipartidário, no qual sabemos, por antecipação, que você terá um presidente ou democrata, ou republicano, praticamente sem nenhuma outra opção. Grandes corporações, mentes conservadoras, fundamentalistas religiosos e liberais econômicos geralmente escolhem ficar do lado dos republicanos – e, de fato, a grande maioria se registra para votar com os candidatos desse partido, por mais idiotas que estes possam ser – e os sindicalistas, os social-democratas econômicos, os “progressistas” e os partidários das “minorias oprimidas”, do direito ao aborto ou ao “free choice”, se reúnem sob a bandeira dos democratas e seus candidatos (por igualmente idiotas que estes possam ser). A despeito da imensa liberdade dos americanos, considero, pessoalmente, esse tipo de sistema viciado e deformado, pois em função de circunstâncias da vida política e um pouco por “trapaças da sorte”, se pode acabar tendo um presidente idiota que prejudica as pesquisas científicas por puro preconceito religioso, como de fato ocorreu ainda recentemente na vida daquele país.
Mas, isso não me preocupa muito, porque esses pequenos tropeços são amplamente compensados pela mentalidade mais livre, flexível e criativa que possa haver no mundo, e o país avança a despeito dos pequenos (alguns grandes) idiotas que ocupam temporariamente o poder. De resto, a imensa maioria da população ignora solenemente os idiotas e lobistas de Washington e vive em seu pequeno mundo democrático e totalmente livre, que é feito daquela democracia de aldeia que todos os países deveriam ter. Mas não há dúvida de que uma situação de bipolaridade estrita é muito ruim para uma democracia dinâmica; um sistema aberto às novas opções, totalmente competitivo no plano eleitoral pode até ser mais instável politicamente, mas não deixa de ser interessante no plano das escolhas eleitorais. Mas, não estou falando desse tipo de país, representado pelos EUA, e sim daqueles que são confrontados a divisões artificiais e a escolhas maniqueístas.
Estou falando da ditadura do pensamento e, sobretudo, da ditadura real, que infelizmente acomete muitos países ao redor do Brasil, quanto também não atinge o Brasil, direta ou indiretamente. A ditadura do pensamento é aquela que pretende que uns são ricos porque muitos são pobres, ou seja, que os ricos só ficaram ricos porque puderam explorar impunemente o povinho miúdo e inocente; essa mesma ditadura de pensamento pretende, então, que a situação vai melhorar se o Estado tirar um pouco (acaba sendo muito, quando o Estado tem meios poderosos, como sabemos) dos ricos para “redistribuir” entre os pobres, para remediar sua situação ou melhorar de modo significativo a vida destes. A ditadura do pensamento é aquela que ensina que as “minorias” étnicas foram perseguidas pelas elites dominantes, e que por isso têm direito a “políticas compensatórias” para reparar o mal de que foram objeto ao longo da história (mesmo se as gerações presentes não são absolutamente responsáveis pelo que ocorreu séculos atrás).
Existem, obviamente, situações ainda piores, quando o país inteiro é dividido pelo ódio político e classista, como ocorre muito perto do Brasil, onde ditadores de opereta, caudilhos histriônicos jogam uma maioria desinformada, e insuflada por discursos enganosamente redentores, contra as elites, a burguesia e o patronato de modo geral. Mais do que a carência material, a escassez do abastecimento, a penúria desorganizada e a anarquia econômica de modo geral, o que esses líderes autoritários mais criam, acima de tudo, é a divisão terrível entre os cidadãos, manipulando de modo vil as agruras das massas socialmente desfavorecidas e atribuindo a responsabilidade pela sua situação ao punhado de ricos escolhidos como representantes dos “culpados” pela miséria geral da população.
Políticas divisivas ou “divisionistas”, situações plebiscitárias, maniqueísmos redentores, situações bipolarizadas são o que de pior pode haver para a educação política dos cidadãos. E no entanto é sobre essas divisões que os ditadores e os candidatos a tal insistem, como forma de excitar o máximo possível as frustrações e agruras do “popolo minuto” contra o “popolo grosso”, como se referia Maquiavel às divisões entre a aristocracia e a burguesia, de um lado, e a plebe, do outro, nas cidades italianas da Renascença. Ditadores e líderes autoritários sempre exploram esses sentimentos da massa para, através da demagogia e do populismo, comprarem a adesão de grande parte da massa urbana a seus intentos autoritários.

Mas as mesmas práticas divisionistas podem existir também em outras esferas que não apenas a política eleitoral. Quando se proclama, por exemplo, que “o sul é o nosso norte”, se está querendo expressamente dizer que rejeitamos o mundo do norte – ou seja, dos países ricos e desenvolvidos – para ficar exclusivamente do lado dos pobres, ou países em desenvolvimento, no que é um reducionismo dos mais absurdos. Qualquer política “sul-sul” excludente é estúpida por natureza, sempre quando a cooperação, a assistência e os intercâmbios se fazem exclusivamente ou mesmo essencialmente nessa direção. Se somos estadistas, dirigentes, reitores de universidade, líderes políticos, planejadores governamentais, enfim, qualquer coisa que tenha a ver com processos decisórios orientados para o progresso material, para os avanços tecnológicos, para o desenvolvimento científico de nosso país, o mais lógico, o mais natural e até mesmo o mais necessário que ocorra seria que orientássemos todas as nossas ações a buscar o que de mais avançado possa haver nessas áreas, ou seja, vamos cooperar, intercambiar, interagir com quem está à nossa frente, não com quem está atrás da gente. Como o Brasil está à frente de outros países em desenvolvimento em vários terrenos, devemos considerar a cooperação sempre em direção de países mais avançados do que o nosso. Se formos olhar para trás, será para prestar assistência, podendo até haver algum benefício disso sob a forma de venda de produtos e serviços brasileiros a esses países (ou seja, o que sempre fizeram os países que nos prestaram assistência, durante a fase em que o Brasil era basicamente receptor de ajuda internacional e acolhedor de tecnologias mais avançadas).
Políticas com apenas uma direção, seja qual for, costumam ser reducionistas e auto-excludentes, sempre prejudiciais ao desenvolvimento do Brasil. Se for no terreno da política eleitoral, a mensagem é ainda mais negativa, pois o que se pretende é unir o país, não dividi-lo em categorias estanques. Essas divisões costumam ocorrer em pessoas de mente estreita, que concebem a política, e a própria economia, como um jogo de soma zero, no qual um tem de ganhar tudo, à condição que o outro perca. Não pode haver nada pior para o futuro de uma nação.

Nanjing, 13 de junho de 2010.