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quinta-feira, 26 de abril de 2018

A Moeda e a Lei, de Gustavo Franco - resenha de Vinícius Muller

 Gustavo Franco para crianças 
Em 'A Moeda e a Lei', o economista Gustavo Franco revela como a tragédia da inflação foi sendo construída no Brasil por diversos interesses. Confira a análise de Vinícius Müller, do Insper.
Estado da Arte
O Estado de S. Paulo, 23 Abril 2018 
por Vinícius Müller


O economista Gustavo Franco. Foto: Fabio Motta/Estadão.

Há uma cena no filme Real: o Plano por trás da História, do diretor Rodrigo Bittencourt, na qual o personagem de Gustavo Franco, interpretado pelo ator Emílio Orciollo Neto, desabafa sobre sua insatisfação em ter de corrigir provas de alunos ‘comunistas’. Gustavo Franco, sabe-se, é professor do departamento de Economia da PUC do Rio de Janeiro, faculdade reconhecida pela sua excelência no ensino e pesquisa e, de modo algum, caracterizada por ser defensora de teses ‘comunistas’. Pelo contrário, o departamento notabilizou-se no Brasil pela presença de professores vinculados ao mainstreamda Ciência Econômica, fortemente influenciada pelas propostas ortodoxas que, do marxismo, nada carregam. Imagina-se que o aluno que opta por cursar Economia na PUC do Rio de Janeiro conheça essa característica e, portanto, não seja propriamente alguém com tendência à economia heterodoxa ou marxista. Curioso, então, que aquele que viria a ser um dos artífices do Plano Real e presidente do Banco Central durante o primeiro mandato de Fernando Henrique Cardoso, entre 1995 e 1998, se mostre tão frustrado com seus alunos ‘marxistas’.
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Para além da ironia contida na cena, independentemente de ser fiel à realidade ou não, seria interessante saber o que Gustavo Franco pensaria – ou qual seria o tamanho da sua frustação – se lecionasse em escolas e cursos cujo viés é, de fato, marxista. Um curso de História de qualquer universidade brasileira, por exemplo. O economista, culto como demonstram seus estudos sobre a relação entre literatura e economia, seria desafiado a defender seu brilhante estudo recentemente publicado, A Moeda e a Lei(Ed. Zahar, 2017), para uma plateia de céticos e, quiçá, agressivos ouvintes dispostos a ofensas pessoais do mais baixo calão.
Contudo, talvez, entre eles, ao menos um estudante estivesse disposto a ouvir e a entender a complexa trama estabelecida pelo autor em seu novo livro. Trama que dialoga com três áreas fundamentais do conhecimento, a Economia, a História e o Direito, e que as apresenta de modo a não só estabelecer o diálogo, mas também a complexa relação entre elas. É assim quando, por exemplo, ao contar a trajetória da moeda e da inflação no Brasil desde 1933 (ano da criação da moeda fiduciária no país), oferece sua versão sobre como a inflação foi um subproduto de uma perversa combinação entre o mau entendimento sobre o poder simbólico da moeda, uma mentalidade tacanha que apostava no isolamento do país em relação às experiências bem sucedidas no controle inflacionário e na condução da política monetária de outros países, e do modo como esta mentalidade se transformou, em instituições formais, em leis.
Além disso, expõe a indisfarçada preguiça mental e canalhice intelectual daqueles que creditaram à inflação algo positivo ao desenvolvimento e, por tabela, negligenciaram em suas opiniões a tragédia que foi para outros países a convivência com índices de hiperinflação; ou seja, removeram de suas análises a memória sobre a hiperinflação alemã e o caos que ela promoveu. Gustavo Franco, especialista no tema, nos relembra disso.
Em nove capítulos, a obra revela como a tragédia da inflação no Brasil foi sendo cuidadosamente construída ao longo do século XX, seja pelo uso discricionário de políticas monetárias e cambiais em nome de uma modernização que, no final, privilegiava seletivamente alguns em detrimento de quase todos; seja por que tal seletividade se transformou em regra de funcionamento tanto da SUMOC (Superintendência da Moeda e do Crédito, órgão responsável pela política monetária entre 1945 e 1964) quanto do Banco Central, criado logo após o golpe de 1964 – em síntese: como a desculpa de que a moeda e o câmbio se ditados pelas regras do mercado seriam obstáculos ao desenvolvimento do país se transformou no controle monetário e cambial exercido por órgãos subordinados aos interesses políticos e de grupos organizados. O incrível é que, em nome de sua aversão ao mercado, muitos apoiaram tal controle e, de quebra, os benefícios que gerou a determinados grupos, como se fosse uma defesa da soberania nacional ante o avanço do ‘imperialismo’ estrangeiro.
Essa não só é a face mais terrível dessa história, como é também uma das causas dos fracassados planos de estabilização dos anos 80. A espúria associação entre o uso de certa ortodoxia, de um lado, e os interesses estrangeiros, de outro — o que leva muitos a relacionar a heterodoxia aos defensores do interesse nacional –, deu a sustentação ideológica e simbólica aos planos de combate à (hiper) inflação que destruíram boa parte da geração que entrou no mercado de trabalho nos anos 80. Foi preciso a superação deste grave equívoco intelectual e histórico, ao menos por alguns, para chegarmos ao Plano Real em 1994. Quantos não se voltaram contra o Plano Real, acusando-o de ser o representante do neoliberalismo que entregaria o país aos norte-americanos, entre outras insanidades semelhantes? Se, por um lado, devemos receber com uma salutar desconfiança o elogio feito por Gustavo Franco ao mais bem sucedido plano econômico de combate à inflação que já tivemos em nossa história (afinal, ele foi um dos formuladores), por outro, alguém precisava sair em defesa do evento mais importante que ocorreu na economia brasileira nos últimos trinta anos sem medo de ser perseguido pela patrulha dos que não entenderam nada. Curioso é que tal defesa seja feita por um economista, e não por um político.
O livro de Gustavo Franco é, assim, inovador em sua forma e conteúdo. Só por isso, já deveria ser adotado pelos cursos de História, de Direito e de Economia. Mas o que talvez Gustavo Franco não saiba é que ainda que seu trabalho tivesse apenas um leitor atento em nossos já mencionados cursos dominados por inclinações marxistas, esta única exceção revela mais do que a princípio parece. Entre outras coisas, revela que os espaços ocupados ao longo do tempo por grupos que foram progressivamente vencidos em tantos embates de nossa trajetória foram, em geral, justamente os espaços negligenciados pelos vencedores. Ou seja, que há uma hierarquia que se revela não só entre os projetos vencedores e perdedores, mas também nos espaços que foram ocupados a fim de promover a reprodução e/ou sobrevivência destes últimos; que o federalismo, por exemplo, quando derrotado no embate contra o projeto de centralização imperial, ajustou-se nas franjas do poder de modo que, décadas depois, renasceu com força irresistível em São Paulo; que o centralismo, mesmo derrotado em 1891, se refugiou entre militares e positivistas de modo a, na melhor oportunidade, tomar a frente do país com a ascensão de Vargas em 1930; e, por analogia, que os ‘comunistas’, que tanto irritavam Gustavo Franco, se esconderam e sorrateiramente se reproduziram nas escolas e na academia para, décadas depois, se lançarem ao poder. Cada um coloniza o espaço que lhe sobra ou lhe interessa. No caso, os ‘não comunistas’ pouco se importaram com a Educação, e assim a escola e a academia se transformaram no melhor abrigo aos tantos que, na hipotética visita aos futuros historiadores descrita acima, vaiavam o ex-presidente do Banco Central.
Por isso, o inicial estranhamento sobre a reclamação do professor da PUC do Rio de Janeiro que não queria corrigir provas de ‘comunistas’ transforma-se em revelação: os ‘comunistas’ não mais escolhem ou se incomodam em cursar Economia ou História, na PUC carioca ou nas universidades públicas. Na verdade, eles nem sabem o que é ‘comunismo’ ou que eles são ‘comunistas’, afinal toda sua vida escolar pregressa foi assim. A educação, e seu lugar de formalização – a escola – e de aprofundamento – a Universidade –, abandonadas como foram pela elite, se transformaram no refúgio e, concomitantemente, no local de sobrevivência dos ‘comunistas’ que, ao longo da nossa trajetória, perderam embates cruciais à sua perpetuação. Eles colonizaram o universo educacional e lá apresentaram a sua formação e viés como os únicos possíveis. Portanto, transformaram-na em um espaço vinculado não à educação, mas ao jogo de poder.
Por isso, a indignação do professor Gustavo Franco deve se transformar em ação: se há um livro infantil chamado O Capital para as Crianças (Liliana Fortuny, editora Boitempo, 2018), que com todo o direito inicia os pequenos à obra de Karl Marx, devemos criar uma campanha para termos “Gustavo Franco para Crianças”. Seria uma justa maneira de mostrar a relevância de seu último livro para a ascensão de um novo debate que envolva, desde o início, a formação de futuros Economistas, Historiadores e Advogados.
Vinícius Müller é doutor em História Econômica pela USP e professor do Insper.

sábado, 17 de fevereiro de 2018

Economia brasileira em voo de galinha e indo para o precipício- Marcos Lisboa

Melhora da economia pode ter fôlego curto
ENTREVISTA: MARCOS LISBOA, economista e presidente do Insper  
O Estado de S.Paulo, 17/02/2018

O economista Marcos Lisboa, presidente do Insper, afirma que uma possível suspensão da reforma da Previdência por causa da intervenção no Rio deve agravar ainda mais o quadro de degradação da política pública. Na avaliação dele, as consequências da falta de reformas (especialmente a previdenciária) já estão espalhadas pelo Brasil inteiro, com a piora da segurança pública e a infraestrutura precária. “É um quadro que já está aí e vai se agravar. Haverá piora progressiva da qualidade da política pública.”

A avaliação do mercado é que a intervenção no Rio deve enterrar a reforma da Previdência. Quais os reflexos disso?
Está cada dia mais difícil. Quanto mais se demora para fazer as reformas necessárias, maior é o quadro de degradação da política pública. A segurança falha (como no Rio); a manutenção de viadutos não é feita; problemas de infraestrutura em vários lugares vão surgindo, como falta de acesso à água; há atraso de salários, de aposentadorias e de pagamento de fornecedores.

Há um prazo limite para se fazer a reforma da Previdência? 
Não é que haja uma data limite, mas a medida que você não faz as reformas– e a Previdência é amais importante –, o dinheiro vai acabando e você tem de cortar em algum lugar. E começam cortando a manutenção. O que vai ocorrer é que, na medida que o dinheiro vai acabando, você vai cortando ciência e tecnologia, manutenção de estrada, investimento em saneamento. Os relatos estão pipocando e estamos vendo uma série de casos espalhados pelo Brasil, com uma infraestrutura deficiente.

A tendência é piorar?
É um quadro que já está aí e que vai se agravar. Haverá uma piora progressiva na qualidade da política pública com a falta do dinheiro. Quando você para de fazer manutenção em estradas e em saneamento, você está criando um problema para o futuro. O viaduto que caiu (semana passada) em Brasília não é resultado de apenas um ano sem investimento, mas de vários. Sem dinheiro, corta-se a manutenção. Já estamos vendo as consequências da crise fiscal. A degradação da violência e das estradas é o retrato disso.

E onde isso pode chegar?
O que tem agora é o debate em torno da regra de ouro. Chega uma hora em que a despesa obrigatória do governo federal fica maior que a receita corrente líquida. Se não há recursos extraordinários, como os do BNDES neste ano, o governo precisa de empréstimo para pagar a despesa corrente. No fundo, ele estará tomando empréstimo para pagar a Previdência. A regra de ouro proíbe essa prática. Se começa a fazer isso, perde-se o controle. É insustentável a médio prazo.

Deixar a reforma para o próximo governo significaria ter uma reforma mais rígida?
Vai ser cada vez pior. O gasto da Previdência cresce acima do PIB por causa do envelhecimento da população. Quanto mais demora, mais grave fica o quadro. A questão é que, embora a Previdência seja a mais importante, é preciso fazer outras coisas para equilibrar as contas públicas.

A retomada econômica pode ser interrompida?
De um ano e meio para cá, houve uma inflexão grande da política econômica, que terminou com maior responsabilidade para enfrentar o problema fiscal. Teve a PEC do Teto, a reforma trabalhista, melhora na governança da Petrobrás e da Caixa. Houve uma agenda importante que permitiu a queda dos juros e da inflação. Na hora que houve melhora na condição da política econômica, o mercado passou a acreditar que o futuro não seria tão ruim. Hoje, estamos colhendo os frutos da melhora da política econômica iniciada no fim de 2016. Este ano seria de alívio e de recuperação da economia. O risco é perder a oportunidade de continuar essa trajetória boa. A melhora pode ter fôlego curto. Se tem um desequilíbrio fiscal deste tamanho, como vai fazer ajuste? Vai aumentar imposto? Vai cortar despesas? Se você não sabe como vai ser o ajuste, como vai investir?

domingo, 7 de janeiro de 2018

Governo quer gastar mais, transformar o Brasil num Rio de Janeiro - Marcos Lisboa

'Governo dá sinais na contramão', diz ex-secretário do Ministério da Fazenda”  
Entrevista Marcos Lisboa
Folha de São Paulo, 6/01/2018

A proposta em discussão pelo governo de suspender a chamada "regra de ouro" –que impede a União de captar recursos no mercado em volume superior aos investimentos– talvez seja inevitável, mas precisa ser acompanhada de contrapartidas, diz o economista Marcos Lisboa, presidente do Insper e colunista da Folha. Para ele, que foi secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda, sem essas contrapartidas o governo vai contratar uma grave crise e avisa: o Rio não está tão distante assim.
Folha - O que leva o governo a discutir a regra de ouro?
Marcos Lisboa - A realidade. Talvez seja inevitável essa mudança, mas ela pode ser feita em meio a ajustes mais severos. Junto, é preciso discutir acabar com as desonerações da folha de salários. Também não dá para aumentar limites para o Simples [regime tributário das pequenas empresas] como está sendo feito. Discutir a regra de ouro é extremamente preocupante. 
- Mas não é isso que o governo está tentando fazer?
- Espero que a discussão inclua flexibilizar a regra por algum tempo, mas com contrapartidas. O BNDES também tem que devolver o dinheiro que recebeu do Tesouro, é preciso fazer a reforma da Previdência e, no âmbito dos Estados, teremos que discutir o que significa direito adquirido, pois o problema deles é a folha de pagamentos. O que surpreende é que chegamos a esse nível de degradação com complacência da sociedade.
- Essa complacência atinge seus pares economistas?
- Todos nós. O governo, junto com o Congresso, teve uma agenda importante de avanços que têm que ser reconhecidos, como o teto de gastos, mas há muito a ser feito no ajuste fiscal de mais curto prazo para garantir o equilíbrio das contas públicas e enfrentar o deficit primário que temos hoje, na faixa de R$ 150 bilhões por ano. 
- O que precisa ser feito?
- Se um policial sem receber há dois meses não desperta um imenso alerta que reformas importantes têm que ser feitas, eu não sei mais o que desperta. E o governo dá sinais na contramão quando a Caixa volta a financiar Estados. Será que não aprendemos nada com o erro dos últimos anos? É melhor vedar de vez qualquer empréstimo da União aos Estados. A Caixa acabou de dar R$ 600 milhões para o Estado de Goiás. Será que a gente vai ter que assistir o Estado de Goiás em 2109 virar um novo Rio de Janeiro?
- O sr. acha que sim?
- Acho. Como a Caixa pode voltar a emprestar para os Estados? Como é que podem usar dinheiro dos trabalhadores [recursos do FGTS] para capitalizar a Caixa? 
- Mas a Caixa é a grande financiadora imobiliária do país.
- Talvez o país tenha que pensar em outros mecanismos menos sujeitos a pressões oportunistas ou gestão incompetente como vimos nos últimos anos. Se não conseguimos fazer uma gestão eficiente da Caixa, talvez o melhor seja mesmo privatizá-la.
- Incompetência deste governo também?
- Esse governo é dois para lá, dois para cá. Tem tido avanços importantes em algumas questões, como a discussão da reforma da Previdência, mas retrocessos também. Grandes. Volta e meia há um retorno ao passado de usar recursos públicos para empurrar os problemas para 2019. Mais ainda: não se consegue fazer os ajustes. Acaba se optando por, em vez de tratar o tumor, dar morfina porque ela tira a dor e dá um barato. 
- O prazo político para isso não acabou?
- Temo isso porque, se não fizermos ajustes em 2018, teremos problemas mais severos em 2019. Mas é sempre possível piorar. A Venezuela que o diga.
- O próximo passo pode ser atacar o teto de gastos?
- O país pode sempre escolher tomar mais morfina do que enfrentar a doença. Nós nos acostumamos com tudo. Aprovar mudanças na regra de ouro sem contrapartida seria contratar uma crise mais grave no futuro. Se isso não for parte de um pacote que garanta a estabilização da dívida sobre o PIB nos próximos anos, o cenário pode ser muito ruim. O Rio de Janeiro não está tão distante assim.


terça-feira, 19 de dezembro de 2017

O governo dos trabalhadores industriais reprimarizou a economia brasileira: ironia?

Essas surpresas da história: o partido dos trabalhadores, dotado de uma ideologia típica do stalinismo industrial, e representante auto-nomeado dos trabalhadores industriais, foi o maior responsável, com sua política econômica aloprada, conseguiu desindustrializar o Brasil de maneira radical – a participação da indústria caiu à metade durante o período – e tornou a economia brasileira muito dependente da produção e exportação de produtos primários, uma situação "colonial" vergonhosa para o partido que, supostamente defendia o proletariado industrial.
Paulo Roberto de Almeida

Cinco commodities já concentram 44% das vendas externas

Por Sergio Lamucci | De São Paulo

Valor Econômico, 19/12/2017

A concentração da pauta de exportações do Brasil em produtos primários voltou a aumentar em 2017, depois de dois anos de queda. De janeiro a novembro, cinco commodities responderam por 44% das vendas ao exterior, acima dos 40% registrados no mesmo período do ano passado.
O maior peso é do complexo soja, com peso de 15,3% das exportações no acumulado do ano, seguido por minério de ferro (8,8%), óleos brutos de petróleo (7,7%), complexo carnes (6,9%) e açúcar (5,4%), segundo o Ministério da Indústria, Comércio Exterior e Serviços (Mdic).
Num cenário de crescimento mais forte da economia global, as vendas de produtos primários ganharam fôlego neste ano, ao mesmo tempo em que as exportações de bens industriais avançaram em ritmo mais modesto, diz o economista Fernando Ribeiro, pesquisador do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea). "Isso evidencia os problemas de competitividade da indústria", afirma. Com isso, as exportações se concentram nas commodities, segmento em que o Brasil é mais competitivo.
Conquistaram espaço na pauta de vendas externas o complexo soja (grão, farelo e óleo), o minério de ferro e o petróleo. No caso da soja, o que cresceu mais net ano foi a quantidade embarcada. De janeiro a novembro, o volume exportado da chamada soja mesmo triturada subiu quase 30% em relação ao mesmo período de 2016, enquanto as cotações do produto avançaram apenas 0,8%.
No caso do minério de ferro, o efeito predominante foi dos preços, que subiram 47% de janeiro a novembro. Os volumes vendidos cresceram 3,5%. Já as exportações de petróleo aumentaram devido à combinação de expansão robusta tanto de preços como de quantidades. De janeiro a novembro, as cotações subiram 31% sobre igual período de 2016, ao passo que os volumes tiveram alta de 25%.
O pico da participação das cinco commodities na pauta de vendas externas foi atingido em 2011, quando os preços de exportação do Brasil atingiram a máxima histórica, puxada pela alta das cotações. De janeiro a novembro daquele ano, o conjunto desses cinco produtos respondeu por 46,2% das vendas externas totais. Em 2000, essa fatia não chegava a 20%.
O boom de commodities ganhou força especialmente a partir de 2004. Depois de agosto de 2011, os preços de exportação passaram a recuar gradualmente, caindo com mais força a partir de agosto de 2014. As cotações de commodities começaram a se recuperar a partir de meados do ano passado, destaca Ribeiro.
O aumento das exportações de soja, minério de ferro e também petróleo teve um peso importante do "efeito China", como destaca o economista Livio Ribeiro, pesquisador do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (Ibre–FGV). Das exportações de soja mesmo triturada, quase 80% se destinam ao país asiático, observa ele. No caso das vendas de minério de ferro, a China absorveu 54% das exportações do produto no período de janeiro a novembro; no do petróleo, 43%, de acordo com números do Mdic.
Para o economista do Ibre, o inconveniente de um país só ser o destino de boa parte das vendas de determinado produto é que torna mais complicada a negociação de preços, dado o poder de mercado do comprador. Observa, porém, que há grande complementaridade entre o que o Brasil produz e o que a China demanda, o que torna o país asiático um destino natural para as exportações brasileiras.
Ribeiro, do Ipea, observa que as exportações de produtos industriais pelo Brasil mostram pouco fôlego, ainda que haja exceções. De janeiro a outubro, o volume exportado de produtos manufaturados cresceu 4,6% em relação ao mesmo período de 2016, alta inferior aos 11,9% dos produtos básicos, segundo a Fundação Centro de Estudos de Comércio Exterior (Funcex). Não há dados disponíveis ainda para novembro.
Uma das exceções da indústria manufatureira é o setor de veículos automotores, reboques e carrocerias subiram, onde as quantidades destinadas ao exterior subiram 32,2% no período de janeiro a outubro. O economista do Ipea observa, porém, que essa alta se deu sobre uma base muito fraca. Para comparar, ele diz que o volume de exportações de veículos, mesmo com a alta acima de 30% neste ano, ainda deve ficar 10% abaixo do registrado em 2006.
Em 2016, as quantidades destinadas ao exterior de manufaturadas cresceram 8%, num ano em que as de básicos encolheram 2,8%. Neste ano, as exportações industriais avançam a um ritmo mais fraco, mesmo num cenário de demanda global mais forte e com um câmbio que, se não é extremamente desvalorizado, não parece inviabilizar as vendas externas, diz o economista do Ipea, o que mostra as dificuldades de competição da indústria. Custo elevado da mão de obra, deficiências de infraestrutura e defasagem tecnológica são alguns dos obstáculos.
Nesse cenário, as exportações de produtos primários ganham terreno na pauta, num ambiente de crescimento global mais forte. Para o economista do Ipea, a tendência é que a fatia das cinco commodities continue a avançar no ano que vem.
O problema de uma pauta tão concentrada em poucos produtos primários o é uma parcela expressiva das exportações fica muito sensível a choque de preços, diz Fernando Ribeiro. A questão é que as cotações de commodities tendem a oscilar mais.
Já Livio Ribeiro considera que a concentração não é um problema em si. O Brasil, lembra ele, tem grandes vantagens comparativas nos segmentos de commodities. "A questão mais importante é usar de forma mais eficiente um eventual ganho de renda proporcionado pelas exportações adicionais desses produtos, atacando carências, por exemplo, em áreas como infraestrutura e educação", afirma Ribeiro. "O ponto central é promover eficiência, seja no uso do dinheiro, seja em toda a economia."

terça-feira, 21 de novembro de 2017

Resenha de livro: Anatomia de um desastre - Claudia Safatle, Joao Borges, Ribamar Oliveira

Um aluno meu no programa de Doutorado em Direito do Uniceub, Carlos Yury Araújo de Morais, efetuou uma resenha de um livro excelente, que eu tinha recomendado e até pedido que lessem, pela qualidade da análise sobre o que eu mesmo chamei de a Grande Destruição lulopetista da economia brasileira, não apenas o fato de uma gestão desastrosa da inepta que comandou aos destinos do país a partir da terceira gestão do partido mais corrupto do Brasil, mas também o resultado de políticas esquivocadas adotadas desde quando a mesma personagem assumiu responsabilidades maiores entre o primeiro e o segundo mandato do líder que já deveria estar na cadeia, como criminoso que é.
O livre é este aqui: 

SAFATLE, Claudia. BORGES, João. OLIVEIRA, Ribamar:
ANATOMIA DE UM DESASTRE. Os bastidores da crise econômica que mergulhou o país na pior recessão de sua história
São Paulo: Portfolio-Penguin, 2016.


O livro está dividido em 21 capítulos, cada um abordando aspectos específicos das decisões tomadas a respeito de política fiscal e econômica, as quais levaram à atual crise.
O capítulo 1 narra o início do afrouxamento da política econômica herdada do governo Fernando Henrique Cardoso. O livro narra que, em 2005, por conta da manutenção do tripé macroeconômico, as contas públicas encontravam-se em situação confortável, o superávit primário havia superado a meta de 4,25% do PIB, o déficit nominal era de 2,96% do PIB e os juros reais tenderiam a cair, a partir do compromisso que estava sendo estabelecido de déficit zero. O compromisso com uma política econômica austera levaria às condições de crescimento estruturado.
Todavia, após a descoberta do mensalão, houve substancial mudança no rumo da política econômica, apostando-se no aumento do gasto corrente como forma de estimular a economia. A ideia do aumento de gastos partiu da então ministra da Casa Civil Dilma Roussef.
O livro narra, nesse capítulo, a derrocada de Palocci, principal fiador da austeridade e política do déficit zero. A sua saída da equipe econômica abriu espaço para a visão desenvolvimentista, uma postura mais pragmática que girava em torno da defesa de medidas de estímulo fiscal, aumento nas transferências de renda e aumento no investimento público.
O capítulo 2 inicia recapitulando a fase “Lula ortodoxo”, em que o novo Presidente da República manteve intactos os compromissos com o tripé macroeconômico (meta de inflação, cambio flutuante e superávit primário). Destaca-se que houve esforço concentrado para o controle da inflação, com elevação da SELIC por mais de uma vez e aumento do compulsório sobre os depósitos à vista para os bancos. Tais medidas foram necessárias para manter o equilíbrio das contas públicas, o que permitiu (mais adiante) o corte da taxa SELIC em 10 pontos percentuais ainda no ano 2003 como também o crescimento da economia em 0,5%. Destaca-se que a manutenção da política ortodoxa fez a desconfiança com o PT diminuir e a inflação, que chegou a 12% em 2003, baixar em 2004.
O capítulo 3 dá um pulo histórico até 2007 para tratar da estipulação da meta de inflação para o ano 2009. A decisão que se punha na mesa era a de reduzir a meta de inflação, de 4,5%, historicamente mantida, ou reduzi-la para 4% (ou menos), dado que em 2006 a inflação medida foi de 3,14%. Manter a meta da taxa de inflação significava que o BACEN poderia ajustar a SELIC para aumentar preços e não simplesmente estabilizá-los. A meta de inflação foi mantida em 4,5%; porém, o então presidente do BACEN, Henrique Meireles, afirmou que não havia orientação para fazer a inflação convergir para a meta de 4,5%. Tais palavras ressaltaram a adoção do modelo “desenvolvimentista”, manifestada pelo então Ministro da Fazenda Guido Mantega, quem defendia um crescimento exuberante do país através da utilização de uma política heterodoxa. Em razão da política mais frouxa com o controle da inflação, no ano 2007 o IPCA terminou em 4,46%, acima da meta de 3,6%.
O capítulo 4 narra os efeitos da crise do subprime no Brasil. A princípio tida como uma “marolinha”, a crise reduziu os preços das commodities e gerou rápida retração do volume de comércio internacional, além de causar uma grande depreciação do valor de Real (42%). Em razão da depreciação do Real, várias empresas com contratos de hedge foram afetadas. Maior exemplo foram Sadia e Aracruz, as quais perderam muito com operações cambiais. Além disso, houve ataque especulativo a vários bancos, culminando na fusão entre Itaú e Unibanco, bem como a compra de vários bancos privados por bancos públicos. Como forma de combater a crise, o governo realizou várias desonerações tributárias, tais como redução do IPI sobre automóveis, desoneração para bens de consumo duráveis, bens de capital e materiais de construção. Além disso, foi modificada a meta de superávit primário. A crise fez com que, em 2008, a economia crescesse apenas 1%.
O capítulo 5 narra a recuperação da economia. Se em 2008 houve crescimento de apenas 1%, em 2009, com a recuperação do preço das commodities e o uso dos bancos públicos para concessão de crédito barato, considerando a SELIC apenas a 8,75%,, o crescimento foi de 7,5%. Houve aumento do crédito bancário, o desemprego caiu e Lula passou a usar a expressão “momento mágico” para fazer marcar, na memória dos brasileiros, o expressivo crescimento econômico, com vistas à eleição de 2010. Todavia, a virada para a irresponsabilidade fiscal ocorreu no último ano do governo Lula, quando houve forte expansão do gasto e do crédito público, quando a economia não precisava mais de estímulos, pois já havia superado a crise mundial. O último ano de mandato ficou marcado por inflação alta, economia superaquecida, juros em baixa e piora nos resultados fiscais.
O capítulo 6 rememora o início da “era Tombini” no comando do Banco Central. A princípio, a dúvida seria se, sob o comando de Tombini, o COPOM teria um perfil mais hawkish ou dovish, no sentido de ser rígido no combate às pressões inflacionarias. O COPOM adotou uma política dovish, especialmente considerando que para a então presidente Dilma “despesa é vida”. Os juros entraram em rota de declínio acentuado, saindo de 12% em meados de 2011 para 7,5% em 2012. Em 2012 sucederam-se pacotes de medidas e ações governamentais para aquecer uma economia já combalida. Tombini foi frequentemente criticado por não ter autonomia no controle da SELIC, auxiliando a manutenção de uma política fiscal expansionista.
O capítulo 7 narra a criação da “nova matriz econômica”. Rememora que em 2012 Dilma passou a ter encontros com trinta empresários, para ouvir sugestões sobre como impulsionar o PIB. A primeira reunião resultou na adoção de medidas para redução do spread e juros bancários, depreciação do câmbio, além do custo da energia. Dilma agiu em cada um desses pontos, realizando desonerações de impostos e determinando redução de juros e revisão dos contratos das distribuidoras de energia. Cada medida foi tomada como agressão pelo setor atingido. No caso das elétricas, a forma como foi concebida a renovação das concessões foi interpretada como “quebra de contrato”,  e as ações das companhias despencaram. Ao invés de baratear a conta, em 2015 houve reajuste de tarifas em mais de 50%. O capítulo narra uma série de desencontros, demonstrando que cada nova medida gerava desequilíbrios na economia e nas contas do governo, que teve que abrir mão de 63,2 bilhões de reais em arrecadação de impostos através de desonerações e mesmo assim não aqueceu a economia.
O capítulo 8 trata da “operação quadrangular”, uma das primeiras medidas de economia criativa tomada pelo governo para fechar as já afetadas contas públicas. O BNDES recebeu empréstimo do Tesouro; em seguida, o BNDES comprou ações da PETROBRAS que estavam com o Fundo Soberano do Brasil; o dinheiro da venda das ações foi para o Tesouro; O BNDES usou parte das ações para comprar créditos junto a ITAIPU; por esses créditos, o Tesouro recebeu do BNDES as ações da PETROBRAS, utilizadas, em seguida, para capitalizar a CAIXA; ao mesmo tempo a CAIXA foi agraciada com empréstimo do tesouro, o que permitiu aos bancos pagar mais dividendos ao Tesouro. Essa foi a forma como a meta fiscal de 2012 foi atingida. Com a operação quandrangular, a equipe econômica perdeu credibilidade, pois ficou evidente que o superávit primário estava sendo fabricado por meio de truques e arranjos.
O capítulo 9 narra mais uma burla ao cumprimento da meta fiscal. As ordens bancárias feitas pelo governo para o pagamento de servidores e fornecedores passaram a ser feitas após as 17h10. O objetivo era simples: postergar o recebimento dos recursos, para que os mesmos fossem contabilizados apenas no dia seguinte. A importância desse estratagema era a redução do pagamento com as despesas correntes, inflando artificialmente o superávit, o que ficou conhecido como “pedalada fiscal”. Esse atraso no pagamento das despesas foi aplicado de tal forma que houve o aumento expressivo dos restos a pagar de 2013 para 2014. Isso melhorou o resultado das contas públicas, pois a “pedalada” não aparece nas contabilidade do mês e, para fins de orçamento, ela é considerada paga dentro do mês, muito embora o efetivo desembolso se dê apenas no mês seguinte. Ao atrasar o repasse de recursos aos bancos públicos, estes foram forçados a pagar, com recursos próprios, os programas sociais e subsídios que são atribuições do Tesouro. Eis aqui os fundamentos do impeachment.
O capítulo 10 trata dos problemas relacionados ao uso do BNDES como principal agente da política expansionista do governo. A política de subsídios dos juros, o aumento desmedido da capacidade de empréstimo através da emissão de títulos levou ao aumento do endividamento público, o que não preocupava o então ministro Guido Mantega, pois para cada real de dívida havia um real de crédito com o Tesouro. O problema é que a expansão do investimento, como motor da economia, não vingou, muito em face das constantes quebras das regras e contratos. Os bancos públicos comerciais passaram a superar o BNDES na concessão de empréstimos com aumento de carteira de 174,8%, enquanto o BNDES permaneceu com carteira 74% menor que a dos bancos públicos comerciais. Todavia, o excesso de crédito foi tamanho que, mesmo continuando a oferecer empréstimos para famílias e empresas, estes estavam superendividados e não houve expansão do número total de empréstimos. O modelo de crescimento baseado na expansão do crédito chegou ao fim em 2016.

O capítulo 11 narra o processo de redução dos valores das contas de luz, anunciados em 18% para os consumidores residenciais e 28% para os consumidores industriais. O capítulo narra o procedimento como se chegou ao procedimento de renovação antecipada dos contratos, saída encontrada para se chegar aos percentuais de redução mencionados. O problema, narra o livro, é que além da redução das tarifas, as empresas concessionárias de distribuição ainda teriam que arcar com o peso dos investimentos para as linhas de transmissão. Como a conta não fechava, a equipe econômica considerou que o Tesouro Nacional cobriria a diferença entre a diminuição da tarifa e os investimentos, repassando a conta para o contribuinte brasileiro. A conta inicial foi de 9,9 bilhões de reais, sendo que outros 19,7 bilhões vieram de um fundo chamado Conta de Desenvolvimento Energético. Além disso, em 2013, quando a medida foi anunciada, houve risco de racionamento, ligação das usinas termoelétricas (o que aumentou o custo de produção de energia do sistema) e encarecia a conta do governo. As empresas distribuidoras ficaram a descoberto e tiveram de comprar energia no mercado libre, cujo preço não estava assegurado em contrato. Para que o sistema não entrasse em colapso, o Tesouro passou a fazer aportes, aumentando as perdas. Especialistas calcularam que a manobra de Dilma custou aos cofres públicos o total de 105 bilhões de reais.
O capítulo 12 narra a derrocada da Petrobrás. Ele narra, inicialmente, como a Petrobrás era utilizada dentro das campanhas eleitorais, como forma de criar a ilusão de prosperidade. Como exemplo, narra a utilização da autossuficiência em petróleo anunciada da plataforma P-50 nas vésperas da campanha eleitoral de 2006. Todavia, a autossuficiência não se consolidou, vindo, o Brasil, a depender de importação de petróleo em 2012, em razão da frustração das metas de produção.  Outra questão abordada foi o pré-sal. O capítulo foca em como o governo, visando criar toda uma indústria nacional para exploração do pré-sal, estabeleceu o modelo de partilha, segundo o qual a União receberia sua parte em petróleo. Para chegar a tal ponto, deveria haver o mínimo de participação de 30% da Petrobrás em cada campo de petróleo. Além disso, o modelo determinava a compra de equipamentos de exploração no Brasil (o chamado “conteúdo nacional”). Finalmente, o livro relembra os casos das refinarias Premium I, Premium II, Abreu e Lima e a compra da refinaria de Pasadena, obras grandiosas, porém custosas aos cofres públicos. O capítulo faz um apanhado histórico dos prejuízos que essas obras causaram à Petrobrás, concluindo que o uso de premissas irrealistas de custo operacional, produção, prazo e investimento foi o responsável pelo prejuízo nas operações da empresa. Em 2008, ela era a segunda maior empresa do mundo; em 2016, ela havia despencado para a 249ª posição no ranking das empresas mais valiosas do mundo.
O capítulo 13 narra como o governo federal virou uma fábrica de dividendos para si próprio. Inicialmente, apenas a partir de 2000, com a estabilidade econômica, as empresas federais passaram a pagar dividendos para a União. Em 2012 foi atingido o pico histórico de dividendos pagos à União, no total de 28,02 bilhões de reais. Todavia, esse número recorde em 2012 não foi fruto de atividade econômica. Na realidade, tratava-se de manobra financeira para maquiar as contas públicas, através da alocação de recursos no BNDES. O Tesouro colocava papeis diretamente no BNDES, repassando os títulos para a carteira da instituição, que os foi oferecendo no mercado na medida da necessidade de suas operações. Enquanto não colocava os papéis no mercado, o banco computava os rendimentos dos títulos como lucro e repassava o lucro ao Tesouro na forma de dividendos. Tratava-se, portanto, de empréstimo disfarçado, operação que não tinha impacto no caixa do Tesouro nem era captada pelas estatísticas do resultado primário. Esse estratagema ajudava a União a fechar as suas contas. Esse foi o início da contabilidade criativa, o que gerou falta de credibilidade da contabilidade fiscal brasileira.
O capítulo 14 narra os efeitos deletérios que as sucessivas desonerações tributárias causaram no caixa da União. Após breve histórico sobre as diversas tentativas de alteração do sistema, o capítulo foca na MP 540/2011, a qual autorizou a desoneração da folha de pagamentos, no contexto do Plano Brasil Maior – uma série de medidas destinadas a estimular as exportações e o investimento da indústria. Muito embora o objetivo fosse o de copiar o modelo europeu de “desoneração fiscal” para tornar os produtos mais competitivos, o governo foi aumentando cada vez mais o escopo da desoneração. Nesse sentido, editou as medidas provisórias 563, 582 e 601 aumentando cada vez mais os setores abrangidos pela desoneração. O custo da desoneração somou, entre 2012 e 2015, mais de 54,3 bilhões de reais na arrecadação da previdência social, o que levou à piora do déficit da previdência. O resultado foi a queda real de 5,6% nas receitas da União; porém, o governo continuou mantendo os gastos em crescimento acelerado, o que levou a uma queda continuada do superávit primário da União, a qual caiu 2,14% do PIB apenas em 2011. Em 2015, foi registrado um déficit primário de 2,01% do PIB, demonstrando que a perda da arrecadação, combinada com aumento de despesas, culminou em um grave problema fiscal.
O capítulo 15 narra como o TCU descobriu as pedaladas fiscais e as manobras financeiras que a União vinha adotando para fechar suas contas. Os auditores do TCU constataram, analisando as contas de 2013, que o patrimônio líquido da União podia estar superavaliado em mais de 2 trilhões de reais, em razão da ausência de depreciação dos bens imóveis e de passivos ocultos relacionados a déficits atuariais e demandas judiciais contra a União. Em 2013 também foram identificadas as pedaladas fiscais citadas nos capítulos anteriores, bem como a contabilidade criativa. O capítulo também narra a disputa eleitoral de 2014, ano em que o governo não chegou sequer a 10% da meta do superávit primário, intensificando o uso das pedaladas fiscais para fechar as contas daquele ano. A análise das contas de 2014 realizada pelo TCU, entretanto, identificou, ainda, que houve omissões intencionais na edição de decretos de contingenciamento em desacordo com o comportamento das receitas e despesas; ou seja, não efetuou o contingenciamento das despesas discricionárias em montante suficiente par ao cumprimento da meta fiscal em vigor, bem como determinou abertura de créditos suplementares sem autorização legislativa.
O capítulo 16 rememora o boom das commodities e como elas foram importantes para alcançar um alto patamar econômico. Relembra-se que de 2005 a 2010 o Brasil surfou na alta dos preços das commodities, acumulando reservas e aumentando a força do Real. Esse processo acabou gerando um déficit comercial na indústria de manufaturados. O ciclo das commodities começou a fechar em 2012, e o Real começou a se desvalorizar. Em setembro de 2015 o dólar disparou acima dos 4 reais, levando a uma diminuição do déficit em transações correntes, vindo este a baixar para 1,67% do PIB em 2016 contra 3,3% do PIB em 2015.
O capítulo 17 narra o caminho percorrido por Arno Augustin até se tornar secretário do tesouro. O livro narra um breve perfil de Arno Augustin, descrevendo-o como membro da Democracia Socialista, uma linha de tendência trotskista caudatária das ideias do economista e político marxista Ernst Mandel. Em razão da divisão de cargos entre as diversas correntes internas do PT, e considerando o fato de Arno Augustin ter sido secretario de fazenda do governo de Olívio Dutra ao mesmo tempo em que Dilma Roussef foi secretaria de Minas, Energia e Comunicação, havia um laço mais estreito entre ambos, o que propiciou a ascensão de Arno. O livro afirma que Arno nunca acreditou em equilíbrio fiscal como condição para o crescimento econômico, tampouco na transparência das informações, chegando a afirmar que era bom o mercado não saber como o governo faria para alcançar a meta. Exemplo disso é que desde 2010 o governo não pagava a despesa do BNDES com a equalização dos juros dos empréstimos do PSI, não pagava a despesa do Banco do Brasil com a equalização dos juros do créditos rural (Plano Safra). Tal fato vinha sendo criticado por técnicos do Tesouro desde 2013, quando vários diagnósticos sobre a situação fiscal do Brasil vinham sendo produzidos pelos técnicos do Tesouro. A situação ficou mais grave quando a Caixa pediu que a Câmara de Conciliação e Arbitragem da Administração Federal interviesse para determinar que fossem feitos os repasses necessários para o pagamento da verba do Bolsa Família, os quais vinham sendo sistematicamente atrasados. Auditores do TCU constataram, em 2014, que o atraso no pagamento de subsídios e programas sociais tinha sido proposital, com o objetivo de abrir espaço para a realização de outras despesas, tudo realizado conforme orientações de Arno Augustin e um seleto grupo de técnicos do Tesouro.
O capítulo 18 narra como o aumento dos valores gastos com benefícios sociais colaboraram para a derrocada das contas públicas. Em 2016, o Tesouro Nacional quantificou que entre 2003 e 2015 houve uma forte elevação do gasto social. A despesa com benefícios previdenciários subiu para 0,97 ponto percentual do PIB no período mencionado. Outros dois destacados foram o gasto com assistência social (0,78 % do PIB) e a despesa com educação e cultura (0,74% do PIB). Ainda conforme o estudo, o gasto social passou a representar 67,3% do PIB em 2015, enquanto que em 2002 tinha sido de 59,9%. Esse aumento foi possível em face da política de aumento real do salário mínimo, dado que os benefícios eram sempre calculados de acordo com o valor do salário mínimo. O problema é que enquanto a arrecadação começou a diminuir, o gasto social do governo continuou em expansão, com a criação de mais programas, tais como o Minha Casa, Minha Vida, Pronatec, Ciência sem Fronteiras e vários outros. Para continuar a gastar, o governo sacrificou a meta do resultado primário, o que terminou por levar a um déficit gigantesco.
O capítulo 19 fala do “estilo Dilma”, caracterizado pelo controle dos detalhes dos processos decisórios, impaciência e mudanças súbitas de opinião. O livro narra vários episódios do “estilo Dilma”, tal como arredondamento de valores sem qualquer tipo de estudo prévio ou mesmo ter ideia do impacto fiscal das suas decisões. Exemplo disso é a avaliação de quanto o programa “Minha Casa Melhor” poderia emprestar ao cidadão. Inicialmente confrontada com o fato de que a faixa de empréstimo proposta, de R$ 3.000,00, não daria para comprar muita coisa, a então Presidente afirmou “Então põe cinco mil”, sem qualquer tipo de controle ou avaliação do impacto da medida. O livro narra, também, a relação entre João Santana e Dilma, narrando como aquele passou a ter ascendência sobre essa, sobre como ele construiu a imagem de durona porém terna, e como isso influenciou a construção de sua imagem. Tudo era feito em nome da imagem, sem considerar as contas públicas e os impactos das decisões tomadas em prol do marketing.
O capítulo 20 narra o início do último ano do governo Dilma, a partir de sua eleição em 2014, porém com foco nas difíceis tarefas a serem executadas pelo novo Ministro da Fazenda, Joaquim Levy. O plano para a economia traçado por Levy consistia em corrigir os preços de energia e petróleo, fazer um superávit fiscal para manter o grau de investimento e permitir queda dos juros, reestruturar ICMS e PIS/COFINS para estimular investimentos, rever as despesas públicas e passar um pente-fino em vários programas sociais. Muito embora tenha obtido sucesso em parte do seu projeto (como por exemplo o acerto nas tarifas públicas, pagamento das pedaladas, melhora das condições dos leilões de rodovias e aeroportos, redução de incentivos tributários), o fato é que Levy não teve força política governamental necessária para conduzir a elaboração de um orçamento sustentável para 2016. Além da rápida queda de arrecadação em 2015, a agenda de Levy foi esvaziada pela própria base governista, que permitiu fechar 2015 com um déficit primário de 1,88% do PIB, uma conta de juros de 8,5% do PIB e dívida bruta do setor público alocada em 66,2% do PIB. Com as contas em frangalhos, a perda de apoio da base política, o governo Dilma teve um último e derradeiro fato contra si, que foi a prisão do senador Delcídio do Amaral, quem acusou a presidente Dilma e o ex-presidente Lula de crimes de responsabilidade e também de querer atrapalhar as investigações da Lava-Jato.
O capítulo 21 fecha com uma breve recapitulação dos movimentos políticos que levaram à escolha de Dilma por Lula, bem como o processo de renovação do mandato. A certa altura considerou-se a sucessão de Dilma por Lula, em face da deterioração econômica. A pesquisa Focus, do Banco Central, espelhava a trilha da piora das condições econômicas. A pesquisa realizada no final de 2013 tinha projetado para 2014 um crescimento do PIB de 2%. A de 2014 reduziu a expectativa para 1,63%. No dia do lançamento oficial da campanha de reeleição  a previsão caiu para 0,7% e, cinco dias após a eleição de Dilma, a previsão de crescimento era de 0,24%. O capítulo finalizada com o resgate dos bastidores sobre a troca de Mantega por Levy, bem como os problemas das tarifas públicas, a excessiva gastança para garantir a eleição de Dilma e a constatação de que não haveria mais espaço para erros na política fiscal.