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Este blog trata basicamente de ideias, se possível inteligentes, para pessoas inteligentes. Ele também se ocupa de ideias aplicadas à política, em especial à política econômica. Ele constitui uma tentativa de manter um pensamento crítico e independente sobre livros, sobre questões culturais em geral, focando numa discussão bem informada sobre temas de relações internacionais e de política externa do Brasil. Para meus livros e ensaios ver o website: www.pralmeida.org. Para a maior parte de meus textos, ver minha página na plataforma Academia.edu, link: https://itamaraty.academia.edu/PauloRobertodeAlmeida.

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quarta-feira, 30 de outubro de 2024

Gastos públicos nas tentativas de reeleição de 2014 e 2022 rumo a uma crise econômica com forte ajuste fiscal em 2027? - Samuel Pessoa et alii (IBRE-FGV)

 CENÁRIOS

Gastos públicos nas tentativas de reeleição de 2014 e 2022 rumo a uma crise econômica com forte ajuste fiscal em 2027? 

O texto documenta o aumento dos gastos de Dilma 1 e Bolsonaro na tentativa de reeleição. Avalia também a herança fiscal de Dilma 1 até Bolsonaro, bem como documenta a piora fiscal dos últimos dois anos. Finalmente, mostra que houve intervenção no câmbio em 2014 fato que não ocorreu em 2022, após a instituição da independência do Banco Central.

Este texto sistematiza a expansão dos gastos públicos durante as tentativas de reeleição nos governos Dilma 1 (2011-2014) e Bolsonaro (2019-2022).

Em ambos os casos, a expansão do gasto ao final do mandato resultou em desequilíbrios nas contas públicas a serem enfrentados pelos governos seguintes. Parte importante desse desequilíbrio decorreu da utilização de mecanismos criativos para evitar que a expansão fiscal aparecesse nas estatísticas de resultado primário.

Nosso principal objetivo é apresentar uma medida da expansão de gastos em final de mandato, incluindo aqueles que não aparecem no resultado primário.

Esse texto analisa, igualmente, um segundo instrumento de intervenção da política econômica: a manipulação da taxa de câmbio.

A pesquisa acadêmica documenta a frequência, na América Latina, da utilização da política fiscal ou da cambial com o objetivo de gerar a percepção de maior bem-estar social no período eleitoral, ainda que resulte em problemas econômicos nos anos seguintes.

Por essa razão, é usual em muitos países no mundo, sobretudo nos desenvolvidos e em vários emergentes, a adoção de mecanismos institucionais que procurem garantir a robustez da política econômica no médio prazo, consistente com objetivos transparentes.

Um exemplo desses mecanismos é a autonomia do Banco Central, em que o poder eleito define as metas de política monetária, cabendo à autoridade monetária fazer a gestão da política para atingir os objetivos. A eleição da diretoria do Banco Central, com mandatos descasados inclusive do Executivo, é parte do desenho institucional adotado.

No Brasil, a autonomia do Banco Central apenas foi aprovada em 2021, bem depois do observado em outros países.

No campo fiscal, as melhores práticas relacionam-se ao chamado “marco fiscal de médio prazo”, que estabelece projeções e limites fiscais para um horizonte de 3 a 4 anos e utiliza diversas regras para contrabalançar o viés de curto prazo dos ciclos políticos.

O Brasil tem adotado diversas regras e mecanismos de controle para tentar garantir a gestão equilibrada das contas públicas. Entretanto, ainda está longe de ter um marco fiscal de médio prazo crível e robusto.

Com frequência são adotados mecanismos criativos para driblar as regras. Esses mecanismos, por vezes, são pouco transparentes e não transitam pelos gastos primários. As instituições de controle não têm sido capazes de prevenir o descontrole em diversos momentos. O resultado é o crescimento da dívida pública.

O fenômeno ocorre em todas as esferas de governo, como revelam as frequentes crises em Estados da federação, por vezes com rompimento de contratos e descumprimento das normas que, por vezes, são estabelecidas pelos órgãos de controle.

A consolidação das contas públicas nos governos Dilma 1 e Bolsonaro revela um resultado talvez inesperado. Os dados indicam que os gastos eleitorais de Bolsonaro estimados em 0,2% do PIB, segundo a configuração básica do estudo, foram menores do que os de Dilma 1, que calculamos em 3,1% do PIB.

A situação fiscal deixada por Bolsonaro para o Governo Lula 3, ao assumir em janeiro de 2023, era de superávit estrutural de 0,2% do PIB, porém com gastos encobertos de 0,9% do PIB, implicando a necessidade de ajuste fiscal estrutural de 0,7% do PIB.

Essa situação era melhor que a repassada por Temer a Bolsonaro: déficit fical estrutural de 1,8% do PIB, mas com redução de gastos encobertos de 0,6% do PIB, implicando a necessidade de ajuste de 1,2% do PIB.

Esta já foi uma melhoria significativa em relação à situação ao final de Dilma 1, em 2014: déficit estrutural de 1,8% do PIB mais gastos encobertos de 1,7% do PIB, totalizando a necessidade de ajuste de 3,5% do PIB.

Além disso, documentamos a expressiva intervenção promovida pelo Banco Central no mercado de câmbio no fim do primeiro governo Dilma, fenômeno não observado no governo Bolsonaro.

 Em 2023, no primeiro ano do governo Lula 3, contudo, em vez de novos avanços na lenta melhoria fiscal estrutural observada desde o primeiro ano do segundo mandato de Dilma, houve um significativo aumento do gasto público primário real (deflacionado pelo IPCA) de quase R$345 bilhões.

É possível argumentar que parte deste aumento se devem a medidas tomadas no governo Bolsonaro. Trataremos dessa questão à frente. Argumentaremos que foram feitas escolhas que permitiram, ao menos parcialmente, criar espaço fiscal para esses gastos. O mesmo não ocorre no atual governo.

O texto termina documentando a piora fiscal dos últimos anos. Houve claramente uma opção da gestão Lula por não fazer escolhas para acomodar as políticas públicas de seu governo.

Essa piora fiscal foi motivada por dois fatores principais: 1) as propostas de expansão das despesas parafiscais; 2) um aumento efetivo na despesa primária, que subiu 1 ponto percentual do PIB, passando de 18% para 19%, em relação ao patamar deixado pelo governo anterior.

Os mecanismos parafiscais, que não transitam pelo resultado primário, ilustram a retomada da criatividade para conceder gastos públicos que aumentam a dívida pública, porém sem a transparência esperada nos indicadores usuais da contabilidade do setor público.

Em seguida a esta introdução, este documento está estruturado em cinco partes. A primeira seção aborda a metodologia e os dados relacionados aos processos eleitorais de 2014 e 2022.

A segunda seção apresenta a política de forte intervenção no câmbio no período pré-eleitoral ocorrida em Dilma 1, que contrasta com a não intervenção sistemática no governo Bolsonaro, já com independência do Banco Central.

Uma breve terceira seção sumariza a importância de regras e políticas criveis na gestão da política econômica e oferece alguns exemplos.

A quarta apresenta uma metodologia para a avaliação da herança fiscal de um governo e aplica a metodologia para os últimos governos. Ficará claro que houve, desde Dilma2/ Temer, melhora fiscal que foi revertida nos últimos anos.

A última seção analisa os dados da piora fiscal no atual mandato presidencial.

O texto contém dois anexos: o Apêndice 1 documenta os dados e as duas fontes de gastos ocultos ou encobertos deixados por um governo para o próximo, que são: i) precatórios inscritos durante o mandato que não foram pagos; e ii) o aumento do total de restos a pagar. O Apêndice 2 faz uma revisão da pesquisa acadêmica sobre o ciclo eleitoral e suas implicações no câmbio na América Latina.

Para ler o artigo completo clique aqui


As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva dos autores, não refletindo necessariamente a opinião institucional da FGV.

Os autores agradecem aos comentários de Adolfo Sachsida, Ana Paula Vescovi, Bráulio Borges, Fabio Giambiagi, Helio Gurovitz, Iana Ferrão, Manoel Pires, Mansueto Almeida e Thomas Traumann. Erros e omissões são de inteira responsabilidade dos autores.

domingo, 2 de junho de 2019

Brasil: no limiar de um longo ciclo de estagnação? - Samuel Pessoa (FSP)

O Pibinho e o conflito distributivo

Não há pirotecnia; só o ajuste fiscal estrutural abre o caminho para renda e emprego

A economia brasileira recuou 0,2% no primeiro trimestre, em comparação ao quarto trimestre do ano passado.
O péssimo desempenho da economia faz com que vozes se levantem em defesa de medidas de estímulo à demanda agregada.
Considero que não há espaço para política fiscal e parafiscal (crédito de bancos públicos, basicamente) ativas. A inexistência de consenso com relação à solução do conflito distributivo, conosco há muito tempo, impede que o investimento se recupere. Somente com consumo não há espaço para a retomada da economia. Vamos à narrativa.
Vivemos um conflito distributivo desde novembro de 2005, quando a então ministra da Casa Civil disse que “gasto público é vida” e o presidente Lula desistiu do ajuste fiscal estrutural.
Em 2014, o conflito distributivo explicitou-se: o gasto público passou a ser estruturalmente superior à receita.
Em 2015 e 2016, a presidente Dilma não teve apoio do Congresso Nacional para arrumar as contas públicas.
Michel Temer, após o fatídico evento de 17 de maio de 2017 —a divulgação da conversa do presidente com o empresário Joesley Batista em condições muito pouco republicanas—, também perdeu a capacidade de aprovar no Congresso as medidas necessárias para ajustar as contas públicas.
Em 2004, o Congresso não aceitou elevar a tributação sobre os fornecedores de serviços por meio de empresas que operam no regime de lucro presumido. Rejeitou a medida provisória 232, que Palocci enviara. Em 2009, o Congresso não renovou a CPMF. O Congresso dá claros sinais de que não pretende elevar a carga tributária.
O Congresso também dá claros sinais de que não pretende reduzir o gasto público.
Após cinco anos e meio com déficits fiscais seguidos e com a dívida pública em trajetória explosiva, o Congresso Nacional se recusa a arrumar a política fiscal. A reforma da Previdência não anda. Novos impostos não são criados. Enquanto essa questão básica não for atendida, o investimento não voltará.
É possível afirmar que, nos anos 1980, a economia crescia mesmo com inflação. Além de ser um crescimento de péssima qualidade, e muito regressivo do ponto de vista da distribuição de renda, havia um “contrato social”: vigorava a lei do mais forte em se proteger da inflação.
É possível que retornemos a esse contrato social perverso. É possível crescer algum tempo com inflação. Não me parece que hoje teria fôlego longo. A Argentina dos Kirchners cresceu algum tempo com inflação crescente. Em uma década, o fôlego acabou.
De qualquer forma, esse ainda não é o nosso contrato. Hoje não sabemos qual será a solução do conflito distributivo: será resolvido com mais impostos, com menos gastos ou com inflação? Enquanto essa dúvida essencial não for resolvida, o investimento não retornará.
Aumento do gasto público ou algum aumento do gasto parafiscal somente agravam o problema: geram um pequeno alívio na demanda com deterioração permanente na dívida pública e, portanto, com aumento dos prêmios de riscos.
É possível que haja espaço para baixar os juros. Estamos no meio de um choque cambial e de um choque de preços de alimentos. Se houver devolução desses choques, haverá espaço para queda adicional da taxa Selic no segundo semestre. A normal operação do regime de metas de inflação produzirá essa queda.
Assim, não há como nos desviarmos do tema básico. Não há pirotecnia. Somente o ajuste fiscal estrutural abre o caminho para a volta de algum crescimento e geração de renda e emprego.

segunda-feira, 9 de julho de 2018

Minha utopia pessoal: o que poderia ser um governo de recuperação no Brasil? -Paulo Roberto de Almeida

De vez em quando eu me pego sonhando, como por exemplo ao retornar de Portugal no último dia 2 de julho, uma semana atrás, portanto. Em Portugal encontrei um país recuperado da enorme crise vivenciada alguns anos atrás, recebendo milhões de turistas, mas basicamente comprometido com sólidos princípios econômicos, que não são mais os da austeridade dos ajustes necessários, mas tampouco são os da irresponsabilidade habitual de populistas distributivistas, mesmo se os socialistas voltaram ao poder.
Portugal parece ter encontrado um equilíbrio entre a estabilidade macroeconômica e a busca de opções realizáveis dentro das limitações econômicas do país, que ainda é uma pequena economia, muito dependente da UE. 
No caso do Brasil não temos a UE, e nem o Mercosul poderia lhe ser comparado. Só temos nós mesmos. Pois eu imaginei que tudo poderia ser diferente, mas infelizmente acho que não vai ser.
Em todo caso, deixo aqui a minha fórmula realista de ajustes e equilíbrios, que não é um remédio milagroso, pois vai demorar anos e anos de lenta e dura recuperação.
Acho que não vai dar, mas deixo aqui minhas sugestões.
Paulo Roberto de Almeida 
Brasília, 9 de julho de 2018


A divisão do país e a transição da nação: tarefas do próximo governo

Paulo Roberto de Almeida
 [Objetivo: análise da conjuntura; finalidade: recomendações de postura]

Introdução
Quaisquer que sejam a análise conjuntural e o diagnóstico prescritivo que se façam sobre os problemas atuais e futuros do Brasil, bem como sobre as maneiras de resolver determinados impasses em torno das medidas a serem adotadas para superá-los, com vistas a retomar um processo de crescimento sustentado, impossível não partir da constatação de que o país se encontra hoje bastante dividido politicamente e fragmentado por correntes opostas de opinião quanto às tarefas à frente da nação, ou até mesmo quanto à forma de se fazer esse diagnóstico. Esse é, justamente, o resultado de anos e anos de incitação à divisão do país, um discurso monotemático bastante conhecido, que insistiu, desde sempre, em dividir a nação entre o povo e as elites, entre “nós” e “eles” (ou seja, eles e nós mesmos), entre uma suposta maneira correta de se fazer “justiça social”, por definição virtuosa, e uma alegada via “neoliberal” de ajuste austero e socialmente injusto.
Não é necessário qualquer explicitação detalhada quanto aos principais atores responsáveis por esse tipo de discurso, e seus efeitos notoriamente deletérios no aprofundamento dessa divisão política, que ameaça contaminar o debate político nesta fase eleitoral, e nas semanas e meses seguintes. Agora, qualquer que seja o governo que assuma o comando do Estado a partir de 1ro de janeiro de 2019, terá de começar, já desde o início da transição que começa ao término do segundo turno de outubro deste ano, a tarefa de reconstrução das bases da governança, a começar pela formação de um governo minimamente representativo das forças que se uniram para chegar à vitória no prélio definidor. Digo minimamente porque imagino que uma solução de melhor conveniência política seja uma composição entre os eleitos, ou seja, representativos do voto popular, e certo número de tecnocratas basicamente comprometidos com o processo de reformas já em curso, portanto necessárias, e outras que serão indispensáveis à continuidade dos ajustes programados.
A primeira tarefa do futuro chefe de Estado e comandante da nação será a de expor claramente à sociedade os terríveis problemas econômicos que a nação enfrenta e enfrentará nos próximos anos, sem nada esconder, sem nada mudar no conteúdo do que deve ser esclarecido à população para que ela tenha plena consciência da terrível situação que a nova administração herda para administrar. A função de um comandante da nação não deve ser a de apaziguar seus supostos apoiadores no Congresso, com os quais ele terá de trabalhar, mas isso apenas depois que ele se dirigir em primeiro lugar à população para informá-la do que deve e precisa ser feito para enfrentar o terrível legado recebido. Cabe o máximo de realismo nessa primeira mensagem, tão pronto anunciado o resultado oficial da votação. O discurso à nação é o primeiro ato da governança que se iniciará em 1ro de janeiro de 2019.

A primeira mensagem: a união da nação
O Brasil não pode mais continuar dividido entre, de um lado, os mentirosos que nos legaram a terrível situação presente – supostamente de esquerda, ou associados a ela – e que pretendem novamente se impor pela mentira e pela fraude sobre o que efetivamente ocorreu nos anos de populismo econômico, e de outro, os saudosistas de um regime militar – supostamente de direita – que não tem a menor chance de voltar. Esse passado de divisões artificiais não mais serve à nação no presente, e não pode ser a base da difícil reconstrução que temos no presente e no futuro previsível. Não existe um orçamento de esquerda ou de direita, assim como não existe um maná dos céus que derrame continuamente recursos supostamente coletivos para gastos públicos contínuos. 
A nação, de uma vez por todas, precisa aprender a viver dentro dos seus meios. A fratura entre os brasileiros de uma ou outra opinião não nasce apenas dessa divisão artificial de direita e esquerda, inclusive porque a maioria da população não se define em torno de conceitos abstratos. A divisão é claramente impulsionada por aqueles que pretendem continuar pregando conquistas impossíveis, os patrocinadores do populismo econômico e da demagogia política, formulando promessas fáceis, e mentirosas, de que existe um protetor natural de todos os pobres, que se chamaria Estado brasileiro. Esse Estado que tira dois quintos de toda a riqueza produzida por empresários e trabalhadores é precisamente o Estado que prolonga e mantém a pobreza dos mais humildes, ao mesmo tempo em que distribui fartamente subsídios e vantagens aos mais ricos. Isso precisa parar, e com isso deve cessar a divisão artificial entre pobres e ricos, e essa noção viciosa e viciada de que os interesses de ambos divergem entre si, numa “luta de classes” que só serve aos interesses dos mesmos divisionistas que infelicitaram a nação.
 Todos os brasileiros precisam tomar consciência de que o governo informará precisamente, de forma totalmente transparente, quais são as despesas obrigatórias, às quais não se pode constitucionalmente evadir, e quais são os recursos que nos restam para um debate aberto sobre as prioridades de gastos de livre arbítrio. Não se poderá atender a todos os reclamos ao mesmo tempo, mas as razões das escolhas básicas serão apresentadas com clareza ao mesmo tempo à população e ao Congresso. 

A primeira medida: o governo ainda será de transição
Não se deve eludir ou elidir a verdade. O Brasil tem um longo e penoso caminho de reconstrução pela frente, tantas são as deformações e os vícios acumulados ao longo dos anos. Já estamos em transição há muito tempo, primeiro da relativa estabilidade dos anos 2000, com crescimento moderado impulsionado pela demanda chinesa, para uma fase de crescimento irresponsável do final daquela década e que se prolongou durante toda a primeira metade da presente década, que nos precipitou na terrível recessão que enfrentamos há pelo menos três anos. A transição dos últimos dois anos, depois do final do governo irresponsável que produziu a maior crise de nossa história, não foi suficiente para recompor as bases de um novo ciclo de crescimento com distribuição de renda. Nem o fará sem a adoção de medidas duras de correção das deformações acumuladas.
Não há porque prometer um correção rápida dos imensos problemas que figuram na agenda da nação, e a melhor forma de ser honesto com a nação é dizer de modo claro quais são, quantos são, quão difíceis são esses problemas, se a presente geração quiser entregar aos nossos filhos e netos um país melhor do que o recebido neste momento, uma economia destroçada pela irresponsabilidade fiscal, a saúde, a educação e a aposentadoria futura ameaçadas de insolvência pura e simples.
Insistir sobre a transição é também uma maneira de preparar a nação para as comemorações do seu segundo centenário da independência, quando, infelizmente, a renda média da população será igual, talvez até mesmo inferior, à que a nação exibia dez anos antes, dada a gravidade da crise que nos foi legada, a maior recessão de toda a história econômica do país. O que o governo pretende fazer, até 2022, é uma completa inversão das tendências seguidas nas últimas décadas, de maneira a podermos iniciar um terceiro século de vida independente em bases sensivelmente diferentes daquelas que foram as nossas até o presente momento.

Uma certa concepção do Estado: ao menor custo para a sociedade
Pela primeira vez em nossa história bissecular, os custos do ajuste incidirão não sobre a sociedade, mas sobre o próprio Estado, que avultou de modo exagerado, a ponto de engolir um volume de recursos incompatível com a capacidade da cidadania de gerar riquezas na proporção exigida pelo ogro famélico no qual converteu-se esse Estado. O Brasil não tem produtividade para registrar uma carga fiscal típica de país rico, exibindo ao mesmo tempo uma renda per capita cinco ou seis vezes inferior à dos países ricos. Essa carga fiscal precisa diminuir, sobretudo sobre os produtores e investidores, do contrário estaremos matando a galinha de ouro que mantém esse Estado vorazmente predatório. Isso tem de acabar, e o Brasil precisa voltar a ser um país normal, daí que o esforço de austeridade incidirá em primeiro lugar sobre o próprio Estado.
O governo passará a trabalhar com um número reduzido de ministérios, voltando tanto quanto possível ao formato e à estrutura administrativa existente na transferência da capital para Brasília. O presidente tem a obrigação de reunir-se com cada um de seus ministros, e deve poder discutir com eles todos os aspectos das políticas setoriais que ele tem de levar a cabo. Isso só é possível com um ministério enxuto, o que significa uma redução real das agências públicas, não apenas pequenos ajustes no organograma.
O governo vai propor ao parlamento a redução do número de deputados numa mais estrita proporcionalidade na Câmara, assim como o corte de um terço no número de senadores. Também vai sugerir ao parlamento a redução do número de juízes da Suprema Corte para nove, como foi tradicionalmente no Brasil republicano. O sistema eleitoral será revisto, para um modelo distrital misto, com o fim do Fundo Partidário e do Fundo Eleitoral, como maneira de reduzir naturalmente o número anormalmente elevado de agremiações politicas. A Justiça do Trabalho, em suas várias instâncias, criadora de conflitos ao contrário do que habitualmente se crê, não pode continuar a trabalhar nos moldes atuais, quando ela tipicamente gasta o dobro do valor médio dos contenciosos com o seu próprio funcionamento. Algo precisa ser feito a esse respeito, uma vez que a própria instituição representa uma anomalia no cenário internacional, já que poucos países, se algum, exibe essa pletora de cortes trabalhistas. 

Um programa de tarefas baseado em cinco princípios claros
O programa completo de governo será detalhado oportunamente, em torno de cinco grandes capítulos de ação, cujo sumário breve pode ser anunciado da seguinte maneira: 
1) Macroeconomia estável
A volatilidade, que obsta ao planejamento microeconômico e ao investimento produtivo, não é o resultado de capitais especulativos ou da ganância dos financistas, e sim a consequência de mudanças intempestivas nas políticas de governo, macroeconômicas ou setoriais, daí a necessidade de proclamar regras claras – como aquelas existentes no tripé econômico do governo que implementou o Plano Real – e de ater-se a elas com o compromisso da continuidade. Equilíbrio fiscal, juros de referência o mais próximo possível do nível de equilíbrio dos mercados financeiros, um regime de flutuação cambial acompanhando a dinâmica dos intercâmbios externos, estrito controle do endividamento público de maneira a incluir o serviço da dívida no limite, ou pouco abaixo, das disponibilidades orçamentárias e redução das metas de inflação a patamares existentes na maioria dos países. 

2) Microeconomia competitiva
Liberdade de mercados é a coisa mais simples de se conceber: inexistência de carteis e monopólios estatais ou privados, eliminação ou redução das barreiras à entrada de competidores em todas as áreas de interesse público relevante, fim das corporações de ofício ou concessões em regime de reserva de mercado (interna, setorial ou passível de abertura a concorrentes estrangeiros). O principio é válido para praticamente todas as áreas de oferta de bens universais, ou seja, de consumo indistinto, mas também pode ser aplicado a serviços públicos de interesse geral, que podem ser adequados para funcionar em bases semelhantes ou similares às dos mercados. Abertura econômica e liberalização comercial são dois instrumentos essenciais nessa vertente.

3) Governança eficiente e transparente
Uma reforma política e administrativa, nos três poderes e em cada um dos níveis da federação, e em suas agências especializadas, impõe-se como condição incontornável ao trabalho de redução do tamanho, do peso, dos custos de manutenção do Estado hoje extrator e predador. Reformas nos códigos do Judiciário e modernização de suas práticas também são essenciais para diminuir os custos de transação e o terrível ônus para os particulares das delongas inaceitáveis nos prazos de solução de litígios. Certos  “direitos adquiridos” terão de ser revistos, pois eles correspondem, na maior parte dos casos, a “espertezas” contrabandeadas para dentro do Estado por interesses corporativos em prol da criação e manutenção de privilégios inaceitáveis a qualquer título, aliás em grande medida defendidos com disfarces de duvidosa legalidade. Cabe rever, também, o princípio da estabilidade funcional no serviço público, pois ele só se justifica em restrito número de casos, sendo o Brasil notoriamente tolerante com abusos nesse terreno. Isso vale, igualmente, para certos dispositivos constitucionais que prolongam privilégios não justificados pela natureza dos serviços oferecidos pelo Estado.

4) Alta qualidade dos recursos humanos
O principal obstáculo a um crescimento mais vigoroso dos índices notoriamente medíocres da produtividade total de fatores, especialmente a do trabalho, é o espetáculo deprimente da baixíssima qualidade da educação brasileira, em todos os níveis, o que está a exigir não uma simples reforma, mas uma verdadeira revolução nessa área. Não se trata de processo linear ou limitado no tempo, pois as correções a serem feitas nessa área necessitam prolongar-se por mais de uma geração para produzirem resultados minimamente satisfatórios. Metodologias e padrões já testados numa ampla gama de países, em estudos coordenados por uma instituição como a OCDE, oferecem diversas sugestões de mudança, a serem conduzidas por força-tarefa nacional, com mandato a ser exercido por largo tempo.

5) Abertura ao comércio internacional e aos investimentos estrangeiros
Se existe um item na política econômica externa que deve passar à frente de quaisquer outros temas da agenda diplomática são esses dois, felizmente podendo ser guiados por relatórios pragmáticos já disponíveis para consulta e ação: o Fazendo Negócios, do Banco Mundial, o Relatório Global de Competitividade, do Fórum Econômico Mundial, e o Liberdade Econômica no Mundo, do Fraser Institute, fornecem dezenas de recomendações absolutamente transparentes a esse respeito.
A política externa será basicamente uma política econômica externa, em esforço coadjuvante ao processo de ajustes e reformas na economia. O foco da diplomacia estará, assim, centrado na inserção global da economia brasileira, de maneira a elevar os níveis notoriamente baixos de participação nos intercâmbios de bens e serviços e de competitividade externa da oferta nacional. Maior abertura aos investimentos diretos estrangeiros, inclusive em áreas ditas “estratégicas”, assim como a redução da proteção tarifária e não tarifaria terão o efeito de aumentar a produtividade geral da economia.

Paulo Roberto de Almeida
Lisboa, em voo Lisboa-Brasília, 2 de julho de 2018

  

terça-feira, 15 de maio de 2018

Brasil: o ajuste economico ainda nao foi feito - FMI (Editorial Estadao)

Eu sempre disse, desde antes da Grande Destruição lulopetista, que a tarefa de reconstrução seria enorme, ingente, lenta e dolorosa. Até agora, o Brasil se limitou a colocar band-aid sobre suas fraturas mais graves. O trabalho verdadeiro ainda não começou.
Paulo Roberto de Almeida

O risco-chave, segundo o FMI

O Brasil poderá entrar em nova crise, e até em recessão, se o próximo governo abandonar a pauta de ajustes e reformas, alertou diretor do Fundo
Editorial O Estado de S. Paulo, 15 de maio de 2018
O Brasil poderá entrar em nova crise, e até em recessão, se o próximo governo abandonar a pauta de ajustes e reformas, disse o diretor do Departamento de Hemisfério Ocidental do Fundo Monetário Internacional (FMI), Alejandro Werner. Ele destacou a importância da reforma da Previdência, mas um crescimento mais rápido e sustentável, acrescentou, dependerá de mudanças mais amplas. Uma política inovadora deve incluir, entre outros pontos, segundo o diretor do FMI, abertura econômica e simplificação do sistema tributário. Werner comentou as perspectivas do País ontem, em Nova York, num evento da Fundação Getúlio Vargas e da Câmara de Comércio Brasileira e Americana.
Advertências muito parecidas têm sido formuladas no Brasil por economistas conhecidos pela competência técnica e pelo bom senso. As avaliações apresentadas por Alejandro Werner põem a discussão, no entanto, num cenário mais amplo. Ele dirige uma equipe familiarizada com a economia de toda a América Latina e empenhada em acompanhar 0 dia a dia das crises, das políticas, das estratégias de ajustes e mudanças e, naturalmente, dos sucessos e fracassos.
Esse panorama é discutido no relatório de perspectivas econômicas das Américas divulgado na sexta-feira passada numa entrevista coletiva em Lima. As economias estão em crescimento em quase todo o hemisfério, do Canadá à Argentina e ao Chile, mas, em vez de apenas festejar a recuperação, os autores do estudo lançam uma exortação: é preciso aproveitar o impulso para levar adiante as pautas de reformas.
A exortação vale especialmente para os países latino-americanos, e, dentro desse conjunto, para Brasil e Argentina. Apesar da retomada do crescimento e da melhora de alguns indicadores importantes, as duas maiores economias da América do Sul ainda têm de enfrentar uma pesada agenda de consertos e reformas. A Argentina, muito vulnerável a problemas externos e, portanto, a pressões cambiais, acabou pedindo ajuda ao Fundo pouco antes da divulgação do relatório. O Brasil, com bom volume de reservas, contas externas saudáveis e inflação bem abaixo da meta oficial, tem mais espaço para se mexer. Não pode, no entanto, retardar por muito tempo, a continuação do programa iniciado pelo governo Temer. Os perigos maiores foram apontados com clareza no pronunciamento de Alejandro Werner em Nova York.
Sem rápida melhora das finanças oficiais, a dívida pública poderá em breve superar 100% do Produto Interno Bruto (PIB). Sem perspectiva de melhora, os mercados poderão retrair-se. Com isso o financiamento se tornará muito difícil e custoso, o País poderá entrar em nova crise e afundar de novo em recessão. A lista de ações para arrumar a economia, torná-la mais segura e aumentar a capacidade de crescimento inclui, além da reforma da Previdência e de mudanças no sistema tributário, alterações na alocação de crédito, abertura ao comércio, maior integração nos mercados globais, melhora da infraestrutura e redução da burocracia.
Dois fatores positivos são apontados: 1) o atual governo tomou iniciativas na direção correta, propondo o teto de gastos e iniciando as correções; 2) a reativação da economia proporciona condições para um ajuste mais intenso na fase inicial e para o avanço na pauta de reformas. A proposta de aproveitar o impulso vale para todo o hemisfério, especialmente para a América Latina, mas aplica-se muito especialmente ao Brasil.
O caso brasileiro se destaca, no entanto, por mais um fator de preocupação: o “risco-chave”, segundo o relatório, é o de alteração do programa econômico depois das eleições presidenciais, com “maior instabilidade no mercado e maior incerteza quanto às perspectivas de médio prazo”. De modo geral, a expectativa de continuidade dos ajustes aparece nos comentários sobre os demais países da América Latina. Ao traduzir o quadro eleitoral em termos de grave incerteza econômica, os técnicos do FMI mostram boa informação e realismo. Longe de ser um excesso retórico, a expressão “risco-chave” é um alerta preciso.

domingo, 7 de janeiro de 2018

Governo quer gastar mais, transformar o Brasil num Rio de Janeiro - Marcos Lisboa

'Governo dá sinais na contramão', diz ex-secretário do Ministério da Fazenda”  
Entrevista Marcos Lisboa
Folha de São Paulo, 6/01/2018

A proposta em discussão pelo governo de suspender a chamada "regra de ouro" –que impede a União de captar recursos no mercado em volume superior aos investimentos– talvez seja inevitável, mas precisa ser acompanhada de contrapartidas, diz o economista Marcos Lisboa, presidente do Insper e colunista da Folha. Para ele, que foi secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda, sem essas contrapartidas o governo vai contratar uma grave crise e avisa: o Rio não está tão distante assim.
Folha - O que leva o governo a discutir a regra de ouro?
Marcos Lisboa - A realidade. Talvez seja inevitável essa mudança, mas ela pode ser feita em meio a ajustes mais severos. Junto, é preciso discutir acabar com as desonerações da folha de salários. Também não dá para aumentar limites para o Simples [regime tributário das pequenas empresas] como está sendo feito. Discutir a regra de ouro é extremamente preocupante. 
- Mas não é isso que o governo está tentando fazer?
- Espero que a discussão inclua flexibilizar a regra por algum tempo, mas com contrapartidas. O BNDES também tem que devolver o dinheiro que recebeu do Tesouro, é preciso fazer a reforma da Previdência e, no âmbito dos Estados, teremos que discutir o que significa direito adquirido, pois o problema deles é a folha de pagamentos. O que surpreende é que chegamos a esse nível de degradação com complacência da sociedade.
- Essa complacência atinge seus pares economistas?
- Todos nós. O governo, junto com o Congresso, teve uma agenda importante de avanços que têm que ser reconhecidos, como o teto de gastos, mas há muito a ser feito no ajuste fiscal de mais curto prazo para garantir o equilíbrio das contas públicas e enfrentar o deficit primário que temos hoje, na faixa de R$ 150 bilhões por ano. 
- O que precisa ser feito?
- Se um policial sem receber há dois meses não desperta um imenso alerta que reformas importantes têm que ser feitas, eu não sei mais o que desperta. E o governo dá sinais na contramão quando a Caixa volta a financiar Estados. Será que não aprendemos nada com o erro dos últimos anos? É melhor vedar de vez qualquer empréstimo da União aos Estados. A Caixa acabou de dar R$ 600 milhões para o Estado de Goiás. Será que a gente vai ter que assistir o Estado de Goiás em 2109 virar um novo Rio de Janeiro?
- O sr. acha que sim?
- Acho. Como a Caixa pode voltar a emprestar para os Estados? Como é que podem usar dinheiro dos trabalhadores [recursos do FGTS] para capitalizar a Caixa? 
- Mas a Caixa é a grande financiadora imobiliária do país.
- Talvez o país tenha que pensar em outros mecanismos menos sujeitos a pressões oportunistas ou gestão incompetente como vimos nos últimos anos. Se não conseguimos fazer uma gestão eficiente da Caixa, talvez o melhor seja mesmo privatizá-la.
- Incompetência deste governo também?
- Esse governo é dois para lá, dois para cá. Tem tido avanços importantes em algumas questões, como a discussão da reforma da Previdência, mas retrocessos também. Grandes. Volta e meia há um retorno ao passado de usar recursos públicos para empurrar os problemas para 2019. Mais ainda: não se consegue fazer os ajustes. Acaba se optando por, em vez de tratar o tumor, dar morfina porque ela tira a dor e dá um barato. 
- O prazo político para isso não acabou?
- Temo isso porque, se não fizermos ajustes em 2018, teremos problemas mais severos em 2019. Mas é sempre possível piorar. A Venezuela que o diga.
- O próximo passo pode ser atacar o teto de gastos?
- O país pode sempre escolher tomar mais morfina do que enfrentar a doença. Nós nos acostumamos com tudo. Aprovar mudanças na regra de ouro sem contrapartida seria contratar uma crise mais grave no futuro. Se isso não for parte de um pacote que garanta a estabilização da dívida sobre o PIB nos próximos anos, o cenário pode ser muito ruim. O Rio de Janeiro não está tão distante assim.


sexta-feira, 1 de julho de 2016

Brasil: perto do equilibrio? Duvidas de Gilberto Simoes Pires

CRÍTICAS FUNDAMENTADAS
Gilberto Simões Pires
Ponto Crítico, XIV - 416/15 - 01/ 07/ 2016

Antes de tudo, ainda que venha a desagradar e/ou contrariar muitos leitores, que se mostram mais confiantes com o governo Temer, por questão de formação e princípio tenho o dever de deixar bem claro aquilo que muito está me preocupando.

Até o presente momento, no que diz respeito ao Custo Brasil, o governo Temer atendeu demandas que, uma vez aprovadas, a ordem é pagar. Ou seja, não cabe mais qualquer arrependimento. É o caso, por exemplo, dos aumentos concedidos ao Judiciário e MPF, Bolsa Família, carência da dívida dos Estados, valor entregue ao RJ para garantir as Olimpíadas, que já somam R$ 125 bilhões.

Há quem diga e repita, nas várias mensagens que recebo, que as bondades que o governo Temer vem concedendo nada mais são do que o preço que os brasileiros precisam pagar para que os obstáculos que, desde sempre, impedem o crescimento e o desenvolvimento econômico do país, sejam removidos.

Ora, o meu ceticismo quanto ao êxito das propostas de Reformas e Privatizações que vem sendo anunciadas é procedente. Afinal, ao longo da minha existência não foram poucas as promessas deste tipo que jamais se concretizaram.

Como o preço (altíssimo) já foi pago (não tem mais volta) e não há a mínima garantia de que a contrapartida seja atendida, não há como ser otimista.

Só para esclarecer: o que me agrada, aplaudo. O que me prejudica, critico. Com fundamentos. Mais: também quero que o Brasil vá em frente. Aliás, só pelo fato do Brasil ter se livrado do PT, de Lula e de Dilma já é muita coisa. Só por aí já é possível ser mais confiante. Entretanto, o que não me satisfaz nem um pouco é aceitar pagar um preço alto sem garantia de coisa alguma. É isto que me deixa preocupado.

Volto a dizer que PRIVATIZAÇÕES não se tornaram necessárias depois da descoberta dos incontáveis atos de CORRUPÇÃO NAS ESTATAIS. Tirar empresas das mãos e pés do Estado é questão de eficiência e respeito com o dinheiro dos pagadores de impostos.

Alguns, neste momento, estão se dizendo favoráveis às PRIVATIZAÇÕES, por CONVENIÊNCIA; outros por CONVICÇÃO. Pouco importa. O fato é que PRIVATIZAR é ótimo para a saúde do país.

A partir desta edição, com a colaboração do pensador Vinicius Boeira, os leitores poderão se familiarizar ainda mais com o importante PARLAMENTARISMO. Para tanto dou início à série - VOCÊ SABIA... Eis o primeiro:

VOCÊ SABIA... Que, atualmente, a única via possível para que tenhamos o sistema parlamentarista no Brasil é com a aprovação da PEC 20A (Proposta de Emenda Constitucional no 20A, de 1995)?
E que essa PEC já tramitou, sendo aprovada em todas as comissões e está pronta para ir à plenário?

segunda-feira, 13 de junho de 2016

Tarefas economicas do governo: entrevista com Edmar Bacha

Um amigo me enviou esta entrevista com Edmar Bacha, um dos pais do Plano Real, e ficou espantado com algumas medidas propostas, que ele comparou a um "AI-5" do governo interino (ou definitivo) do presidente Michel Temer.
Não concordo, e escrevi o que vai abaixo. Mas antes, cabe a leitura da entrevista.
Paulo Roberto de Almeida

Entrevista. Edmar Bacha
Um dos pais do Plano Real lembra que maior parte da despesa é rígida e prevista na Constituição; se isso não mudar, governo não terá verba para comprar um lápis

'Teto dos gastos vai parar o governo se não for bem feito', diz Bacha

Alexa Salomão
O Estado de S.Paulo, 12 de junho de 2016

Na avaliação do economista Edmar Bacha, diretor do Instituto de Estudos de Política Econômica da Casa das Garças e um dos pais do Plano Real, há dois pontos que merecem atenção redobrada no ajuste fiscal em curso. O primeiro é a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) que vai fixar o teto para os gastos públicos.

A proposta precisa, obrigatoriamente, ser acompanhada pela suspensão temporária das despesas obrigatórias previstas na Constituição. “Se você impuser um teto de gasto, com a pequeníssima margem que existe hoje, poderia fazer o governo parar por não ter lápis nem papel higiênico para poder operar”, diz Bacha.

Para Edmar Bacha, Brasil precisa mudar sistema político, mexer na Previdência e também na estrutura de imposto

O outro ponto importante é que o governo precisa deixar mais claro à população que o tamanho do rombo das contas públicas é muito maior do que o projetado quando se inclui o pagamento dos juros da dívida. “O buraco não é de R$ 170 bilhões. É de R$ 570 bilhões. Por alguma razão, o pessoal esquece que a gente precisa pagar juros.” A seguir, os principais trechos da entrevista que o economista concedeu ao Estado.

Como o sr. avalia as primeiras semanas do governo em exercício?
Achei melhor do que a encomenda. O início foi muito auspicioso. Temos agora uma equipe econômica excelente. Foi uma mudança da água para o vinho. Agora tem gente que entende do que está fazendo. É um pessoal da mesma linhagem do Plano Real. Estou especialmente impressionado com a capacidade do governo de fazer passar coisas que eram muito difíceis no governo Dilma. Passaram agora, com enorme facilidade, a DRU (Desvinculação de Receitas da União). E passaram com uma votação impressionante a favor. Eu lembro, lá atrás, a dureza que foi passar o fundo social de emergência (uma espécie de DRU, esse fundo deu ao governo de Fernando Henrique Cardoso o controle de 20% das verbas ao governo federal). Lá atrás eram 20%. Agora, eles passaram 30% e aplicando para os governos estaduais e municipais também. Se fosse a Dilma, a proposta já tinha sido toda desvirtuada e não andaria.

E como o sr. viu o apoio do governo ao projeto que aumenta o salário dos servidores e eleva gastos?
Parece que havia essa herança e tiveram de acomodar. Obviamente, não quiseram comprar essa briga logo na saída. É um dano, mas é parcial. Esse governo precisa saber como se equilibrar na questão política de uma forma que não é necessariamente a que mais gostaríamos. A situação para ele é muito precária. Tem a questão da interinidade e da incerteza que ainda permanece em relação à votação final do impeachment. Por outro lado, ainda tem a Lava Jato. Não se sabe até onde ela vai. Esses são dois grandes fatores de insegurança.

Em um artigo recente, o sr. ressaltou que o déficit projetado pelo governo em exercício, de R$ 170 bilhões, era apenas um pedaço do buraco. Poderia explicar melhor?
Os R$ 170 bilhões incluem apenas o déficit primário (despesas com pessoal, previdência, saúde, educação, benefícios sociais e investimentos). Não incluem a conta dos juros (da dívida pública). Eu fiz uma conta de quanto haverá de juros, baseada no que os juros foram no ano passado e até maio deste ano, comparado com maio do ano passado. Deu R$ 400 bilhões. O buraco não é de R$ 170 bilhões. É de R$ 570 bilhões. As pessoas não estão levando isso em consideração. Por alguma razão, o pessoal só conversa sobre o primário e esquece que a gente também precisa pagar juros da dívida.

Vários colegas seus, economistas, se queixam que a discussão dos juros fica de lado.
Eles têm mesmo razão de se queixar. Essa conta é muito salgada.

E como resolver essa conta?
Tem duas maneiras. A maneira errada é dar o calote. A maneira certa é fazer um esforço fiscal do ponto de vista de curto, de médio e, especialmente, de longo prazo, que aponte para a sustentabilidade da dívida. A partir daí, com a confiança de que as contas vão se equilibrar – não agora, mas que isso está a caminho, por medidas legislativas e ações do governo. Isso cria no mercado, instantaneamente, uma (perspectiva de) queda do juro no longo prazo.

E a questão da inflação?
Contribui agora termos um Banco Central com mais credibilidade, com um novo presidente afirmando, com ênfase, que vai perseguir o centro da meta de inflação (de 4,5% ao ano). Isso cria expectativa favorável quanto ao curso futuro dos juros. Os dois fatores – confiança no equilíbrio fiscal futuro e a responsabilidade monetária sendo restabelecida – criam condições para que as expectativas em relação à inflação baixem. Isso permite ao Banco Central, em função dessa queda de perspectiva inflacionária, reduzir os juros mais fortemente. Essas condições não existiam antes. Vamos ver como será a próxima etapa crucial para que cheguemos a isso: o presidente Michel Temer levar ao Congresso a emenda constitucional que estabelece o teto para os gastos.

Como o sr. viu a iniciativa de fixar o teto para os gastos?
Foi ótima. Para definir a medida, Meirelles (Henrique Meirelles, ministro da Fazenda) está usando uma palavra com muito simbolismo: nominalismo. Muito simbolismo para meia dúzia de pessoas. No caso, economistas.

O sr. pode explicar qual o simbolismo do ‘nominalismo’ do ministro?
O simbolismo da medida é que, com ela, nós não vamos acomodar a inflação. Não vamos fazer como os militares, que indexaram tudo e deixaram a inflação correr. As pessoas andam preocupadas com detalhes da medida. Obviamente, precisam ser avaliados. Mas o importante é que a expectativa em torno da medida não se frustre. A margem de manobra que o governo tem sobre os gastos do orçamento, com as regras constitucionais hoje existentes, é muito pequena. Se você impuser um teto de gasto, com a pequeníssima margem que existe hoje, poderia fazer o governo parar por não ter lápis nem papel higiênico para poder operar. Por isso, essa medida precisa ser acompanhada de outras que flexibilizem gastos obrigatórios – que também são constitucionais. É a mensagem mais importante.

Essa questão é considerada fundamental, principalmente porque não há consenso de que bastaria desvincular os gastos na própria emenda ou se seria necessária uma série de medidas paralelas para desarmar o engessamento. O sr. tem uma sugestão?
A PEC que estabelece o teto teria de valer durante um período, de 10 ou 20 anos. Não seria ad infinitum. Precisaria de um prazo de vigência longo, mas não para sempre. E enquanto a PEC estiver valendo, você suspende a constitucionalidade das vinculações, da estabilidade do funcionalismo e da gratuidade da saúde e da educação, por exemplo. Pode ir tudo junto, na mesma PEC. É mais ou menos assim: no artigo primeiro, estabelece-se o teto, e, no artigo segundo, já vem algo como: ‘enquanto estiver valendo o teto, as seguintes regras constitucionais deixam de ser observadas e passam a ser reguladas por meio de leis complementares’. Assim, vai se fixar como fica o financiamento e o copagamento no sistema de saúde, no ensino público superior e as desvinculações em geral. Pode ser na mesma emenda, em disposições transitórias. O que não pode é estabelecer um teto e paralisar o governo. Precisa mexer no gasto obrigatório. A flexibilização significa que o governo vai ter de deixar de fazer algumas coisas. Hoje ele faz A, B e C. Ele vai ter de parar de pagar C, para que A e B possam funcionar. Mas esse C está protegido pela Constituição. A flexibilidade é necessária.

O governo ainda não explicou quem vai pagar a conta do ajuste. Ao pedir as desvinculações, os críticos alegam que vai sobrar para a população, que depende dos serviços básicos que o sr. mencionou. Há esse risco?
Não é verdade. A saúde pública e a educação pública podem até melhorar, mas elas não vão mais estar disponíveis, de graça, para quem pode pagar. Para quem tem recursos é preciso que a medida venha acompanhada de um regime de coparticipação. Assim, a boa saúde e a boa educação públicas ficam disponíveis para quem não tem recursos. O Zé Márcio (José Márcio Camargo, economista da Opus) tem uma proposta: quem pagou ensino médio, paga ensino superior. Quem tem seguro médico, paga o SUS. O tratamento aos mais pobres deve ser mantido. O que não pode é essa judicialização da saúde. Pessoas com recursos conseguem acesso a tratamentos ultra sofisticados e a remédios caríssimos pelo SUS. Isso acontece porque diz lá na Constituição: é gratuito, é universal. Então, precisa dizer que temporariamente não será.

O sr. concorda que nada disso está claro ainda?
Não está claro e é compreensível que o governo não queira levantar essas lebres agora, antes da definição do impeachment. Ele lança agora o teto, é importante criar essa expectativa. Nos próximos dois meses, vamos discutir como dar efetividade ao teto. Depois do impeachment, vamos ver quais são as medidas necessárias para que o governo continue a funcionar com o teto – e isso protegendo integralmente os gastos que se destinam à parcela mais pobre da população.

Seus colegas de Plano Real dizem que ele ficou incompleto. Daqui para frente, há espaço para implementar as reformas que faltaram?
Eu não gosto dessa mitologia sobre o Plano Real. Eu mesmo sou culpado por isso. Acabei de falar da linhagem do Plano Real. Vamos deixá-lo para trás. Virou história. Mas, olhando para frente, a mãe de todas as reformas é a reforma política. Precisamos de um sistema político minimamente decente – essa é a palavra a ser usada. O sistema precisa ser redefinido de modo que tenha a representação mais fidedigna da vontade popular de hoje. Não dá para ficar com o sistema que esta aí.

Há outras reformas vitais?
Precisamos dar um jeito no sistema tributário. A Previdência precisa apontar para o equilíbrio. A reforma trabalhista precisa vir para acabar com o grau de informalidade e a extraordinária rotatividade no emprego, que impede o aprendizado do trabalhador. Temos de retomar as coisas que foram abandonadas. Precisamos de um mecanismo para que o governo, junto com o setor privado, possa investir. E finalmente tem o meu tema predileto: a abertura da economia. Nossa participação ínfima no comércio internacional é uma anomalia.

O sr. se considera otimista?
É muito difícil ficar otimista com essa situação. Tem um grau de incerteza brutal, por causa da interinidade do governo e da extensão da Lava Jato. A interinidade se resolve em agosto; a Lava Jato, segundo uma declaração de Sérgio Moro, pode mudar em dezembro. Estamos agora na fase de quem deveria (ser envolvido), já foi. Quem não foi, não vai mais. E foi muita gente. Até o japonês da Federal.

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Meu comentário ( Paulo Roberto de Almeida ): 

A aproximação das medidas a serem tomadas pelo governo, agora, ou quando for confirmado, com o famigerado AI-5 da ditadura militar não se justifica. Bacha não falou em medidas impostas de cima para baixo, e sim em LEIS COMPLEMENTARES, ou seja, discussão no Congresso e aprovação por via democrática de medidas que acabem com o engessamento constitucional de despesas absolutamente ilegítimas.
    Eu também sou pelo fim da estabilidade no serviço público, salvo para determinadas funções e cargos muito delimitados e necessários. O resto precisa acabar, inclusive para professores em geral.
    Sou contra a “cultura” dos “direitos adquiridos”, que são espertezas corporativas feitas para assaltar o Estado, contra a maioria dos cidadãos, especialmente os mais pobres.
    Sou contra a gratuidade universal de saúde e educação, e por um sistema básico de saúde para os pobres, na linha do que ele sugere, e fim da universidade gratuita para todos, sempre no modelo da capacidade financeira do indivíduo: pagamento para os que podem pagar, bolsa e atendimento para os que não podem.
    Não creio que seu argumento sobre o AI-5 seja correto, e não é isso que ele está dizendo.
    Li com atenção, e também considero que o Plano Real foi incompleto, inclusive porque o Itamar não queria recessão e desemprego, o que obrigou a ajustes na segunda versão do Plano, daí derivando os juros altos porque a equipe não conseguiu fazer o forte ajuste fiscal que acompanha todo e qualquer programa de estabilização e de desindexação da economia.
    Mas não concordo com o Bacha sobre a reforma política: seria uma perda de tempo e um desvio de foco, ainda que eu ache que ela é importante. Mas não dá para paralisar todo o resto e discutir eternamente o que fazer na área política, pois nada de muito racional vai sair. Ela virá aos poucos, com a pressão da cidadania.
O importante agora é fazer a reforma tributária, no sentido da REDUÇÃO da carga fiscal e das despesas públicas, ainda que eu reconheça que isso é difícil, justamente devido ao sistema político. Mas NUNCA haverá sistema político ideal no sentido da diminuição dos gastos públicos em qualquer regime ou sistema político que se conceba. Políticos são animais dedicados a gastar o dinheiro dos outros, e sempre será assim.
Paulo Roberto de Almeida