Realmente preocupante que o governo, com pouco mais de 3 meses, já esteja sendo classificado entre o medíocre e o desastroso.
Paulo Roberto de Almeida
Mediocridade
estável ou ruptura?
Fernando Dantas
O Estado de S. Paulo, 12 de abril de 2019 | 21h37
No seminário “100 dias do governo Bolsonaro”,
realização conjunta do FGV/Ibre e Grupo Estado, predominou uma visão bastante
sombria sobre as perspectivas do Brasil no mandato do atual presidente.
O seminário “100 dias do governo Bolsonaro”,
realização conjunta do Grupo Estado e FGV/Ibre, não foi exatamente animador
para a plateia que acorreu nesta sexta-feira (12/4) ao auditório do Centro
Cultural da FGV, no Rio, para ouvir a análise de especialistas do Ibre e outros
convidados. A mediação dos debates ficou a cargo dos jornalistas do Grupo
Estado Celso Ming e Adriana Fernandes.
Talvez, para mostrar de forma mais clara o pessimismo
predominante, seja preferível começar pelos pontos positivos do governo até
agora apontados pelos participantes – e em seguida indicar como o lado negativo
sobrepuja amplamente os primeiros.
Assim, verificou-se quase consenso entre os
debatedores, a partir do diagnóstico inicial de Armando Castelar, do Ibre, de
que houve uma surpresa positiva em relação a Paulo Guedes e sua equipe
econômica, que se revelaram mais competentes e disciplinados do que se entrevia
no fragor da campanha.
Uma área também considerada satisfatória – embora bem
aquém do prometido – foi a de concessões e privatizações. De fato, como notou
Manoel Pires (Ibre), não havia a menor chance de privatizar R$ 1 trilhão no
primeiro ano, como prometido. Mas houve avanços nas concessões e não foi nessa
seara que o governo tropeçou nos seus 100 primeiros dias.
A reforma da Previdência, um copo meio cheio e meio
vazio, é um bom tópico para passar dos acertos para os muitos erros e problemas
acumulados por Bolsonaro neste início de governo.
Houve consenso no seminário na previsão de que o
Congresso aprovará uma versão substancialmente desidratada do projeto enviado
pelo governo, e que a aprovação final tomará bem mais tempo do que gostaria a
equipe econômica – talvez em torno de um ano, na visão de Pires.
Alguns debatedores, como Bruno Ottoni (Ibre), opinaram
que teria sido melhor tentar aprovar rapidamente, no início do governo, o
projeto de Temer que já tinha passado na Comissão Especial da Câmara.
O raciocínio é que o nível de desidratação da proposta
de Bolsonaro – que na forma original visa economia fiscal de R$ 1,1 trilhão em
dez anos – acabará levando o ganho para perto dos mesmos R$ 600 bilhões do
projeto de Temer aprovada na comissão.
Então, para que perder tempo? Esta é uma pergunta
relevante dado que, como notou Silvia Matos (Ibre), a onda de otimismo com a
eleição de Bolsonaro no final do ano passado se esvaziou.
Os prognósticos de crescimento do PIB em 2019 saíram
de 2,5% para 2%, e têm cara de estar rumando para 1,5%. Castelar notou que o
momento em que as projeções começam a cair fortemente do patamar de 2,5%
coincidiu com a recente briga entre Bolsonaro e o presidente da Câmara, Rodrigo
Maia.
Um sinal de que a incerteza sobre a Previdência – e,
consequentemente, sobre o futuro da solvência pública – está pesando na
confiança de investidores e consumidores, e freando a já combalida recuperação
econômica. Nesse sentido, a perspectiva de que a aprovação vai demorar, sem que
saiba qual o teor de desidratação da versão final, deve prolongar incertezas e
machucar ainda mais a economia.
Isto, por sua vez, tende a piorar a popularidade de
Bolsonaro, que caiu muito rapidamente e já está num nível bastante baixo para
um presidente que supostamente estaria gozando da sua lua de mel com o
eleitorado.
O que nos leva à política, a área em que o quase
consenso do debate foi de que as coisas estão indo muito, muito mal.
Tanto Carlos Pereira quanto Octavio Amorim Neto, ambos
cientistas políticos da Ebape, consideram um erro gravíssimo de Bolsonaro
ignorar as regras do jogo do presidencialismo de coalização e tentar governar
sem uma base estável no Congresso.
Para Pereira, é grande insensatez demonizar o que
considera como “moedas de troca legítimas” do presidencialismo multipartidário
na relação entre Legislativo e Executivo: distribuição, proporcional ao peso
dos partidos na base, de cargos no Ministério e na burocracia federal; e
liberação de emendas orçamentárias de interesse local para os parlamentares da
base. Bolsonaro nem base montou.
Discutiu-se, no encontro, sobre como o Congresso pode
estar ocupando o vácuo deixado pela não participação do governo na “velha
política”, com a emenda – aprovada em tempo relâmpago nas duas Casas – do
Orçamento impositivo (e como isto acaba com uma das “moedas de troca”).
E cogitou-se que Bolsonaro talvez esteja conseguindo,
de fato, jogar um pouco sobre o Congresso a responsabilidade pela aprovação da
Previdência, mas numa estratégia temerária, já que ao fim e ao cabo é o
Executivo que acaba recebendo a conta de perda de popularidade se a economia
vai mal.
Neste ponto, Roberto Fendt, secretário-executivo do
Conselho Empresarial Brasil China – e único dos debatedores com uma visão menos
pessimista – sustentou que Bolsonaro estaria efetivamente, e com razão,
forçando o Congresso a assumir também sua parte de responsabilidade pela gestão
do País. Mas foi uma posição isolada no debate.
Pereira notou que a literatura de ciência política
mostra que presidentes populistas como Bolsonaro são bem-sucedidos apenas no
início de mandato em emparedar o Congresso, com apelos plebiscitários à
população, para conseguir a aprovação de suas medidas. O mais grave neste
início de governo para o pesquisador, no entanto, é que nem esse poder inicial
Bolsonaro parece ter conseguido. O capital político derrete sem nenhuma vitória
com a estratégia plebiscitária.
O Velho e o Mar
Já Amorim Neto foi muito feliz ao usar como metáfora o
conto “O Velho e o Mar”, de Hemingway, para definir o que seria uma suposta
“vitória” de Bolsonaro na reforma da Previdência e na agenda liberal, com a
estratégia de formar maiorias no varejo a cada votação no Congresso. Nesse
caso, os parlamentares ficam livres para “encarecer” os seus votos à cada nova
rodada.
“O governo vai lutar muito para pescar o Marlim, mas
quando o barco voltar a porto só vai chegar o esqueleto, porque os tubarões de
sempre terão, de naco em naco, devorado toda a carne”, disse o cientista
político.
Os “tubarões” são uma óbvia referência aos grupos de
pressão que lutam para manter seus privilégios no âmbito das mudanças na
Previdência e outras medidas de teor liberal (como o combate aos subsídios).
Mas se, de fato, o pessimismo predominante no
seminário se confirmar, onde vai desembocar o governo Bolsonaro?
Para Pessôa, vai dar numa mediocridade com baixo
crescimento, mas sem “ruptura”, porque há quatro importantes amortecedores:
grandes reservas internacionais (com posição líquida em dólares do setor
público), baixos juros e inflação, a provável aprovação de uma reforma da
Previdência (ainda que muito desidratada) e a emenda do teto dos gastos.
Veloso, no entanto, contrapôs que a previsão de
mediocridade estável de Pessôa está olhando apenas o mercado. Na opinião de
Veloso, um eventual (e bastante possível) fiasco do governo Bolsonaro, numa
situação de penúria econômica e grandes tensões sociais, tem boas chances de
levar a um desfecho desastroso. Pessôa concordou que sua visão de estabilidade
olhava fundamentalmente para o mercado, e não para a sociedade.
Fernando Dantas é colunista do Broadcast
Esta coluna foi publicada pelo Broadcast em 12/4/19,
sexta-feira.