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terça-feira, 21 de novembro de 2017

Resenha de livro: Anatomia de um desastre - Claudia Safatle, Joao Borges, Ribamar Oliveira

Um aluno meu no programa de Doutorado em Direito do Uniceub, Carlos Yury Araújo de Morais, efetuou uma resenha de um livro excelente, que eu tinha recomendado e até pedido que lessem, pela qualidade da análise sobre o que eu mesmo chamei de a Grande Destruição lulopetista da economia brasileira, não apenas o fato de uma gestão desastrosa da inepta que comandou aos destinos do país a partir da terceira gestão do partido mais corrupto do Brasil, mas também o resultado de políticas esquivocadas adotadas desde quando a mesma personagem assumiu responsabilidades maiores entre o primeiro e o segundo mandato do líder que já deveria estar na cadeia, como criminoso que é.
O livre é este aqui: 

SAFATLE, Claudia. BORGES, João. OLIVEIRA, Ribamar:
ANATOMIA DE UM DESASTRE. Os bastidores da crise econômica que mergulhou o país na pior recessão de sua história
São Paulo: Portfolio-Penguin, 2016.


O livro está dividido em 21 capítulos, cada um abordando aspectos específicos das decisões tomadas a respeito de política fiscal e econômica, as quais levaram à atual crise.
O capítulo 1 narra o início do afrouxamento da política econômica herdada do governo Fernando Henrique Cardoso. O livro narra que, em 2005, por conta da manutenção do tripé macroeconômico, as contas públicas encontravam-se em situação confortável, o superávit primário havia superado a meta de 4,25% do PIB, o déficit nominal era de 2,96% do PIB e os juros reais tenderiam a cair, a partir do compromisso que estava sendo estabelecido de déficit zero. O compromisso com uma política econômica austera levaria às condições de crescimento estruturado.
Todavia, após a descoberta do mensalão, houve substancial mudança no rumo da política econômica, apostando-se no aumento do gasto corrente como forma de estimular a economia. A ideia do aumento de gastos partiu da então ministra da Casa Civil Dilma Roussef.
O livro narra, nesse capítulo, a derrocada de Palocci, principal fiador da austeridade e política do déficit zero. A sua saída da equipe econômica abriu espaço para a visão desenvolvimentista, uma postura mais pragmática que girava em torno da defesa de medidas de estímulo fiscal, aumento nas transferências de renda e aumento no investimento público.
O capítulo 2 inicia recapitulando a fase “Lula ortodoxo”, em que o novo Presidente da República manteve intactos os compromissos com o tripé macroeconômico (meta de inflação, cambio flutuante e superávit primário). Destaca-se que houve esforço concentrado para o controle da inflação, com elevação da SELIC por mais de uma vez e aumento do compulsório sobre os depósitos à vista para os bancos. Tais medidas foram necessárias para manter o equilíbrio das contas públicas, o que permitiu (mais adiante) o corte da taxa SELIC em 10 pontos percentuais ainda no ano 2003 como também o crescimento da economia em 0,5%. Destaca-se que a manutenção da política ortodoxa fez a desconfiança com o PT diminuir e a inflação, que chegou a 12% em 2003, baixar em 2004.
O capítulo 3 dá um pulo histórico até 2007 para tratar da estipulação da meta de inflação para o ano 2009. A decisão que se punha na mesa era a de reduzir a meta de inflação, de 4,5%, historicamente mantida, ou reduzi-la para 4% (ou menos), dado que em 2006 a inflação medida foi de 3,14%. Manter a meta da taxa de inflação significava que o BACEN poderia ajustar a SELIC para aumentar preços e não simplesmente estabilizá-los. A meta de inflação foi mantida em 4,5%; porém, o então presidente do BACEN, Henrique Meireles, afirmou que não havia orientação para fazer a inflação convergir para a meta de 4,5%. Tais palavras ressaltaram a adoção do modelo “desenvolvimentista”, manifestada pelo então Ministro da Fazenda Guido Mantega, quem defendia um crescimento exuberante do país através da utilização de uma política heterodoxa. Em razão da política mais frouxa com o controle da inflação, no ano 2007 o IPCA terminou em 4,46%, acima da meta de 3,6%.
O capítulo 4 narra os efeitos da crise do subprime no Brasil. A princípio tida como uma “marolinha”, a crise reduziu os preços das commodities e gerou rápida retração do volume de comércio internacional, além de causar uma grande depreciação do valor de Real (42%). Em razão da depreciação do Real, várias empresas com contratos de hedge foram afetadas. Maior exemplo foram Sadia e Aracruz, as quais perderam muito com operações cambiais. Além disso, houve ataque especulativo a vários bancos, culminando na fusão entre Itaú e Unibanco, bem como a compra de vários bancos privados por bancos públicos. Como forma de combater a crise, o governo realizou várias desonerações tributárias, tais como redução do IPI sobre automóveis, desoneração para bens de consumo duráveis, bens de capital e materiais de construção. Além disso, foi modificada a meta de superávit primário. A crise fez com que, em 2008, a economia crescesse apenas 1%.
O capítulo 5 narra a recuperação da economia. Se em 2008 houve crescimento de apenas 1%, em 2009, com a recuperação do preço das commodities e o uso dos bancos públicos para concessão de crédito barato, considerando a SELIC apenas a 8,75%,, o crescimento foi de 7,5%. Houve aumento do crédito bancário, o desemprego caiu e Lula passou a usar a expressão “momento mágico” para fazer marcar, na memória dos brasileiros, o expressivo crescimento econômico, com vistas à eleição de 2010. Todavia, a virada para a irresponsabilidade fiscal ocorreu no último ano do governo Lula, quando houve forte expansão do gasto e do crédito público, quando a economia não precisava mais de estímulos, pois já havia superado a crise mundial. O último ano de mandato ficou marcado por inflação alta, economia superaquecida, juros em baixa e piora nos resultados fiscais.
O capítulo 6 rememora o início da “era Tombini” no comando do Banco Central. A princípio, a dúvida seria se, sob o comando de Tombini, o COPOM teria um perfil mais hawkish ou dovish, no sentido de ser rígido no combate às pressões inflacionarias. O COPOM adotou uma política dovish, especialmente considerando que para a então presidente Dilma “despesa é vida”. Os juros entraram em rota de declínio acentuado, saindo de 12% em meados de 2011 para 7,5% em 2012. Em 2012 sucederam-se pacotes de medidas e ações governamentais para aquecer uma economia já combalida. Tombini foi frequentemente criticado por não ter autonomia no controle da SELIC, auxiliando a manutenção de uma política fiscal expansionista.
O capítulo 7 narra a criação da “nova matriz econômica”. Rememora que em 2012 Dilma passou a ter encontros com trinta empresários, para ouvir sugestões sobre como impulsionar o PIB. A primeira reunião resultou na adoção de medidas para redução do spread e juros bancários, depreciação do câmbio, além do custo da energia. Dilma agiu em cada um desses pontos, realizando desonerações de impostos e determinando redução de juros e revisão dos contratos das distribuidoras de energia. Cada medida foi tomada como agressão pelo setor atingido. No caso das elétricas, a forma como foi concebida a renovação das concessões foi interpretada como “quebra de contrato”,  e as ações das companhias despencaram. Ao invés de baratear a conta, em 2015 houve reajuste de tarifas em mais de 50%. O capítulo narra uma série de desencontros, demonstrando que cada nova medida gerava desequilíbrios na economia e nas contas do governo, que teve que abrir mão de 63,2 bilhões de reais em arrecadação de impostos através de desonerações e mesmo assim não aqueceu a economia.
O capítulo 8 trata da “operação quadrangular”, uma das primeiras medidas de economia criativa tomada pelo governo para fechar as já afetadas contas públicas. O BNDES recebeu empréstimo do Tesouro; em seguida, o BNDES comprou ações da PETROBRAS que estavam com o Fundo Soberano do Brasil; o dinheiro da venda das ações foi para o Tesouro; O BNDES usou parte das ações para comprar créditos junto a ITAIPU; por esses créditos, o Tesouro recebeu do BNDES as ações da PETROBRAS, utilizadas, em seguida, para capitalizar a CAIXA; ao mesmo tempo a CAIXA foi agraciada com empréstimo do tesouro, o que permitiu aos bancos pagar mais dividendos ao Tesouro. Essa foi a forma como a meta fiscal de 2012 foi atingida. Com a operação quandrangular, a equipe econômica perdeu credibilidade, pois ficou evidente que o superávit primário estava sendo fabricado por meio de truques e arranjos.
O capítulo 9 narra mais uma burla ao cumprimento da meta fiscal. As ordens bancárias feitas pelo governo para o pagamento de servidores e fornecedores passaram a ser feitas após as 17h10. O objetivo era simples: postergar o recebimento dos recursos, para que os mesmos fossem contabilizados apenas no dia seguinte. A importância desse estratagema era a redução do pagamento com as despesas correntes, inflando artificialmente o superávit, o que ficou conhecido como “pedalada fiscal”. Esse atraso no pagamento das despesas foi aplicado de tal forma que houve o aumento expressivo dos restos a pagar de 2013 para 2014. Isso melhorou o resultado das contas públicas, pois a “pedalada” não aparece nas contabilidade do mês e, para fins de orçamento, ela é considerada paga dentro do mês, muito embora o efetivo desembolso se dê apenas no mês seguinte. Ao atrasar o repasse de recursos aos bancos públicos, estes foram forçados a pagar, com recursos próprios, os programas sociais e subsídios que são atribuições do Tesouro. Eis aqui os fundamentos do impeachment.
O capítulo 10 trata dos problemas relacionados ao uso do BNDES como principal agente da política expansionista do governo. A política de subsídios dos juros, o aumento desmedido da capacidade de empréstimo através da emissão de títulos levou ao aumento do endividamento público, o que não preocupava o então ministro Guido Mantega, pois para cada real de dívida havia um real de crédito com o Tesouro. O problema é que a expansão do investimento, como motor da economia, não vingou, muito em face das constantes quebras das regras e contratos. Os bancos públicos comerciais passaram a superar o BNDES na concessão de empréstimos com aumento de carteira de 174,8%, enquanto o BNDES permaneceu com carteira 74% menor que a dos bancos públicos comerciais. Todavia, o excesso de crédito foi tamanho que, mesmo continuando a oferecer empréstimos para famílias e empresas, estes estavam superendividados e não houve expansão do número total de empréstimos. O modelo de crescimento baseado na expansão do crédito chegou ao fim em 2016.

O capítulo 11 narra o processo de redução dos valores das contas de luz, anunciados em 18% para os consumidores residenciais e 28% para os consumidores industriais. O capítulo narra o procedimento como se chegou ao procedimento de renovação antecipada dos contratos, saída encontrada para se chegar aos percentuais de redução mencionados. O problema, narra o livro, é que além da redução das tarifas, as empresas concessionárias de distribuição ainda teriam que arcar com o peso dos investimentos para as linhas de transmissão. Como a conta não fechava, a equipe econômica considerou que o Tesouro Nacional cobriria a diferença entre a diminuição da tarifa e os investimentos, repassando a conta para o contribuinte brasileiro. A conta inicial foi de 9,9 bilhões de reais, sendo que outros 19,7 bilhões vieram de um fundo chamado Conta de Desenvolvimento Energético. Além disso, em 2013, quando a medida foi anunciada, houve risco de racionamento, ligação das usinas termoelétricas (o que aumentou o custo de produção de energia do sistema) e encarecia a conta do governo. As empresas distribuidoras ficaram a descoberto e tiveram de comprar energia no mercado libre, cujo preço não estava assegurado em contrato. Para que o sistema não entrasse em colapso, o Tesouro passou a fazer aportes, aumentando as perdas. Especialistas calcularam que a manobra de Dilma custou aos cofres públicos o total de 105 bilhões de reais.
O capítulo 12 narra a derrocada da Petrobrás. Ele narra, inicialmente, como a Petrobrás era utilizada dentro das campanhas eleitorais, como forma de criar a ilusão de prosperidade. Como exemplo, narra a utilização da autossuficiência em petróleo anunciada da plataforma P-50 nas vésperas da campanha eleitoral de 2006. Todavia, a autossuficiência não se consolidou, vindo, o Brasil, a depender de importação de petróleo em 2012, em razão da frustração das metas de produção.  Outra questão abordada foi o pré-sal. O capítulo foca em como o governo, visando criar toda uma indústria nacional para exploração do pré-sal, estabeleceu o modelo de partilha, segundo o qual a União receberia sua parte em petróleo. Para chegar a tal ponto, deveria haver o mínimo de participação de 30% da Petrobrás em cada campo de petróleo. Além disso, o modelo determinava a compra de equipamentos de exploração no Brasil (o chamado “conteúdo nacional”). Finalmente, o livro relembra os casos das refinarias Premium I, Premium II, Abreu e Lima e a compra da refinaria de Pasadena, obras grandiosas, porém custosas aos cofres públicos. O capítulo faz um apanhado histórico dos prejuízos que essas obras causaram à Petrobrás, concluindo que o uso de premissas irrealistas de custo operacional, produção, prazo e investimento foi o responsável pelo prejuízo nas operações da empresa. Em 2008, ela era a segunda maior empresa do mundo; em 2016, ela havia despencado para a 249ª posição no ranking das empresas mais valiosas do mundo.
O capítulo 13 narra como o governo federal virou uma fábrica de dividendos para si próprio. Inicialmente, apenas a partir de 2000, com a estabilidade econômica, as empresas federais passaram a pagar dividendos para a União. Em 2012 foi atingido o pico histórico de dividendos pagos à União, no total de 28,02 bilhões de reais. Todavia, esse número recorde em 2012 não foi fruto de atividade econômica. Na realidade, tratava-se de manobra financeira para maquiar as contas públicas, através da alocação de recursos no BNDES. O Tesouro colocava papeis diretamente no BNDES, repassando os títulos para a carteira da instituição, que os foi oferecendo no mercado na medida da necessidade de suas operações. Enquanto não colocava os papéis no mercado, o banco computava os rendimentos dos títulos como lucro e repassava o lucro ao Tesouro na forma de dividendos. Tratava-se, portanto, de empréstimo disfarçado, operação que não tinha impacto no caixa do Tesouro nem era captada pelas estatísticas do resultado primário. Esse estratagema ajudava a União a fechar as suas contas. Esse foi o início da contabilidade criativa, o que gerou falta de credibilidade da contabilidade fiscal brasileira.
O capítulo 14 narra os efeitos deletérios que as sucessivas desonerações tributárias causaram no caixa da União. Após breve histórico sobre as diversas tentativas de alteração do sistema, o capítulo foca na MP 540/2011, a qual autorizou a desoneração da folha de pagamentos, no contexto do Plano Brasil Maior – uma série de medidas destinadas a estimular as exportações e o investimento da indústria. Muito embora o objetivo fosse o de copiar o modelo europeu de “desoneração fiscal” para tornar os produtos mais competitivos, o governo foi aumentando cada vez mais o escopo da desoneração. Nesse sentido, editou as medidas provisórias 563, 582 e 601 aumentando cada vez mais os setores abrangidos pela desoneração. O custo da desoneração somou, entre 2012 e 2015, mais de 54,3 bilhões de reais na arrecadação da previdência social, o que levou à piora do déficit da previdência. O resultado foi a queda real de 5,6% nas receitas da União; porém, o governo continuou mantendo os gastos em crescimento acelerado, o que levou a uma queda continuada do superávit primário da União, a qual caiu 2,14% do PIB apenas em 2011. Em 2015, foi registrado um déficit primário de 2,01% do PIB, demonstrando que a perda da arrecadação, combinada com aumento de despesas, culminou em um grave problema fiscal.
O capítulo 15 narra como o TCU descobriu as pedaladas fiscais e as manobras financeiras que a União vinha adotando para fechar suas contas. Os auditores do TCU constataram, analisando as contas de 2013, que o patrimônio líquido da União podia estar superavaliado em mais de 2 trilhões de reais, em razão da ausência de depreciação dos bens imóveis e de passivos ocultos relacionados a déficits atuariais e demandas judiciais contra a União. Em 2013 também foram identificadas as pedaladas fiscais citadas nos capítulos anteriores, bem como a contabilidade criativa. O capítulo também narra a disputa eleitoral de 2014, ano em que o governo não chegou sequer a 10% da meta do superávit primário, intensificando o uso das pedaladas fiscais para fechar as contas daquele ano. A análise das contas de 2014 realizada pelo TCU, entretanto, identificou, ainda, que houve omissões intencionais na edição de decretos de contingenciamento em desacordo com o comportamento das receitas e despesas; ou seja, não efetuou o contingenciamento das despesas discricionárias em montante suficiente par ao cumprimento da meta fiscal em vigor, bem como determinou abertura de créditos suplementares sem autorização legislativa.
O capítulo 16 rememora o boom das commodities e como elas foram importantes para alcançar um alto patamar econômico. Relembra-se que de 2005 a 2010 o Brasil surfou na alta dos preços das commodities, acumulando reservas e aumentando a força do Real. Esse processo acabou gerando um déficit comercial na indústria de manufaturados. O ciclo das commodities começou a fechar em 2012, e o Real começou a se desvalorizar. Em setembro de 2015 o dólar disparou acima dos 4 reais, levando a uma diminuição do déficit em transações correntes, vindo este a baixar para 1,67% do PIB em 2016 contra 3,3% do PIB em 2015.
O capítulo 17 narra o caminho percorrido por Arno Augustin até se tornar secretário do tesouro. O livro narra um breve perfil de Arno Augustin, descrevendo-o como membro da Democracia Socialista, uma linha de tendência trotskista caudatária das ideias do economista e político marxista Ernst Mandel. Em razão da divisão de cargos entre as diversas correntes internas do PT, e considerando o fato de Arno Augustin ter sido secretario de fazenda do governo de Olívio Dutra ao mesmo tempo em que Dilma Roussef foi secretaria de Minas, Energia e Comunicação, havia um laço mais estreito entre ambos, o que propiciou a ascensão de Arno. O livro afirma que Arno nunca acreditou em equilíbrio fiscal como condição para o crescimento econômico, tampouco na transparência das informações, chegando a afirmar que era bom o mercado não saber como o governo faria para alcançar a meta. Exemplo disso é que desde 2010 o governo não pagava a despesa do BNDES com a equalização dos juros dos empréstimos do PSI, não pagava a despesa do Banco do Brasil com a equalização dos juros do créditos rural (Plano Safra). Tal fato vinha sendo criticado por técnicos do Tesouro desde 2013, quando vários diagnósticos sobre a situação fiscal do Brasil vinham sendo produzidos pelos técnicos do Tesouro. A situação ficou mais grave quando a Caixa pediu que a Câmara de Conciliação e Arbitragem da Administração Federal interviesse para determinar que fossem feitos os repasses necessários para o pagamento da verba do Bolsa Família, os quais vinham sendo sistematicamente atrasados. Auditores do TCU constataram, em 2014, que o atraso no pagamento de subsídios e programas sociais tinha sido proposital, com o objetivo de abrir espaço para a realização de outras despesas, tudo realizado conforme orientações de Arno Augustin e um seleto grupo de técnicos do Tesouro.
O capítulo 18 narra como o aumento dos valores gastos com benefícios sociais colaboraram para a derrocada das contas públicas. Em 2016, o Tesouro Nacional quantificou que entre 2003 e 2015 houve uma forte elevação do gasto social. A despesa com benefícios previdenciários subiu para 0,97 ponto percentual do PIB no período mencionado. Outros dois destacados foram o gasto com assistência social (0,78 % do PIB) e a despesa com educação e cultura (0,74% do PIB). Ainda conforme o estudo, o gasto social passou a representar 67,3% do PIB em 2015, enquanto que em 2002 tinha sido de 59,9%. Esse aumento foi possível em face da política de aumento real do salário mínimo, dado que os benefícios eram sempre calculados de acordo com o valor do salário mínimo. O problema é que enquanto a arrecadação começou a diminuir, o gasto social do governo continuou em expansão, com a criação de mais programas, tais como o Minha Casa, Minha Vida, Pronatec, Ciência sem Fronteiras e vários outros. Para continuar a gastar, o governo sacrificou a meta do resultado primário, o que terminou por levar a um déficit gigantesco.
O capítulo 19 fala do “estilo Dilma”, caracterizado pelo controle dos detalhes dos processos decisórios, impaciência e mudanças súbitas de opinião. O livro narra vários episódios do “estilo Dilma”, tal como arredondamento de valores sem qualquer tipo de estudo prévio ou mesmo ter ideia do impacto fiscal das suas decisões. Exemplo disso é a avaliação de quanto o programa “Minha Casa Melhor” poderia emprestar ao cidadão. Inicialmente confrontada com o fato de que a faixa de empréstimo proposta, de R$ 3.000,00, não daria para comprar muita coisa, a então Presidente afirmou “Então põe cinco mil”, sem qualquer tipo de controle ou avaliação do impacto da medida. O livro narra, também, a relação entre João Santana e Dilma, narrando como aquele passou a ter ascendência sobre essa, sobre como ele construiu a imagem de durona porém terna, e como isso influenciou a construção de sua imagem. Tudo era feito em nome da imagem, sem considerar as contas públicas e os impactos das decisões tomadas em prol do marketing.
O capítulo 20 narra o início do último ano do governo Dilma, a partir de sua eleição em 2014, porém com foco nas difíceis tarefas a serem executadas pelo novo Ministro da Fazenda, Joaquim Levy. O plano para a economia traçado por Levy consistia em corrigir os preços de energia e petróleo, fazer um superávit fiscal para manter o grau de investimento e permitir queda dos juros, reestruturar ICMS e PIS/COFINS para estimular investimentos, rever as despesas públicas e passar um pente-fino em vários programas sociais. Muito embora tenha obtido sucesso em parte do seu projeto (como por exemplo o acerto nas tarifas públicas, pagamento das pedaladas, melhora das condições dos leilões de rodovias e aeroportos, redução de incentivos tributários), o fato é que Levy não teve força política governamental necessária para conduzir a elaboração de um orçamento sustentável para 2016. Além da rápida queda de arrecadação em 2015, a agenda de Levy foi esvaziada pela própria base governista, que permitiu fechar 2015 com um déficit primário de 1,88% do PIB, uma conta de juros de 8,5% do PIB e dívida bruta do setor público alocada em 66,2% do PIB. Com as contas em frangalhos, a perda de apoio da base política, o governo Dilma teve um último e derradeiro fato contra si, que foi a prisão do senador Delcídio do Amaral, quem acusou a presidente Dilma e o ex-presidente Lula de crimes de responsabilidade e também de querer atrapalhar as investigações da Lava-Jato.
O capítulo 21 fecha com uma breve recapitulação dos movimentos políticos que levaram à escolha de Dilma por Lula, bem como o processo de renovação do mandato. A certa altura considerou-se a sucessão de Dilma por Lula, em face da deterioração econômica. A pesquisa Focus, do Banco Central, espelhava a trilha da piora das condições econômicas. A pesquisa realizada no final de 2013 tinha projetado para 2014 um crescimento do PIB de 2%. A de 2014 reduziu a expectativa para 1,63%. No dia do lançamento oficial da campanha de reeleição  a previsão caiu para 0,7% e, cinco dias após a eleição de Dilma, a previsão de crescimento era de 0,24%. O capítulo finalizada com o resgate dos bastidores sobre a troca de Mantega por Levy, bem como os problemas das tarifas públicas, a excessiva gastança para garantir a eleição de Dilma e a constatação de que não haveria mais espaço para erros na política fiscal.
 

quinta-feira, 13 de julho de 2017

Anatomia de um desastre (3): resenha de livro, por Carlos Yury Araujo de Morais

Continuidade, e final, da resenha iniciada na postagem de número (1) http://diplomatizzando.blogspot.com.br/2017/07/anatomia-de-um-desastre-1-resenha-de.html, e continuada na (2): http://diplomatizzando.blogspot.com.br/2017/07/anatomia-de-um-desastre-2-resenha-de.html



Resenha de Carlos Yury Araújo de Morais

SAFATLE, Claudia; BORGES, João; OLIVEIRA, Ribamar.  
Anatomia de um desastre: os bastidores da crise econômica que mergulhou o país na pior recessão de sua história
São Paulo: Portfolio-Penguin, 2016.


O capítulo 15 narra como o TCU descobriu as pedaladas fiscais e as manobras financeiras que a União vinha adotando para fechar suas contas. Os auditores do TCU constataram, analisando as contas de 2013, que o patrimônio líquido da União podia estar superavaliado em mais de 2 trilhões de reais, em razão da ausência de depreciação dos bens imóveis e de passivos ocultos relacionados a déficits atuariais e demandas judiciais contra a União. Em 2013 também foram identificadas as pedaladas fiscais citadas nos capítulos anteriores, bem como a contabilidade criativa. O capítulo também narra a disputa eleitoral de 2014, ano em que o governo não chegou sequer a 10% da meta do superávit primário, intensificando o uso das pedaladas fiscais para fechar as contas daquele ano. A análise das contas de 2014 realizada pelo TCU, entretanto, identificou, ainda, que houve omissões intencionais na edição de decretos de contingenciamento em desacordo com o comportamento das receitas e despesas; ou seja, não efetuou o contingenciamento das despesas discricionárias em montante suficiente par ao cumprimento da meta fiscal em vigor, bem como determinou abertura de créditos suplementares sem autorização legislativa.
O capítulo 16 rememora o boom das commodities e como elas foram importantes para alcançar um alto patamar econômico. Relembra-se que de 2005 a 2010 o Brasil surfou na alta dos preços das commodities, acumulando reservas e aumentando a força do Real. Esse processo acabou gerando um déficit comercial na indústria de manufaturados. O ciclo das commodities começou a fechar em 2012, e o Real começou a se desvalorizar. Em setembro de 2015 o dólar disparou acima dos 4 reais, levando a uma diminuição do déficit em transações correntes, vindo este a baixar para 1,67% do PIB em 2016 contra 3,3% do PIB em 2015.
O capítulo 17 narra o caminho percorrido por Arno Augustin até se tornar secretário do tesouro. O livro narra um breve perfil de Arno Augustin, descrevendo-o como membro da Democracia Socialista, uma linha de tendência trotskista caudatária das ideias do economista e político marxista Ernst Mandel. Em razão da divisão de cargos entre as diversas correntes internas do PT, e considerando o fato de Arno Augustin ter sido secretario de fazenda do governo de Olívio Dutra ao mesmo tempo em que Dilma Rousseff foi secretaria de Minas, Energia e Comunicação, havia um laço mais estreito entre ambos, o que propiciou a ascensão de Arno. O livro afirma que Arno nunca acreditou em equilíbrio fiscal como condição para o crescimento econômico, tampouco na transparência das informações, chegando a afirmar que era bom o mercado não saber como o governo faria para alcançar a meta. Exemplo disso é que desde 2010 o governo não pagava a despesa do BNDES com a equalização dos juros dos empréstimos do PSI, não pagava a despesa do Banco do Brasil com a equalização dos juros do créditos rural (Plano Safra). Tal fato vinha sendo criticado por técnicos do Tesouro desde 2013, quando vários diagnósticos sobre a situação fiscal do Brasil vinham sendo produzidos pelos técnicos do Tesouro. A situação ficou mais grave quando a Caixa pediu que a Câmara de Conciliação e Arbitragem da Administração Federal interviesse para determinar que fossem feitos os repasses necessários para o pagamento da verba do Bolsa Família, os quais vinham sendo sistematicamente atrasados. Auditores do TCU constataram, em 2014, que o atraso no pagamento de subsídios e programas sociais tinha sido proposital, com o objetivo de abrir espaço para a realização de outras despesas, tudo realizado conforme orientações de Arno Augustin e um seleto grupo de técnicos do Tesouro.
O capítulo 18 narra como o aumento dos valores gastos com benefícios sociais colaboraram para a derrocada das contas públicas. Em 2016, o Tesouro Nacional quantificou que entre 2003 e 2015 houve uma forte elevação do gasto social. A despesa com benefícios previdenciários subiu para 0,97 ponto percentual do PIB no período mencionado. Outros dois destacados foram o gasto com assistência social (0,78 % do PIB) e a despesa com educação e cultura (0,74% do PIB). Ainda conforme o estudo, o gasto social passou a representar 67,3% do PIB em 2015, enquanto que em 2002 tinha sido de 59,9%. Esse aumento foi possível em face da política de aumento real do salário mínimo, dado que os benefícios eram sempre calculados de acordo com o valor do salário mínimo. O problema é que enquanto a arrecadação começou a diminuir, o gasto social do governo continuou em expansão, com a criação de mais programas, tais como o Minha Casa, Minha Vida, Pronatec, Ciência sem Fronteiras e vários outros. Para continuar a gastar, o governo sacrificou a meta do resultado primário, o que terminou por levar a um déficit gigantesco.
O capítulo 19 fala do “estilo Dilma”, caracterizado pelo controle dos detalhes dos processos decisórios, impaciência e mudanças súbitas de opinião. O livro narra vários episódios do “estilo Dilma”, tal como arredondamento de valores sem qualquer tipo de estudo prévio ou mesmo ter ideia do impacto fiscal das suas decisões. Exemplo disso é a avaliação de quanto o programa “Minha Casa Melhor” poderia emprestar ao cidadão. Inicialmente confrontada com o fato de que a faixa de empréstimo proposta, de R$ 3.000,00, não daria para comprar muita coisa, a então Presidente afirmou “Então põe cinco mil”, sem qualquer tipo de controle ou avaliação do impacto da medida. O livro narra, também, a relação entre João Santana e Dilma, narrando como aquele passou a ter ascendência sobre essa, sobre como ele construiu a imagem de durona porém terna, e como isso influenciou a construção de sua imagem. Tudo era feito em nome da imagem, sem considerar as contas públicas e os impactos das decisões tomadas em prol do marketing.
O capítulo 20 narra o início do último ano do governo Dilma, a partir de sua eleição em 2014, porém com foco nas difíceis tarefas a serem executadas pelo novo Ministro da Fazenda, Joaquim Levy. O plano para a economia traçado por Levy consistia em corrigir os preços de energia e petróleo, fazer um superávit fiscal para manter o grau de investimento e permitir queda dos juros, reestruturar ICMS e PIS/COFINS para estimular investimentos, rever as despesas públicas e passar um pente-fino em vários programas sociais. Muito embora tenha obtido sucesso em parte do seu projeto (como por exemplo o acerto nas tarifas públicas, pagamento das pedaladas, melhora das condições dos leilões de rodovias e aeroportos, redução de incentivos tributários), o fato é que Levy não teve força política governamental necessária para conduzir a elaboração de um orçamento sustentável para 2016. Além da rápida queda de arrecadação em 2015, a agenda de Levy foi esvaziada pela própria base governista, que permitiu fechar 2015 com um déficit primário de 1,88% do PIB, uma conta de juros de 8,5% do PIB e dívida bruta do setor público alocada em 66,2% do PIB. Com as contas em frangalhos, a perda de apoio da base política, o governo Dilma teve um último e derradeiro fato contra si, que foi a prisão do senador Delcídio do Amaral, quem acusou a presidente Dilma e o ex-presidente Lula de crimes de responsabilidade e também de querer atrapalhar as investigações da Lava-Jato.
O capítulo 21 fecha com uma breve recapitulação dos movimentos políticos que levaram à escolha de Dilma por Lula, bem como o processo de renovação do mandato. A certa altura considerou-se a sucessão de Dilma por Lula, em face da deterioração econômica. A pesquisa Focus, do Banco Central, espelhava a trilha da piora das condições econômicas. A pesquisa realizada no final de 2013 tinha projetado para 2014 um crescimento do PIB de 2%. A de 2014 reduziu a expectativa para 1,63%. No dia do lançamento oficial da campanha de reeleição  a previsão caiu para 0,7% e, cinco dias após a eleição de Dilma, a previsão de crescimento era de 0,24%. O capítulo finalizada com o resgate dos bastidores sobre a troca de Mantega por Levy, bem como os problemas das tarifas públicas, a excessiva gastança para garantir a eleição de Dilma e a constatação de que não haveria mais espaço para erros na política fiscal.

Anatomia de um desastre (2): resenha de livro, por Carlos Yury Araujo de Morais

Continuação da resenha iniciada na postagem anterior. Ver aqui:
http://diplomatizzando.blogspot.com.br/2017/07/anatomia-de-um-desastre-1-resenha-de.html


Resenha de Carlos Yury Araújo de Morais

SAFATLE, Claudia; BORGES, João; OLIVEIRA, Ribamar.  
Anatomia de um desastre: os bastidores da crise econômica que mergulhou o país na pior recessão de sua história
São Paulo: Portfolio-Penguin, 2016.


O capítulo 8 trata da “operação quadrangular”, uma das primeiras medidas de economia criativa tomada pelo governo para fechar as já afetadas contas públicas. O BNDES recebeu empréstimo do Tesouro; em seguida, o BNDES comprou ações da PETROBRAS que estavam com o Fundo Soberano do Brasil; o dinheiro da venda das ações foi para o Tesouro; O BNDES usou parte das ações para comprar créditos junto a ITAIPU; por esses créditos, o Tesouro recebeu do BNDES as ações da PETROBRAS, utilizadas, em seguida, para capitalizar a CAIXA; ao mesmo tempo a CAIXA foi agraciada com empréstimo do tesouro, o que permitiu aos bancos pagar mais dividendos ao Tesouro. Essa foi a forma como a meta fiscal de 2012 foi atingida. Com a operação quandrangular, a equipe econômica perdeu credibilidade, pois ficou evidente que o superávit primário estava sendo fabricado por meio de truques e arranjos.
O capítulo 9 narra mais uma burla ao cumprimento da meta fiscal. As ordens bancárias feitas pelo governo para o pagamento de servidores e fornecedores passaram a ser feitas após as 17h10. O objetivo era simples: postergar o recebimento dos recursos, para que os mesmos fossem contabilizados apenas no dia seguinte. A importância desse estratagema era a redução do pagamento com as despesas correntes, inflando artificialmente o superávit, o que ficou conhecido como “pedalada fiscal”. Esse atraso no pagamento das despesas foi aplicado de tal forma que houve o aumento expressivo dos restos a pagar de 2013 para 2014. Isso melhorou o resultado das contas públicas, pois a “pedalada” não aparece nas contabilidade do mês e, para fins de orçamento, ela é considerada paga dentro do mês, muito embora o efetivo desembolso se dê apenas no mês seguinte. Ao atrasar o repasse de recursos aos bancos públicos, estes foram forçados a pagar, com recursos próprios, os programas sociais e subsídios que são atribuições do Tesouro. Eis aqui os fundamentos do impeachment.
O capítulo 10 trata dos problemas relacionados ao uso do BNDES como principal agente da política expansionista do governo. A política de subsídios dos juros, o aumento desmedido da capacidade de empréstimo através da emissão de títulos levou ao aumento do endividamento público, o que não preocupava o então ministro Guido Mantega, pois para cada real de dívida havia um real de crédito com o Tesouro. O problema é que a expansão do investimento, como motor da economia, não vingou, muito em face das constantes quebras das regras e contratos. Os bancos públicos comerciais passaram a superar o BNDES na concessão de empréstimos com aumento de carteira de 174,8%, enquanto o BNDES permaneceu com carteira 74% menor que a dos bancos públicos comerciais. Todavia, o excesso de crédito foi tamanho que, mesmo continuando a oferecer empréstimos para famílias e empresas, estes estavam superendividados e não houve expansão do número total de empréstimos. O modelo de crescimento baseado na expansão do crédito chegou ao fim em 2016.

O capítulo 11 narra o processo de redução dos valores das contas de luz, anunciados em 18% para os consumidores residenciais e 28% para os consumidores industriais. O capítulo narra o procedimento como se chegou ao procedimento de renovação antecipada dos contratos, saída encontrada para se chegar aos percentuais de redução mencionados. O problema, narra o livro, é que além da redução das tarifas, as empresas concessionárias de distribuição ainda teriam que arcar com o peso dos investimentos para as linhas de transmissão. Como a conta não fechava, a equipe econômica considerou que o Tesouro Nacional cobriria a diferença entre a diminuição da tarifa e os investimentos, repassando a conta para o contribuinte brasileiro. A conta inicial foi de 9,9 bilhões de reais, sendo que outros 19,7 bilhões vieram de um fundo chamado Conta de Desenvolvimento Energético. Além disso, em 2013, quando a medida foi anunciada, houve risco de racionamento, ligação das usinas termoelétricas (o que aumentou o custo de produção de energia do sistema) e encarecia a conta do governo. As empresas distribuidoras ficaram a descoberto e tiveram de comprar energia no mercado libre, cujo preço não estava assegurado em contrato. Para que o sistema não entrasse em colapso, o Tesouro passou a fazer aportes, aumentando as perdas. Especialistas calcularam que a manobra de Dilma custou aos cofres públicos o total de 105 bilhões de reais.
O capítulo 12 narra a derrocada da Petrobrás. Ele narra, inicialmente, como a Petrobrás era utilizada dentro das campanhas eleitorais, como forma de criar a ilusão de prosperidade. Como exemplo, narra a utilização da autossuficiência em petróleo anunciada da plataforma P-50 nas vésperas da campanha eleitoral de 2006. Todavia, a autossuficiência não se consolidou, vindo, o Brasil, a depender de importação de petróleo em 2012, em razão da frustração das metas de produção.  Outra questão abordada foi o pré-sal. O capítulo foca em como o governo, visando criar toda uma indústria nacional para exploração do pré-sal, estabeleceu o modelo de partilha, segundo o qual a União receberia sua parte em petróleo. Para chegar a tal ponto, deveria haver o mínimo de participação de 30% da Petrobrás em cada campo de petróleo. Além disso, o modelo determinava a compra de equipamentos de exploração no Brasil (o chamado “conteúdo nacional”). Finalmente, o livro relembra os casos das refinarias Premium I, Premium II, Abreu e Lima e a compra da refinaria de Pasadena, obras grandiosas, porém custosas aos cofres públicos. O capítulo faz um apanhado histórico dos prejuízos que essas obras causaram à Petrobrás, concluindo que o uso de premissas irrealistas de custo operacional, produção, prazo e investimento foi o responsável pelo prejuízo nas operações da empresa. Em 2008, ela era a segunda maior empresa do mundo; em 2016, ela havia despencado para a 249ª posição no ranking das empresas mais valiosas do mundo.
O capítulo 13 narra como o governo federal virou uma fábrica de dividendos para si próprio. Inicialmente, apenas a partir de 2000, com a estabilidade econômica, as empresas federais passaram a pagar dividendos para a União. Em 2012 foi atingido o pico histórico de dividendos pagos à União, no total de 28,02 bilhões de reais. Todavia, esse número recorde em 2012 não foi fruto de atividade econômica. Na realidade, tratava-se de manobra financeira para maquiar as contas públicas, através da alocação de recursos no BNDES. O Tesouro colocava papeis diretamente no BNDES, repassando os títulos para a carteira da instituição, que os foi oferecendo no mercado na medida da necessidade de suas operações. Enquanto não colocava os papéis no mercado, o banco computava os rendimentos dos títulos como lucro e repassava o lucro ao Tesouro na forma de dividendos. Tratava-se, portanto, de empréstimo disfarçado, operação que não tinha impacto no caixa do Tesouro nem era captada pelas estatísticas do resultado primário. Esse estratagema ajudava a União a fechar as suas contas. Esse foi o início da contabilidade criativa, o que gerou falta de credibilidade da contabilidade fiscal brasileira.
O capítulo 14 narra os efeitos deletérios que as sucessivas desonerações tributárias causaram no caixa da União. Após breve histórico sobre as diversas tentativas de alteração do sistema, o capítulo foca na MP 540/2011, a qual autorizou a desoneração da folha de pagamentos, no contexto do Plano Brasil Maior – uma série de medidas destinadas a estimular as exportações e o investimento da indústria. Muito embora o objetivo fosse o de copiar o modelo europeu de “desoneração fiscal” para tornar os produtos mais competitivos, o governo foi aumentando cada vez mais o escopo da desoneração. Nesse sentido, editou as medidas provisórias 563, 582 e 601 aumentando cada vez mais os setores abrangidos pela desoneração. O custo da desoneração somou, entre 2012 e 2015, mais de 54,3 bilhões de reais na arrecadação da previdência social, o que levou à piora do déficit da previdência. O resultado foi a queda real de 5,6% nas receitas da União; porém, o governo continuou mantendo os gastos em crescimento acelerado, o que levou a uma queda continuada do superávit primário da União, a qual caiu 2,14% do PIB apenas em 2011. Em 2015, foi registrado um déficit primário de 2,01% do PIB, demonstrando que a perda da arrecadação, combinada com aumento de despesas, culminou em um grave problema fiscal.

(continua na terceira e última postagem).

Anatomia de um desastre (1): resenha de livro, por Carlos Yury Araujo de Morais

Dou início aqui a uma série de três postagens sucessivas, transcrevendo a resenha que um dos meus alunos de doutorado, Carlos Yury Araújo de Morais, fez, a meu pedido, do livro abaixo resumido.
Trata-se de obra fundamental para entender como foi montado aquilo que eu chamo de A Grande Destruição econômica lulopetista, um conjunto de medidas equivocadas que começam lá atrás, em 2005, assim que Madame Pasadena toma posse da Casa Civil no lugar do Richelieu do Planalto, o Stalin Sem Gulag, o homem que se enrolou todo no Mensalão (a serviço do grande mafioso seu chefe), e acabou cassado pela Câmara dos Deputados. A sucessora eminentemente estúpida começou podando todas as medidas sensatas que os corruptos da Fazenda e do Planejamento estavam tentando implementar para resolver o problema dos desequilíbrios fiscais do Brasil, e que Madame Pasadena vetou, sob o pretexto de que "gasto público é vida", e de que o programa de superavit efetivo nas contas públicas era "muito elementar".


Resenha de Carlos Yury Araújo de Morais

SAFATLE, Claudia; BORGES, João; OLIVEIRA, Ribamar.  
Anatomia de um desastre: os bastidores da crise econômica que mergulhou o país na pior recessão de sua história. 
São Paulo: Portfolio-Penguin, 2016.

O livro está dividido em 21 capítulos, cada um abordando aspectos específicos das decisões tomadas a respeito de política fiscal e econômica, as quais levaram à atual crise.
O capítulo 1 narra o início do afrouxamento da política econômica herdada do governo Fernando Henrique Cardoso. O livro narra que, em 2005, por conta da manutenção do tripé macroeconômico, as contas públicas encontravam-se em situação confortável, o superávit primário havia superado a meta de 4,25% do PIB, o déficit nominal era de 2,96% do PIB e os juros reais tenderiam a cair, a partir do compromisso que estava sendo estabelecido de déficit zero. O compromisso com uma política econômica austera levaria às condições de crescimento estruturado.
Todavia, após a descoberta do mensalão, houve substancial mudança no rumo da política econômica, apostando-se no aumento do gasto corrente como forma de estimular a economia. A ideia do aumento de gastos partiu da então ministra da Casa Civil Dilma Rousseff.
O livro narra, nesse capítulo, a derrocada de Palocci, principal fiador da austeridade e política do déficit zero. A sua saída da equipe econômica abriu espaço para a visão desenvolvimentista, uma postura mais pragmática que girava em torno da defesa de medidas de estímulo fiscal, aumento nas transferências de renda e aumento no investimento público.
O capítulo 2 inicia recapitulando a fase “Lula ortodoxo”, em que o novo Presidente da República manteve intactos os compromissos com o tripé macroeconômico (meta de inflação, cambio flutuante e superávit primário). Destaca-se que houve esforço concentrado para o controle da inflação, com elevação da SELIC por mais de uma vez e aumento do compulsório sobre os depósitos à vista para os bancos. Tais medidas foram necessárias para manter o equilíbrio das contas públicas, o que permitiu (mais adiante) o corte da taxa SELIC em 10 pontos percentuais ainda no ano 2003 como também o crescimento da economia em 0,5%. Destaca-se que a manutenção da política ortodoxa fez a desconfiança com o PT diminuir e a inflação, que chegou a 12% em 2003, baixar em 2004.
O capítulo 3 dá um pulo histórico até 2007 para tratar da estipulação da meta de inflação para o ano 2009. A decisão que se punha na mesa era a de reduzir a meta de inflação, de 4,5%, historicamente mantida, ou reduzi-la para 4% (ou menos), dado que em 2006 a inflação medida foi de 3,14%. Manter a meta da taxa de inflação significava que o BACEN poderia ajustar a SELIC para aumentar preços e não simplesmente estabilizá-los. A meta de inflação foi mantida em 4,5%; porém, o então presidente do BACEN, Henrique Meireles, afirmou que não havia orientação para fazer a inflação convergir para a meta de 4,5%. Tais palavras ressaltaram a adoção do modelo “desenvolvimentista”, manifestada pelo então Ministro da Fazenda Guido Mantega, quem defendia um crescimento exuberante do país através da utilização de uma política heterodoxa. Em razão da política mais frouxa com o controle da inflação, no ano 2007 o IPCA terminou em 4,46%, acima da meta de 3,6%.
O capítulo 4 narra os efeitos da crise do subprime no Brasil. A princípio tida como uma “marolinha”, a crise reduziu os preços das commodities e gerou rápida retração do volume de comércio internacional, além de causar uma grande depreciação do valor de Real (42%). Em razão da depreciação do Real, várias empresas com contratos de hedge foram afetadas. Maior exemplo foram Sadia e Aracruz, as quais perderam muito com operações cambiais. Além disso, houve ataque especulativo a vários bancos, culminando na fusão entre Itaú e Unibanco, bem como a compra de vários bancos privados por bancos públicos. Como forma de combater a crise, o governo realizou várias desonerações tributárias, tais como redução do IPI sobre automóveis, desoneração para bens de consumo duráveis, bens de capital e materiais de construção. Além disso, foi modificada a meta de superávit primário. A crise fez com que, em 2008, a economia crescesse apenas 1%.
O capítulo 5 narra a recuperação da economia. Se em 2008 houve crescimento de apenas 1%, em 2009, com a recuperação do preço das commodities e o uso dos bancos públicos para concessão de crédito barato, considerando a SELIC apenas a 8,75%,, o crescimento foi de 7,5%. Houve aumento do crédito bancário, o desemprego caiu e Lula passou a usar a expressão “momento mágico” para fazer marcar, na memória dos brasileiros, o expressivo crescimento econômico, com vistas à eleição de 2010. Todavia, a virada para a irresponsabilidade fiscal ocorreu no último ano do governo Lula, quando houve forte expansão do gasto e do crédito público, quando a economia não precisava mais de estímulos, pois já havia superado a crise mundial. O último ano de mandato ficou marcado por inflação alta, economia superaquecida, juros em baixa e piora nos resultados fiscais.
O capítulo 6 rememora o início da “era Tombini” no comando do Banco Central. A princípio, a dúvida seria se, sob o comando de Tombini, o COPOM teria um perfil mais hawkish ou dovish, no sentido de ser rígido no combate às pressões inflacionarias. O COPOM adotou uma política dovish, especialmente considerando que para a então presidente Dilma “despesa é vida”. Os juros entraram em rota de declínio acentuado, saindo de 12% em meados de 2011 para 7,5% em 2012. Em 2012 sucederam-se pacotes de medidas e ações governamentais para aquecer uma economia já combalida. Tombini foi frequentemente criticado por não ter autonomia no controle da SELIC, auxiliando a manutenção de uma política fiscal expansionista.
O capítulo 7 narra a criação da “nova matriz econômica”. Rememora que em 2012 Dilma passou a ter encontros com trinta empresários, para ouvir sugestões sobre como impulsionar o PIB. A primeira reunião resultou na adoção de medidas para redução do spread e juros bancários, depreciação do câmbio, além do custo da energia. Dilma agiu em cada um desses pontos, realizando desonerações de impostos e determinando redução de juros e revisão dos contratos das distribuidoras de energia. Cada medida foi tomada como agressão pelo setor atingido. No caso das elétricas, a forma como foi concebida a renovação das concessões foi interpretada como “quebra de contrato”,  e as ações das companhias despencaram. Ao invés de baratear a conta, em 2015 houve reajuste de tarifas em mais de 50%. O capítulo narra uma série de desencontros, demonstrando que cada nova medida gerava desequilíbrios na economia e nas contas do governo, que teve que abrir mão de 63,2 bilhões de reais em arrecadação de impostos através de desonerações e mesmo assim não aqueceu a economia.

(continua na próxima postagem; com meus agradecimentos ao Carlos Yuri Araujo de Morais)

segunda-feira, 16 de junho de 2014

Economia brasileira: Arminio Fraga analisa os problemas atuais

"O arrocho já está sendo feito pela inflação"
Entrevista Armínio FragaPor Claudia Safatle | Do Rio
Valor Pro, 
16/06/2014

Armínio Fraga, ex-presidente do Banco Central e sócio da Gávea Investimentos, alerta que "a semente do desemprego já está aí, pois infelizmente a economia não está crescendo". Para reduzir a inflação e evitar o desemprego será preciso, através de compromissos e ações críveis na área econômica, afetar as expectativas. "Faltam hoje transparência nas contas públicas e compromissos com a responsabilidade fiscal e com inflação na meta", disse ele em entrevista ao Valor PRO, serviço de informações em tempo real do Valor. Armínio, que está assessorando o candidato do PSDB, Aécio Neves (PSDB), à presidência da República, não é adepto do "tratamento de choque", seja para derrubar a inflação ou para recolocar a política fiscal no rumo de um superávit primário maior e melhor. O ritmo de queda da inflação em direção à meta de 4,5% terá que ser avaliado "à medida que fique claro o tamanho do atraso que existe em alguns preços". Na política fiscal, a primeira providência deve ser dar transparência aos dados. Acredita que hoje, se bem medido, o superávit primário é próximo a zero. "Temos que cair na real: as coisas não estão dando certo. O país não está crescendo e, se não crescer, as frustrações vão aumentar", diz. Pois é o crescimento, mais do que as transferências de renda aos mais pobres, que vem reduzindo as desigualdades no país. A seguir, os principais trechos da entrevista:

Valor: Como o sr. vê a performance da economia até o fim do ano?

Armínio Fraga: A economia está fraca, assustada e muito defensiva, com pouco investimento e pouca ousadia. A incerteza tem uma dimensão macroeconômica ligada ao baixo crescimento, à inflação alta e ao déficit em conta corrente; e uma dimensão mais micro, que afeta cada setor de uma maneira diferente. Mas, no geral, assusta, com raízes importantes no setor elétrico, de petróleo, que não são os únicos, mas são os principais. Esse quadro precisa ser abordado de maneira clara e isso não está acontecendo.

Valor: A ausência de investimentos decorre principalmente da queda da confiança do setor privado?

Armínio: Em última instância parte da conta acaba batendo sempre no governo. Há o lado mais macro e um outro que diz respeito às regras do jogo e à capacidade de execução do governo. Não é só um certo receio em relação à qualidade da regulação. O que a gente mais ouve é que tem verba, mas não tem projeto, ou o projeto é ruim ou está atrasado. São projetos muito grandes, complexos, que exigem ações paralelas e basta um tema ficar para trás que para tudo.

Valor: O Estado perdeu a capacidade de investir?

Armínio: Perdeu ou sei lá se tinha. O fato é que no momento não demonstra ter. O Brasil não investe não é de hoje. Só que na infraestrutura hoje as necessidades são gritantes. Talvez há 10 ou 20 anos, não fossem. O quadro foi se agravando. O governo, quem quer que seja o próximo presidente, terá que dar uma virada caprichada nessa área.

Valor: Fazendo o quê? Ampliando e melhorando as concessões?

Armínio : Em cada setor as regras, e como estão sendo aplicadas, vão ter que ser examinadas e, além disso, será preciso um esforço de coordenação no governo para que as coisas possam acontecer. O Brasil como um todo vai ter que mobilizar mais capital. Nossa taxa de poupança está quase tão baixa quanto os níveis dos nossos reservatórios. O Brasil já saiu de uma situação de fornecedor de poupança no exterior - com superávit em conta corrente - para a de usuário, importador de poupança, com déficit em conta corrente.

Valor: Um déficit em transações correntes de quase 4% do PIB é perigoso?

Armínio : Eu diria que não. Acredito que o país se arrumando vai haver aumento do investimento.

Valor: O ex-presidente Lula disse que é o caso de incentivar mais o consumo para estimular o crescimento. É possível ou esse é um processo que já se esgotou?

Armínio: A fase de crescimento acelerado do consumo pode ter ficado para trás porque o PIB não está crescendo, as famílias se endividaram bastante e os juros estão subindo. Mas há um espaço enorme para o consumo crescer. Só que a renda tem que crescer junto, o custo do capital tem que cair e os prazos têm que se alongar.

Valor: Como sair de um quadro de pessimismo, com a economia patinando, e retomar o crescimento?

Armínio: Na área fiscal, por exemplo, primeiro com esforço de transparência para que não fiquem na dúvida sobre se há um truque novo, uma nova pedalada.

Valor: E, se ao dar transparência, a situação das contas públicas for mais complicada?

Armínio: A realidade é o que é. É preciso, para início de conversa, mostrá-la e discutir a resposta que se quer dar. Tem que trazer esse grau de segurança e trazer a inflação para a meta - não da noite para o dia, mas colocá-la em uma trajetória crível de queda. A inflação está há muitos anos lá em cima, apesar de reprimida.

Valor: Quando o candidato Eduardo Campos (PSB) falou em reduzir a meta de inflação para 3,5% em 2019, a presidente Dilma Rousseff reagiu dizendo que isso implicaria em aumento do desemprego para mais de 8%. O desemprego é inexorável nesse quadro?

Armínio: A semente do desemprego já está aí, pois infelizmente a economia não está crescendo. Para reduzir a inflação e evitar o desemprego será necessário afetar as expectativas. Falta hoje transparência nas contas públicas e compromissos com a responsabilidade fiscal e com inflação na meta. O ritmo de queda terá que ser avaliado à medida que fique claro o tamanho do atraso em alguns preços.

Valor: Há projeções de 7,5% de inflação para 2015. Mas isso vai depender de como vão ser as correções de preços represados, não?

Armínio: O mercado está com um número de consenso por aí, acima de 7%. Se fizer uma correção parcial evita-se esse primeiro choque, mas fica uma conta a ser paga ao longo do tempo. Atrasar não significa resolver. Eu ainda não tenho opinião formada. Apesar de eu estar assessorando o senador Aécio Neves (PSDB-MG), não estou pensando nisso agora. Acho que não está na hora.


Valor: Em entrevista a jornalistas estrangeiros, a presidente Dilma, perguntada sobre por que o país cresce tão pouco, respondeu: "Não sei". O senhor sabe?

Armínio: Olhando de maneira quase que contábil, o país está investindo muito pouco. Para crescer tem que investir e tem que investir bem. E para investir tem que ter poupança. Você pode até crescer durante um tempo usando poupança externa.

Valor: E essa poupança externa de R$ 85 bilhões, que é o déficit em transações correntes, não foi para investimento?

Armínio: Pelo visto, não.

Valor: E os mais de R$ 400 bilhões que o Tesouro Nacional repassou ao BNDES para financiar a expansão dos investimentos?

Armínio: Idem. Talvez, sem ele, o investimento tivesse sido mais baixo. O resultado final é uma taxa de investimento muito baixa em um país onde as necessidades são visíveis. A nossa educação não está melhorando na velocidade adequada. Esse é um investimento de longo prazo, mas é o melhor.

Valor: Isso ocorre porque a educação padece da falta de recursos?

Armínio: O Brasil investir 6% do PIB em educação não é igual à Alemanha investir 6% do PIB, pois lá o produto per capita é muito maior. Mas os especialistas acreditam que há problema também de gestão. Uma explicação sobre o baixo crescimento tem que incluir a educação. É verdade que a taxa de escolaridade aumentou nos últimos 25 anos. Há mais crianças na escola, mas muitos não terminam a escola primária ou saem analfabetos funcionais, o que é outra coisa chocante, e menos ainda terminam a escola secundária.

Valor: O economista francês Thomas Piketty, no livro "O capital no século XXI", trouxe o aumento da desigualdade para o centro do debate econômico internacional.

Armínio: O tema da pobreza e da desigualdade é antigo entre nós e levado a sério.

Valor: Como se faz crescimento mais distributivo? Com mais transferência de renda e mais educação?

Armínio: Sim. Há duas frentes de trabalho que deveriam ser não ideológicas. Uma diz respeito ao lado da igualdade de oportunidade. Mesmo o mais liberal dos liberais tende a defender a igualdade de oportunidade. Claro que muitos liberais veem um papel para o governo na provisão da educação e da saúde pública e não necessariamente na produção. Vi isso em uma entrevista recente do Ricardo Paes de Barros [subsecretário de Ações Estratégicas da Secretaria de Assuntos Estratégicos], por exemplo. A provisão cabe ao governo na educação, saúde, segurança, um Judiciário decente, transporte público de qualidade. Essa é a base para uma sociedade onde as pessoas têm chances, onde o filho de uma pessoa pobre não está condenado a ser pobre. Isso é um desejo do Brasil, está na Constituição e o governo deveria estar entregando mais nessas áreas. Esse é um canal de resposta muito poderoso à questão colocada por Piketty.

Valor: Qual é a outra frente?

Armínio: Está na outra ponta, que é coibir o enriquecimento ilícito que vem da captura do Estado, da corrupção. Vi outro dia um dado muito interessante num texto da professora Rozane Siqueira, da UFPE. Ela calculou o coeficiente de Gini para o Brasil e para o Reino Unido, antes e depois de impostos e transferências. Normalmente, quando se faz essa conta, se usa a renda bruta das pessoas. Quando se calcula o coeficiente de Gini baseado na renda líquida, a melhora no Brasil é mínima e no Reino Unido é bem grande. Isso indica que, mesmo com todo o esforço do Estado, os resultados em termos distributivos são ainda modestos.

Valor: É possível aumentar o gasto social?

Armínio: Acredito que há bastante espaço para melhorar pela via do gasto limitando, por exemplo, o que o Gustavo Franco chama de 'bolsa empresário' e focando nas áreas que dão mais resultado, como educação e saúde pública. Resumindo, o uso do dinheiro público carece de mais justificativa. Está mal alocado e não é só má alocação produtiva, mas distributiva.

Valor: Empréstimos subsidiados são forma de concentrar riqueza?

Armínio: Sim, mas não acho que o BNDES não deva subsidiar. Não é disso que se trata. Recentemente fiz um artigo em parceria com o Marcos Lisboa defendendo transparência e critério. Acho que há espaço para subsídios, mas é preciso enxergar direito onde está a externalidade e a diferença entre o retorno social e o retorno privado. Tem que ser justificado, ter transparência e uma forma de se medir os resultados. Por alguns anos fui do conselho consultivo do Banco Mundial. Tudo o que o Banco Mundial faz tem que ser desenhado com objetivos claros e de forma que se possa medir os resultados.

Valor: A política industrial vem dando resultado?

Armínio: Não sei, não há dados disponíveis. Mas pelo crescimento baixo, suspeito que não.

Valor: Haveria algum problema mais estrutural que condene o país a crescer pouco?

Armínio: Ao contrário. O Brasil tem uma renda per capita de 20% da renda dos países mais ricos. É totalmente factível crescer 4%, 5% ao ano. Depende do mundo também, mas não há nada que se possa dizer que não, que isso é estrutural do Brasil. O que é estrutural? Você acha que as crianças do Brasil não são capazes de aprender?

Valor: Há anos os juros aqui são maiores que no resto do mundo...

Armínio: Isso vem desde o regime militar. A remuneração da caderneta de poupança pela inflação mais 6%, líquido de imposto, vem de lá. Alguém pensou que 6% real de juros era bom. Uma economia arrumada vai ter juros caindo para uma taxa mais normal. O juro é o que é. Não é fruto da vontade direta de ninguém, mas pode-se construir as condições para o país ter juros normais.

Valor: Para isso seria preciso ter um superávit primário maior?

Armínio: O superávit arrumado, bem medido, hoje está próximo de zero. Tem que ter superávit para estabilizar a dinâmica da dívida e tirar isso da cabeça das pessoas.

Valor: O superávit teria que voltar ao nível de 3% do PIB?

Armínio: Não sei. Depende de quanto o país tiver crescendo. Em um momento de populismo exacerbado, que está sendo a marca deste início de campanha, a política fiscal é uma tema bem delicado.

Valor: O governo tentou trabalhar com uma inflação de 6% ou um pouco mais..

Armínio: Os preços dos alimentos crescem a dois dígitos. As pessoas sabem que há preços congelados e que isso não dura muito. Esse filme todo mundo conhece e quem é novo e não conhece fala com os pais, com os avós. Quando vem o aumento é com juros e correção. Não adianta nada.

Valor: É possível retomar um processo de desinflação?

Armínio: Tem que ter uma sequência. Primeiro, chegar a uma situação de preços normais, não tabelados, não reprimidos, levar essa inflação para a meta e, depois, decidir o que fazer. Acho que a meta deveria cair um pouco e lentamente...

Valor: Então, primeiro vai piorar para depois melhorar?

Armínio: Vamos ter que tirar o remédio do paciente, que está dopado.

Valor: No Brasil períodos eleitorais ainda costumam ter algum estresse nos mercados. O sr. acha que desta vez vai se repetir especulação com taxa de câmbio, juros, algo como o senhor viveu no Banco Central na eleição de 2002?

Armínio: Torço para que não, mas acho que sim.

Valor: Em 2002 o dólar chegou a R$ 4 e a inflação subiu às alturas. Seria algo semelhante?

Armínio: Não tanto. Ali foi um caso mais extremo onde a incerteza era imensa porque tinha uma versão escrita do que se pretendia fazer, que era o programa do PT. O PT evoluiu e o Lula rasgou o programa.

Valor: O PT diz que a campanha de Aécio Neves (PSDB) está cometendo 'sincericídio' ao apontar os problemas da economia e indicar que pode haver medidas amargas. Isso não assusta o eleitor?

Armínio: 'Sincericídio', acho que não. É um pouco de 'honesticídio', isso sim. Temos que cair na real: as coisas não estão dando certo. O país não está crescendo e, se não crescer, as frustrações vão aumentar. Estudiosos como o Ricardo Paes de Barros e o Marcelo Neri [ministro da Secretaria de Assuntos Estratégicos] têm escrito e dito ao longo dos anos que um percentual alto da queda da pobreza e da redução da desigualdade veio do crescimento. Do crescimento. Não é do programa distributivo, do Bolsa Família. Você está falando com alguém que não tem vergonha de dizer que é um liberal com coração. É importante o país crescer e é importante gastar melhor, sim.

Valor: O governo sempre gasta mal?

Armínio: Acho que o Brasil teria que gastar muito melhor do que gasta. E isso não é questionado porque tudo que o PT fala vira dogma da esquerda. Falta honestidade, isso é o que falta. Vamos lá olhar. Faz essa conta do índice de Gini e veja o que está acontecendo. Alguma coisa não está dando certo, com todos os esforços do Fernando Henrique, do Lula e de todo mundo, e isso os próprios pesquisadores do país nessa área têm dito, antes de irem para o governo. Há menos de seis meses, na apresentação que o Marcelo Neri fez com a ministra Tereza Campello, estava lá: o crescimento é importante e acho que o governo deveria gastar melhor, muito melhor, o precioso dinheiro público. Uma parte desse dinheiro vai para os pobres sim, mas não é tão grande.

"A nossa educação não está melhorando na velocidade adequada. Esse é um investimento de longo prazo, mas é o melhor"

Valor: O sr. acha que gastar mal o dinheiro público tem a ver com a estrutura de governabilidade que se montou, em que cada pedaço da administração pública tem que ir para cada partido da base aliada?

Armínio: Acho que sim. O Marcos Mendes aborda isso no livro "Por que o Brasil Cresce Pouco". A resposta direta é que o Brasil não está investindo o suficiente e o que investe não parece ser de boa qualidade. Isso tem a ver com capital físico, capital intelectual, capital humano mais básico. Aí é que nós somos devedores. Porque o Estado não gera essa resposta? Acho que é uma combinação de ideologia com incompetência. Uma parte disso vem de uma certa falta de transparência, por que as pessoas não enxergam direito para onde o dinheiro está indo. A proposta da transparência é a base e daí vêm as respostas. Quer fazer subsídio? Dê transparência, ponha no orçamento e explique. O orçamento existe para forçar essa discussão. Quando se começa a ter orçamentos paralelos, fica difícil obter as respostas corretas.

Valor: Como reduzir os aportes de recursos do Tesouro ao BNDES, que de 2009 para cá triplicaram?

Armínio: Gradualmente. Não sei para que nível ele deve voltar e acho que essa é uma discussão mais ampla sobre o que o país precisa, quanto custa etc. Não acredito em tratamento de choque, a não ser de transparência para poder respeitar a Lei de Responsabilidade Fiscal, buscar com segurança uma taxa de inflação mais baixa. Eu começaria por aí. O resto é guerra de guerrilha. Vai ter que ter um número de frentes de trabalho, pessoas buscando soluções, manter a capacidade do Estado de exercer seu papel de fiscalizador, regulador, e que não iniba e abra mão de trazer capital interno e externo, mais interno até. A poupança interna vai ter que aumentar com o tempo.

Valor: Há quem defenda aumento dos impostos? O país suportaria?

Armínio: Um número crescente de pessoas acredita que um país de renda média com carga de 36% a 37% do PIB é suficiente para o Estado cumprir bem suas funções em um modelo de social-democracia que temos aqui. Essa é uma discussão de primeira grandeza e não para um tecnocrata resolver. O país deveria procurar um limite de crescimento para o gasto público, para que ele pare de crescer mais do que o PIB, e essa carga poder ficar por aí por um bom tempo. O governo investe pouco e quase todo seu gasto são transferências e despesa corrente, mas parte da responsabilidade pelo aumento do investimento deveria ser do governo. Quando você olha o orçamento, há limitações. Essa é uma discussão política. Há sinais de que a carga tributaria hoje é alta o suficiente para transformar o Brasil em um país menos competitivo.

Valor: O sr. acha que o aumento do salário mínimo foi excessivo?

Armínio: Acho os salários no Brasil ridiculamente baixos porque o Brasil é um povo pouco educado e pouco produtivo. Por isso é que os salários aqui correspondem a 20% dos salários dos países ricos. Há algumas áreas que ganham salários parecidos, mas o salário médio aqui é muito baixo porque somos um país pobre. E por que somos pobres? Porque o país não está crescendo. O salário tem que guardar alguma relação com a produtividade. Isso está nas atas do Copom e nas melhores cabeças que estão no governo. O país não está crescendo, caia na real! Qualquer coisa que eu diga vão interpretar como arrocho enquanto o arrocho já está aí, está sendo feito pela inflação.

Valor: Comenta-se no mercado financeiro que um número crescente de brasileiros está remetendo dinheiro para fora do país. O sr vê esse movimento?

Armínio: O brasileiro gosta do seu país, gosta de morar aqui, de investir aqui. Mas o grau de incerteza hoje é tal que as pessoas estão pensando em investir fora do Brasil, estão pensando até em sair do Brasil. Há um medo que vai além da economia, é medo político também. Há uma sensação de medo que as pessoas não têm coragem de manifestar abertamente. Medo de uma atitude contra a liberdade de imprensa, contra a democracia.

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domingo, 11 de maio de 2014

2015, o ano do ajuste (qualquer que seja o governo) - Claudia Safatle

A urgência do ajuste
Claudia Safatle | De Brasília.
Valor Econômico, 02/05/2014
Especial.Rumos da Economia. 

Com o ano de 2014 congelado pelas eleições presidenciais de outubro, todos os olhares se voltam para 2015. 
O estoque de decisões adiadas para o próximo ano, para não comprometer a campanha pela reeleição de Dilma Rousseff, se avoluma. Forma-se o entendimento de que o próximo presidente da República terá que enfrentar um duro ajuste. Não há indícios de que haverá maior crescimento econômico, expansão da taxa de investimento, queda da inflação em direção à meta e redução da taxa de juros em um futuro próximo. Ao contrário. 2015 deve ser o ano de preparação do país para a retomada, no período seguinte, de uma maior taxa de crescimento, objetivo final de qualquer governo. 

Diante da incerteza sobre quem será vitorioso nas eleições de outubro, abrem-se pelo menos duas vertentes de possibilidades na economia: com Dilma Rousseff reeleita ou com a vitória de um dos candidatos da oposição - Aécio Neves, do PSDB, ou Eduardo Campos, do PSB. 

No primeiro caso, prevalece o receio de que a presidente "dobre a aposta" na forma e no conteúdo do seu primeiro mandato, mas não é prudente desconsiderar a hipótese de que Dilma mudou e continuará mudando em direção a uma gestão mais amigável ao setor privado. Seu governo tende a ser "gradualista" na solução dos problemas. O grande desafio da presidente será recuperar a confiança dos agentes econômicos. 
Já os candidatos da oposição têm emitido sinais de que optariam por um "tratamento de choque" que se traduziria, por exemplo, em uma solução definitiva e mais rápida para a correção dos preços represados (combustíveis, energia e transportes urbanos). No gradualismo, os preços seriam corrigidos um pouco a cada ano, até eliminar a defasagem. 
Se há algum consenso entre os economistas de todos os matizes, é na política fiscal. Tanto os que são próximos ao governo quanto os de oposição focam na deterioração das condições fiscais nos últimos três anos como um dos pontos prioritários a serem atacados em 2015. 
O gasto público crescente acompanhado de aumento modesto das receitas minou a capacidade de produção de superávit primário. O saldo das contas públicas, que no primeiro ano do governo Dilma foi de 3,11% do PIB, no ano passado caiu para 1,9% do PIB, percentual que se repete como meta para este ano. 
O aspecto mais delicado do processo de corrosão fiscal, porém, está na taxa implícita de juros da dívida, hoje de cerca de 19% ao ano, embora a Selic seja de 11% e tenha caído para 7,25% sem, no entanto, reduzir o custo da dívida pública. 
Os juros implícitos resultam da diferença entre as taxas pagas sobre os passivos do setor público (Selic) e as que remuneram os ativos, bem mais baixas e que incidem sobre as reservas cambiais e os créditos do BNDES. 
O BNDES foi pródigo na concessão de crédito em nome de uma suposta política de criação de "campeões nacionais" e para sustentar a atividade econômica. Os empréstimos do banco subiram de 1,2% do PIB em 2008 para 8,6% do PIB em 2013. Para aliviar a dívida dos altos juros será crucial um cronograma de desmobilização de recursos da União para o BNDES. 
Foi pela piora da situação das contas públicas que o país sofreu o rebaixamento do "rating" de grau de investimento pela agência Standard & Poor's. 
Economistas que apoiam candidatos da oposição já começaram a alinhavar medidas que podem ser tomadas em janeiro de 2015, caso sejam eleitos, para recolocar a gestão fiscal nos trilhos. Cogita-se da suspensão das desonerações da folha de salários à elevação de impostos como, por exemplo, a Cide-Combustíveis. O próprio governo admite que as desonerações da folha não deram os resultados imaginados e deve reduzir o seu alcance, se reeleito. 
Com uma política fiscal mais eficaz, tira-se o peso do combate à inflação hoje nas costas do Banco Central. Mesmo assim, não é seguro que o país escape de uma nova rodada de elevação da taxa Selic a partir de janeiro do ano que vem. O BC acredita que entregará, ao fim deste ano, a inflação abaixo do teto de 6,5%. Para 2015 as expectativas do mercado são de uma variação de 6,3% do IPCA, taxa ainda distante da meta de 4,5%. Após quase 20 anos do Plano Real, a inflação continua a atormentar a vida do país. Nos doze anos de gestão do PT não foi dado um só passo para reduzir a meta rumo a uma taxa neutra. 
Uma inversão de objetivos marcou o governo Dilma Rousseff. Imaginava-se que a redução dos juros levaria à expansão automática dos investimentos, aumentando a oferta de bens e serviços. Com isso a inflação, fruto do descasamento entre a oferta e o consumo, estaria domada. As coisas não funcionaram como o Palácio do Planalto previa, porque juros por si só não determinam o investimento. 
Tudo conspirou para o governo abandonar a discussão ideológica estéril e retomar as privatizações, mediante contratos de concessão. Parte relevante das obras de infraestrutura do país foi ou será licitada. Rodovias e aeroportos avançaram. Portos e ferrovias ainda não. 
Assessores de Dilma começam, agora, a rascunhar uma "agenda de transição" deste para o eventual segundo mandato. Dentre as medidas elencadas consta a limitação do gasto público por lei, iniciativa que também faz parte da agenda de outros candidatos. Outras três medidas da lista já poderiam ter sido tomadas há anos, que são regras mais restritivas de acesso ao seguro-desemprego, ao abono salarial e às pensões por morte - cujos gastos crescem em progressões geométricas. 
São medidas necessárias, mas insuficientes para dar um novo arranjo à política fiscal e melhorar as condições de competitividade da economia brasileira. Conforme o resultado das urnas, serão retomadas a reforma da Previdência, com o estabelecimento de idade mínima para aposentadoria, e a flexibilização das regras que atam o mercado de trabalho, sobretudo no tocante à primazia do que é negociado entre patrões e empregados sobre a legislação. 
Do lado externo, a situação do balanço de pagamentos toma rumo inquietante. Apesar da desvalorização do real, dificilmente a balança comercial terá saldo positivo este ano. O déficit nas transações correntes com outros países é de US$ 25,186 bilhões desde o início do ano e deve encerrar 2014 na casa de US$ 80 bilhões. Em 12 meses até março a diferença entre o que país gastou e o que recebeu em decorrência de transações internacionais (comércio, serviços e outros) alcançou US$ 81,556 bilhões, o equivalente a 3,64% do Produto Interno Bruto (PIB). 
A desvalorização de 2013 conteve a escalada de aumento do déficit. A perspectiva de a recente valorização se mostrar duradoura, no entanto, pode interromper ou mesmo reverter o sinal. 
Os investimentos estrangeiros diretos financiam, hoje, cerca de 80% do déficit. Os outros 20%, que representam cerca de R$ 20 bilhões, são cobertos por investimentos financeiros que entram no país atraídos pela taxa de juros. Ficar dependente de capitais voláteis pode não ser uma boa estratégia quando se sabe que em algum momento haverá uma elevação da taxa de juros americana. 
Por estilo e personalidade, a presidente também deixou marcas e rachaduras no microgereciamento de seu governo, ao interferir em preços importantes da economia. 
O exemplo mais dramático da microgestão está na política energética, dos combustíveis à energia elétrica. A defasagem dos preços da gasolina, porém, é apenas uma fração dos danos produzidos na Petrobras, empresa envolvida em suspeitas de corrupção e negócios deletérios durante o governo Lula. 
Na área de energia elétrica, as contas não param de chegar. O represamento dos preços da energia, após a redução de tarifas em 2013, já custou quase R$ 10 bilhões no ano passado em recursos do Tesouro Nacional para a CDE. Recursos que terão que ser devolvidos à União pelo aumento da conta de luz dos consumidores nos próximos quatro anos. 
As despesas referentes a este ano começaram com o empréstimo bancário de R$ 11,2 bilhões para a Câmara Comercialização de Energia Elétrica (CCEE), mas devem superar esse valor e também serão pagas pelos consumidores. 
Os aumentos de até 29% concedidos nas últimas semanas para as tarifas de energia não têm relação com o acionamento das usinas térmicas. São aumentos de preços gerados pela desvalorização da taxa de câmbio dos últimos doze meses, que afeta a energia de Itaipu; e pelos contratos antigos das distribuidoras que foram substituídos por energia negociada em leilão de 2008, basicamente de térmicas. Substituiu-se, assim, contratos baratos do passado por outros mais caros. 
Adiciona-se a esse quadro geral do setor, o fato de os reservatórios chegarem ao fim de novembro deste ano - quando volta a chover - no nível mais baixo da história, deixando para 2015 o risco de racionamento. 
O modelo de exploração do petróleo do pré-sal, herança do governo Lula, ao substituir o regime de concessões pelo sistema de partilha - pelo qual a participação da Petrobras é de 30% em cada poço - criou um compromisso para a estatal incompatível com a política de preços determinada pelo governo federal. O Palácio do Planalto fez alguns ensaios de mudança na partilha que não vingaram. O futuro da Petrobras, hoje, é uma incógnita. A companhia, que chegou a ser cotada no mercado a R$ 472 bilhões em maio de 2008, hoje vale cerca de R$ 180 bilhões. 
Para os estudiosos da economia brasileira, porém, não basta só fazer de 2015 um ano de "ajustes" e de "transição" para melhores políticas fiscal, monetária e de preços, dentre outras. É preciso cuidar da política. Esgota-se o modelo do "presidencialismo de coalizão", calçado na aliança entre o governo e uma base aliada forjada em numerosos partidos fracos, pouco representativos, e sem um projeto coerente de política econômica.