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domingo, 6 de outubro de 2024

O autoritarismo custará caro ao México Editorial O Estado de S. Paulo

O autoritarismo custará caro ao México

O Estado de S. Paulo | Notas & Informações
06 de outubro de 2024

Ambições autocráticas de Obrador e seus acólitos, incluindo a nova presidente, estão destruindo não só as liberdades políticas dos mexicanos, mas suas oportunidades econômicas

P or 70 anos o México viveu sob o regime de um partido único, sem os contrapesos do Legislativo e do Judiciário. Nos anos 90, as pressões de uma sociedade civil complexa, educada e sedenta de pluralismo forçaram o Partido Revolucionário Institucional (PRI) a fazer concessões e reformas estabelecendo instituições eleitorais e judiciais independentes. Agora, o país caminha a passos largos para hipertrofiar o Executivo e concentrar poder no partido incumbente, o Movimento Regeneração Nacional (Morena), fundado por Andrés Manuel López Obrador (AMLO), que no dia 1.º encerrou seu mandato presidencial de seis anos, passando a faixa para sua pupila, Claudia Sheinbaum. Um partido único está sendo reinstaurado ? só que desta vez pode ser pior.

O PRI mutilou as liberdades políticas dos mexicanos e controlava as eleições, mas era disciplinado e construiu instituições e burocracias profissionais. A agenda do Morena vai na direção oposta.

AMLO sufocou o Instituto Nacional Eleitoral (INE) e manipulou as regras para favorecer seu partido. Nas eleições de junho, elegeu Sheinbaum com ampla margem. A coalizão de esquerda liderada pelo Morena obteve 54% das cadeiras na Câmara dos Deputados, mas um INE já aparelhado distorceu as regras de representação, concedendolhe 74% das cadeiras e uma supermaioria no Senado.

Em setembro, quando AMLO ainda era presidente e a nova legislatura assumiu, ele tentou aprovar 18 emendas constitucionais para, entre outras coisas, eliminar agências independentes, banir parcerias de estatais com a iniciativa privada, ampliar a ingerência das Forças Armadas na segurança pública, erguer barreiras a investimentos e ao comércio internacional e reduzir prerrogativas de partidos minoritários. O tempo não foi suficiente para aprovar o pacote, mas Sheinbaum promete encaminhá-lo, e a mais perniciosa das reformas, a do Judiciário, foi aprovada.

Em três anos, todos os magistrados e ministros da Suprema Corte serão removidos, e passarão a ser eleitos por voto popular. Os candidatos serão préselecionados pelo Executivo e o Legislativo, as exigências profissionais serão mínimas e um ?tribunal disciplinar? terá poderes para punir os indóceis. Além do poder oficial, o poder paralelo do narcotráfico terá amplas oportunidades de influenciar as escolhas através do dinheiro e da violência.

AMLO e seus acólitos replicam o manual de outros candidatos a déspotas, como Viktor Orbán, na Hungria. Nesses casos, a democracia não é derrubada à força de golpes e tanques na rua, mas por erosão intestina. O México mostra que essa destruição da democracia por meios democráticos não é prerrogativa de alguma região ou ideologia.

Pode acontecer na Europa ou América Latina, à esquerda ou à direita. Mas nenhum país é uma ilha, muito menos um país grande, mas em desenvolvimento, como o México, ou um país desenvolvido, mas pequeno, como a Hungria. O autoritarismo tem custos, e já se fazem sentir.

A União Europeia tem encontrado meios de neutralizar e isolar Orbán. As políticas de AMLO estão sangrando a economia mexicana. Seu governo teve as piores taxas de crescimento neste século: o Banco Central prevê 1,5% neste ano e 1,2% no próximo. O peso está em queda e o déficit está acima de 5%, o maior desde os anos 80. Agências de risco advertem para um aumento do prêmio, e a mídia e o governo dos EUA, país que tem US$ 144 bilhões investidos no México e recebe 80% de suas exportações, alertam que a reforma judicial não só mina a proteção de direitos humanos e o acesso imparcial à justiça, como inviabiliza os negócios. Outras reformas no pacote do Morena violam o acordo de livre comércio com EUA e Canadá, que expira em 2026 e precisa ser renegociado.

Uma parcela da população mexicana está revoltada. Se não for capaz de mobilizar seus conterrâneos e reverter a destruição do Estado Democrático de Direito em curso, seu país provará uma das mais amargas lições da História: que a combinação da concentração do poder político com a penúria econômica leva inexoravelmente ao recrudescimento da tirania ou à ruptura pela anarquia.

 

 

domingo, 4 de agosto de 2024

O comício de Lula em rede nacional -Editorial O Estado de S. Paulo

 O comício de Lula em rede nacional

O Estado de S. Paulo, 2/08/2024

 

Convocado a título de prestação de contas, o pronunciamento extemporâneo foi, na prática, um comício fora de hora e de lugar, num escandaloso uso da máquina pública para fins eleitorais

 

No domingo passado, o governo convocou de supetão uma rede nacional de rádio e TV para o presidente Lula da Silva. Um ingênuo poderia pensar que Lula, que se julga um estadista, talvez quisesse fazer algum comentário oficial sobre a vergonhosa eleição na Venezuela. Que nada. Lula apareceu nas TVs do País inteiro sem pedir licença para dizer que sua mãe lhe ensinou direitinho a não gastar mais do que ganha.

O extemporâneo pronunciamento, convocado a título de prestação de contas após um ano e meio de governo, foi, na prática, um comício fora de hora e de lugar, num escandaloso uso da máquina pública para fins eleitorais e partidários. É o velho Lula de sempre – mas a reiteração desse comportamento antirrepublicano por parte do chefão petista não o torna menos grave.

Em longos 7 minutos e 18 segundos, Lula da Silva praticou seu esporte preferido: apontar “heranças malditas” deixadas por governos anteriores. Disse que, ao final de seu segundo mandato, em 2010, deixou um país no caminho da prosperidade, sem desemprego, com inflação baixa e grande crescimento econômico. “De lá para cá, assistimos a uma enorme destruição no nosso país”, disse Lula. Na descrição do presidente – em cuja narrativa obviamente não se consideram nem os dois anos de recessão provocados pela inépcia de Dilma Rousseff nem a pandemia de covid-19 –, os governos não petistas que se seguiram ao impeachment de sua dileta criatura desmontaram programas sociais, tiraram verbas de saúde e educação, aumentaram os juros, deixaram a inflação disparar, empobreceram e endividaram famílias, “espalharam armas ao invés de empregos” e, máxima crueldade, “trouxeram a fome de volta”.

Como não se tratava de “assunto de relevante importância”, como manda o Decreto 84.181, de 1979, que regulamenta a convocação de rede nacional de rádio e TV, o pronunciamento de Lula não tinha nenhum compromisso com a verdade. Sentindo-se autorizado por sua condição de demiurgo, caprichou na mistificação.

Depois de relatar a suposta terra arrasada deixada por seus antecessores, Lula enumerou seus alegados feitos, como se estivesse no horário eleitoral. Sem dar qualquer contexto, como é típico das bravatas de palanque, falou como se antes dele não houvesse um país, e sim um inferno. Não citou os nomes nem do “genocida” Jair Bolsonaro nem do “golpista” Michel Temer, mas nem precisava. Estava claro que o presidente estava mais uma vez colocando os brasileiros diante de uma escolha crucial: o PT ou a barbárie. Com a volta do PT ao poder, declarou Lula, “o Brasil se reencontrou com a civilização”. Nada menos.

É evidente que se pode fazer todo tipo de crítica ao governo de Jair Bolsonaro, que lidou de maneira criminosa com a pandemia, ameaçou reiteradas vezes promover uma ruptura democrática, desmoralizou o Brasil no exterior e destratou jornalistas e opositores. Lula, como cidadão e presidente, tem todo o direito de fazer o pior juízo possível de Bolsonaro, mas o lugar para fazê-lo não é numa rede nacional de rádio e TV – que, além de não se prestar a isso, não permite o contraditório. Para quem festeja a “vitória da democracia”, como Lula fez questão de fazer logo no início de seu pronunciamento, trata-se de um comportamento bem pouco democrático.

No mais, é o caso de perguntar quais eram as motivações e os objetivos de Lula com seu comício em cadeia nacional. Ao reiterar seu compromisso com o equilíbrio das contas públicas – numa única frase em seus mais de sete minutos de discurso –, Lula apenas cumpriu tabela. Citou as lições de economia recebidas da mãe como prova de que fala sério, e mais não disse. Todo o resto do pronunciamento, em ano de eleições municipais nas quais Lula está pessoalmente empenhado, serviu para dar o roteiro do embate que ele pretende travar com Bolsonaro – e o uso vergonhoso da máquina pública para isso mostra até que ponto Lula está disposto a ir nessa guerra imaginária.


quinta-feira, 11 de julho de 2024

A irrelevância do Mercosul - Editorial (O Estado de S. Paulo)

 A irrelevância do Mercosul

O Estado de S. Paulo | Internacional
Editorial, 11 de julho de 2024

Em uma reunião de cúpula do Mercosul, cuja principal notícia é a ausência de um dos chefes de Estado, o argentino Javier Milei, retrata perfeitamente a insignificância do bloco sul-americano.

O acirramento de divergências ideológicas que colocam interesses políticos dos líderes de alguns dos sócios do Mercosul acima dos objetivos do bloco econômico deu a tônica de um encontro com declarações vazias e um documento final anódino. Diante de desafios maiores, perdeu todo o bloco.

Não é de hoje que o Mercosul falha em sua missão de colocar os países-membros Brasil, Argentina, Paraguai, Uruguai e agora Bolívia - em destaque no mercado global, o que, sem dúvida, atravanca o desenvolvimento regional. Criado há mais de 30 anos, o bloco deveria estimular o livre-comércio e defender a democracia. Mas, nos últimos tempos, chefes de Estado duelam por pautas estranhas aos objetivos de longo prazo do Mercosul para agitar suas militâncias internas.

Prova mais recente disso é que Milei preferiu viajar a Balneário Camboriú (SC) para participar de um convescote da extrema direita ao lado do ex-presidente Jair Bolsonaro, que quando era presidente também faltou à cúpula do Mercosul por pura picuinha. Estivesse à altura do cargo que ocupa, o argentino teria apresentado as suas propostas aos seus pares. Coube à sua chanceler, Diana Mondino, pedir reformas para que o bloco deixe de ser 'pequeno, medroso, protecionista e estagnado' e se torne mais 'voraz'. Está certíssima.

Milei perdeu, ainda, a chance de se alinhar ao presidente uruguaio, Luis Alberto Lacalle Pou, na defesa de negociações bilaterais entre integrantes do Mercosul com outros blocos ou países. Antes isolado na empreitada, o Uruguai pede a revisão das regras do bloco para que venha a firmar acordos comerciais com a China. O posicionamento de Brasil e Argentina sempre tem peso, haja vista que se trata dos dois maiores países do bloco.

Resistente a qualquer proposta de Milei, o presidente Lula da Silva afirmou, por sua vez, que os países devem resolver suas diferenças 'dentro do bloco, e não fora dele'. O que o petista rejeita mesmo é um 'choque de adrenalina' no Mercosul, como o defendido por Mondino, com revisão do orçamento, das tomadas de decisão e da dinâmica interna. O petista tachou a ideia de 'pseudorreforma' que 'afasta o Mercosul de suas bases sociais'.

Em que pesem os nós do Mercosul, o petista, mais uma vez, apequenou o debate com manifestações calculadas apenas para atiçar a polarização com o desafeto argentino. Em discursos, Lula da Silva criticou o 'ultraliberalismo' e o 'nacionalismo arcaico', como se sua saga pelo desenvolvimentismo não representasse a perseverança no atraso.

No que realmente importa, como o destravamento do acordo comercial Mercosul-União Europeia, parado há mais de 20 anos, o petista não admitiu o fracasso da suposta liderança que chamou para si. Enquanto isso, por esforços diplomáticos, o bloco vai buscando acordos pouco relevantes com países do Oriente Médio, América Central e Ásia. Entre discursos e comunicados, restaram contradições e muito diversionismo, o que só explicitou a irrelevância do Mercosul.

quinta-feira, 27 de fevereiro de 2020

Editorial do Estadao: "Bolsonaro e os golpistas" (e???!; ele é um dos...)

O presidente e os golpistas

Não se pode dizer que surpreende a nova estocada do bolsonarismo contra o Congresso

Editorial O Estado de S. Paulo, 27/02/2020


O presidente Jair Bolsonaro precisa esclarecer, sem meios termos, que não apoia a convocação de uma manifestação em sua defesa e contra o Congresso Nacional, feita por seus apoiadores. Os cidadãos são livres para se manifestar contra quem bem entenderem, mas um presidente da República não é um cidadão comum e não pode permitir que seu nome seja usado para alimentar um protesto contra os demais Poderes constituídos. Se aceitar essa associação, ou, pior, se incentivá-la mesmo indiretamente, Bolsonaro estará corroborando as violentas críticas que esses apoiadores, em claro movimento golpista, estão fazendo contra o Congresso, tratado nas redes sociais bolsonaristas como “inimigo do Brasil”.
Ao distribuir a seus contatos no WhatsApp uma das virulentas peças de propaganda da manifestação convocada para o próximo dia 15 de março, o presidente ajudou a disseminar a mensagem, o que equivale a chancelá-la. Bolsonaro disse que apenas distribuiu a mensagem a “algumas dezenas de amigos, de forma reservada”, como se o caso pudesse ser resumido a uma comunicação de caráter pessoal. Mas tudo o que diz um presidente da República, em razão de sua proeminência política, tem enorme poder de influenciar os rumos do País, razão pela qual seu apoio tácito a um protesto contra o Congresso, mesmo que manifestado apenas a um punhado de simpatizantes, configura óbvio abuso de poder, pois incita ilegítima pressão popular sobre o Legislativo.
Não se pode dizer que surpreende a nova estocada do bolsonarismo contra o Congresso, com a anuência do presidente da República. “Eu respeito as instituições, mas eu devo lealdade apenas a vocês, povo brasileiro”, discursou Bolsonaro em agosto do ano passado. “Povo brasileiro”, parece claro, é o nome que Bolsonaro dá a seus seguidores – que, segundo o próprio presidente, são “35 milhões em minhas mídias sociais”. É a estes que Bolsonaro jura lealdade, embora tenha sido eleito para governar a Nação dentro das normas democráticas.
O menosprezo de Bolsonaro pelo Congresso – onde esteve por quase três décadas como deputado – foi reafirmado diversas vezes na campanha eleitoral e depois de sua posse como presidente. Em maio de 2019, distribuiu pelo WhatsApp um texto de teor golpista, segundo o qual o País é “ingovernável” sem os “conchavos” políticos, em alusão à necessidade de negociação com o Congresso, e que, sendo assim, “o presidente não serve para nada”. Na ocasião, Bolsonaro disse que contava “com a sociedade” para “juntos revertermos essa situação” – um óbvio apelo direto ao “povo” contra as instituições.
Assim, o presidente parece procurar construir um regime populista de inspiração militar, bem ao gosto dos saudosos da ditadura e que faz lembrar o governo do general Velasco Alvarado no Peru (1968-75), que hostilizava os partidos por considerá-los parte do sistema oligárquico que dizia combater em nome do “povo”. Anos depois do fracasso da experiência peruana, o coronel Hugo Chávez implantou na Venezuela uma versão do “populismo militar” cujos resultados estão à mostra. Esse não é um modelo a ser imitado.
Ante a escalada bolsonarista, autoridades dos demais Poderes reagiram. O presidente da Câmara, Rodrigo Maia, retratado como um porco em uma das mensagens a respeito da manifestação do dia 15, disse que cabe às autoridades “dar o exemplo de respeito às instituições e à ordem constitucional”. O ministro do Supremo Tribunal Federal Gilmar Mendes afirmou que “a harmonia e o respeito mútuo entre os Poderes são pilares do Estado de Direito, independentemente dos governantes de hoje ou de amanhã”.
Fazem bem o Congresso e o Supremo em se manifestar de modo sereno, mas firme, sobre o comportamento do presidente e de seus seguidores. Também fez bem o general Carlos Alberto dos Santos Cruz, ex-ministro de Bolsonaro, que criticou o uso de fotografias de militares na convocação dos protestos contra o Congresso, que ele qualificou de tentativa “grotesca” de confundir o Exército com o golpismo bolsonarista. A despeito disso, é muito provável que os bolsonaristas continuem a testar os limites da democracia – e portanto cabe às instituições impedir que eles consigam ir além das bravatas.

sábado, 28 de dezembro de 2019

O fracasso da Bolsodiplomacia - Editorial Estadão

Só não vê isto quem NÃO QUER ver. Nem é questão de ter ou de não ter votado no Bolsonaro, é sobre o que acontece agora. Fico pasma com a IGNORÂNCIA de alguns que nada ganham em defender este tipo de gente e que, no entanto, os defendem. Felizmente vejo que muitos já se deram conta da realidade!
Compartilho do Paulo Roberto de Almeida que entende do assunto e que cito: "O Editorial do Estadão sobre a diplomacia fracassada do governo Bolsonaro seria devastador para qualquer chefe de Estado, que buscaria se corrigir em face de críticas contundentes. Mas não Bolsonaro, que só recua em face de resistências bem fortes (dos militares, dos capitalistas do agronegócio), não por novas convicções retiradas da experiência. Mas o editorial se esquece de mencionar os péssimos conselheiros presidenciais em assuntos internacionais, a começar por aquele guru destrambelhado e escatológico que vive fora do país. Esses também são responsáveis pelos desastrosos não resultados de uma diplomacia sem direção e sem objetivos claros."
Carmen Lícia Palazzo

Diplomacia da camaradagem
Notas & Informações, O Estado de S.Paulo
26 de dezembro de 2019 | 03h00

Quase todas as decisões adotadas pelo presidente Jair Bolsonaro na condução da política externa deram em nada ou impuseram severos prejuízos, sejam os de ordem econômica, sejam os danos à imagem do Brasil no exterior.

O fiasco da diplomacia brasileira observado neste ano era totalmente previsível porque o presidente da República erra no básico e não emite qualquer sinal de que está disposto a aprender com seus erros. Jair Bolsonaro crê que a relação entre as nações se estabelece por meio da afinidade pessoal e ideológica entre chefes de Estado, e não pela concertação dos interesses em jogo em uma complexa trama comercial e geopolítica. Ou seja, o presidente Bolsonaro trata o que é um mero facilitador na aproximação entre lideranças internacionais como princípio orientador de suas ações.

A opção pelo alinhamento praticamente automático ao presidente norte-americano, Donald Trump, parece ser a linha mestra da política externa do governo Bolsonaro. Na visão do presidente, isso implicaria resultados que nenhum outro governo antes dele conseguiu produzir, como o ingresso do Brasil na Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) e a abertura do comércio entre os dois países. De fato, Donald Trump apoiou a entrada do Brasil no chamado “clube dos ricos”, mas tratou-se de um apoio vago, sem a definição de prazo ou condições para que o pleito do País fosse de fato analisado. Na verdade, Trump optou por dar preferência aos interesses argentinos no âmbito da OCDE, em detrimento dos brasileiros.

Quanto ao comércio entre Brasil e Estados Unidos, a “proximidade” que haveria entre Bolsonaro e seu contraparte norte-americano também não parece estar ajudando. A carne bovina brasileira continua sob embargo e, em novo revés imposto ao País, Donald Trump decidiu retomar a aplicação de tarifas sobre o aço e o alumínio provenientes do Brasil e da Argentina, sob a alegação de que os dois países estariam praticando uma “deliberada desvalorização de suas moedas a fim de prejudicar as empresas e os trabalhadores dos Estados Unidos”. Sem atinar para a dimensão do problema, Jair Bolsonaro está disposto a resolver a crise com um telefonema. “Se for o caso, falo com Trump, tenho canal aberto”, disse o presidente.

Bolsonaro também tem trabalhado duro para minar a posição de liderança do Brasil na América Latina. Evidente que as dimensões do País, de sua população e a pujança da economia brasileira são os fatores que pesam, e muito, na relação com os vizinhos. Mas o País teria muito mais a ganhar caso Jair Bolsonaro pusesse os interesses do Estado acima de suas predileções. Na Argentina, por exemplo, o presidente brasileiro manifestou apoio à reeleição de Mauricio Macri, que foi derrotado pelo peronista Alberto Fernández. A relação entre Bolsonaro e Fernández já começou estremecida, a bem da verdade por erros que foram cometidos em ambos os lados da fronteira.

No Uruguai, o presidente Jair Bolsonaro apostou na vitória de Luiz Lacalle Pou, que saiu vitorioso do pleito, mas não sem antes recusar o apoio do presidente brasileiro, tido como “tóxico” em razão de suas posições extremadas.

O ano diplomático também foi marcado pelo amplo apoio dado pelo presidente Jair Bolsonaro à recondução do primeiro-ministro israelense Binyamin Netanyahu, outro líder internacional de quem o presidente brasileiro se julga próximo. Jair Bolsonaro chegou a prometer a mudança do local da embaixada do Brasil em Israel, de Tel-Aviv para Jerusalém, o que traria sérios abalos na relação comercial entre o País e as nações árabes.

A nota positiva na condução da diplomacia brasileira neste ano foi a recente mudança da visão do presidente Bolsonaro em relação à China, cedendo ao pragmatismo. Já não era sem tempo o despertar, dada a vibrante relação comercial com nosso principal parceiro.

A afinidade pessoal entre chefes de Estado ajuda muito na fluidez das relações entre as nações. Entretanto, este jamais deve ser o fio condutor da política externa de um país. Os riscos de uma “diplomacia da camaradagem” são muito maiores do que os eventuais benefícios que a proximidade entre os líderes, seja real ou imaginária, pode trazer.