Grato, uma vez mais, a Walmyr Buzatto, pela transcrição:
“O artigo de opinião do Estadão de hoje complementa bem o que comentei em postagem anterior, sobre um artigo no mesmo jornal, de um professor de linguística da Universidade de Colúmbia, sobre Trump. Meu comentário se referia ao foco de Lula no palanque e os olhos sempre voltados à próxima eleição. Nada de novo.” (WB)
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A propaganda eleitoral de Lula no ‘NYT’
O Estado de S. Paulo, 16 de set. de 2025
Em artigo no ‘NYT’, Lula reafirma princípios, mas evita soluções no entrevero com Trump. Reforçando barricadas ao invés de construir pontes, mira na eleição em prejuízo do interesse nacional
O artigo do presidente Lula da Silva no jornal The New York Times endereçado ao presidente dos EUA, Donald Trump, oferece mais um retrato da subversão da diplomacia de Estado pela estratégia eleitoral. Adornado por apelos ao “diálogo franco” e à “cooperação entre grandes nações”, ele funciona na prática como peça de propaganda política: reafirma princípios óbvios e limites intransponíveis, mas não sugere um único terreno concreto de negociação. Longe de abrir canais, tranca-os.
Não se discute a validade de vários pontos levantados. A independência dos Poderes nacionais – a começar pelo Judiciário – é inegociável. É verdade que os EUA acumulam superávit comercial com o Brasil, o que enfraquece a lógica econômica de tarifas punitivas, ou que instrumentos como o Pix servem à inclusão financeira, não à concorrência desleal. Mas tudo isso já foi enfatizado em comunicados oficiais, entrevistas e discursos. O que caberia agora seria oferecer pistas de solução – entendimentos setoriais, iniciativas conjuntas, formatos de cooperação. Lula optou pelo contrário: enumerou apenas cláusulas pétreas, endurecendo ainda mais as posições.
A escolha do momento revela muito. O artigo saiu dois dias após a condenação de Jair Bolsonaro – transformando uma decisão judicial em combustível para a retórica confrontacional – e a poucos dias da Assembleia-Geral da ONU em Nova York – ocasião que poderia ser usada para estimular contatos de alto nível com os americanos. Um estadista disposto a reduzir tensões teria guardado munição para a mesa de negociações; Lula preferiu gastar palavras na vitrine internacional, reforçar barricadas e dinamitar pontes, ao invés de atravessá-las.
Desde antes da escalada tarifária, o Planalto evitou buscar uma conversa direta e produtiva com Trump. Agora, manipula a crise para inflamar discursos sobre “soberania” e “resistência”. É uma escolha calculada: quanto maior a animosidade com Washington, mais fácil para o governo se vitimar e se retratar como salvador da Pátria. Nessa lógica, empresários brasileiros que lutam para preservar contratos e mercados tornam-se figurantes abandonados à própria sorte por sua diplomacia.
A carta ainda trouxe um elemento que seria cômico, não fosse trágico: o elogio às investidas intervencionistas de Trump, como uma prova, segundo Lula, de que o Brasil (leia-se, o lulopetismo) foi “vingado” ao rejeitar o chamado Consenso de Washington, proposto por instituições multilaterais como o Fundo Monetário Internacional (FMI) ou o Banco Mundial nos anos 1980: disciplina fiscal e monetária, abertura comercial, privatizações e desregulação. Mas enquanto países que investiram nesse receituário – como Coreia, Chile ou México – avançaram, nós ficamos para trás. O Brasil segue sendo uma das economias mais fechadas do G-20, e o resultado está aí: estagnação da produtividade, preços elevados e exclusão das cadeias globais de valor. Se o governo americano insistir com essas práticas, colherá os mesmos frutos – queda de dinamismo e perda de credibilidade. Os improvisos estatistas de Trump não confirmam nossas virtudes, e sim repetem nossos vícios – e quem sairá vingada, como sempre, é a realidade.
A crise atual tem múltiplos culpados. Trump manipula tarifas e sanções para favorecer um aliado e intimidar instituições brasileiras. O clã Bolsonaro, por sua vez, alimenta essa chantagem em busca de ganhos pessoais. Mas nada disso justifica a má-fé e a má vontade diplomáticas de Lula. Cabe a um chefe de Estado defender interesses permanentes da Nação, não acirrar crises para acumular dividendos eleitorais. O governo poderia propor fóruns técnicos sobre regulação digital, intensificar esforços de lobby em Washington ou sinalizar cooperação em áreas de interesse mútuo. Ao invés disso, prefere multiplicar gestos de confronto retórico.
O Brasil precisa de diplomacia ativa e inteligente, não de provocações em jornais estrangeiros; precisa de portas abertas, não de “cartas abertas”. Mas enquanto Trump joga para sua base e Bolsonaro para a sua sobrevivência pessoal, Lula joga para a plateia doméstica. Todos saem ganhando, menos o Brasil. •
