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Este blog trata basicamente de ideias, se possível inteligentes, para pessoas inteligentes. Ele também se ocupa de ideias aplicadas à política, em especial à política econômica. Ele constitui uma tentativa de manter um pensamento crítico e independente sobre livros, sobre questões culturais em geral, focando numa discussão bem informada sobre temas de relações internacionais e de política externa do Brasil. Para meus livros e ensaios ver o website: www.pralmeida.org. Para a maior parte de meus textos, ver minha página na plataforma Academia.edu, link: https://itamaraty.academia.edu/PauloRobertodeAlmeida.

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quinta-feira, 19 de janeiro de 2017

Dia quase normal na terceira etapa na Argentina: paradas muito precárias - PRAlmeida, Carmen Lícia Palazzo

Dia quase normal de viagem na Argentina, nesta quinta-feira, véspera da posse do maior idiota a começar seu reino demencial na maior potência do planeta, depois daqueles imperadores loucos que destruiram o Império Romano.
Digo quase normal, pois o trajeto, sem maiores problemas de estrada, carece quase totalmente de boas paradas. Aliás, eu diria que carece TOTALMENTE de boas paradas. Mesmo se quiséssemos fazer um almoco decente, não havia exatamente onde. Paradores ou comedores muito precários ao longo da estrada, coisa de Brasil anos 1950 ou 60.
Amanhã vamos passear na cidade, que conheci como jovem mochilero, aos 18 anos, viajando de boléia de caminhão, como se dizia antigamente. Naquela oportunidade, achei a Argentina um país desenvolvido, isso antes de o Brasil enveredar pela sua fase de alto crescimento e muita transformação modernizante. A Argentina parece realmente ter parado no tempo, se não fossem essas modernidades superficiais tipo celular e internet.
Aliás, as razões do atraso -- que é sobretudo mental, antes que material -- da Argentina e do Brasil são relativamente similares: políticos medíocres, militares nacionalisteiros, instintos protecionistas de industriais cevados nos subsídios estatais, classe média focada em empregos públicos, burocracia mandarinesca inteiramente concentrada em defender, criar e ampliar privilégios que recaem sobre a população pagadora, e com tudo isso, eleitores mal informados votando pelo populismo econômico e pela demagogia política.
Não poderia dar certo, como não deu, até agora.
As pessoas em geral, quero dizer, aquelas que não viajam muito para fora, ou que quando viajam fazem questão de não largar o arroz com feijão e batata frita, onde quer que estejam, essas pessoas não têm consciência de como o Brasil é atrasado (e a Argentina até um pouco mais, a despeito de serem mais dolarizados do que os brasileiros).
As pessoas não têm consciência de que vivem sob o domínio de Estados fascistas, sem qualquer liberdade para exercer normalmente atividades econômicas que deveriam ser livres, as pessoas vivem naquele mundinho medíocre da televisão aberta, nos horríveis programas de auditório que embrutecem, além de emburrecer continuamente.
Lamento dizer disso, mas é o que percebo, vindo de todos os insumos que recebo, que vejo, que escuto, todos os dias.
Nosso mundinho é medíocre, com políticos ultra-medíocres, burocratas não tão medíocres, mas submetidos a dirigentes medíocres, que continuam estimulando comportamentos bregas, kitsch, vulgares, em todas as esferas tocadas pelos seus discursos nefastos.
Acho que Brasil e Argentina vão continuar a se arrastar penosamente na mediocridade do crescimento, em direção a uma modernidade muito distante no tempo.
Infelizmente.
Paulo Roberto de Almeida
Córdoba, 19 de janeiro de 2017

terça-feira, 17 de janeiro de 2017

Los Argentinos: irrecuperaveis chauvinistas: de Puerto Iguazu a Paso de los Libres - PRAlmeida e CLPalazzo

Mais uma etapa de uma viagem de redescobrimento: percorrendo um longo, mas agradável trajeto entre a famosa tríplice fronteira e uma fronteira bilateral do rio Uruguai, nos deparamos com diversos exemplos da famosa piada sobre o melhor negócio do mundo, que seria, segundo alguns maldosos, comprar um argentino pelo seu valor real de mercado e vendê-lo pelo preço que eles acreditam valer...
Enfim, começamos a segunda-feira saindo de Foz de Iguaçu pela ponte Tancredo Neves, com uma parada no Free Shop argentino da fronteira para comprar um GPS com memória dos mapas do Mercosul, e seguimos pela Ruta Nacional 12, por algumas horas, sob barro e sob chuva, com alguns controles da Gendarmeria pelo caminho.
Paramos, premidos pela fome, no restaurante do Tio Otto, que tinha uma parede absolutamente repleta de latas de cerveja de todos os lugares do mundo, mas proclamando solenemente que a melhor cerveja do mundo era a artesanal de Puerto Rico.
Nunca soubemos que esse "associated state" do Império fabricava a melhor cerveja do mundo, até que descobrimos que o povoado no qual estávamos se chamava, justamente, Puerto Rico, no meio do caminho entre Iguazu e Posadas, no mapa do Google aqui reproduzido:

Assim fomos, numa velocidade compatível com nossa vontade de chegar logo em algum lugar, sem um planejamento prévio quanto a isso. Aliás, o plano era viajar via Corrientes, mas desistimos logo de partida, preferindo seguir encostado no Brasil.
A escolha foi então a de entrar novamente no Brasil para dormir em Uruguaiana, para algumas últimas providências bancárias e outras, do lado brasileiro, antes de penetrar nas terras incógnitas do neoliberalismo macriano.
Depois de desistirmos de atravessar na altura de Santo Tomé-São Borja, caminho que já tinhamos feito em 2009, decidimos fazer o caminho de Itaqui, a primeira e única República Soviética do Brasil.
Sim, pouca gente sabe que naquela tresloucada aventura de 1935 -- mais conhecida como Intentona Comunista, mal dirigida pelo inepto ex-"Cavaleiro da Esperança", o comandante positivista, pessimamente educado no marxismo, Luiz Carlos Prestes (e mais mal orientado ainda pelos ignorantes da III Internacional, o Komintern) --, um punhado de bravos comunistas da cidadezinha de Itaqui, nas barrancas do rio Uruguai, cumpriu rigorosamente as ordens do Comitê Central do Partido Comunista do Brasil (sim, o velho Partidão), e tomou o poder na prefeitura local. Não me lembro agora quantas horas durou esse "poder soviético", mas deve ter sido desbaratado sem muito esforço.
Infelizmente, quando chegamos a Alvear, a última balsa para Itaqui já tinha partido, assim que tivemos de continuar pelo lado argentino até Paso de los Libres, antes de atravessar a fronteira novamente e entrar em Uruguaiana.
No caminho, inevitáveis provas de que os argentinos são os melhores do mundo, e não apenas em matéria de futebol ou Vaticano, mas nessas coisas de produzir o que de melhor existe no mundo, em qualquer área ou setor.
Entre Misiones e Corrientes, inúmeros cartazes de estrada, separados, uns dizendo "Podrán imitarnos", e mais adiante, "Pero igualarnos jamás", ou algo do gênero.

Esta foto, de um caminhão de combustível proclamando o orgulho de ser argentino, confirma o chauvinismo, que deve servir para alguma coisa: compensar as perdas das últimas oito décadas talvez. Mais de um psicanalista argentino (a Argentina possui mais ou menos a metade de todos os psicanalistas de todo o mundo) já analisou esse estranho sentimento de ser argentino, com milhares de livros vendidos a esse respeito, como este aqui, por exemplo:

El atroz encanto de ser argentinos | Marcos Aguinis

Mas vamos descobrir mais a partir de amanhã...
Paulo Roberto de Almeida
com Carmen Lícia Palazzo

segunda-feira, 16 de fevereiro de 2015

Literatura de viagem - Henri Peyre (Encylopedia Britannica)


Travel and epistolary literature

Henri M. Peyre 

Encyclopedia Britannica

The literature of travel has declined in quality in the age when travel has become most common—the present. In this nonfictional prose form, the traveller himself has always counted for more than the places he visited, and in the past, he tended to be an adventurer or a connoisseur of art, of landscapes, or of strange customs who was also, occasionally, a writer of merit. The few travel books by ancient Greek geographers, such as Strabo and Pausanias of the 1st and 2nd centuries ad, are valuable as a storehouse of remarks on ancient people, places, and creeds. Travel writing of some literary significance appears in the late-13th-century writings of Marco Polo. Works of a similar vein appeared in the 17th century in the observations of Persia two French Huguenots, Jean-Baptiste Tavernier and Jean Chardin, whose writings were lauded by Goethe. Many books of documentary value were later written by English gentlemen on their grand tour of the Continent. The 18th-century Italian egotist Casanova and his more reliable and sharper compatriot Giuseppe Baretti (1719–89) also produced significant travel writings.
The form comprises many of the finest writings in prose during the Romantic age. Not only were the Romantics more alive to picturesqueness and quaintness but also they were in love with nature. They were eager to study local colours and climates and to depict them in the settings for their imaginative stories. Also, travel gave the Romantic writer the illusion of flight from his wearied self. The leisurely record of Goethe’s journey to Italy in 1786–88 counts more readers than most of his novels.Pismo russkogu puteshestvennika (1791–92; Eng. trans., Letters of a Russian Traveler, 1789–1790, 1957) by Nikolay Karamzin is one of the earliest documents in the development of Russian Romanticism. Ivan Goncharov (1812–91), the Russian novelist who stubbornly limited his fiction to his own geographical province, recorded in Frigate Pallas his experience of a tour around the world. Nowhere else in the whole range of literature is there anything comparable to Peterburg (1913–14), by a virtuoso of poetic style, Andrey Bely; it is a travel fantasy within a city that is both real and transfigured into a myth. Neither James Joyce’s Dublin nor Balzac’s Paris is as vividly recreated as the former Russian capital in Bely’s book. Other travel writers of note include the multinational Lafcadio Hearn (1850–1904), who interpreted Japan with sensitivity and insight. Earlier, two other Westerners wrote on Asia, the English historian Alexander W. Kinglake (1809–91), in Eothen (1844), and, more incisively, the French diplomat Joseph-Arthur, comte de Gobineau (1816–82); both blended a sense of the picturesqueness of the East with shrewdness in the interpretation of the people. One of the most thoughtful and, in spite of the author’s excessive self-assurance, most profound books on Asia is Das Reisetagebuch eines Philosophen (1919; Travel Diary of a Philosopher), by the German thinker Hermann Keyserling (1880–1946). With an insatiable interest in countries, Keyserling also interpreted the soul of South America and, less perceptively, analyzed the whole spectrum of European nations. Among the thousands of travel books on Italy, there are a few masterpieces of rapturous or humorous prose: in English, the writings ofD.H. Lawrence on Sardinia, on Etruscan Italy, and on the Italian character are more lucid and less strained than other of his prose cogitations. Venice, “man’s most beautiful artifact,” as Bernard Berenson called it, inspired Rousseau, Chateaubriand, Maurice Barrès, Anatole France, and hundreds of other Frenchmen to write some of their finest pages of prose. After World War I, there was a distinct yearning for new possibilities of salvation among war-ridden Europeans, dimly descried in Asia, in Russia, or in America, and travel literature assumed a metaphysical and semireligious significance. The mood of the writers who expressed this urge was somewhat Byronic; they were expert at poetizing the flight from their own selves.Blaise Cendrars (1887–1961) in his novel Emmène-moi au bout du monde (1956; “Take Me Away to the End of the World”), epitomizes the urge to seek adventures and a rediscovery of oneself through strange travels. The very theme of travel, of the protagonist being but a traveller on this earth, has been, from Homer’s Odysseyonward, one of the most laden with magical, and symbolical, associations in literature. Countless authors have played moving and delicate variations on it.
Of all the branches of nonfictional prose, none is less amenable to critical definition and categorization than letter writing. The instructions of the ancient grammarians, which were repeated a thousand times afterward in manuals purporting to teach how to write a letter, can be reduced to a few very general platitudes: be natural and appear spontaneous but not garrulous and verbose; avoid dryness and declamatory pomp; appear neither unconcerned nor effusive; express emotion without lapsing into sentimentality; avoid pedantry on the one hand and banter and levity on the other. Letters vary too much in content, however, for generalizations to be valid to all types. What is moving in a love letter might sound indiscreet in a letter of friendship; an analysis of the self may fascinate some readers, while others prefer anecdotes and scandal. La Bruyère, at the end of the 17th century, remarked that women succeed better than men in the epistolary form. It has also been claimed that a feminine sensibility can be seen in the letters of the most highly acclaimed male masters of this form, such as Voltaire, Mirabeau, Keats, and Baudelaire. Advice to practitioners of the art of letter writing usually can be expressed in the often-quoted line in Shakespeare’s Hamlet: “To thine own self be true.” The English biographerLytton Strachey (1880–1932), a copious and versatile letter writer himself, wrote: “No good letter was ever written to convey information, or to please its recipient: it may achieve both those results incidentally; but its fundamental purpose is to express the personality of the writer.” There are, however, numerous and even contradictory ways of expressing that personality.
Although critics have issued endless disquisitions on the craft of fiction and other genres, they have generally remained silent on the epistolary genre, though it has sometimes been the form of prose that outlives all others. Ever since the expression of the writer’s personality became one of the implicit purposes of writing in the 18th century, the letters of such eminent authors as Diderot, Rousseau, Byron, and Flaubert have probably offered at least as much delight as any of their other writings. Impressive monuments of scholarship have been erected on the presentation of the complete letters of Thackeray, George Eliot, Swinburne, and Henry James. The literatures of France and England are notably richer in letter writing of the highest order than are the literatures of the United States and Germany. Contrary to many pessimistic predictions regarding the effect on letter writing of modern means of communication, such as the telephone, together with an apparently increasing penchant for haste, some of the richest, most revealing, and most thoughtful letters of all times were written in the 20th century; those of the English writers Katherine Mansfield and D.H. Lawrence are paramount among them.