O Estado de S.Paulo, 11 de fevereiro de 2013
Celso Ming
Enquanto a indústria brasileira amargou, em 2012, queda de 2,7% em sua produção e, há anos, sofre forte esvaziamento (desindustrialização), o agronegócio, com algumas avarias em alguns dos seus subsetores, exibe pujança.
A nova projeção para o ano, divulgada quinta-feira pelo Instituo Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), aponta para a produção de 183 milhões de toneladas de grãos, 13,1% maior do que a anterior. Os números da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), levantados com metodologia diferente, são igualmente otimistas: colheita de 185 milhões de toneladas de grãos, neste período 2012/2013 – 11,3% a mais do que na safra 2011/2012.
Condições climáticas e preço bom são os dois principais fatores que mais colaboram para esse sucesso praticamente assegurado. Mas também tem a ver com ele a maior disponibilidade de crédito a juros mais baixos. A carteira total destinada a essa área até junho é de R$ 133 bilhões, 26% acima das disponibilidades na safra anterior.
O problema é a infraestrutura. Faltam condições de armazenamento e de transporte. O analista Paulo Molinari, da consultoria Safras & Mercado, vê grande descompasso entre os ritmos de produção e o de investimento nas últimas décadas: “Produzimos como uma China e investimos como um Paraguai”. Para ele, a disparada dos custos para o produtor come boa parte do retorno proporcionado pelo aumento de produção e pelos bons preços.
Para acolher toda a safra estimada, faltam R$ 10 bilhões em investimentos em aumento de capacidade de armazenamento. O ideal é que o setor possa estocar até 120% da produção. No entanto, neste ano, conta com só 75%. Perto de 45 milhões de toneladas de grãos não têm onde ser guardadas. Ou ficará dias e mais dias sob a lona dos caminhões, o que implica custos adicionais, ou ficará em abrigos improvisados, sujeitos a perdas de todo tipo.
A falta de armazéns nas zonas de produção criou novos gargalos, desta vez nos portos. Molinari calcula que, hoje, mais de 60 navios graneleiros estão parados apenas no Porto de Paranaguá (PR), dada a falta dos chamados “pulmões” para estocagem. Cada navio parado custa mais de US$ 40 mil por dia, ou seja, somente aí as perdas diárias sobem a US$ 2,5 milhões.
Daniel Latorraca, gestor do Instituto Mato Grossense de Economia Agropecuária está otimista: “A redução dos juros básicos para 7,25% ao ano e o maior acesso ao crédito devem levar o produtor a construir mais armazéns”. E André Debastiani, sócio da Agroconsult, concorda: “O faturamento dos últimos anos, enfim, pode garantir esse salto de qualidade”.
Mas há um pedaço enorme do problema que não pode ser resolvido pelo agricultor. Faltam estradas em boas condições e ferrovias para escoar a safra. Os custos com transporte não param de subir. A saca de milho de 60 quilos, por exemplo, só tem comprador por R$ 14 no Mato Grosso. Mas apenas o frete por caminhão ao Porto de Santos sai por R$ 17. Ou seja, cabe ao governo prover melhores condições de transporte.
O segmento mais próspero da economia brasileira não pesa mais do que 5% no PIB. Por isso, seus recordes terão pouco impacto na renda total. / COLABOROU GUSTAVO SANTOS FERREIRA
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Boa safra, grandes problemas
Se as projeções se confirmarem, as condições de abastecimento interno continuarão favoráveis, com benefícios para o consumidor, e o País manterá uma posição destacada no mercado internacional de produtos agrícolas. Mas produtores, processadores e exportadores terão de enfrentar, como sempre, condições logísticas muito ruins. Pelas contas do governo, os armazéns públicos e privados têm capacidade para receber até 145 milhões de toneladas de grãos. Mas o problema é certamente maior que o indicado por esse número, porque faltam armazéns adequados para as duas maiores culturas - soja, com produção prevista de 83,4 milhões de toneladas, e milho, com colheita estimada em 35,1 milhões na primeira safra e 40,9 milhões na segunda. A insuficiência e a distribuição inadequada de armazéns já encarecem o produto, porque forçam o transporte em longas distâncias, entre a zona produtora e as instalações de estocagem.
O segundo grande problema é o das vias de transporte interno. Rodovias são muito mais importantes para o agronegócio no Brasil do que nos Estados Unidos e em vários outros países produtores, onde o uso de ferrovias e hidrovias é mais comum. Só isso bastaria para deixar os brasileiros em séria desvantagem. Mas, além disso, há os problemas de conservação e de qualidade das estradas no Brasil.
A esses problemas é preciso acrescentar a dificuldade de acesso aos portos. Pesquisa recente da Confederação Nacional dos Transportes (CNT) chamou a atenção para o problema. Segundo 73,1% dos agentes de transporte marítimo entrevistados, o acesso terrestre deficiente é um obstáculo grave ou muito grave ao exercício de sua atividade. Os acessos rodoviários foram descritos como inadequados por 61,3%, por causa de fatores como a travessia de área urbana, congestionamento de veículos de carga e falta de segurança, entre outros. Os acessos ferroviários foram classificados como ruins por 29,3% dos profissionais ouvidos na pesquisa, por deficiência de infraestrutura para embarque e desembarque de carga, mau estado de conservação das áreas de entrada e ainda travessia de área urbana. Além disso, faltam silos nas zonas portuárias. Os próprios portos, como têm indicado outros levantamentos, ainda apresentam deficiências importantes em seu funcionamento.
Os problemas de capacidade e de operação dos portos são conhecidos e discutidos há muito tempo. O governo pelo menos se dispõe a adotar novas políticas de estímulo a investimentos em terminais. Os critérios oficiais têm sido criticados por diferentes grupos de interesses. Isso inclui tanto empresários quanto sindicalistas.
O governo ainda terá de enfrentar dificuldades políticas para conseguir os novos investimentos e precisa agir com urgência. Deficiências logísticas são problemas bem conhecidos e agravam-se ano a ano, encarecendo as mercadorias e tornando o País menos competitivo. Não adianta muito ganhar produtividade no interior da fazenda ou dentro dos muros da fábrica, se faltam condições para movimentar a produção.