Quem quer parar as universidades federais?
ANA BEATRIZ DE OLIVEIRA / DÁCIO MATHEUS / NELSON SASS / SILMÁRIO BATISTA DOS SANTOS - FOLHA DE SÃO PAULO – 19/05/2021 – SÃO PAULO, SP
Com os cortes, será impossível honrar até gastos básicos, como luz e limpeza
Apenas no estado de São Paulo, universidades e institutos federais são responsáveis pela formação de mais de 100 mil estudantes —desde a educação básica até a pós-graduação. Na pandemia, cerca de 700 atividades de pesquisa e ações comunitárias contra a Covid-19 acontecem nessas instituições, o que inclui leitos hospitalares.
Essas e muitas outras atividades correm risco de serem inviabilizadas frente a cortes orçamentários. O valor aprovado na Lei Orçamentária Anual para o sistema federal de educação técnica e superior é 18,16% inferior ao de 2020, e há bloqueio de quase 14% nesse orçamento.
Há alguns dias, pressionado pelo alerta público de que as instituições não conseguiriam chegar ao fim do ano, o governo federal anunciou o que se está chamando, equivocadamente, de recomposição do orçamento. O que aconteceu foi a liberação de parte dos recursos bloqueados. Mas as universidades e os institutos federais precisam da recomposição —de fato— dos 18,16% cortados, sem os quais será impossível manter até dezembro o pagamento de contas essenciais como energia elétrica e limpeza, além de manutenção de equipamentos e aquisição de insumos fundamentais. Acrescenta-se a interrupção no pagamento de bolsas, para pesquisa e para a permanência de estudantes em situação de vulnerabilidade.
O orçamento das universidades federais em 2014 foi de R$ 7,4 bilhões. Supondo a correção apenas pela inflação, a expectativa para 2021 seria de R$ 10,4 bilhões, mas a realidade é de R$ 4,5 bilhões. No caso dos institutos, voltou-se em 2021 aos patamares de 2010, quando o número de estudantes era metade do atual.
E o ataque não se restringe ao custeio. Restrições também se aplicam a obras em andamento, de laboratórios, por exemplo, bem como às adaptações necessárias para atividades presenciais quando isso for possível. Além disso, há R$ 5 bilhões do Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT) que, diferentemente do anunciado pelo Ministério da Economia, aguardam liberação.
O estrangulamento financeiro vem se somar a uma série de investidas anteriores ao local em que, por definição, o exercício do livre pensamento garante a crítica e promove a transformação social, dentre as quais destacamos os sucessivos desrespeitos à autonomia universitária na nomeação de dirigentes.
Junto com a tentativa de limitar as instituições públicas de educação, ciência e tecnologia e sua capacidade de promover mudanças no sentido de um país menos desigual, é comum aparecer o discurso —falacioso e perigoso— de que são caras e precisariam ser mantidas por recursos privados.
Falacioso porque, no mundo desenvolvido, é dinheiro público que financia a educação superior e o desenvolvimento científico e tecnológico —exemplos diferentes frequentemente citados são exceções, não regra. Perigoso porque submete as instituições públicas à lógica mercantilista e utilitarista, que determina o que pesquisar e quem pode estudar com base no lucro e no privilégio e não na democracia e na equidade.
É preciso sempre lembrar que os recursos públicos aplicados nas universidades são investimentos que retornam à sociedade multiplicados, mesmo nos resultados qualificados pelo pensamento mercantilista como inúteis e, assim, dispensáveis.
É o caso das ciências humanas e sociais, fundamentais à compreensão e à transformação do mundo em que vivemos, que já vêm sofrendo essa desqualificação e consequentes cortes de recursos. Mas podemos ir além. Será que as pesquisas iniciadas há décadas e que em 2020 permitiram o desenvolvimento de vacinas em tempo recorde teriam sido vistas como úteis e lucrativas naqueles anos iniciais? Não todas.
Nosso alerta é que as condições atuais, se mantidas, irão obrigar universidades e institutos federais a parar. Definitivamente não é essa nossa intenção. Resistiremos e lutaremos, com todas as nossas possibilidades, para que não sejam inviabilizadas atividades essenciais à recuperação e ao desenvolvimento do nosso país.