Retrocesso na política externa
Roberto Abdenur
O Globo, 10/01/2019
Em seus escritos e no
discurso de posse, o novo chanceler, Ernesto Araújo, expressou uma posição de
extrema direita. Sustenta que o Ocidente está em decadência e que só os EUA
podem salvá-lo, sob a liderança de Trump. Pinta a ordem internacional como
adversa ao Brasil e à sua soberania. Essa ordem “globalista” visa a desfazer as
nações e impor um mundo avesso a Deus. Cita como governos verdadeiramente
nacionalistas, além dos EUA, Israel, Itália, Polônia e Hungria —regimes onde,
observo, a democracia está sendo substituída por duras autocracias. Nada que
sirva de modelo para o Brasil. Com a adesão agora do Brasil de Bolsonaro,
parece estar se formando uma espécie de “Internacional” da extrema direita.
Em outro plano, Ernesto
Araújo fez tábula rasa de gerações de diplomatas, ao expressar duras críticas
aos colegas, que descreveu como narcisistas, elitistas e alienados do país,
afastados do povo. Enganou-se o chanceler. O Itamaraty é hoje composto por
gente proveniente das mais variadas regiões e extratos sociais. É também
racialmente diverso. E o ministério é ativo, através da diplomacia pública, no
sentido de abrir-se à sociedade com o objetivo de atender aos anseios da
população e fazer da política externa algo inclusivo, transparente e
participativo, com prestação de contas à sociedade e recepção de comentários,
críticas e sugestões.
Uma coisa é o Itamaraty
integrar a elite do serviço público. Outra seria ter os diplomatas a
comportarem-se como uma elite social afastada do povo, o que não é o caso.
Com o ideário apresentado
pelo chanceler, a política externa sofrerá processo de retração, de
encolhimento. Importantes postulados dessa política serão erodidos ou
abandonados: o multilateralismo, os direitos humanos, a sustentabilidade, o
apoio às Nações Unidas e aos organismos a ela vinculados. E o Brasil adotará
posição defensiva em relação ao sistema internacional. O país até agora não tem
sido passivo perante a ordem internacional. Ao contrário, atua intensamente
para ajudar a configurar essa ordem através de mecanismos como o G-20, a
Organização Mundial do Comércio, o Brics e outros foros regionais e
multilaterais.
Ernesto Araújo critica o fato
de os colegas acompanharem o noticiário da imprensa internacional, como, entre
outros, a CNN, o “New York Times”, a revista “Foreign Affairs”. Ora, os
diplomatas assim agem por estrita necessidade funcional. Na velocidade em que
hoje se desdobram os acontecimentos internacionais, é importante seguir as
notícias a cada momento. Isso não implica alheamento em relação ao que ocorre
no Brasil.
Além do encolhimento da
política externa, o Itamaraty será diminuído em seu status, devido à
movimentação informal que paralelamente conduzem os filhos e outros
colaboradores do presidente em seus esforços de aproximação com outros
governos, partidos políticos e entidades ativas no ideário da extrema direita.
O próprio Brasil terá reduzida sua presença internacional, devido a uma
política de subserviência aos Estados Unidos.
O chanceler fala em
“libertar” o Itamaraty das amarras da ideologia de esquerda, mas não percebe
que está a embarcar numa política altamente ideológica pelo lado da direita.
Nisso tudo, é pena que o
presidente da República, tão cioso da hierarquia militar, tenha optado por
romper com a hierarquia do Itamaraty. A esse gesto inicial se seguirão outras
instâncias de subversão da hierarquia do ministério —com o resultado de
debilitar a instituição e desestimular seu corpo de diplomatas.
*Roberto Abdenur é embaixador aposentado
e foi secretário-geral do Itamaraty