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segunda-feira, 2 de março de 2020

Revolução industrial e padrões de vida - Clark Nardinelli

From the Concise Encyclopedia of Economics
Featured Entry: Industrial Revolution and the Standard of Living, by Clark Nardinelli
Historians agree that the industrial revolution was one of the most important events in history, marking the rapid transition to the modern age, but they disagree vehemently about many aspects of the event. Of all the disagreements, the oldest one is over how the industrial revolution affected ordinary people, often called the working classes. One group, the pessimists, argues that the living standards of ordinary people fell, while another group, the optimists, believes that living standards rose.  Read More. 

segunda-feira, 6 de agosto de 2012

Phyllis Deane: homenagem a uma grande historiadora da Revolucao Industrial

Conhecia a obra dessa genial historiadora da revolução industrial na Inglaterra e na Europa. Devo ter um ou dois livros dela: vou buscar, para reler.
Uma lágrima para quem enriqueceu intelectualmente minha (nossa) vida.
Paulo Roberto de Almeida 

Phyllis Deane: death

Phyllis Deane is Professor Emeritus of Economic History in the University of Cambridge where she held research and teaching positions from 1950 to 1982 with great distinction. She was editor of the Economic Journal (1968-75) and president of the Royal Economic Society (1980-82). She became a Fellow of the British Academy in 1980.
Phyllis Deane was born in 1918, and if you do the math, you can understand why she is unable to be here to accept this award.
After working on a research project on post-war reconstruction, she was invited to join the National Institute of Economic and Social Research to develop social accounting for the colonies. Colleagues included Keynes,  Richard Stone,  James Meade,  Austin Robinson and Arthur Lewis.  
She spent 1946-7 “getting her hands dirty”, as she describes it, producing national income accounts for Northern Rhodesia and Nyasaland. Her work is being studied by Mary Morgan and others as part of the history of observation in economics project.
Richard Stone invited Phyllis Deane to the recently established Department of Applied Economics initially to work on regional social accounts.  There, she became involved with the International Association for Research in Income and Wealth, led by Simon Kuznets.  It brought together academic and government economists interested in the causes of growth and the reasons for international disparities in growth rates. She began to study British national income historically. Her findings were published in a series of journal articles, which formed the backbone of her best known work: British Economic Growth, 1688-1959 (written with Max Cole). It is difficult to over-estimate the significance of this work in twentieth-century economic history.  It represented the foundation of British quantitative economic history and guided and inspired a generation of economic historians. 
She was appointed to a Lecturship in 1961 lectures on the industrial revolution for first-year economists led to another classic book: The First Industrial Revolution.  
From the sixties onwards, Phyllis Deane’s teaching and research turned increasingly to the history of economic thought.  Partly because she was in a Faculty, which was deeply involved in theoretical disputes, she became interested in the origins and evolution of debates within economics. Her approach was not to identify flaws in arguments or engage in ancestor worship (or its opposite!) but to try to understand how ideas evolved.  Two more books The Evolution of Economic Ideas and The State and the Economic System, and several articles 
followed.   
On retirement she embarked upon a biography of economist John Neville Keynes, The Life and Times of J. Neville Keynes. A Beacon in the Tempest was published in 2001. 
Her work has extended the frontiers of our subject – both economic history and the history of economics – brought a deeper understanding, and provided essential guides, through what she has called the “varied landscape” of economics.
It is with great pleasure that we name Phyllis Deane a Distinguished Fellow of the History of Economics Society.

quinta-feira, 2 de fevereiro de 2012

Sobre a Revolucao Industrial - Ludwig Von Mises

Recebi, de um leitor regular deste blog, que apreciou minha resenha do livro David Landes sobre a Revolução Industrial, este texto, que desconhecia, do conhecido economista liberal Von Mises, publicado no site do instituto do mesmo nome no Brasil.
Um texto impecável, e desmistificador.
Paulo Roberto de Almeida

Fatos e mitos sobre a "Revolução Industrial"

 

Industrial.jpgAutores socialistas e intervencionistas costumam dizer que a história do industrialismo moderno, e especialmente a história da "Revolução Industrial" na Inglaterra, constitui uma evidência empírica da procedência da doutrina denominada "realista" ou "institucional", e refuta inteiramente o dogmatismo "abstrato dos economistas".[1]
Os economistas negam categoricamente que os sindicatos e a legislação trabalhista possam e tenham beneficiado a classe dos assalariados e elevado o seu padrão de vida de forma duradoura.  Porém, dizem os antieconomistas, os fatos refutaram essas ideias capciosas.
Segundo eles, os governantes e legisladores que regulamentaram as relações trabalhistas revelaram possuir uma melhor percepção da realidade do que os economistas.  Enquanto a filosofia do laissez-faire, sem piedade nem compaixão, pregava que o sofrimento das massas era inevitável, o bom senso dos leigos em economia conseguia terminar com os piores excessos dos empresários ávidos de lucro.  A melhoria da situação dos trabalhadores se deve, pensam eles, inteiramente à intervenção dos governos e à pressão sindical.
São essas ideias que impregnam a maior parte dos estudos históricos que tratam da evolução do industrialismo moderno.  Os autores começam esboçando uma imagem idílica das condições prevalecentes no período que antecedeu a "Revolução Industrial". Naquele tempo, dizem eles, as coisas eram, de maneira geral, satisfatórias.  Os camponeses eram felizes.  Os artesãos também o eram, com a sua produção doméstica; trabalhavam nos seus chalés e gozavam de certa independência, uma vez que possuíam um pedaço de jardim e suas próprias ferramentas.  Mas, aí, "a Revolução Industrial caiu como uma guerra ou uma praga" sobre essas pessoas.[2]  O sistema fabril transformou o trabalhador livre em virtual escravo; reduziu o seu padrão de vida ao mínimo de sobrevivência; abarrotando as fábricas com mulheres e crianças, destruiu a vida familiar e solapou as fundações da sociedade, da moralidade e da saúde pública.  Uma pequena minoria de exploradores impiedosos conseguiu habilmente subjugar a imensa maioria.
A verdade é que as condições no período que antecedeu à Revolução Industrial eram bastante insatisfatórias.  O sistema social tradicional não era suficientemente elástico para atender às necessidades de uma população em contínuo crescimento.  Nem a agricultura nem as guildas conseguiam absorver a mão de obra adicional.  A vida mercantil estava impregnada de privilégios e monopólios; seus instrumentos institucionais eram as licenças e as cartas patentes; sua filosofia era a restrição e a proibição de competição, tanto interna como externa.
O número de pessoas à margem do rígido sistema paternalista de tutela governamental cresceu rapidamente; eram virtualmente párias.  A maior parte delas vivia, apática e miseravelmente, das migalhas que caíam das mesas das castas privilegiadas.  Na época da colheita, ganhavam uma ninharia por um trabalho ocasional nas fazendas; no mais, dependiam da caridade privada e da assistência pública municipal.  Milhares dos mais vigorosos jovens desse estrato social alistavam-se no exército ou na marinha de Sua Majestade; muitos deles morriam ou voltavam mutilados dos combates; muitos mais morriam, sem glória, em virtude da dureza de uma bárbara disciplina, de doenças tropicais e de sífilis.[3]
Milhares de outros, os mais audaciosos e mais brutais, infestavam o país vivendo como vagabundos, mendigos, andarilhos, ladrões e prostitutos.  As autoridades não sabiam o que fazer com esses indivíduos, a não ser interná-los em asilos ou casas de correção.  O apoio que o governo dava ao preconceito popular contra a introdução de novas invenções e de dispositivos que economizassem trabalho dificultava as coisas ainda mais.
O sistema fabril desenvolveu-se, tendo de lutar incessantemente contra inúmeros obstáculos.  Teve de combater o preconceito popular, os velhos costumes tradicionais, as normas e regulamentos vigentes, a má vontade das autoridades, os interesses estabelecidos dos grupos privilegiados, a inveja das guildas.  O capital fixo das firmas individuais era insuficiente, a obtenção de crédito extremamente difícil e cara.  Faltava experiência tecnológica e comercial.  A maior parte dos proprietários de fábricas foi à bancarrota; comparativamente, foram poucos os bem-sucedidos.  Os lucros, às vezes, eram consideráveis, mas as perdas também o eram.  Foram necessárias muitas décadas para que se estabelecesse o costume de reinvestir a maior parte dos lucros e a consequente acumulação de capital possibilitasse a produção em maior escala.
A prosperidade das fábricas, apesar de todos esses entraves, pode ser atribuída a duas razões.  Em primeiro lugar, aos ensinamentos da nova filosofia social que os economistas começavam a explicar e que demolia o prestígio do mercantilismo, do paternalismo e do restricionismo.  A crença supersticiosa de que os equipamentos e processos economizadores de mão de obra causavam desemprego e condenavam as pessoas ao empobrecimento foi amplamente refutada.  Os economistas do laissez-faire foram os pioneiros do progresso tecnológico sem precedentes dos últimos duzentos anos.
Um segundo fator contribuiu para enfraquecer a oposição às inovações.  As fábricas aliviaram as autoridades e a aristocracia rural de um embaraçoso problema que estas já não tinham como resolver.  As novas instalações fabris proporcionavam trabalho às massas pobres que, dessa maneira, podiam ganhar seu sustento; esvaziaram os asilos, as casas de correção e as prisões.  Converteram mendigos famintos em pessoas capazes de ganhar o seu próprio pão.[4]
Os proprietários das fábricas não tinham poderes para obrigar ninguém a aceitar um emprego nas suas empresas. Podiam apenas contratar pessoas que quisessem trabalhar pelos salários que lhes eram oferecidos.  Mesmo que esses salários fossem baixos, eram ainda assim muito mais do que aqueles indigentes poderiam ganhar em qualquer outro lugar.  É uma distorção dos fatos dizer que as fábricas arrancaram as donas de casa de seus lares ou as crianças de seus brinquedos.  Essas mulheres não tinham como alimentar os seus filhos.  Essas crianças estavam carentes e famintas.  Seu único refúgio era a fábrica; salvou-as, no estrito senso do termo, de morrer de fome.
É deplorável que tal situação existisse.  Mas, se quisermos culpar os responsáveis, não devemos acusar os proprietários das fábricas, que — certamente movidos pelo egoísmo e não pelo altruísmo — fizeram todo o possível para erradicá-la.  O que causava esses males era a ordem econômica do período pré-capitalista, a ordem daquilo que, pelo que se infere da leitura das obras destes historiadores, eram os "bons velhos tempos".
Nas primeiras décadas da Revolução Industrial, o padrão de vida dos operários das fábricas era escandalosamente baixo em comparação com as condições de seus contemporâneos das classes superiores ou com as condições atuais do operariado industrial.  A jornada de trabalho era longa, as condições sanitárias dos locais de trabalho eram deploráveis.
A capacidade de trabalho do indivíduo se esgotava rapidamente.  Mas prevalece o fato de que, para o excedente populacional — reduzido à mais triste miséria pela apropriação das terras rurais, e para o qual, literalmente, não havia espaço no contexto do sistema de produção vigente —, o trabalho nas fábricas representava uma salvação. Representava uma possibilidade de melhorar o seu padrão de vida, razão pela qual as pessoas afluíram em massa, a fim de aproveitar a oportunidade que lhes era oferecida pelas novas instalações industriais.
A ideologia do laissez-faire e sua consequência, a "Revolução Industrial", destruíram as barreiras ideológicas e institucionais que impediam o progresso e o bem-estar.  Demoliram a ordem social na qual um número cada vez maior de pessoas estava condenado a uma pobreza e a uma penúria humilhantes.  A produção artesanal das épocas anteriores abastecia quase que exclusivamente os mais ricos.  Sua expansão estava limitada pelo volume de produtos de luxo que o estrato mais rico da população pudesse comprar.  Quem não estivesse engajado na produção de bens primários só poderia ganhar a vida se as classes superiores estivessem dispostas a utilizar os seus serviços ou o seu talento.  Mas eis que surge um novo princípio: com o sistema fabril, tinha início um novo modo de comercialização e de produção.
Sua característica principal consistia no fato de que os artigos produzidos não se destinavam apenas ao consumo dos mais abastados, mas ao consumo daqueles cujo papel como consumidores era, até então, insignificante. Coisas baratas, ao alcance do maior número possível de pessoas, era o objetivo do sistema fabril.  A indústria típica dos primeiros tempos da Revolução Industrial era a tecelagem de algodão.  Ora, os artigos de algodão não se destinavam aos mais abastados.  Os ricos preferiam a seda, o linho, a cambraia.  Sempre que a fábrica, com os seus métodos de produção mecanizada, invadia um novo setor de produção, começava fabricando artigos baratos para consumo das massas.  As fábricas só se voltaram para a produção de artigos mais refinados, e portanto mais caros, em um estágio posterior, quando a melhoria sem precedentes no padrão de vida das massas tornou viável a aplicação dos métodos de produção em massa também aos artigos melhores.
Assim, por exemplo, os sapatos fabricados em série eram comprados apenas pelos "proletários", enquanto os consumidores mais ricos continuavam a encomendar sapatos sob medida.  As tão malfaladas fábricas que exploravam os trabalhadores, exigindo-lhes trabalho excessivo e pagando-lhes salário de fome, não produziam roupas para os ricos, mas para pessoas cujos recursos eram modestos.  Os homens e mulheres elegantes preferiam, e ainda preferem, ternos e vestidos feitos pelo alfaiate e pela costureira.
O fato marcante da Revolução Industrial foi o de ela ter iniciado uma era de produção em massa para atender às necessidades das massas.  Os assalariados já não são mais pessoas trabalhando exaustivamente para proporcionar o bem-estar de outras pessoas; são eles mesmos os maiores consumidores dos produtos que as fábricas produzem.  A grande empresa depende do consumo de massa.  Em um livre mercado, não há uma só grande empresa que não atenda aos desejos das massas.  A própria essência da atividade empresarial capitalista é a de prover para o homem comum.  Na qualidade de consumidor, o homem comum é o soberano que, ao comprar ou ao se abster de comprar, decide os rumos da atividade empresarial.  Na economia de mercado não há outro meio de adquirir e preservar a riqueza, a não ser fornecendo às massas o que elas querem, da maneira melhor e mais barata possível.
Ofuscados por seus preconceitos, muitos historiadores e escritores não chegam a perceber esse fato fundamental.  Segundo eles, os assalariados labutam arduamente em benefício de outras pessoas.  Nunca questionaram quem são essas "outras" pessoas.
O Sr. e a Sra. Hammond [citados na nota de referência número 2] nos dizem que os trabalhadores eram mais felizes em 1760 do que em 1830.[5]  Trata-se de um julgamento de valor arbitrário.  Não há meio de comparar e medir a felicidade de pessoas diferentes, nem da mesma pessoa em momentos diferentes.
Podemos admitir, só para argumentar, que um indivíduo nascido em 1740 estivesse mais feliz em 1760 do que em 1830.  Mas não nos esqueçamos de que em 1770 (segundo estimativa de Arthur Young) a Inglaterra tinha 8,5 milhões de habitantes, ao passo que em 1830 (segundo o recenseamento) a população era de 16 milhões.[6]  Esse aumento notável se deve principalmente à Revolução Industrial.  Em relação a esses milhões de ingleses adicionais, as afirmativas dos eminentes historiadores só podem ser aprovadas por aqueles que endossam os melancólicos versos de Sófocles: "Não ter nascido é, sem dúvida, o melhor; mas para o homem que chega a ver a luz do dia, o melhor mesmo é voltar rapidamente ao lugar de onde veio".
Os primeiros industriais foram, em sua maioria, homens oriundos da mesma classe social que os seus operários. Viviam muito modestamente, gastavam no consumo familiar apenas uma parte dos seus ganhos e reinvestiam o resto no seu negócio.  Mas, à medida que os empresários enriqueciam, seus filhos começaram a frequentar os círculos da classe dominante.  Os cavalheiros de alta linhagem invejavam a riqueza dos novos-ricos e se indignavam com a simpatia que estes devotavam às reformas que estavam ocorrendo.  Revidaram investigando as condições morais e materiais de trabalho nas fábricas e editando a legislação trabalhista.
A história do capitalismo na Inglaterra, assim como em todos os outros países capitalistas, é o registro de uma tendência incessante de melhoria do padrão de vida dos assalariados.  Essa evolução coincidiu, por um lado, com o desenvolvimento da legislação trabalhista e com a difusão do sindicalismo, e, por outro, com o aumento da produtividade marginal.  Os economistas afirmam que a melhoria nas condições materiais dos trabalhadores se deve ao aumento da quota de capital investido per capita e ao progresso tecnológico decorrente desse capital adicional.  A legislação trabalhista e a pressão sindical, na medida em que não impunham a concessão de vantagens superiores àquelas que os trabalhadores teriam de qualquer maneira, em virtude de a acumulação de capital se processar em ritmo maior do que o aumento populacional, eram supérfluas.  Na medida em que ultrapassaram esses limites, foram danosas aos interesses das massas.  Atrasaram a acumulação de capital, diminuindo assim o ritmo de crescimento da produtividade marginal e dos salários.  Privilegiaram alguns grupos de assalariados às custas de outros grupos.  Criaram o desemprego em grande escala e diminuíram a quantidade de produtos que os trabalhadores, como consumidores, teriam à sua disposição.
Os defensores da intervenção do governo na economia e do sindicalismo atribuem toda melhoria da situação dos trabalhadores às ações dos governos e dos sindicatos.  Se não fosse por isso, dizem eles, o padrão de vida atual dos trabalhadores não seria maior do que nos primeiros anos da Revolução Industrial.
Certamente essa controvérsia não pode ser resolvida pela simples recorrência à experiência histórica.  Os dois grupos não têm divergências quanto a quais tenham sido os fatos ocorridos.  Seu antagonismo diz respeito à interpretação desses fatos, e essa interpretação depende da teoria escolhida.  As considerações de natureza lógica ou epistemológica que determinam a correção ou a falsidade de uma teoria são, lógica e temporalmente, antecedentes à elucidação do problema histórico em questão.  Os fatos históricos, por si só, não provam nem refutam uma teoria.  Precisam ser interpretados à luz da compreensão teórica.
A maioria dos autores que escreveu sobre a história das condições de trabalho no sistema capitalista era ignorante em economia e disso se vangloriava.  Entretanto, tal desprezo por um raciocínio econômico bem fundado não significa que esses autores tenham abordado o tema dos seus estudos sem preconceitos e sem preferência por uma determinada teoria; na realidade, estavam sendo guiados pelas falácias tão difundidas que atribuem onipotência ao governo e consideram a atividade sindical como uma bênção.  Ninguém pode negar que os Webbs, assim como Lujo Brentano e uma legião de outros autores menores, estavam, desde o início de seus estudos, imbuídos de uma aversão fanática pela economia de mercado e de uma entusiástica admiração pelas doutrinas socialistas e intervencionistas.  Foram certamente honestos e sinceros nas suas convicções e deram o melhor de si.  Sua sinceridade e probidade podem eximi-los como indivíduos; mas não os eximem como historiadores.  As intenções de um historiador, por mais puras que sejam, não justificam a adoção de doutrinas falaciosas.  O primeiro dever de um historiador é o de examinar com o maior rigor todas as doutrinas a que recorrerá para elaborar suas interpretações históricas.  Caso ele se furte a fazê-lo e adote ingenuamente as ideias deformadas e confusas que têm grande aceitação popular, deixa de ser um historiador e passa a ser um apologista e um propagandista.
O antagonismo entre esses dois pontos de vista contrários não é apenas um problema histórico: está intimamente ligado aos problemas mais candentes da atualidade.  É a razão da controvérsia naquilo que se denomina hoje de relações industriais.
Salientemos apenas um aspecto da questão: em vastas regiões — Ásia Oriental, Índias Orientais, sul e sudeste da Europa, América Latina — a influência do capitalismo moderno é apenas superficial.  A situação nesses países, de uma maneira geral, não difere muito da que prevalecia na Inglaterra no início da "Revolução Industrial".  Existem milhões de pessoas que não encontram um lugar seguro no sistema econômico vigente.  Só a industrialização pode melhorar a sorte desses desafortunados; para isso, o que mais necessitam é de empresários e de capitalistas.
Como políticas insensatas privaram essas nações do benefício que a importação de capitais estrangeiros até então lhes proporcionava, precisam proceder à acumulação de capitais domésticos.  Precisam percorrer todos os estágios pelos quais a industrialização do Ocidente teve de passar.  Precisam começar com salários relativamente baixos e com longas jornadas de trabalho.  Mas, iludidos pelas doutrinas prevalecentes hoje em dia na Europa Ocidental e na América do Norte, seus dirigentes pensam que poderão consegui-lo de outra maneira.  Encorajam a pressão sindical e promovem uma legislação pretensamente favorável aos trabalhadores.  Seu radicalismo intervencionista mata no nascedouro a criação de uma indústria doméstica.  Seu dogmatismo obstinado tem como consequência a desgraça dos trabalhadores braçais indianos e chineses, dos peões mexicanos e de milhões de outras pessoas que se debatem desesperadamente para não morrer de fome.


[1] A atribuição da expressão "Revolução Industrial" ao período dos reinados dos dois últimos reis da casa de Hanover — George III e George IV (1760-1830) — resultou do desejo de dramatizar a história econômica, de maneira a ajustá-la aos esquemas marxistas procustianos.* A transição dos métodos medievais de produção para o sistema de livre iniciativa foi um processo longo que começou séculos antes de 1760 e que, mesmo na Inglaterra, em 1830, ainda não tinha terminado.  Entretanto, é verdade que o desenvolvimento industrial na Inglaterra acelerou-se bastante na segunda metade do século XVIII.  Consequentemente, é admissível usar a expressão "Revolução Industrial" ao se examinarem as conotações emocionais que lhe foram imputadas pelo fabianismo, pelo marxismo e pela Escola Historicista.
* Relativo a Procusto, gigante salteador da Ática que, segundo a mitologia grega, despojava viajantes e torturava-os deitando-os num leito de ferro: se a vítima fosse maior, cortava-lhe os pés; se menor, esticava-a por meio de cordas até que atingisse as dimensões do leito. O termo serve para metaforizar o ato de se tentar ajustar arbitrariamente a realidade a um sistema ou teoria previamente concebidos. (N.T.)
[2] J.L. Hammond and Barbara Hammond, The Skilled Labourer, 1760-1832, 2. ed., Londres, 1920, p. 4.
[3] Na guerra dos Sete Anos, 1.512 marinheiros ingleses morreram em combate, enquanto 133.708 morreram de doenças ou desapareceram. Ver W.L.Dorn, Competition for Empire 1740-1763, Nova York, 1940, p.114.
[4] No sistema feudal inglês, a maior parte da área rural constituía-se de campos e florestas. Grande parte dessas áreas era utilizada para o cultivo de grãos e criação de gado para consumo próprio. Com o advento da produção agrícola para o mercado e não para o senhor feudal, essas terras começaram a ser cercadas e apropriadas.  Diversos atos do Parlamento, no século XVIII e parte do século XIX, endossaram esse movimento, que tinha oposição das classes inferiores.  Tal situação resultou num aumento da produção agrícola e na criação de um proletariado rural, que veio a se tornar a força de trabalho usada pelas fábricas inglesas na "Revolução Industrial".
[5] J.L. Hammond e Barbara Hammond, op. cit.
[6] F.C. Dietz, An Economic History of England, Nova York, 1942, p. 279 e 392.

Ludwig von Mises  foi o reconhecido líder da Escola Austríaca de pensamento econômico, um prodigioso originador na teoria econômica e um autor prolífico.  Os escritos e palestras de Mises abarcavam teoria econômica, história, epistemologia, governo e filosofia política.  Suas contribuições à teoria econômica incluem elucidações importantes sobre a teoria quantitativa de moeda, a teoria dos ciclos econômicos, a integração da teoria monetária à teoria econômica geral, e uma demonstração de que o socialismo necessariamente é insustentável, pois é incapaz de resolver o problema do cálculo econômico.  Mises foi o primeiro estudioso a reconhecer que a economia faz parte de uma ciência maior dentro da ação humana, uma ciência que Mises chamou de "praxeologia".

terça-feira, 31 de janeiro de 2012

A Revolucao Industrial, por seu mais famoso historiador: David Landes - resenha Paulo R Almeida


16. “Um Prometeu Industrial Desengonçado”, Brasília, 17 abril 2005, 2 p. Resenha de David S. Landes: Prometeu Desacorrentado: transformação tecnológica e desenvolvimento industrial na Europa ocidental, de 1750 até os dias de hoje (2ª ed.; Rio de Janeiro: Campus, 2005, 628 p.). Publicado na revista Desafios do Desenvolvimento (Brasília: IPEA-PNUD, ano 2, nº 10, maio 2005, p. 76; link: http://www.ipea.gov.br/desafios/index.php?option=com_content&view=article&id=1772:catid=28&Itemid=23). Relação de Trabalhos nº 1420. Relação de Publicados nº 561.

Um Prometeu industrial desengonçadoImprimirE-mail
por Paulo Roberto de Almeida
A tradução do título para o português é imprecisa: trata-se de um Prometeu unbound, isto é, liberado, não unchained. Mas isso não tira o valor da segunda edição deste clássico, agora com novo prefácio e epílogo - no mais o texto permanece igual ao de 1969, originalmente um ensaio da Cambridge Economic History. David Landes, professor emérito de Harvard, já tinha feito um complemento a Adam Smith, em A Riqueza e a Pobreza das Nações (Campus, 1998), soberbo nos desenvolvimentos globais, mas falho no que toca à América Latina e ao Brasil, analisados pela ótica enviesada da ("esqueçam-o-que-escrevi") teoria da dependência de FHC.

O titã liberado é o sistema fabril: seu aparecimento na Inglaterra chocou Marx, que condenou a vil exploração do proletariado. Ele ainda não tinha visto nada, pois a China modorrava na imobilidade industrial. Hoje as fábricas chinesas não se distinguem, pelas condições de trabalho, das manufaturas de Manchester do século 19. A história é européia, mas esse Prometeu desajeitado que é a grande indústria leva seus grilhões ao mundo, o que desespera os antiglobalizadores, mas encantaria Marx, que confiava no papel revolucionário do capitalismo para destruir as "muralhas da China", o despotismo asiático e os reinos bárbaros do Oriente.

A China, a Índia e as nações islâmicas fracassadas do Oriente Médio constituem, precisamente, o objeto do epílogo, a parte verdadeiramente nova do livro. Landes argumenta que a globalização "não é uma causa, nem uma ideologia. É simplesmente a procura de riqueza". A civilização industrial do Ocidente foi a mais formidável máquina de criação de riquezas da história, ao associar possibilidades tecnológicas com o faro pelos negócios de homens liberados das restrições do mercantilismo. Por que esse processo revolucionário ainda não conseguiu romper os grilhões do subdesenvolvimento? É que empréstimos, ensinamentos e presentes podem até ajudar, mas de nada adiantam se o movimento não for conduzido a partir de dentro.

Landes demonstra como as condições tecnológicas e institucionais foram reunidas na Europa Ocidental e continuam a distinguir o Ocidente desenvolvido, ainda que países do Oriente - como o Japão, a Coréia e, agora, a China - lhe tenham seguido os passos. Esses bons alunos da escola européia, a começar pelos Estados Unidos, copiaram as técnicas, não necessariamente as instituições e as políticas econômicas. Landes diz que não é relevante que os "orientais" não tenham seguido a via do liberalismo, e sim que tenham integrado suas economias aos mercados globais, algo que os pregadores de uma industrialização à la List dificilmente reconhecem.

O cerne do livro não é uma discussão das economic policies dos "copiadores" e sim um fascinante racconto storico do desenvolvimento tecnológico da industrialização européia. São seis capítulos, com poucas seções internas e relativamente poucas estatísticas, mas muitos dados qualitativos e análises sobre cada fase. Uma introdução metodológica explica por que a revolução industrial ocorreu na Europa e não em outros lugares. Coloca a questão - que será seguida ao longo do livro - das razões pelas quais as mudanças ocorreram em épocas e locais determinados da Europa, isto é, como o padrão de desenvolvimento diferiu de um país para outro. Nesse sentido, a Europa é um grande laboratório, por ter nações ricas e pobres, grandes e pequenas, todas as formas de governo e um rico mosaico de tradições culturais.

Desde a Revolução Industrial inglesa, disseminada pelo continente, até o período entre guerras e a reconstrução subseqüente, Landes descreve as indústrias mais relevantes do ponto de vista tecnológico: têxtil, metalúrgica, química e de maquinaria, além da mineração de carvão por seu papel energético. Todas elas são situadas no contexto da organização industrial, isto é, da coordenação dos fatores de produção e do manejo dos produtos manufaturados. O resultado é um painel fascinante das raízes da "hegemonia" ocidental, não em virtude de uma história colonialista e opressora, e sim da capacidade de mobilizar e transformar as forças da natureza, liberando o Prometeu desengonçado do capitalismo industrial dos velhos grilhões da miséria educacional e da secular opressão da pobreza material.
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Confesso que não conferi para ver se foi publicado in totum, por isso reproduzo aqui. Aliás, cansado dos cortes dos meus editores, comecei, finalmente, a fazer resenhas mais curtas...

Um Prometeu Industrial Desengonçado

David S. Landes: Prometeu Desacorrentado: transformação tecnológica e desenvolvimento industrial na Europa ocidental, de 1750 até os dias de hoje (2ª ed.; Rio de Janeiro: Campus, 2005, 628 p.)

O título do livro, em português, é impreciso: trata-se de um Prometeu unbound, isto é liberado, não unchained. Isso não muda o valor da segunda edição deste clássico, agora com novo prefácio e epílogo; no resto, o livro permanece igual ao texto de 1969, originalmente um ensaio da Cambridge Economic History (1965). David Landes, emérito de Harvard, já tinha feito um complemento a Adam Smith, em A Riqueza e a Pobreza das Nações (Campus, 1998), superbo nos desenvolvimentos globais, mas falho no que toca a América Latina e o Brasil, vistos pela ótica enviesada da (“esqueçam-o-que-escrevi”) teoria da dependência de FHC.
O titã liberado refere-se ao sistema fabril: seu aparecimento, na Inglaterra, chocou Marx, que condenou a vil exploração do proletariado. Ele ainda não tinha visto nada, pois a China, até ali a maior economia, modorrava na imobilidade industrial, só voltando a praticar a abjeta exploração mais de dois séculos depois. Hoje, as fábricas chinesas não se distinguem, pelas condições de trabalho, das manufaturas de Manchester do século XIX, mas as marcas são ocidentais. A história é européia, mas esse Prometeu desajeitado que é a grande indústria leva seus grilhões ao mundo, o que desespera os anti-globalizadores, mas encantaria Marx, que confiava no papel revolucionário do capitalismo para destruir as “muralhas da China”, o despotismo asiático e os reinos bárbaros do Oriente.
A China, a Índia e as nações islâmicas fracassadas do Oriente Médio constituem, precisamente, o objeto do epílogo, a única parte verdadeiramente nova do livro. Landes argumenta que a globalização “não é uma causa, nem uma ideologia. É simplesmente a procura de riqueza” (p. 600). A civilização industrial do Ocidente foi a mais formidável máquina de criação de riquezas da história, ao associar possibilidades tecnológicas com o faro pelos negócios de homens liberados das restrições do mercantilismo. Por que esse processo revolucionário não conseguiu ainda romper os grilhões do subdesenvolvimento no resto do planeta? É que empréstimos, ensinamentos, presentes podem até ajudar, mas de nada adianta se o movimento não for conduzido a partir de dentro.
Landes demonstra como as condições tecnológicas e institucionais foram reunidas na Europa ocidental e continuam a distinguir o Ocidente desenvolvido, ainda que países do Oriente – como o Japão a Coréia e, agora, a China – lhe tenham seguido os passos. Esses bons alunos da escola européia, a começar pelos Estados Unidos, copiaram as boas técnicas européias, não necessariamente as instituições e as políticas econômicas. Landes diz que não é relevante que os “orientais” não tenham seguido a via do liberalismo e sim que eles tenham integrado suas economias aos mercados globais, algo que os pregadores de uma industrialização à la List dificilmente reconhecem.
O cerne do livro não é uma discussão das economic policies dos “copiadores” e sim um fascinante racconto storico dos desenvolvimentos tecnológicos que permearam a industrialização européia. São seis capítulos, com poucas seções internas e relativamente poucas estatísticas, mas muitos dados qualitativos e análises sobre o estado das técnicas em cada fase. Uma introdução metodológica visa explicar por que a revolução industrial ocorreu na Europa, e não em outros lugares, e coloca a questão – que será seguida ao longo do livro – de por que as mudanças ocorreram em épocas e locais determinados da Europa, isto é, como o padrão de desenvolvimento diferiu de uma nação para outra (nesse sentido, a Europa é um grande laboratório, por ter nações ricas e pobres, países grandes e pequenos, todas as formas de governo e um rico mosaico de tradições culturais).
Desde a revolução industrial inglesa, seguida de sua disseminação no resto do continente, até o período do entre-guerras e a reconstrução subseqüente, Landes retraça as indústrias mais relevantes do ponto de vista tecnológico: têxteis, metalurgia, química e maquinaria, com a mineração de carvão apenas pelo seu papel energético. Todas elas são situadas no contexto da organização industrial, isto é, a coordenação dos fatores de produção e o manejo dos produtos manufaturados. O resultado é um painel fascinante das raízes da “hegemonia” ocidental, não em virtude de uma história colonialista e opressora, e sim pela sua capacidade de mobilizar e transformar as forças da natureza, liberando o Prometeu desengonçado do capitalismo industrial dos velhos grilhões da miséria educacional e da secular opressão da pobreza material.

Paulo Roberto de Almeida (www.pralmeida.org)