Os primeiros
seis meses do governo Bolsonaro
O Estado de S. Paulo,
30/06/2019
A avaliação positiva
do governo e a popularidade do presidente Jair Bolsonaro diminuíram de forma
constante nos primeiros seis meses do ano. Ao fim deste período, é possível
dizer que o bolsonarista mais fiel se notabiliza por duas características
marcantes: ele carrega o sotaque do Sul do País e está na faixa dos que possuem
renda mais alta.
Dados das pesquisas
divulgadas pelo Ibope desde janeiro mostram que Bolsonaro continua “mito” mais
para os que ganham acima de cinco salários mínimos, cujo apoio chegou a crescer
no mês de junho. Também na contramão da tendência de queda da avaliação
positiva da atual gestão estão os moradores da região Sul, a única que
registrou aumento no apoio a Bolsonaro na mais recente pesquisa, divulgada na
semana passada em parceria com a Confederação Nacional da Indústria (CNI).
Por outro lado, os
habitantes do Nordeste e de menor renda foram os que mais desembarcaram do
apoio ao presidente na primeira metade do ano. Em relação ao penúltimo
levantamento do Ibope, em abril, três a cada dez nordestinos que apoiavam
Bolsonaro pularam do barco. Hoje, apenas 17% dos moradores da região, reduto do
PT, consideram a gestão boa ou ótima.
No Sul, por outro
lado, a avaliação melhorou de abril para junho: hoje com 52% de aprovação ao
presidente, oito pontos a mais em relação ao levantamento anterior, a região é
a única onde ele tem como apoiadores mais da metade da população.
É o caso da
administradora de empresas Marilea Martins, de 58 anos. Moradora de Curitiba,
no Paraná, ela afirma que Bolsonaro “herdou uma estrutura corroída pela
corrupção do PT” e precisa de apoio da população para governar. “As ações que
ele está propondo para melhorar o País enfrentam a resistência do Congresso,
corrupto e acostumado ao toma lá, dá cá.”
Marilea também se
enquadra em outro aspecto: ao fazer um recorte por renda, também fica claro
quem sustenta o apoio a Bolsonaro - que, na média geral, é avaliado como bom ou
ótimo por 32% da população, mesmo número dos que o avaliam como ruim ou péssimo
e como regular. Quase metade dos que ganham mais de cinco salários mínimos dão
apoio ao presidente. Marilea se considera uma típica integrante da classe média
curitibana e está na faixa entre cinco e dez salários mínimos.
Os dados por renda
acabam refletindo nos que têm como base a formação escolar dos entrevistados.
Bolsonaro também apresentou queda acentuada entre os que estudaram apenas até a
4.ª série do ensino fundamental, com seis pontos a menos da pesquisa de abril
para a divulgada na semana passada - enquanto as outras faixas desse segmento
não oscilaram tanto.
Apesar de os índices
de bom ou ótimo, ruim ou péssimo e regular estarem no mesmo patamar, Bolsonaro
é o presidente mais mal avaliado em início de primeiro mandato desde Fernando
Collor. O presidente também vai mal em outros dois pontos da pesquisa: a
aprovação ao modo de governar o País e a confiança na sua figura.
Mais da metade da
população - 51% dos entrevistados - não confia no presidente, enquanto 46%
confiam. Quanto ao modo de governar, os números são menos distantes entre si:
48% desaprovam a maneira como Bolsonaro se comporta à frente do Palácio do
Planalto, ante 46% que o endossam.
“O apoio ao governo
está bem próximo do tamanho dos grupos mais identificados com uma visão mais
conservadora em termos morais (evangélicos sobretudo)”, afirmou o cientista político
Marco Antônio Teixeira, que vê o desemprego e a queda na renda, somados a
fatores mais específicos, como os principais motivos para a constante queda de
popularidade do presidente.
A diferença mais
acentuada se dá no segmento por região. No Nordeste a avaliação do governo como
bom ou ótimo já era menor que a média nacional em abril e os números
despencaram na mais recente pesquisa (mais informações nesta página).
No item renda, os que
ganham até 1 salário e veem o governo com bons olhos ficam em apenas 21% dos
entrevistados. A diferença entre os setores cresceu na pesquisa deste mês.
Outro pilar de
sustentação do bolsonarismo, por sua vez, sofreu um baque na pesquisa de junho.
Os municípios do interior e os com menos de 50 mil habitantes registraram queda
maior do que capitais e cidades periféricas. Antes havia uma diferença clara
entre os tipos de município; agora não há mais.
A contadora Angélica
Bernardes, de 49 anos, moradora de São Leopoldo (RS), mantém o apoio a
Bolsonaro porque considera que valores morais e éticos estão se perdendo. “Eu
vejo que as pessoas já estão cansadas nesse país de falta de valores,
princípios, educação, respeito. Infelizmente perdemos tudo isso no Brasil. É
muita libertinagem. Não sou homofóbica, nem racista, eu só quero respeito”,
afirmou a contadora, que apoia a política de armas do atual presidente.
Este também é o motivo
do apoio manifestado pelo comissário da Polícia Civil do Rio Grande do Sul,
Ricardo de Souza Salamon, de 51 anos. “Essa falácia de calibres restritos e
permitidos era mais uma jabuticaba. Temos é que endurecer a legislação para
quem comete crime armado e com arma ilegal”, disse. “Permitir que o cidadão se
defenda é dever do Estado. Mais perigoso é deixar, como ocorre hoje, que um
criminoso quase sempre reincidente, seja colocado prematuramente em liberdade e
coloque toda sociedade em risco”, afirmou Salamon, que trabalha há 27 anos na
corporação.
Pautas econômicas e de
costumes têm marcha desigual após 6 meses
O balanço dos seis
primeiros meses do governo Bolsonaro mostra um avanço em pautas econômicas como
a reforma da Previdência, defendida como fundamental para o reequilíbrio das
contas públicas e para a retomada do crescimento econômico. Bem diferente é a
situação da chamada pauta conservadora,
que serviu de base para a campanha do então candidato do PSL. Propostas como o
Escola Sem Partido, a flexibilização da posse e porte de armas e o combate às
políticas de gênero têm enfrentado resistência e derrotas no Congresso.
“O Congresso apoia a
modernização econômica, mas a agenda conservadora se mostrou inviável. Os
parlamentares a rejeitam”, resume o pesquisador Fernando Schüler, do Insper. Ao
analisar o desempenho do governo, Schüler faz outra observação: o governo tem
perdido o “protagonismo” na condução mesmo da agenda econômica, que tem andado
mais por iniciativa do Legislativo. “O Congresso está comandando a agenda
econômica, é uma situação inusitada. O governo perde protagonismo, mas, se
funcionar e gerar resultados, vai colher frutos e será reconhecido.”
Desde a posse, Jair
Bolsonaro tem repetido que precisa combater o que ele chama de “velha política”,
que seria baseada na troca de cargos por votos. Essa ofensiva contra os
políticos também é usada por grupos bolsonaristas nas redes sociais e em protestos
de rua, ao responsabilizarem o Congresso pelo atraso na aprovação das reformas.
Os parlamentares negam o “toma lá, dá cá” e acusam o Executivo de querer passar
por cima dos demais Poderes.
Como resultado desse
impasse, Bolsonaro ainda não conseguiu assegurar uma base de apoio forte o
suficiente para garantir que seus projetos sejam aprovados. Foi o caso do
primeiro decreto de armas, derrubado na Comissão de Constituição e Justiça do
Senado. Destino parecido teve a medida provisória que transferiu para o
Ministério da Agricultura a demarcação de terras indígenas, devolvido pelo
Senado ao Executivo.
A questão da
demarcação será avaliada em agosto pelos ministros do Supremo Tribunal Federal,
onde o governo também já amargou derrotas. A Corte aprovou a criminalização da
homofobia - criticada por Bolsonaro - e impediu a extinção indiscriminada dos
conselhos federais públicos. “Seria ruim se o governo aprovasse pautas na base
do ‘toma lá, dá cá’. Isso foi rejeitado nas urnas, mas fica o desafio: como dar
governabilidade e conduzir reformas?”, afirmou Schüler.
Previdência
Apresentada em 20 de
fevereiro, a reforma da Previdência foi aprovada em comissão especial e segue
agora para apreciação no plenário da Casa nas próximas semanas. Ainda não há
garantia de que vai atingir a economia de R$ 1,3 trilhão em dez anos almejada
pelo Ministério da Economia, mas o consenso em torno da necessidade da reforma
aponta para algum alívio nas contas públicas.
Até lá, o governo tem
sido cobrado a adotar medidas de curto prazo que estimulem a economia.
Pesquisador da Universidade de Harvard, Hussein Kalout diz que é preciso
resolver três problemas: renda, crédito e emprego. “Sem isso, a economia
entrará em processo de inércia e haverá impactos sobre a sociedade, o
empresariado e o mercado”, avaliou. Kalout citou ainda a necessidade de
abertura comercial, redução tarifária, a desburocratização da administração
pública e a qualificação profissional.
Na sexta-feira, o
governo comemorou acordo para formar uma área de livre-comércio entre o
Mercosul e a União Europeia (UE). O tratado prevê que, no prazo de até uma
década, 90% do que o Brasil exporta entrará na UE sem tarifas. Hoje somente
2,4% dos produtos têm alíquota zero. O acordo também facilitará a entrada de
produtos europeus no Brasil. “Outros países não vão querer ficar de fora do
mercado do Mercosul. Aumenta nossa inserção no mundo”, diz Pedro Camargo Neto,
ex-presidente da Sociedade Rural Brasileira.
A mudança de governo
também deixou marcas na imagem externa do Brasil, após forte atuação do que os
bolsonaristas chamam de “ala ideológica”. Alvo de protestos nos Estados Unidos,
Chile, Suíça e Argentina, o governo tem sido contrário a pautas que o Brasil
defendia anteriormente, como o multilateralismo. Outra característica foi a
aproximação com os EUA e com governos de extrema-direita da Hungria, Polônia e
com setores na Itália.
Para Oliver Stuenkel,
coordenador do programa de pós-graduação de Relações Internacionais da FGV, a
política externa perdeu a previsibilidade. “É um produto de brigas entre as
facções do governo. Os países estão estabelecendo diálogos paralelos com as
facções para antecipar qual grupo pode ganhar as batalhas”, afirmou,
exemplificando com interesses de militares, de liberais e da ala “ideológica”.
Como exemplo, Oliver
citou as críticas do chanceler Ernesto Araújo à integração regional da Europa e
ao globalismo. “Depois disso, Bolsonaro vai para a Argentina e mostra interesse
em promover um debate sobre uma moeda comum, pesadelo para qualquer contrário
ao globalismo.”
O ex-embaixador Rubens
Ricupero diz que o País perdeu energia prejudicando a relação com a China ou
com declarações polêmicas com os países árabes, quando cogitou transferir a
embaixada em Israel. “O prestígio internacional do Brasil está hoje perto de
zero.”
Agenda do governo não
engrena na Câmara
Com uma articulação
política reconhecidamente falha e uma relação ora turbulenta ora amistosa com o
presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ), o governo do
presidente Jair Bolsonaro aprovou, nestes primeiros seis meses de gestão,
pautas de seu interesse na Casa num ritmo comparado a espasmos pontuais
entremeados por paralisações. É o que apontam dados do Barômetro, ferramenta do
Estado que monitora a relação entre o Executivo e o Legislativo.
O ritmo de votações
orientadas pelo governo pode ser visto nos gráficos desta página, referentes
aos primeiros semestres de todos os presidentes desde 2003. Cada barra indica
um dia de votação no qual o governo orientou votação na Câmara - o tamanho
delas indica a quantidade de votações naquele dia. Quanto maior for a barra
verde, mais votos foram favoráveis ao governo - a rosa são os votos contrários.
Na comparação com as
gestões anteriores, o governo Bolsonaro é o que registra os maiores espaços
temporais entre as votações orientadas na Câmara desde 2003. Não foram
incluídos na contagem as votações em que o governo se absteve de orientar a
base aliada. No início deste mês, o Estado informou que uma em cada três
propostas que tramitaram na Câmara este ano não foram orientadas pelo Palácio
do Planalto. É a maior taxa de omissão desde 2003, primeiro ano do governo Luiz
Inácio Lula da Silva.
Os espaços em branco
no gráfico coincidem com os períodos em que houve ruídos nas relações entre o
governo Bolsonaro e Rodrigo Maia, responsável por determinar a pauta de votação
da Câmara. Entre 26 de março e 7 de maio, por exemplo, passaram-se 42 dias sem
que o governo orientasse os deputados em votações. O período coincide com um
estremecimento na relação entre Maia e o clã Bolsonaro.
O estopim foi a
publicação de uma mensagem, no dia 21 daquele mês, do vereador do Rio de
Janeiro Carlos Bolsonaro (PSC), filho 02 do presidente, no Twitter. Carlos
ironizou Maia por sua relação de parentesco com o ex-ministro Moreira Franco,
que havia sido preso naquele dia - presidente da Câmara é casado com a enteada
do ex-ministro.
Durante a longa lacuna
no plenário da Câmara, no entanto, Bolsonaro teve uma vitória na Comissão de
Constituição e Justiça (CCJ), que aprovou a admissibilidade da reforma da
Previdência, a principal pauta do governo. Deputados consideraram, no entanto,
que a aprovação não foi por causa de Bolsonaro, mas apesar dele. No dia
seguinte, Maia disse que o governo precisa “fazer política” e “assumir a
importância da aprovação da reforma.”
Em maio, o governo
conseguiu aprovar pautas de menor relevância, como a transferência da Junta
Comercial do Distrito Federal, que estava sob controle da União, para o governo
estadual. E sofreu derrotas significativas, como o retorno do Conselho de
Controle de Atividades Financeiras (Coaf) para o ministério da Economia -
contrariando os interesses do ministro da Justiça, Sérgio Moro.
No dia 28, dois dias
depois das manifestações de rua em apoio a Bolsonaro, nas quais o Legislativo e
o Judiciário foram alvo, os chefes dos três Poderes se reuniram para e firmaram
um “pacto”. Apesar da postura reticente de Maia em aderir ao pacto, a reunião
refletiu no “humor” da Câmara, com a aprovação de pautas de interesse do
governo. O ritmo, no entanto, voltou a cair no início de junho, a partir da
divulgação das supostas trocas de mensagens entre Moro e o procurador da
República Deltan Dallagnol.
Deputados
consideraram, no entanto, que a aprovação não foi por causa de Bolsonaro, mas
apesar dele. No dia seguinte, Maia disse que o governo precisa “fazer política”
e “assumir a importância da aprovação da reforma.”
Em maio, o governo
conseguiu aprovar pautas de menor relevância, como a transferência da Junta
Comercial do Distrito Federal, que estava sob controle da União, para o governo
estadual. E sofreu derrotas significativas, como o retorno do Conselho de
Controle de Atividades Financeiras (Coaf) para o ministério da Economia -
contrariando os interesses do ministro da Justiça, Sérgio Moro.
No dia 28, dois dias
depois das manifestações de rua em apoio a Bolsonaro, nas quais o Legislativo e
o Judiciário foram alvo, os chefes dos três Poderes se reuniram para e firmaram
um pacto. Apesar da postura
reticente de Maia em aderir ao pacto, a reunião refletiu no humor
da Câmara, com a aprovação de pautas de interesse do governo. O ritmo, no
entanto, voltou a cair no início de junho, a partir da divulgação das supostas
trocas de mensagens entre Moro e o procurador da República Deltan Dallagnol.