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Este blog trata basicamente de ideias, se possível inteligentes, para pessoas inteligentes. Ele também se ocupa de ideias aplicadas à política, em especial à política econômica. Ele constitui uma tentativa de manter um pensamento crítico e independente sobre livros, sobre questões culturais em geral, focando numa discussão bem informada sobre temas de relações internacionais e de política externa do Brasil. Para meus livros e ensaios ver o website: www.pralmeida.org. Para a maior parte de meus textos, ver minha página na plataforma Academia.edu, link: https://itamaraty.academia.edu/PauloRobertodeAlmeida.

quarta-feira, 20 de fevereiro de 2019

Economia politica do intelectual - Paulo Roberto de Almeida (2006)

Reproduzindo um artigo de 13 anos atrás, talvez ainda válido.


Economia política do intelectual

Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 20 de julho de 2006
Revista digital Espaço Acadêmico (ano 6, n. 63, agosto 2006)


Pretendo, nestas breves considerações em torno da economia política dos intelectuais, oferecer uma visão cética, ou pelo menos crítica, sobre alguns dos mitos da nossa época, entre eles o do intelectual público enquanto figura de proa dos movimentos vanguardistas, ou progressistas, e portanto, uma figura isenta que encarna, supostamente, os melhores valores da racionalidade e do humanismo. Ainda que tudo isso possa ser justificado, em bases racionais, ou legitimado socialmente, nenhuma restrição de ordem conceitual ou filosófica deveria nos impedir de examinar essa figura ímpar da modernidade – mas, na verdade, eles não são tão modernos assim, nem tão excepcionais quanto se quer fazer acreditar –, tendo como base analítica essencial a relação de custo-benefício que eles costumam apresentar para a sociedade e como único critério de avaliação, a dissecação sem compaixão desse obscuro objeto de admiração (por vezes indevida).

1. Certidão de nascimento ou temporalidade difusa?
Não é verdade que o intelectual público seja um produto da nossa época, como pretendem alguns. Obviamente, os que defendem tal posição adotam a visão francesa do intelectual e têm até uma data para esse “nascimento”: a publicação do panfleto J’accuse, na verdade uma carta aberta que o escritor francês Émile Zola enviou ao presidente Félix Faure a propósito do processo Dreyfus. Publicado no jornal L’Aurore, em 13 de janeiro de 1898, o panfleto acusava o comando militar francês de conivência com erros criminosos no processo instaurado contra o capitão Alfred Dreyfus, injustamente condenado por traição à pátria e espionagem a serviço do inimigo alemão. Aí teria nascido, segundo os defensores dessa versão “moderna” do personagem, o intelectual público contemporâneo.
Altamente questionável essa visão e monopólio gauleses do intelectual. Talvez devêssemos recuar um pouco esse nascimento e falar, por exemplo, dos enciclopedistas do século XVIII, ou dos ingleses e escoceses do período da guerra civil, John Locke ou Thomas Hobbes, ou então do protótipo do conselheiro do príncipe, isto é, Maquiavel em pessoa. Mais um pouco – passando pela Idade Média, com tantos personagens brilhantes, como Avicena, Averroes, Maimonides e Tomás de Aquino – chegaríamos à antiguidade clássica, com Sócrates e Platão. Existem muitos outros exemplos, é claro, mas minha intenção não é a de retraçar as origens e desenvolvimento dos intelectuais ao longo da história, mas tão simplesmente a de fazer uma breve análise econômica das condições de produção, reprodução, circulação, acumulação e eventual falsificação desse personagem, nas condições modernas e brasileiras e também numa perspectiva crítica em relação aos possíveis defeitos desse “produto”, que está quase virando uma commodity, sob o império – é o caso de se aplicar o conceito – da globalização avassaladora.

2. Natureza do produto e valor agregado: ativos tangíveis e intangíveis
O intelectual pode ser definido como sendo, essencialmente, um produtor de saber ou, pelo menos, de ideias (nem sempre originais). Não qualquer saber, nem quaisquer ideias, que estariam disponíveis ao comum dos universitários – que eles, sim, são uma commodity –, mas um saber especializado e ideias supostamente únicas e aparentemente originais, pretensamente refinadas e dotadas de virtudes eventualmente “explicativas” do mundo real e “propositivas” de novas vias para se abordar os problemas do mundo real.
Seria isso verdade? Provavelmente não, ou então sim, mas de uma forma muito restritiva, pois a maior parte dos pretensos intelectuais não produz qualquer saber original – no sentido de elevar o estoque de conhecimento humano a patamares superiores de criatividade e inovação –, atuando mais como “porta-vozes” dos setores educados da população, sendo, por isso mesmo, requisitados pelos meios de comunicação para pontificar sobre esta ou aquela matéria. Estou obviamente referindo-me a alguns dos ilustres pontífices das ciências humanas, uma vez que os cientistas, que são os verdadeiros inovadores em nossa civilização tecnológica, não são habitualmente considerados como intelectuais, mas como meros produtores de um “saber instrumental”. Fiquemos, portanto, nesse estamento mais reduzido de “processadores de ideias humanísticas” para traçarmos uma breve economia política do intelectual.
O intelectual é um produto do seu meio, mas ele traz um valor agregado, o que os marxistas chamariam de “mais valia”, no sentido em que ele é capaz de acrescentar novos significados a velhos saberes, travestindo conceitos antigos sob novas roupagens, o que o transforma em um personagem próximo do prestidigitador. Atenção!: ele não um mero enganador, um embromador com ideias alheias. Não!: ele apenas recupera parte do conhecimento disponível em seu meio social e ambiente cultural e o apresenta de maneira relativamente inédita, o que em latim – sim, os intelectuais deveriam, em princípio, saber latim, tanto quanto grego antigo e inglês, essa novilíngua dos bárbaros da globalização – se traduz por “non nova, sed nove”, ou seja, não inteiramente novo, mas de forma nova.
A maior parte dos ativos do intelectual, o que seria o seu valor agregado pessoal, é constituída de intangíveis, matéria volátil como o calor dos sentidos e a luz das ideias, ainda que não se possa excluir que o intelectual também ande armado de um grande porrete, para eventualmente melhor enfiar suas ideias nas cabeças dos adversários. Nos tempos de Niccolò Machiavelli, por exemplo, a adaga era um instrumento fundamental de trabalho, tanto quanto os venenos pouco perceptíveis e as bolsas com ducados e fiorinos: a defesa pessoal, as conspirações e a compra de espiões, ou mesmo de possíveis adversários, figuravam no arsenal “intelectual” de qualquer condottiere ou candidato a príncipe por um dia. As armas enferrujam, venenos desaparecem, o dinheiro é dilapidado, mas o que fica são as ideias intangíveis dos intelectuais, que movimentaram líderes políticos ambiciosos, que por sua vez mobilizaram exércitos inteiros de mercenários – ou seriam militantes? – para defender suas causas, ou, mais exatamente, suas propriedades (que ainda não foram conquistadas, obviamente).

3. Volatilidade e imperfeição dos mercados intelectuais
Nosso intelectual atua em mercados imperfeitos, como são, aliás, a maior parte dos mercados de bens e serviços. Esse mercado é dominado por um número menor de “vacas sagradas” e muitos outros candidatos a um nicho nesse mercado altamente volátil, mas caracterizado por alguns ciclos perfeitamente definíveis. Esses ciclos obviamente têm a ver com a oferta e a demanda de “ideias úteis” para a sociedade. Nem todas as ideias são úteis o tempo todo, nem as supostas “utilidades” que se possa extrair de certas propostas “intelectuais” conformam, de fato, ideias originais que configurem uma melhor situação de “bem estar” para o conjunto da sociedade. Determinadas “ideias” de intelectuais reputados podem aparentar uma promessa de bem estar superior, mas na verdade representam, no entrechoque de sua implementação prática, uma diminuição do retorno real, aquilo que os economistas chamam de “maximização da satisfação”. 
O mercado dos intelectuais “marxistas”, por exemplo, já conheceu tempos melhores, quando as ações cotadas no nome do criador da seita – que digo?, uma religião, com todos os rituais a que ela têm direito – conheciam grande demanda e um alto “valor de troca”, valorizando-se indevidamente, portanto (pelo menos em relação ao seu “valor de uso” real, sobretudo nas sociedades do capitalismo avançado). Depois, elas saíram de moda, seus papéis despencaram – as ações do socialismo de tipo soviético, por exemplo, deixaram de ter cotação – e só tinham procura nos mercados periféricos, onde as ideias aparentemente circulam tardiamente ou estão sempre fora do lugar. A manutenção da demanda agregada para esse tipo de papel, em todo caso, só ocorreu nas universidades públicas, conhecidas pela imperfeição ainda maior dos seus mercados de ideias.
Os papéis liberais, em contrapartida, chegaram ao fundo do poço durante a longa dominação do keynesianismo doutrinal e do planejamento indicativo em quase todas as economias de mercado desenvolvidas. Durante o longo período que vai dos anos 1940 aos 80 do século XX, eles praticamente não tiveram cotação nas bolsas do pensamento econômico, ficando restritos – e basicamente escondidos – em alguns poucos bastiões do academicismo conservador, como Chicago ou a escola de Viena, limitada a alguns saudosistas da belle époque. Voltaram em peso no pregão das ideias na moda a partir dos anos 1980, sob o travestimento de “papéis neoliberais”, mas, de fato, as ações mais procuradas ainda pertenciam ao liberalismo clássico, como os títulos “Von Mises” ou os blue chips “Friedrich Hayek”.
Quanto às regras do “consenso de Washington”, contrariamente ao que parecem crer alguns neófitos do mercado de ideias – sempre existem inexperientes ou aventureiros nesse tipo de negócio –, elas não representam, na verdade, ações “neoliberais”, mas tão simplesmente um conjunto de propostas pragmáticas, visando oferecer prescrições macro e microeconômicas para ajudar os turbulentos mercados latino-americanos a superar as duras tarefas dos ajustes emergenciais e a encontrar novos patamares de estabilidade. O mercado para elas foi ingrato, submetidas que foram a fortes ataques especulativos dos antiglobalizadores – alguns preferindo ser chamados de “desenvolvimentistas” –, o que fez oscilar erraticamente os seus preços, trazendo pouca demanda a esse nicho restrito do mercado de ideias práticas.

4. Um tipo específico de intelectual: a “vaca sagrada”
Volto, agora, ao problema das “vacas sagradas” e às suas ideias eventualmente nocivas à sociedade em que vivem ou a que servem. Contrariamente ao que alguns podem crer, eles não são naturais da Índia, nem têm algo a ver com o planejamento estatal que foi a característica mais marcante daquele país durante suas décadas de baixo crescimento e de isolamento dos mercados globais. Nossa vaca sagrada também pode ser um planejador, mas ele é, sobretudo, um vendedor de ideias mortas. Qual é a minha noção de “vaca sagrada”?
Vacas-sagradas são aquelas pessoas que atingiram tal grau de excelência em suas áreas respectivas, que elas se tornam verdadeiras referências para o campo de estudos ou de atividades a que elas se dedicam. Viram mitos, pessoas inatingíveis e inatacáveis e tudo o que elas dizem – o que pode eventualmente incluir coisas anódinas ou até besteiras completas – é acatado com todo o respeito, vem repetido na imprensa e acaba sendo aceito com toda a reverência que essas vacas-sagradas merecem, por vezes indevidamente, e que elas exibem com certa arrogância na vida diária.
Eu – anarquista e iconoclasta que sempre fui – considero pessoalmente uma pena esse respeito indevido de que gozam as “vacas sagradas”, uma vez que esse acatamento reverencial por parte dos “candidatos” a intelectuais pode ser nefasto à “circulação” de novas ideias. Sim, pela boa e simples razão de que as verdadeiras vacas sagradas, por definição, ostentam velhas ideias, congeladas no tempo, que elas (as vacas, não as ideias) continuam a estender e dispensar aos discípulos como quem se esforça por espalhar os últimos restos do pote de geleia num pedaço muito grande de pão. Com isso, algumas dessas vacas-sagradas podem fazer muito mal a um país.
Considerem, por exemplo, este depoimento de uma das maiores vacas sagradas de todos os tempos, o finado economista Celso Furtado, no qual ele diz que o Brasil está dominado pelo neoliberalismo e que a “coisa microeconômica é um disparate completo”. Em depoimento prestado em agosto de 2004, poucos meses antes de morrer, ele disse exatamente o seguinte: “A hegemonia do pensamento neoclássico-neoliberal acabou com a possibilidade de pensarmos um projeto nacional; em planejamento governamental, então, nem se fala... O Brasil precisa se pensar de novo, partir para uma verdadeira reconstrução. Para mim, o que preza é a política. Essa coisa microeconômica é um disparate completo.” (Maria Inês Nassif, “O CDES e o consenso que não é neoliberal”, jornal Valor Econômico, 13/07/2006).
É realmente uma pena que a nossa maior vaca sagrada pensasse assim, pois o dinheiro da sua aposentadoria, o de todas as outras aposentadorias, aliás, todo o dinheiro que movimenta e sustenta o governo, assim como a qualquer outra pessoa no Brasil e no mundo, toda a riqueza que movimenta as relações, em quaisquer instâncias que se possa conceber, tudo isso deriva dessa “coisa microeconômica” tão desprezada e vilipendiada por Celso Furtado. Sem ela, não haveria empregos, renda e riqueza, pois é evidente que é a microeconomia que produz todo e qualquer valor na sociedade – o que Marx sabia muito bem – uma vez que a famosa macroeconomia – tão apreciada pelos keynesianos e por toda a torcida de economistas desenvolvimentistas – apenas se dedica, pura e simplesmente, à singela organização das melhores condições possíveis para o exercício de uma boa microeconomia pelos agentes econômicos. Não acredito que os economistas keynesianos pensem que governos sejam capazes de criar valor, ou que eles retiram dinheiro a partir do nada, como se fosse de uma lâmpada mágica. Até os economistas desenvolvimentistas sabem perfeitamente que são os produtores diretos, os agentes microeconômicos, tão desprezados por Celso Furtado, os ÚNICOS que criam valor numa sociedade.
Mas deixemos as vacas sagradas em paz para voltarmos aos nossos intelectuais de mercado. Nossa economia política ainda não acabou...

5. Intelectuais de marca ou genéricos?
Existem muitos modelos de intelectuais, alguns ostentando marcas de prestígio, outros sendo simples genéricos, como ocorre, aliás, com a maior parte dos universitários. Os primeiros custam mais caro, ou melhor, cobram mais caro do que a média do mercado para trabalhadores não-manuais, mas, como no caso das ações “marxistas”, seu valor de troca encontra-se indevidamente valorizado em relação ao seu efetivo “valor de uso”. Et pour cause: poucas de suas “ideias” são implementáveis de fato, consistindo, no mais das vezes, de prescrições quiméricas – só imagináveis por quem vive na torre de marfim, sem qualquer contato com as linhas de montagem ou as seções de contabilidade das firmas –, além de considerações genéricas do tipo “o que falta ao país é um projeto estratégico nacional” (proposição tão ingênua quanto inexequível, em condições democráticas).
Os intelectuais “genéricos”, em contrapartida, não costumam propor um “projeto nacional” pronto e acabado, contentando-se com comentários pretensamente profundos sobre temas do momento, a partir de frases de colegas de “marca” ou de algumas figuras do passado (as “vacas sagradas”, justamente, que se tornam ainda mais míticas do que já eram). Com os progressos da globalização, e a disseminação fácil das ideias geniais – a maior parte agora disponível num simples clicar de “cut-and-paste” – os intelectuais de marca se tornam cada vez mais genéricos – pois que amplamente disseminados nas engrenagens da tecnologia da informação – e os genéricos, por sua vez, podem aspirar a ter seus quinze minutos de fama, como se fossem uma marca legítima.
Atenção: se você pretende ser um legítimo intelectual de marca, não generalize as suas ideias, em todo caso, não antes de registrá-las em algum suporte comercial, devidamente protegido pela legislação de propriedade intelectual, o que lhe poderá assegurar não apenas o monopólio de continuar explorando aquelas ideias – ou pelo menos a forma em que foram expressas – durante bastante tempo, recolhendo no caminho alguns bons royalties pela circulação dessas ideias porventura geniais (não precisam ser, basta que tenham um ar de sê-lo). 

6. A substituição de importações intelectuais no caso brasileiro
O intelectual, no Brasil, sempre foi um produto importado, não vindo no porão dos navios, como o bacalhau, o azeite e vinho, mas na coberta das caravelas, veleiros e outros transportes que faziam o trajeto da metrópole, que era onde se dispensavam os saberes d’antanho. Muito antigamente eles vinham de Coimbra, depois essas importações foram amplamente diversificadas, com muitos saberes em várias línguas, mas com a predileção especial por Paris e seus modismos intelectuais. Apesar da decadência francesa em todas as coisas mais vis que possa haver no mundo, commodities, mercadorias ordinárias e outras bugigangas, é da França, e mais especificamente de Paris, que ainda provêm, junto com perfume e as roupas da moda burguesa, as ideias que constituem le dernier cri dos nossos intelectuais.
Aparentemente, toda a filosofia uspiana é uma demoiselle que aqui aportou depois de um long séjour parisien, como se estivesse num département d’outre mer. N’importe, o fato é que nós já fizemos nossa substituição de importações no terreno das ciências sociais, aliás com ideias, conceitos e metodologias que falavam inglês – vindas com os famosos brazilianists dos anos 1960 e 1970 – e não precisaríamos mais importar essas ideias francesas que só servem mesmo para a França, pois são tão específicas daquela cultura como o foie-gras, o camembert, o reblochon. Aliás, desde que aqui começou a se fazer o legítimo conhaque – sim, com “que”, sem “c” – de alcatrão de São João da Barra, no distante século XIX, que não precisaríamos mais importar ideias francesas, superadas que elas deveriam estar por nossa genialidade adaptativa e imensa capacidade de digerir e reproduzir o que há de mais avançado no mundo das ideias.
Mas, qual o quê! Nossos intelectuais são preguiçosos: eles não se dedicam a criar ideias próprias e continuam a consumir ideias francesas que na atualidade vêm mais em modelos prêt-à-porter do que sob a forma elegante do fait-à-la-main. É por isso que nossos alunos universitários continuam a ser torturados pelos Derridas de aluguel, pelos Lacan de contrabando, pelos Foucault de um imaginário que não tem muita imaginação. Vejam vocês que eu já encontrei estudos sociológicos sobre os nossos garimpeiros – sim, aqueles seres brutos que despejam mercúrio na natureza e usam as pepitas para comprar o amor das donzelas disponíveis – elaborados com a mais refinada técnica foucaultiana, como se não fosse possível analisar o imaginário rude desses seres singulares das nossas fronteiras da civilização, a não ser com tecnologia importada de Paris. Épatant, n’est-ce-pas?
Quero crer que a substituição de importações já se completou no caso das nossas ciências sociais e que não precisaríamos mais estar pagando royalties e serviços técnicos por essas contribuições dispensáveis ao nosso universo mental, e que só não o fazemos por absoluta preguiça conceitual e vagabundagem metodológica dos nossos intelectuais. Ao trabalho, rapazes e moças: libertem-se do que é importado, do que é supérfluo, para diminuir esse “passivo externo”, essa terrível dependência intelectual do estrangeiro, que só agrava a nossa “vulnerabilidade externa”, pesando indevidamente em nosso balanço de pagamentos do setor universitário.

7. Regulação e concorrência do mercado de intelectuais
            Todos os intelectuais dizem amar a liberdade, as pugnas intelectuais, o combate de ideias, a liberdade de expressão e a livre circulação das opiniões. Na verdade, como várias outras categorias sociais, sempre temerosas da livre concorrência, eles adoram uma boa reserva de mercado, um nicho garantido por um título de exclusividade, uma licença régia qualquer que lhe garanta a exploração monopólica de um serviço qualquer.
            Existiria outra razão para o jornalismo ser exercido por “intelectuais” portadores de certificado? Ou eles não são intelectuais os jornalistas? Pela nossa definição, eles se encaixam: lidam com conceitos, opiniões, argumentos, produzem ideias, informações, dicas úteis à sociedade, ao corpo e ao espírito, quem vai dizer que eles não são o que pretendem ser? Eles vivem, em última instância, da palavra escrita e, portanto, se encaixam na definição.
            Ainda que não fossem: os que se pretendem verdadeiros intelectuais são uma espécie de jornalistas universitários: vivem processando informações, elaborando dados em novas apresentações externas, remodelando o conteúdo daquelas ideias que possam ter fabricado no passado, aplicando um Lavoisier em outras que são recicladas de colegas porventura falecidos, enfim, fazem aquilo que se faz nas redações, apenas que eles têm um público cativo, e o mais das vezes passivo, ao passo que os outros, os intelectuais da imprensa precisam, pelo menos, fazer com que a clientela compre a sua produção como condição de sobrevivência física.
            O intelectual universitário não: ele dispõe de uma reserva de mercado, que pode explorar à vontade – stricto et lato sensi – e não precisa nem mesmo se preocupar com a satisfação do consumidor: as condições estão dadas pela estabilidade, uma tenure que em outros países – que exibem intelectuais mais competitivos – só se alcança ao cabo de longos e longos anos de produtividade desenfreada, segundo o velho princípio do publish or perish, e que é aferida regularmente para fins de patrocínio ou financiamento quanto a seus resultados efetivos, não os proclamados pela própria casta. Na verdade, nosso intelectual não quer concorrência, ele não gosta de concorrência, ele aprecia mesmo um bom monopólio, de preferência público, que explora privadamente.
Querem um exemplo?: O projeto de lei que cria o escritor de carteirinha. Trata-se do projeto de lei nº 4641, apresentado em setembro de 1998 pelo deputado Antônio Carlos Pannunzio (PSDB-SP) e que “dispõe sobre o exercício da profissão de escritor”. Será que esse escritor profissional terá de trabalhar 8 horas por dia, vai descontar imposto sindical, terá férias remuneradas, direito a FGTS, essas coisas?

8. As finanças dos intelectuais: transparência e recursos não-contabilizados
Assunto nebuloso este, aliás como tudo o que diz respeito a renda e pagamento de impostos em nosso país. O intelectual detesta ser um mero assalariado, o que ele acaba frequentemente sendo, geralmente do Estado. O intelectual assalariado não consegue ter liberdade para dispor de seus recursos. Se for para ser um assalariado, melhor ser como aqueles antigos artistas e intelectuais sustentados por mecenas endinheirados – o que é uma tautologia, obviamente – ou príncipes ainda não decadentes de cortes europeias, com castelos funcionais (com quadras de tênis, banheiros modernos e ar condicionado). Ser um Da Vinci, um Voltaire, e levar uma vida de palácio, de doces tertúlias na verdura suave de uma tarde de verão, isso é que é vida. Stop o sonho e voltemos à realidade.
O intelectual precisa, como qualquer mortal, se preocupar com o supermercado, o salário da empregada – sim, eles ainda não aboliram totalmente a escravidão – e o avanço do fisco sobre seus rendimentos não declarados. Claro que eles têm esse tipo de renda extra: quantas palestras, quantos artigos ou resenhas, quantas crônicas para essas revistas corporativas não surgem assim do nada e não é que “pinga”, em contrapartida, algum dinheiro ocasional para o choppinho da sexta-feira? Mais importante: quantos projetos e seminários, e visitas e convites, e livros coletivos e tantas outras oportunidades mais não surgem na vida do intelectual, sobretudo quando o seu preço de mercado já subiu por força de alguma ideia poderosa que encontrou muitos tomadores no mercado?
Como todo e qualquer brasileiro, intelectual também é gente, assim que, ao lado dos rendimentos declarados, e mesmo dos investimentos de portfólio, sempre existe uma parte de recursos não contabilizados e de “seguro de risco”. De preferência bem discreto, pois como todo mundo sabe, transparência demais é burrice. Mas aqui não vai nenhuma distinção especial, nenhuma exclusividade do intelectual. Ele é simplesmente como qualquer um de nós...
9. Uma lei de responsabilidade social para os intelectuais?
Seria bem vinda, sobretudo para aplicar naqueles que pretendem revender ideias alheias, métodos não testados, sugestões que não funcionam, problemas que estão longe de problematizar adequadamente, anomalias conceituais, paralaxes cognitivas, enfim, num conceito popularizado por Alain Sokal et Jean Bricmont, “imposturas intelectuais”.
Existem muitas imposturas intelectuais em nossas universidades, algumas até não percebidas como tais e que passam pelo mais puro produto do espírito que anda. (Ou alguém já conseguiu matar a praga do Foucault, que continua a torturar nossos aluninhos mesmo muitos anos depois de morto?) Difícil terminar com todas elas, sobretudo porque as ideias e seus criadores não se submetem a um simples teste da verdade, já não digo a falsificabilidade popperiana, mas um simples teste de sua adequação à realidade, de verificação empírica, de comprovação de laboratório, de validação socrática pela lógica das aproximações sucessivas. Elas são pragas renitentes.
Uma lei de responsabilidade social para os intelectuais os obrigaria a trazer a prova de suas afirmações, a fazer um simples cálculo de custo-benefício para verificar o retorno social de suas propostas de reforma da natureza e de transformação da sociedade. Os intelectuais parecem ser como a Emília, naquela história homônima de Monteiro Lobato: eles saem por aí com uma varinha mágica sociológica, um pó de pirlimpimpim filosófico, e se dispõem a oferecer a políticos incautos – sobretudo em épocas eleitorais – grandes projetos nacionais, a custo quase zero (no papel, mas as comissões são à parte), e uma indefinição absoluta quanto aos resultados. São tão traficantes quanto políticos que oferecem empregos na máquina pública, com a diferença que depois eles não precisam mourejar para produzir algum resultado tangível a partir de suas ideias malucas.
Uma lei dessas viria a calhar, mas não é provável que ela venha a existir any time soon: intelectuais são como cartomantes, eles oferecem um futuro qualquer, mas não garantem exatamente quando ele vai se realizar, e não admitem cobranças a respeito. Se calhar, eles até vendem suas ideias em dez vezes “sem juros”. Querem apostar?

Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 20 de julho de 2006


O Caso Wagner - Celso Lafer (JT, 7/07/1978)

Como o caso do criminoso nazista foi trazido novamente a público recentemente, em matéria da FSP, encontrei em meus arquivos um antigo artigo do então estudioso das relações internacionais, depois chanceler, Celso Lafer.
Artigo publicado no Jornal da Tarde (SP), 3/07/1978.
Transcrevo uma versão em jpg, acredito que lisível, aumentada...
Paulo Roberto de Almeida


Prata da Casa: os livros dos diplomatas - Paulo Roberto de Almeida


A publicação ainda vai demorar, por isto antecipo a divulgação das mini-resenhas dos livros mais recentes. Acrescentei agora as capas de cada livro.


Prata da Casa, outubro 2018 - fevereiro de 2019

Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 20 de fevereiro de 2019
 [Miniresenhas; Revista da ADB, Associação dos Diplomatas Brasileiros (ano XX, n. 99, outubro de 2018 a fevereiro de 2019, p. xx-xx; ISSN: 0104-8503)]


1) Christófolo, João Ernesto:
Princípios Constitucionais de Relações Internacionais: significado, alcance e aplicação (Belo Horizonte: Del Rey, 2019, 684 p.; ISBN: 978-85-384-0532-0)

Estudo absolutamente inédito na categoria dos estudos sobre o constitucionalismo brasileiro, pois enfocando, em mais de 650 páginas todos os princípios das relações internacionais do Brasil tal como inscritos na CF-88: independência nacional, prevalência dos direitos humanos, autodeterminação dos povos, não intervenção, igualdade entre os estados, defesa da paz, solução pacífica dos conflitos, repúdio ao terrorismo e ao racismo, cooperação entre os povos para o progresso da humanidade, concessão de asilo político. O trabalho é precedido por um estudo sistêmico e comparado dos princípios constitucionais de relações internacionais, assim como examina o tema no constitucionalismo brasileiro e sua construção na Assembleia Constituinte de 1987-88. O trabalho é impressionante pelo seu caráter exaustivo.


2) Barbosa, Rubens:
Um diplomata a serviço do Estado: na defesa do interesse nacional: depoimento ao Cpdoc (Rio de Janeiro: FGV Editora, 2018; 300 p.; ISBN: 978-85-225-2078-7)

Meio século de atividades diplomáticas – que ainda não terminaram – estão aqui reproduzidas, mediante o depoimento prestado pelo autor a Matias Spektor, no Cpdoc, consistindo numa descrição detalhada de sua participação nos temas mais relevantes da diplomacia brasileira desde meados dos anos 1960 até sua aposentadoria como embaixador em Washington, passando por chefia de divisões, chefia de gabinete (ministro Olavo Setúbal), representante junto à Aladi, coordenação do Mercosul e de temas econômicos e também embaixador em Londres. Agregam-se ao seu próprio relato depoimentos de colaboradores, como os diplomatas Eduardo Santos, Marcos Galvão e Paulo Roberto de Almeida. Seus arquivos já se encontram disponíveis na FGV-RJ, e comportam milhares de páginas abertas à pesquisa. Rubens Barbosa segue ativo.


3) Almeida, Paulo Roberto de (org.):
A Constituição Contra o Brasil: ensaios de Roberto Campos sobre a Constituinte e a Constituição de 1988 (São Paulo: LVM Editora, 2018; 448 p.; ISBN: 978-85-93751-39-4)

Estão aqui compilados 65 dos melhores artigos feitos pelo diplomata-economista, já na condição de Senador (pelo MT), constituinte derrotado na maior parte de suas propostas liberais e favoráveis à abertura econômica e integração do Brasil à economia mundial, precedidos por um ensaio do organizador, analisando o pensamento do grande estadista, e com um longo ensaio final destrinchando cada um dos dispositivos econômicos da Carta Magna. Incrível a capacidade premonitória de Roberto Campos ao antecipar que aqueles artigos generosos para todos e cada um acabariam inviabilizando um processo sustentado de crescimento econômico, ao comandarem o aumento contínuo dos gastos públicos; realista também sua postura contra o nacionalismo e o caráter intervencionista do Estado, tornando o Brasil um dos piores ambientes de negócios de todo o mundo.


4) Raffaelli, Marcelo:
Guerras europeias, revoluções americanas: Europa, Estados Unidos e a independência do Brasil e da América Espanhola (São Paulo: Três Estrelas, 2018; 380 p.; ISBN: 978-85-68493-54-0)

Uma história mundial das revoluções da independência das colônias ibéricas como nunca existiu na literatura publicada no Brasil, ou seja, no contexto internacional, desde 1792 (período do Terror na Revolução francesa, o que confirmava que não haveria retorno rápido às monarquias do passado), até 1828, quando finalmente termina a guerra entre Brasil e Argentina pelo pequeno Uruguai. A bibliografia confirma a manipulação de um número considerável de materiais primários e fontes secundárias, consultados diretamente nos National Archives e na Library of Congress, cuja maestria na seleção das melhores transcrições revela um historiador de altíssima qualidade. Já autor de um livro sobre as relações entre o Brasil e os EUA durante o Império (disponível na Biblioteca Digital da Funag), Raffaelli apresenta aqui uma história fascinante.


5) Villafañe G. Santos, Luís Cláudio:
Juca Paranhos, o barão do Rio Branco (São Paulo: Companhia das Letras, 2018, 560 p.; ISBN: 978-85-359-3152-5)

Destinada a tornar-se clássica, depois dos precedentes de Álvaro Lins (1945) e Luiz Vianna Filho (1959), a biografia de Villafañe inova sobre os precedentes, ao retraçar, cuidadosamente, a vida privada, as dificuldades e as artimanhas do patrono da diplomacia brasileira, nas suas relações com a imprensa, no cuidado com o ambiente político do início da República, e basicamente sua mentalidade conservadora, no seguimento da longa dominação saquarema sobre a política imperial, seguida pelo sistema oligárquico das elites republicanas, apoiadas numa agricultura atrasada. As relações com as grandes potências e com a vizinha Argentina são especialmente estudadas, no contexto da geopolítica regional, numa fase de imperialismos europeus ainda agressivos. Os problemas familiares também são ressaltados adequadamente.


6) Lima, Sergio Eduardo Moreira; Farias; Rogério de Souza (orgs.):
A palavra dos chanceleres na Escola Superior de Guerra (1952-2012) (Brasília: Funag, 2018; 738 p.; ISBN: 978-85-7631-780-7; coleção Política externa brasileira)

Este pesado volume é uma obra de referência sobre a política externa brasileira ao longo de 60 anos, como o compêndio organizado por Seixas Corrêa para os discursos inaugurais do Brasil nas AGNU anuais, mas à diferença daqueles, o público aqui é interno, o que permite maior sinceridade e abertura sobre aspectos cruciais da diplomacia brasileira, tal como expostas pelos ministros na Sorbonne militar, aliás moldada segundo o National War College americano. A introdução, da lavra do historiador Rogério Farias, coloca esses discursos no contexto político nacional e no ambiente internacional a cada etapa dessa longa interação entre duas instituições que pensam o Brasil e contribuem para formar os tomadores de decisão. Do Vargas constitucional à presidente derrocada em 2016, uma memória da história diplomática.


7) Cardim, Carlos Henrique (editor):
Revista 200 do Grupo de Trabalho do Bicentenário da Independência (Brasília: Ministério das Relações Exteriores, n. 1, outubro-dezembro de 2018, 236 p.)

Excelente iniciativa do embaixador Cardim, enquanto coordenador adjunto desse GT, ao reunir materiais antigos e inéditos em torno de nossa história, cuja fase autônoma começa, na verdade, pelos debates nas Cortes de Lisboa, como retratado em sua capa. Um equilíbrio de estilos, de conteúdo altamente diversificado, esse número apresenta documentos históricos, análises de grandes historiadores do passado, ensaios do presente, por diplomatas e acadêmicos, colaborações de grande qualidade intercaladas por uma riquíssima iconografia, selecionada pelo exímio editor de revistas e livros que sempre foi Carlos Cardim. Ele sublinha que a revista está destinada a ser um “traço de união”, e destaca o papel fundador de Hipólito da Costa, aliás objeto de um ensaio de Paulo Roberto de Almeida, que o considera o “primeiro estadista do Brasil”.


8) Paiva, Maria Eduarda (editora-chefe):
Juca: diplomacia e humanidades (revista do curso de formação em diplomacia do IRBr, n. 10, 2018, 220 p.; ISSN: 1984-6800)

Em seu décimo aniversário, essa excelente revista dos alunos do Rio Branco apresenta um dossiê sobre os 30 anos da Constituição, aqui abordada por seus dispositivos econômicos, raciais e ambientais. Três entrevistas também dão o tom desse número: com o próprio chanceler Aloysio Nunes, com a deputada Benedita da Silva sobre a Constituinte e com o colega Silvio Albuquerque e Silva sobre os diplomatas negros. A memória diplomática tem matérias sobre Bertha Lutz, sobre as relações Brasil-EUA, a estratégia de Rio Branco na questão do Acre e as relações Brasil-Rússia em 1917. A editora-chefe traz um excelente artigo sobre o itinerário de Itaipu na tríplice relação com a Argentina e o Paraguai, na visão dos diversos diplomatas que se ocuparam da questão, desde Guimarães Rosa até Saraiva Guerreiro, passando por Gibson Barboza.


(9) Fortuna, Felipe:
O rugido do sol: poemas (Rio de Janeiro: Pinakotheke, 2018; 126 p.; ISBN: 978-85-7191-106-2)

Estes novos “poemas” de Felipe Fortuna se apresentam, antes de mais nada, como uma obra de arte visual. As aspas se justificam pois desde o Prefácio até a Lápide final (“Aqui giz”), esta talvez seja a obra mais rebuscada, stricto et lato sensi, de Felipe Fortuna, já autor de sete outros livros de poesia, três de crítica literária, dois de ensaios e duas traduções. O poema do título vem enclausurado numa bola escura, com duas páginas na cor vermelha, ressaltando o fogo da poesia, qual magma em fusão. Todos os poemas são construções gráficas, em letras maiúsculas, minúsculas, invertidas, tortuosas e torturadas, mas “o poeta pede desculpas” (p. 14) por apresentar brincadeiras com as palavras que nos obrigam a ler duas, três, quatro vezes, para apreciar essas troças com o leitor e consigo mesmo. Poesias curtas, telegráficas, mas todas altamente impactantes.

 10) Lozardo, Ernesto:
OK, Roberto, você venceu: o pensamento econômico de Roberto Campos (Rio de Janeiro: Topbooks, 2018; 352 p.; ISBN: 978-85-7475-280-8)

O autor, ex-presidente do IPEA, não é diplomata, mas o sujeito de sua homenagem foi, certamente, um dos maiores estadistas do Brasil na segunda metade do século XX. Por racionalidade extrema, brigou muito com o Itamaraty, mas olhando retrospectivamente ganhou todas as partidas. Viu antes e mais longe que todos os diplomatas e bem mais que os homens públicos, mas perdeu a batalha em que se lançou desde cedo para tornar o Brasil uma nação próspera, por estupidez da maior parte dos dirigentes. A análise do pensamento econômico do homem que pensou o Brasil é complementada por depoimentos de personalidades que conviveram com ele: Fernando Henrique Cardoso, Henry Kissinger, Antonio Delfim Netto, João Carlos Martins e Ernane Galvêas. Campos foi uma grande referência na vida de Lozardo. Deveria ter sido de todos...


11) Merquior, José Guilherme: O Marxismo Ocidental (tradução Raul de Sá Barbosa; 1a edição; São Paulo: É Realizações, 2018, 352 p.; ISBN: 978-85-8033-343-5)

A edição original de Western Marxism é de 1985 e começa por uma cobrança ao próprio Marx, que teria, sem dúvida, como recomendado na undécima tese sobre Feuerbach, mudado a face do mundo, mas a sua interpretação desse mundo, na visão do maior intelectual diplomático brasileiro, foi intelectualmente insatisfatória. A obra parte do legado hegeliano e marxista, para depois dialogar com todos os marxistas ocidentais, desde Lukács e Gramsci até Habermas, passando pela Escola de Frankfurt, por Walter Benjamin, Sartre, Althusser e Marcuse. A obra vem enriquecida por depoimentos sobre o intelectual e sua obra, inclusive uma entrevista com o editor José Mário Pereira, e um importante arquivo de “fortuna crítica”, em torno dos debates que a obra suscitou desde seu primeiro aparecimento. Ela foi dedicada a um marxista brasileiro: Leandro Konder.


12) Temer, Michel:
O Brasil no mundo: abertura e responsabilidade: escritos de diplomacia presidencial (2016-2018) (Brasília: Funag, 2018, 409 p.; ISBN: 978-85-7631-791-3).

O presidente nunca foi diplomata, mas como foram os diplomatas de sua assessoria os responsáveis pela quase totalidade desses discursos, ao longo dos dois anos e meio do governo de transição, que retomou a diplomacia tradicional do Brasil, depois dos desvios lulopetistas, cabe registrar uma obra que marca, justamente, o retorno da política externa brasileira a padrões mais tradicionais de interação regional e mundial. São 68 discursos ou pronunciamentos ao longo de 30 meses, o que resulta em mais de dois discursos sobre temas internacionais por mês, desde as assembleias da ONU, as cúpulas regionais e as reuniões do Mercosul, até palestras para empresários, sem esquecer os temas bilaterais, ainda que mais reduzidos. Todos os grandes temas da diplomacia brasileira foram devidamente tratados por colegas competentes.


Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 20 de fevereiro de 2019


PS.:
Não fiz a resenha dos livros de Celso Lafer, porque já escrevi um posfácio e uma apresentação geral dos dois volumes publicados em dezembro passado pela Funag.
Vou postar outra vez....