Temas de relações internacionais, de política externa e de diplomacia brasileira, com ênfase em políticas econômicas, em viagens, livros e cultura em geral. Um quilombo de resistência intelectual em defesa da racionalidade, da inteligência e das liberdades democráticas.
O que é este blog?
Este blog trata basicamente de ideias, se possível inteligentes, para pessoas inteligentes. Ele também se ocupa de ideias aplicadas à política, em especial à política econômica. Ele constitui uma tentativa de manter um pensamento crítico e independente sobre livros, sobre questões culturais em geral, focando numa discussão bem informada sobre temas de relações internacionais e de política externa do Brasil. Para meus livros e ensaios ver o website: www.pralmeida.org. Para a maior parte de meus textos, ver minha página na plataforma Academia.edu, link: https://itamaraty.academia.edu/PauloRobertodeAlmeida.
segunda-feira, 29 de junho de 2009
1177) Repressão no Itamaraty: os tempos do AI-5
Homofobia e intolerância motivaram perseguições; Vinicius de Moraes foi um dos 13 afastados
Bernardo Mello Franco
O Globo, Domingo, 28/06/2009
No período mais sombrio da ditadura militar, o Ministério das Relações Exteriores usou a segurança nacional como pretexto para violar a intimidade de funcionários e expulsar diplomatas que, segundo o próprio órgão, eram considerados homossexuais, emocionalmente instáveis ou alcoólatras. Documentos obtidos pelo GLOBO no Arquivo Nacional, vinculado à Casa Civil, e no Itamaraty provam que a homofobia e a intolerância pautaram o funcionamento da Comissão de Investigação Sumária, que fez uma caça às bruxas em todos os escalões do Itamaraty. O órgão secreto deu origem a 44 cassações em abril de 1969, no maior expurgo da história da diplomacia brasileira. A comissão foi criada pelo ministro Magalhães Pinto e chefiada pelo embaixador Antônio Cândido da Câmara Canto, que teve 26 dias para confeccionar a lista de colegas a serem degolados com base no Ato Institucional no5.
(...)
Ler a íntegra desta matéria do Globo neste link.
Nota pessoal: Permito-me chamar a atenção para este trabalho meu em livro coletivo:
“Do alinhamento recalcitrante à colaboração relutante: o Itamaraty em tempos de AI-5” In: Oswaldo Munteal Filho, Adriano de Freixo e Jacqueline Ventapane Freitas (orgs.), “Tempo Negro, temperatura sufocante": Estado e Sociedade no Brasil do AI-5 (Rio de Janeiro: Ed. PUC-Rio, Contraponto, 2008; 396 p. ISBN 978-85-7866-002-4; p. 65-89).
O sumário e a capa do livro encontram-se disponíveis em meu site, neste link.
domingo, 28 de junho de 2009
1176) Integracao sul-americana: um dialogo (indireto) sobre os modelos
Depois de ler o artigo, minha correspondente desconhecida formulou os comentários que seguem abaixo. Respondi o que vai transcrito logo a seguir.
Integração econômica reginal: bolivarianos e anti-alcalinos
Anônimo Glaucia disse...
Professor,
No todo, gosto. Apenas não entendo a insistência em diminuir sistematicamente (e sem razão aparente) tudo o que é latino- ou sul-americano.
Dois momentos em que fica evidente essa pré-disposição: um, a observação (ponto 2) de que os intercâmbios da Alba se dariam "entre os poucos paises membros", quando aquela organização conta hoje 9 paises membros - constituindo, nesse aspecto, o mais numeroso "bloco econômico" do(s) continente(s).
Dois, a resistência de Brasil, Argentina e Venezuela a uma Alca que você proprio reconhece como um tratado de adesão é atribuida a "[e]ssa pequena coalizão de paises". Uma pequena coalizão das três maiores economias do continente fora do NAFTA. Não pareceria estranho chamar Alemanha, França e Reino Unido de "pequena coalizão de paises" nas negociações com a UE?
O mais curioso é que parece haver uma enorme ala do Itamaraty que resiste bravamente à politica de Estado (se me permite chamar assim uma politica adotada sistematicamente por todos os governos pos-Ditadura) de aproximação com nossos vizinhos, assoprando pelos cantos - por razões para mim obscuras - que o melhor era retornarmos nossas baterias de volta para o circuito Elizabeth Arden.
Haveria uma experiência comum tão ruim assim com os hermanos que justificasse esse posicionamento - que parece ao leigo, não digo ir contra, mas ir bem além das razões objetivas pelas quais a integração avança lentamente?
Domingo, Junho 28, 2009 6:05:00 AM
Meus comentários em resposta:
Glaucia,
Respondo a seus comentários, em primeiro lugar seu entendimento, que considero totalmente equivocado, de que insisto em diminuir "tudo o que é latino- ou sul-americano".
Tenho muitos artigos e pelo menos três livros sobre os processos de integração na América Latina em geral, no Mercosul em particular, e tenho sido um defensor inequivoco da integração econômica. Apenas não faço desse processo um nec plus ultra, um fim em si mesmo, um nirvana integracionista que solucionaria todos os problemas existentes na região.
Não se deve ter nenhuma ilusão quanto aos limites objetivos desses processos para a solução dos problemas mais importantes da região, que todos se situam na governança democrática, no crescimento econômico com redistribulção de renda, posto que seus problemas sociais se situam todos na desigualdade, pobreza, miséria, concentração de renda, má qualidade das instituições, baixissimos npiveis educacionais, corrupção e outros males do gênero.
A integração permite, apenas e tão somente, capacitar melhor o sistema econômico, ou pelo menos deveria, se fosse conduzida em seus propósitos originais, que compreendem abertura econômica recíproca, liberalização comercial, redução de barreiras em geral para economias de escala e modernização tecnológica (o que não é exatamente o que vem ocorrendo nos últimos tempos, tanto no Mercosul, quanto nos países ditos bolivarianos, nos quais se assiste ao retorno do estatismo e do nacionalismo velho estilo).
Mas, vamos aos seus pontos:
1) "um, a observação (ponto 2) de que os intercâmbios da Alba se dariam "entre os poucos paises membros", quando aquela organização conta hoje 9 paises membros - constituindo, nesse aspecto, o mais numeroso "bloco econômico" do(s) continente(s)."
PRA: Com exceção da Venezuela, e agora, do Equador, todas as demais economias são menores, para não dizer minúsculas (Caribe). A Bolívia dispõe de reservas de petróleo e gás, como o Equador, mas sua exploração envolve recursos, know-how e tecnologia que nenhum deles dispõe, inclusive a Venezuela, daí a necessidade de investimentos externos que vêm sendo espantados pelas políticas discriminatórias.
Quanto à real importância da Alba, sugiro que você leia o tratado constitutivo, disponível no portal da Alba: jamais houve tratado igual, ou similar, nos anais da diplomacia, desde Nabucodonosor, talvez.
Se aquilo é integração, eu ofereço minha biblioteca toda a quem me provar que os bolivarianos vão conseguir integrar suas economias.
2) "Dois, a resistência de Brasil, Argentina e Venezuela a uma Alca que você proprio reconhece como um tratado de adesão é atribuida a "[e]ssa pequena coalizão de paises". Uma pequena coalizão das três maiores economias do continente fora do NAFTA. Não pareceria estranho chamar Alemanha, França e Reino Unido de "pequena coalizão de paises" nas negociações com a UE?"
PRA: Você confunde completamente as coisas. França e Alemanha se uniram desde 1951, e depois em 1957, para constituir um mercado comum e encerrar três guerras terríveis. Todo o resto é secundário. Reino Unido resolveu entrar depois no experimento, depois de liderar uma zona de livre-comércio também exitosa, a EFTA.
Brasil, Argentina e Venezuela recusaram, por certo, o projeto americano de uma ZLC desequilibrada, mas tampouco conseguiram concretizar uma ZLC entre si, e as promessas de mercado comum continuam não só distantes, como se distanciando cada vez mais, com as restrições existentes e crescentes.
O NAFTA é a maior ZLC do mundo, depois da UE, que também é uma ZLC. Os três países da América do Sul constituem três grandes economias que ainda não decidiram efetuar a liberalização recíproca e sua recusa da Alca não se prende a razões econômicas, mas basicamente políticas.
Terceiro ponto levantado por você:
"O mais curioso é que parece haver uma enorme ala do Itamaraty que resiste bravamente à politica de Estado (se me permite chamar assim uma politica adotada sistematicamente por todos os governos pos-Ditadura) de aproximação com nossos vizinhos, assoprando pelos cantos - por razões para mim obscuras - que o melhor era retornarmos nossas baterias de volta para o circuito Elizabeth Arden."
PRA: Engano seu. O Itamaraty em seu conjunto é favorável à integração regional, subsistindo apenas posições de cautela quanto ao sentido dessa integração, posto que as modalidades seguidas podem apresentar impacto sobre outros aspectos da economia e da política do Brasil.
Como disse, existem aqueles que fazem da integração um fim em si mesmo, e aqueles que a consideram apenas um meio para alcançar outros fins.
Retomando meus primeiros comentários, eu diria que a integração é o rabo comercial que não pode abanar o cachorro do desenvolvimento, portanto existem limites às suas possibililidades objetivas.
Racionalidade econômico e análise de custo-benefício sempre são importantes, mesmo em projetos considerados prioritários como a integração regional. Não é porque é dito prioritário que se vai deixar essa análise de lado.
Bons sentimentos e simpatia não são nunca bons substitutos à racionalidade estrito senso.
Se você quer saber por que a integração avança lentamente, precisaria fazer uma análise detalhada das políticas econômicas nacionais (macroeconômicas e setoriais).
A experiência é boa, repito, e deve ser perseguida, continuada e sustentada, mas não pode ser feita em detrimento de uma análise objetiva de seus custos e benefícios, de seu impacto global sobre o país e de sua capacidade (muito modesta, segundo minhas análises) de transformar realmente o Brasil). Desenvolvimento é algo profundamente interno e não é a integração que realiza o processo, como a experiência da Irlanda demonstra. A integração pode até ajudar um pouco, mas o principal deve ser feito internamente.
Em todo caso, muito grato pelos seus comentários que me ajudam a expor com mais clareza minhas posições. Seria mais fácil responder diretamente, mas posto que você prefere permanecer anônima, terá de ler os comentários aos seus comentários...
Paulo Roberto de Almeida.
28.06.2009
sexta-feira, 26 de junho de 2009
1175) Curso na ESPM-SP: A Ordem Mundial e as Relações Internacionais do Brasil - 13 a 17 de julho
Curso de Paulo Roberto de Almeida
ESPM-SP, de 13 a 17 de julho de 2009 das 19h às 22h30
Breve descrição: Uma atualização crítica sobre aspectos políticos, econômicos e tecnológicos da ordem internacional contemporânea. Serão enfocados os principais problemas da agenda diplomática mundial e a forma como o Brasil interage em cada uma dessas vertentes, no contexto da globalização e da internacionalização de seu sistema econômico.
Data: de 13 a 17/07/2009, 40 vagas
Duração: 15 h, noturno; Horário: das 19h às 22h30
Custo: R$ 700,00 (preço 2: R$ 770,00)
Local: ESPM-SP - Rua Dr. Álvaro Alvim, 123 - Vila Mariana - 04018-010 - São Paulo, SP; Mapa de localização.
Mais informações pelo telefone (11) 5085-4600 ou pelo e-mail ci@espm.br
Outras informações sobre o curso e inscrições.
Conteúdo do curso: O atual contexto geopolítico mundial e a estrutura econômica internacional contemporânea constituem as duas grandes vertentes deste curso, que tem por meta atualizar os participantes a respeito da agenda internacional e do posicionamento do Brasil neste cenário. Uma atualização crítica: a idéia é pensar o mundo de forma macro. O programa é dividido em cinco partes, uma para cada dia de aula:
1) “A ordem política mundial do início do século XXI e o Brasil”
2) “A ordem econômica mundial e a inserção internacional do Brasil”
3) “Economias emergentes no contexto mundial: desafios e perspectivas”
4) “O Brasil no contexto dos Brics: anatomia de um novo grupo”
5) “O regionalismo sul-americano e o papel político-econômico do Brasil”.
Metodologia: As aulas são apoiadas em uma apostila e uma ampla bibliografia, na exposição de conceitos e na discussão em sala, em interação com os alunos sobre as questões selecionadas e outras sugeridas durante o curso.
Professor: Paulo Roberto de Almeida, diplomata de carreira, doutor em Ciências Sociais pela Universidade de Bruxelas, mestre em Planejamento em Econômico, professor de Economia Política Internacional no mestrado em Direito do Uniceub (Centro Universitário de Brasília), orientador do mestrado em Diplomacia do Instituto Rio Branco, do Ministério das Relações Exteriores. Site.
Objetivos: Informar, analisar e debater, com os participantes do curso, os aspectos políticos, econômicos e tecnológicos da ordem internacional contemporânea. Serão enfocados os principais problemas da agenda diplomática mundial e a forma como o Brasil interage em cada uma de suas vertentes, no contexto da globalização e da internacionalização de seu sistema econômico.
A quem se destina: A estudantes de humanidades em geral, de cursos de Relações Internacionais, em particular, mas também a todos os que estudam temas de alguma forma afetos aos negócios globais, em nível de graduação ou especialização em administração (com foco em global business). Deve interessar, igualmente, a homens de negócio, assim como a quaisquer outros profissionais interessados em atualizar conhecimentos sobre a agenda internacional (negociações comerciais multilaterais e regionais, crises financeiras, temas globais) e sobre a diplomacia brasileira em particular.
Programa:
1. A ordem política mundial do início do século XXI e o Brasil
1.1. Segurança estratégica e equilíbrios geopolíticos: interesses do Brasil
1.2. Relações entre as grandes potências e conflitos regionais: a América do Sul
1.3. Cooperação política e militar nas zonas de conflitos: o Conselho de Segurança
2. A ordem econômica mundial e a inserção internacional do Brasil
2.1. Regulação cooperativa das relações econômicas internacionais
2.2. Assimetrias de desenvolvimento: crescimento e investimentos estrangeiros
2.3. Cooperação multilateral e Objetivos do Milênio
2.4. Recursos energéticos e padrões de sustentabilidade: o papel do Brasil
3. Economias emergentes no contexto mundial: desafios e perspectivas
3.1. Evolução recente das economias emergentes no contexto mundial
3.2. Acesso a mercados e negociações comerciais multilaterais
3.3. O Brasil no contexto das economias emergentes: desafios e limitações
4. O Brasil no contexto dos Brics: anatomia de um novo grupo
4.1. O que são, como evoluíram e o que pretendem os Brics
4.2. Impacto dos Brics na economia mundial e desta nos Brics
4.3. O Brasil e as implicações geoeconômicas e geostratégicas do novo grupo
5. O regionalismo sul-americano e o papel político-econômico do Brasil
5.1. Contexto político da América do Sul em perspectiva histórica
5.2 Os processos de integração regional e a evolução da posição do Brasil
5.3. Integração regional: origens e evolução do Mercosul, crise e estagnação
5.4. Desafios do Mercosul no contexto regional e mundial: perspectivas.
Palavras-chave para o mecanismo de consulta do site da ESPM: Relações econômicas internacionais, agenda política mundial, países emergentes, integração regional, América do Sul, política externa do Brasil.
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Paulo Roberto de Almeida
pralmeida@mac.com
www.pralmeida.org
Blog
terça-feira, 23 de junho de 2009
1174) Universidades gastadoras (e pouco produtivas)
Gasta-se demais com universidades
Julio César Cardoso, 22/06/2009.
Gasta-se muito dinheiro com universidade para todos, enquanto não se ensina, com solidez, o indivíduo a saber ler, escrever e fazer conta. Matemática financeira então, nem se fala! A maioria não sabe resolver sequer questões do cotidiano: percentagem, juro simples, desconto etc.Não precisamos de tantos doutores, mas sim de formação técnica especializada de nível médio de alta qualidade.
Necessitamos de escolas públicas - 1° e 2.° graus - de excelente qualidade e direcionada à aprendizagem técnica profissionalizante, para que o cidadão saia em condição de poder trabalhar.
Nem todos os indivíduos estão preparados para a carreira superior, muitos preferem trabalhar numa especialização técnica não-universitária. Quantos jovens não sabem qual o curso superior a seguir, mas são pressionados pela família ou pela tendência social a cursar uma faculdade? Depois, trancam o curso, ou pulam para outro, e quando se formam não têm competência profissional.
Tudo porque a exigência exacerbada de formação universitária no País está se transformando num certo modismo (caro), e não numa necessidade profissional para a vida. É preciso que as doutas autoridades que tratam da educação formal brasileira reflitam sobre essa crescente onda de formação universitária.
Universidade para todos é uma medida pedagógica ou política? É preciso que o assunto seja tratado com responsabilidade. O nosso mercado de trabalho tem o perfil universitário ou de conhecimento técnico de nível médio? Muito dinheiro, público e privado, está sendo gasto com universidade como se isso fosse a solução para resolver as diferenças sociais e o desemprego.
Por outro lado, a instituição de cotas raciais universitárias é um grande equívoco e só serve para gerar animosidade entre segmentos sociais. Não devemos esquecer que o branco pobre também sofre as mesmas exclusões sociais. Essa engenhoca credencial, encontrada para rever erros do período da senzala, não tem cabimento porque o problema primordial está localizado na falta de políticas públicas includentes educacionais. Senão, até quando esse pseudorreparo de injustiça escravocrata persistirá?
Assim, enquanto se verifica uma excessiva preocupação governamental com a criação de mais universidades pelo País, a revista britânica A Economist considera que o Brasil gasta demais com universidades, em vez de ensinar a ler e escrever.
Vejamos o comentário do jornal Opinião e Notícia acerca desta matéria:
"A revista britânica Economist ressalta que qualidade da educação brasileira ainda está muito aquém do que se observa em outros países em desenvolvimento. Isso apesar dos altos gastos públicos do País com educação.
Em um teste feito com alunos de várias nacionalidades para verificar suas habilidades em leitura, matemática e ciências, os brasileiros ficaram atrás dos sul-coreanos, chilenos, mexicanos e indonésios, apesar de o Brasil ter a maior porcentagem do PIB gasta com educação, à exceção do México.
A Economist considera que, tal como a Índia, o Brasil ainda gasta demais com suas universidades, em vez de ensinar a ler e escrever. A revista britânica avalia ainda que, apesar dos esforços do governo para colocar as crianças nas escolas, o sistema educacional padece de dois problemas principais: o excesso de faltas ao trabalho dos professores e o alto índice de repetência dos alunos.
1173) Ação afirmativa: política de cotas para universitários
Por trás das boas intenções
Mauad João Luiz
O Globo, 4 de junho de 2009
As ações afirmativas são normalmente explicadas ao público como medidas temporárias, que visam a compensar certas debilidades impostas pela opressão racista ou pela desvantagem social. O problema é que o discurso não espelha a realidade, em que elas, longe de redimir desigualdades, são um instrumento poderoso da divisão da sociedade em classes e da concessão de privilégios, os quais, no lugar de remediar injustiças, tornam-se matéria-prima na produção de preconceitos.
A discriminação contra pessoas por razões de classe, gênero, cor da pele, orientação sexual, credo religioso, etc. é absolutamente real, inquestionável. Todos os dias, presenciamos com imenso pesar as suas inúmeras manifestações, graças a Deus menos ostensivas e mais encabuladas hoje do que eram no passado. Porém, esta verdadeira chaga, há muito fincada na dignidade humana, não será removida por atitudes hipócritas, oportunistas e contrárias ao Estado de Direito.
Nas sociedades livres, vigora o princípio universal de que “todos os homens são iguais por natureza e diante da lei”, estampado no preâmbulo da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, de 1793. Nossa constituição de 1988 acolheu este preceito em seu artigo quinto, que textualmente estabelece: “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza...”. Mas os constituintes de então não pararam por aí. No Artigo 19º, nossa Lei Maior proclama ainda que: “É vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios criar distinções entre brasileiros ou preferências entre si”.
Não por acaso, nos Estados Unidos, onde a malfadada idéia já foi motivo de intenso debate, por decisão da Suprema Corte as políticas de cotas são proibidas desde 1978. Outras formas de incentivo, como bolsas de estudo e financiamentos a custo reduzido para pessoas de baixa renda são permitidas, mas nada parecido com cotas raciais, pelo simples fato de que ferem o princípio consagrado da isonomia.
Peguemos, por exemplo, a instituição de cotas nas universidades públicas. Além de francamente inconstitucional, como visto acima, a proposta demonstra, por outro lado, a mais absoluta incapacidade dos governos para o exercício de suas funções. Malgrado a imensa arrecadação tributária, próxima a 40% do PIB, os agentes públicos, em seus diversos níveis, não conseguem prover um ensino básico minimamente decente, como claramente demonstrado pelos últimos resultados do ENEM Brasil afora. Pretendem então operar, pela via legal, a mágica de garantir o acesso às universidades, independentemente do mérito ou das qualificações, daqueles cuja boa educação foi impedida pela incompetência do próprio governo.
Essas propostas são usadas para passar a imagem de que os nossos valentes e dedicados políticos estão muito preocupados com a questão. Porém, são políticas que só maquiam o problema, pois passam ao largo do fato primordial, que é a má qualidade do ensino público fundamental. Como iniciativas desse tipo não produzem aumento de vagas nas universidades, no fim das contas alguns serão beneficiados às custas de outros. Os jovens brancos da classe média baixa serão provavelmente os mais prejudicados.
Se, por um lado, o remédio das ações afirmativas deixa clara a incompetência dos governos, ele também encobre uma ferrenha cruzada ideológica. Por trás das boas intenções, redentoras e politicamente corretas, não raro esconde-se a velhaca pretensão marxista de divisão da sociedade em classes. Ao exigir, por exemplo, que certidões de nascimento, carteiras de identidade e outros documentos informem a “raça” de seu portador, visando a futuro benefício, como prevê o Estatuto da Igualdade Racial, se está, na prática, institucionalizando a segregação racial. Onde quer que isso tenha sido feito antes, ainda que com fundadas justificativas, os resultados foram os piores possíveis, como muito bem documentado pelo brilhante Thomas Sowell (ele mesmo um negro), pesquisador da Universidade de Stanford, no ótimo livro “Ações afirmativas ao redor do mundo: um estudo empírico”.
Capacidade intelectual e cognitiva independem da cor da pele ou da condição social. Tratar negros, índios e pobres como se fossem menos capazes do que os demais é, acima de tudo, uma grande humilhação. Definitivamente, não dá para fazer demagogia com um assunto sério como esse.
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Para um versão completa deste artigo, ver a revista Banco de Ideias, do Instituto Liberal do Rio de Janeiro (n. 46, mar-abr-maio 2009), neste link: http://www.scribd.com/doc/13134374/Banco-de-Ideias-n-46-MarAbrMai-2009?autodown=pdf
domingo, 21 de junho de 2009
1172) Fim do diploma de jornalista para exercer a profissao
Uma Conquista da Liberdade
Rodrigo Constantino
18 de junho de 2009
“A exigência de diploma de curso superior para a prática de jornalismo não está autorizada pela ordem constitucional, pois constitui uma restrição a efetivo exercício da liberdade jornalística.” (Presidente do STF, ministro Gilmar Mendes)
Com quase unanimidade, os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) decidiram que o diploma de jornalismo não é obrigatório para exercer a profissão. A maioria dos ministros entendeu que parte do decreto-lei de 1969 era inconstitucional. O ministro Gilmar Mendes chegou a fazer uma analogia com a culinária: “Um excelente chefe de cozinha certamente poderá ser formado numa faculdade de culinária, o que não legitima o Estado a exigir que toda e qualquer refeição seja feita por profissional registrado mediante diploma de curso superior nessa área”. A obrigatoriedade de diploma nada mais é do que uma reserva de mercado garantida por lei. Derrubá-la, portanto, representa uma conquista da liberdade.
Bob Woodward conseguiu derrubar o presidente Richard Nixon com sua reportagem investigativa sobre o escândalo de “Watergate”. Woodward não tinha diploma de jornalismo. Ele estudou história e literatura inglesa, e enquanto considerava a opção de cursar direito, acabou conseguindo um emprego como repórter no The Washington Post. Mas pela lei brasileira válida até a decisão do STF, Woodward não poderia exercer a profissão de jornalista. Ele não seria considerado apto para a tarefa, por falta de um diploma específico. O mundo perderia um importante jornalista, por um motivo bobo. Existem vários outros casos assim.
Na verdade, muitas pessoas defendem este tipo de regulação estatal, como a obrigatoriedade de diplomas, por desconfiar da capacidade de auto-regulação dos mercados. Há pouca confiança na liberdade por parte desses indivíduos. Ora, quem deve decidir se alguém serve ou não para a função de jornalista, em última instância, são os consumidores. Não é preciso obrigar o uso do filtro universitário. Se a faculdade de jornalismo realmente agregar valor, ela será naturalmente demandada. Inclusive haverá concorrência entre elas, e por isso que um diploma numa boa faculdade não tem o mesmo valor que outro numa faculdade de “botequim”. Mas quem deve julgar isso são os próprios consumidores. Até mesmo os donos de veículos de imprensa dependem, no final do dia, da aprovação desses consumidores. Por isso eles são levados a se preocupar com a qualidade do serviço. E por isso os melhores jornalistas serão mais demandados, com ou sem diploma. É assim que deve ser: liberdade de escolha.
Isso não é válido somente para o jornalismo. Na verdade, qualquer profissão deveria funcionar assim. Essa idéia pode parecer muito radical à primeira vista, mas algumas reflexões mostram que não é o caso. E podemos usar uma das mais importantes profissões, que mexe com a vida das pessoas, para explicar: a medicina. Será que para exercer a função de médico deve ser obrigatório um diploma de medicina? Parece evidente que sim, mas não é tão simples como parece. Se entendermos que cada indivíduo deve ser livre para fazer o que quiser, contanto que não agrida a liberdade alheia, então devemos aceitar que ele é livre até para se prejudicar. E se ele deve ser livre para tanto, ele deve ser livre para escolher os meios que ele deseja atingir tal fim. Logo, se ele quiser fumar, beber, viver no ócio, ele deve ser livre para tanto. E se ele quiser arriscar uma “cura” para uma doença qualquer, através de médiuns, chás “milagrosos” ou até mesmo o Dr. Fritz, ele deve ser livre para isso. Ele não está prejudicando ninguém mais além dele próprio.
Como disse certa vez o ex-presidente americano Ronald Reagan, "os governos existem para nos proteger uns contra os outros; o governo vai além de seus limites quando decide proteger-nos de nós mesmos". Aceitando-se esta premissa razoável, então devemos aceitar também que cada um é livre para se tratar com o “médico” que quiser. O que não deve ser permitido, no entanto, é a fraude, ou seja, alguém alegar ter um diploma que não tem. Mas isso seria crime de qualquer jeito, pois é uma troca calcada na mentira. Mas, se o paciente souber que o “curandeiro” não possui diploma algum, e ainda assim desejar se submeter aos seus tratamentos, assinando um termo de responsabilidade por isso, ninguém deve ter o direito de impedi-lo. Ou tratamos os adultos como seres livres e responsáveis, que devem assumir as rédeas de suas vidas, ou vamos encarar os cidadãos como súditos incapazes que necessitam da tutela estatal para tudo. Esse é o caminho da servidão. Ser livre quer dizer ser livre para cometer graves erros ou correr riscos mortais até.
Logo, vimos que até mesmo no delicado caso da medicina não há necessidade legal de diploma, contanto que os casos de fraude sejam severamente punidos. O leitor pode se perguntar se buscaria um tratamento para uma grave doença com qualquer embusteiro que oferecesse uma cura milagrosa. Acredito que não. E por que então assumir que todos os outros são mentecaptos incapazes de exercer o mesmo tipo de julgamento? Não é uma postura arrogante? Devemos confiar mais na liberdade. Se partirmos da premissa que todos são idiotas facilmente manipuláveis, então não podemos ao mesmo tempo defender o sufrágio universal. A democracia seria incompatível com esta visão dos homens. Afinal, seriam esses mesmos incapazes que estariam escolhendo seus “protetores”. Como conciliar as duas coisas? Como defender a tutela paternalista do governo e a liberdade de escolha desses tutores ao mesmo tempo? Não faz sentido.
Em suma, a decisão do STF representa um passo em direção à liberdade. Mas ainda falta muito. Ainda temos reservas de mercado em várias outras profissões. Ainda temos alistamento militar obrigatório, que trata cidadãos como escravos do governo. Ainda temos voto obrigatório, um disparate numa democracia. E por aí vai. Mas hoje vamos celebrar essa conquista da liberdade.
1171) Giovanni Arrighi: morte de um intelectual
Faleceu em New York, no dia 18 de junho, o conhecido historiador, sociólogo, economista Giovanni Arrighi que lutava contra um cancer diagnosticado em julho de 2008.
Pedro Vieira, de Washington, DC, associado da ABPHE, adicionou a seguinte nota, em 21 de junho de 2009, à informação acima:
Dia 18 de junho, às 11 horas da manhã, Giovanni Arrighi nos deixou fisicamente para sempre, depois de estar há quase um ano lutando contrar um cancer. Na nota em que comunicou este doloroso acontecimento, Beverly Silver, sua esposa e companheira inteletcual, comunicou que ele faleceu em paz ao lado dela e do filho dele, Andrea. Nascido em Milão em 1937, Giovanni Arrighi produziu uma fecunda obra, deste seus estudos sobre a África (entre os quais, The Political Economy of Rhodesia, The Hague, Mouton, 1967), passando por Geometria do Imperialismo (1978) e chegando a Adam Smith em Pequim, publicado no Brasil em 2008 e que junto com O Longo Século XX e Caos e Governabilidade, formam uma trilogia que ele, já doente, dizia ter ficado feliz por ter concluido. Esta obra, que se constitui numa original contribuição à compreensão crítica do capitalismo, coloca Giovanni Arrighi entre os grandes intelectuais do nosso tempo. Por último, em um de seus últimos seminários, ele disse que em um certo ponto de sua carreira trocou a economia pela sociologia porque queria continuar fazendo economia política.
Addendum em 13.07.2009
Giovanni Arrighi
José Luís Fiori
Agencia Carta Maior, 13.07.2009
Do ponto de vista teórico, Giovanni Arrighi foi um “heterodoxo”, que soube retomar com criatividade a tradição da grande teoria social dos séculos XIX e XX, de Marx, Weber, Schumpeter e Braudel, para estudar as “ondas longas” econômicas e políticas do capitalismo. Sua ousadia intelectual merece reconhecimento e homenagem em um tempo de mesquinharias e de grande pobreza de idéias.
Morreu nos Estados Unidos, dia 19 de junho de 2009, na cidade de Baltimore, o economista italiano Giovanni Arrighi, que foi professor na Universidade Johns Hopkins nos últimos anos de sua vida. Arrighi nasceu em Milão, em 1937, estudou na Universidade de Bocconi, e na década de 1960 participou da geração de cientistas sociais europeus e norteamericanos que trabalharam na África e se dedicaram ao estudo do desenvolvimento econômico nos países da periferia capitalista. De volta à Itália, na década dos 70, e depois nos Estados Unidos, a partir dos anos 80, Giovanni Arrighi dedicou quase três décadas de sua vida intelectual ao estudo da “crise da hegemonia norteamericana” dos anos 70, e das transformações econômicas e políticas mundiais das décadas seguintes, que passaram pela expansão vertiginosa da China e de grande parte da Ásia, e chegaram até a crise financeira de 2008.
Pouco a pouco, Arrighi mudou sua preocupação teórica do tema do crescimento econômico dos países periféricos e atrasados, para o estudo mais amplo do desenvolvimento histórico do capitalismo e do “sistema mundial moderno”, que se formou, se expandiu e se consolidou a partir da Europa, desde o século XVI. Marx teve uma presença decisiva na formação do pensamento de Giovanni Arrighi, mas sua extensa investigação sobre os ciclos e as crises econômicas e políticas da história capitalista partiu de outro lado, de três teses “heterodoxas” do historiador francês Fernand Braudel. Segundo Braudel, o capitalismo não é igual à economia de mercado, pelo contrário, é o “anti-mercado”, e o segredo de seu crescimento contínuo são os “lucros extraordinários” dos “grandes predadores” que não se comportam como o empresário típico ideal da teoria econômica convencional. Em segundo lugar, para Braudel, a força originária do capitalismo não veio da extração da mais valia dos trabalhadores, mas sim da associação entre os “príncipes” e os “banqueiros” europeus, que se consolida muito antes do século XVI. E, finalmente, sempre segundo Braudel, todos os grandes ciclos de expansão do capitalismo chegam a uma fase “outonal”, onde as finanças substituem a atividade produtiva, na liderança da produção da riqueza.
Giovanni Arrighi parte destas três idéias básicas e formula sua própria teoria, em seu admirável livro “O longo século vinte”, publicado em 1994. Ali, ele desenvolve, de forma mais acabada, suas próprias teses sobre o papel da concorrência estatal e da concorrência capitalista no desenvolvimento da história moderna. Uma sucessão de ciclos de acumulação econômica, liderados por uma sucessão de potências hegemônicas que mantiveram a ordem política e o funcionamento da economia mundial, graças à sua capacidade crescente de projetar seu poder nacional sobre um espaço cada vez mais global: Holanda, no século XVII, Grã Bretanha, no século XIX, e os Estados Unidos no século XX.
Segundo Arrighi, entretanto, estas sucessivas “situações hegemônicas” não suspendem os processos de competição e centralização do capital e do poder, responsáveis pela repetição periódica de grandes crises e longos períodos de transição e reorganização da base produtiva, assim como de mudança na liderança mundial do sistema. Desde o ponto de vista estritamente econômico, cada um destes grandes ciclos de acumulação, seguiu uma alternância regular, de épocas de expansão material com épocas de grande expansão financeira. Nos períodos “produtivos” o capital monetário põe em movimento uma massa crescente de produtos; no segundo período, o capital se libera de seu “compromisso” com a produção e se acumula – predominantemente – sob a forma financeira. Durante esta segunda fase, segundo Arrighi, é que se acelera a formação das estruturas e das estratégias dos Estados e dos capitais que deverão suceder ao antigo hegemón e assumir o comando do processo de acumulação econômica dali em diante, dando curso ao movimento contínuo de internacionalização das estruturas e instituições capitalistas.
Para Giovanni Arrighi, o conceito de “hegemonia mundial” se refere à capacidade de um Estado de liderar, mais que dominar, o sistema político e econômico mundial formado pelos Estados soberanos e suas economias nacionais. E as “crises de hegemonia” que se sucederam através da história são rupturas e mudanças de rumo na liderança, anunciadas pelas “expansões financeiras”, mas também pela intensificação da competição estatal; pela escalada dos conflitos sociais e coloniais ou civilizatórios; e pela emergência de novas configurações de poder capazes de desafiar e superar ao antigo Estado hegemônico. São crises que não ocorrem de repente, nem de uma só vez. Pelo contrário, aparecem separadas no tempo, primeiro na forma de uma “crise inicial”, e depois de algumas décadas na forma de uma grande “crise terminal”, quando então já existiria o novo “bloco de poder e capital”, capaz de reorganizar o sistema e liderar seu novo ciclo produtivo. Entre essas duas crises, é quando a expansão material dá lugar a “momentos maravilhosos” de acumulação da riqueza financeira, como ocorreu ao terminar o século XIX, e agora novamente, no final do século XX.
Giovanni Arrighi concluiu sua extensa investigação histórica com a certeza de que a “crise inicial” da hegemonia norteamericana começou na década de 1970, e que sua “crise terminal” está em pleno curso, neste início do século XXI, quando já se anuncia um novo ciclo de acumulação capitalista liderado por um ou por vários países asiáticos.
A teoria das previsões históricas de Giovani Arrighi pode ser criticada desde vários pontos de vista. Mas existe uma virtude em sua obra que transcende todas as críticas: Arrighi foi um dos raros economistas de sua geração que resistiu à tendência dominante do pensamento acadêmico do final do século XX, as pequenas narrativas e a construção de modelos formais inócuos. Do ponto de vista teórico, Giovani Arrighi foi um “heterodoxo”, que soube retomar com criatividade a tradição da grande teoria social dos séculos XIX e XX, de Marx, Weber, Schumpeter e Braudel, para estudar as “ondas longas” econômicas e políticas do capitalismo. Sua ousadia intelectual merece reconhecimento e homenagem em um tempo de mesquinharias e de grande pobreza de idéias.
Tradução de Katarina Peixoto a partir do texto em espanhol publicado em Sin Permiso.
José Luís Fiori, cientista político, é professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro.
1170) Bolsa trabalho: uma experiencia americana valida para o Brasil
Bolsa Trabalho: Aperfeiçoando a Redistribuição de Renda
Igor Barenboim
Jornal do Brasil, 21 de junho de 2009
Nunca antes na história deste país houve programa de distribuição de renda de monta equivalente ao do Bolsa Família. Regulamentado pela lei 10.836 de 2004, esta norma unificou e consolidou os programas Bolsa Escola, Vale Gás e o Bolsa Alimentação instituídos respectivamente em 2001, 2002 e 2003. A lei também formalizou a instituição de cadastro único permitindo ao governo brasileiro atender milhões de famílias carentes.
Nos EUA, uma década antes, o presidente Bill Clinton consolidou e expandiu o principal programa de redistribuição de renda dos anos 90 nos EUA, atendendo também a milhões de famílias desfavorecidas no nosso vizinho do norte. O programa Earnings Income Tax Credit (EITC), que eu traduzo como Bolsa Trabalho trata de redistribuir renda aos que trabalham, mas alcançam apenas módicos proventos com suas ocupações.
Acredito que ambos programas tenham méritos e efeitos colaterais indesejados e que se aplicados em conjunto de forma ajustada, é possível construir uma política de redistribuição de renda que promova mais o crescimento da economia garantindo a cidadania do povo brasileiro.
O programa Bolsa Família funciona como um imposto de renda negativo. Ou seja, aqueles que têm renda abaixo de um certo patamar são beneficiários da assistência governamental. O programa atende os verdadeiros desfavorecidos de nossa sociedade garantindo a cidadania e estimulando a educação e a conseqüente mobilidade social em prazo mais longo. No entanto, qualquer programa de assistência desta sorte tem o efeito colateral indesejável de desestimular o trabalho. Somando-se todos os benefícios que uma família média pode auferir com o programa, chegamos a cifras relevantemente superiores ao salário mínimo - certamente um desestímulo ao trabalho, não?
Políticas públicas que desestimulam o trabalho, elevam o preço da mão de obra e terminam por inviabilizar atividades que sem tal política seriam de possível realização pelo setor privado, com prejuízos para o crescimento econômico. Mas como evitar tal desestimulo sem impedir que nossos concidadãos percam sua dignidade, seu direito à alimentação e à oportunidade de educação de seus filhos?
A resposta é justamente o Bolsa Trabalho. Ou seja, a criação de um programa paralelo à política puramente assistencial que garanta que o trabalho é sempre mais interessante em termos financeiros para qualquer cidadão. Nos EUA, tal programa funciona de forma linear: Se o total de proventos de uma família está abaixo de certo patamar, para cada dólar recebido, essa família tem direito a 40 centavos extras. Portanto se ao mês a família ganha 500 dólares ela terá direito a receber 200 dólares a mais do governo.
Ao meu ver, o Bolsa Trabalho deveria ser trazido para o Brasil e adaptado ao Bolsa Família. Digo que um programa de incentivo ao trabalho brasileiro deveria ter parâmetros para a determinação dos benefícios que fossem adequados aos benefícios dos programas de transferência de renda já existentes. Ou seja, uma família com dois filhos em idade escolar deveria ter um benefício maior no Bolsa Trabalho para compensar o Bolsa Escola.
Outra vantagem deste tipo de programa, muito relevante para o Brasil, de hoje, é o incentivo a formalização das relações de trabalho e a declaração de renda a Receita Federal. Para poder gozar dos benefícios do Bolsa Trabalho seria necessário que o trabalhador tivesse carteira de trabalho assinada e declarasse seus proventos ao governo. É justamente a declaração unida ao registro de trabalho que tornariam o trabalhador um beneficiário.
No fundo esse programa trata-se de um subsídio aos trabalhadores de baixa renda e aos seus empregadores: um incentivo ao trabalho, a formalização e ao cumprimento das obrigações patronais.
Este é apenas um primeiro ensaio sobre como avançar na questão da redistribuição de renda no Brasil com o intuito de tornar o nosso país mais próspero. Peço aos colegas economistas e formuladores de políticas públicas que se debrucem no assunto, analisando a pertinência e a ideal forma de implementar o Bolsa Trabalho.
Igor Barenboim é Ph.D. em Economia por Harvard e Subsecretário de Administração da cidade do Rio de Janeiro
1169) Integracao sul-americana: balanco das experiencias
“Evolução histórica do regionalismo econômico e político da América do Sul: Um balanço das experiências realizadas”
Cena Internacional
Ano 10, n. 2-2008, p. 72-97
disponível neste link.
sábado, 20 de junho de 2009
1168) Jornalistas e advogados: guildas medievais e corporacoes de oficio ultapassadas
Como sou totalmente contrário a esse tipo de prática medieval, a esse cartorialismo ultrapassado, a esse regime de guildas protegidas por um decreto qualquer da autoridade, enfim, a esse tipo de corporação de ofício incompatível com um regime de liberdade e de sadia competição no mercado de trabalho, respondi o que vai um pouco mais abaixo.
Diploma: OAB-PE pede que Britto busque regulamentação da profissão de jornalista
Brasília, 19/06/2009 - O presidente nacional da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Cezar Britto, recebeu hoje (18) ofício encaminhado pelo presidente da Seccional da OAB de Pernambuco, Jayme Asfora, no qual solicita que o Conselho Federal da OAB encaminhe ao Congresso Nacional minuta de projeto de lei que busque a regulamentação da profissão de jornalista e determine a exigência do diploma de curso superior e registro profissional no Ministério do Trabalho para o exercício da profissão.
Para Asfora, a decisão do Supremo Tribunal Federal - que considerou inconstitucional a exigência do diploma para o exercício da profissão - é um "retrocesso democrático" e "uma afronta a um dos princípios fundamentais da cidadania: o acesso à informação livre e de qualidade". Ainda segundo o dirigente da OAB pernambucana, a decisão
do Supremo em nada contribuirá para o engrandecimento da sociedade, uma vez que não é possível negar que ética, informação de qualidade, com responsabilidade e preparação técnica são qualificações que devem ser consideradas essenciais para o exercício do jornalismo.
Comentários de Paulo Roberto de Almeida:
A posicao da OAB, como nao poderia deixar de ser, é totalmente corporativa.
Ninguém está pedindo que o jornalista seja um ignorante, ou que ele não possa ser, inclusive, alguém formado por um curso de jornalismo.
O que se pretende é que uma profissao essencialmente aberta como esta não esteja unicamente reservada apenas aqueles que ostentam um canudo de um curso especifico de uma faculdade qualquer (que pode muito bem ser uma Faculdade Tabajara).
O que se está dizendo é que o proprietário de um empresa de comunicacao poderá contratar qualquer um, sublinho qualquer um, como jornalista, repórter, editor, revisor, resenhista, etc, sem qualquer exigência de diploma.
Uma posicao basicamente correta, pois qualquer pessoa medianamente alfabetizada pode ser jornalista. Se ele será, ou não, um bom jornalista, isso é problema do empresário de comunicação, e de seu público, evidentemente, que saberá o que fazer com uma publicação mediocre, mentirosa, desonesta, etc.
A posição da OAB não se sustenta nem pela lógica formal de uma profissao tão aberta quanto a de jornalista, portanto menos especializada do que a de advogado ou jurista, para a qual se poderia, teoricamente, exigir formação especializada.
Minha profissao, por exemplo, diplomata, não exige nenhum diploma em particular, apenas que se tenha um diploma de qualquer ensino superior: pode ser de veterinária, educação física, engenharia, medicina, etc. Eu acho excelente essa abertura a todas as profissões, e acho que seria detestável se uma exigência legal reservasse a carreira unicamente para os formados em relações internacionais. Seria muito aborrecido.
Aliás, eu nem exigiria qualquer tipo de diploma para o concurso à diplomacia, sequer o de ensino primário. Se a intenção é a de escolher pessoas bem preparadas, de quaisquer horizontes, melhor abrir o escopo para qualquer pessoa, sem nenhum exigência educacional. Poderiamos ter, teoricamente, autodidatas integrais perfeitamente capazes.
Esse culto dos diplomas e dos canudos é perfeitamente insuportavel.
Provavelmente eu teria um critério muito simples: a profissão mata pessoas? Então se poderia pensar em alguma qualificação profissional. Digamos que seria o caso, no máximo, de médicos e engenheiros, com alguma extensão a dentistas e assemelhados.
O resto, necas de pitiribas, nenhum diploma, concursos totalmente abertos.
Advogado precisa de registro na OAB atualmente: mas isso é um resquício medieval totalmente ultrapassado, uma reserva de mercado que lhes dá o direito de cobrar um pouco mais, apenas isso. Quem quiser um advogado, basta examinar seu curriculo e provas de habilidade, assim como temos hoje um Lattes funcional e aberto a consulta.
Estariamos melhor servidos e com preços bem mais razoáveis.
Abaixo a OAB, ou que ela sobreviva num mercado em concorrência total...
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Paulo Roberto de Almeida
sexta-feira, 19 de junho de 2009
1167) Um bilhao de famintos, e as mesmas "solucoes" de sempre...
A partir daí começa o festival do déjà vu e do more of the same: os organismos internacionais vão se mobilizar, os doadores vão entrar com dinheiro ou alimentos e finalmente algum alimento vai chegar aos mais necessitados, que entretempos terão morrido aos magotes.
Observem que as pessoas estão morrendo de fome, não por falta de alimentos no mundo, mas por falta de renda ou de canais apropriados de distribuição e cobertura alimentar.
Para sermos absolutamente sinceros, a responsabilidade maior incumbe aos governos desses países, que aparentemente não conseguem garantir a segurança alimentar de suas populações mais fragilizadas.
A culpa, portanto, é desses governos, que deveriam ser responsabilizados por isso.
Em lugar de consertar as coisas, os países doadores vão apenas remediar o problema: um pouco de dinheiro aqui, um pouco de ajuda alimentar ali, e tudo fica assim até a próxima crise alimentar.
Acho que o mundo deveria partir para outras soluções, como responsabilizar os governos, por exemplo, e depois parar com a hipocrisia da ajuda alimentar e sobretudo o protecionismo agrícola nos países ricos...
World hunger 'hits one billion'
Most of the world's undernourished live in developing countries
BBC news, 19.06.2009
One billion people throughout the world suffer from hunger, a figure which has increased by 100 million because of the global financial crisis, says the UN.
The UN's Food and Agriculture Organisation (FAO) said the figure was a record high.
Persistently high food prices have also contributed to the hunger crisis.
The director general of the FAO said the level of hunger, one-sixth of the world's population, posed a "serious risk" to world peace and security.
The UN said almost all of the world's undernourished live in developing countries, with the most, some 642 million people, living in the Asia-Pacific region.
In sub-Saharan Africa, the next worst-hit region, the figure stands at 265 million.
Just 15 million people are left hungry in the developed world.
"The silent hunger crisis - affecting one-sixth of all of humanity - poses a serious risk for world peace and security," said Jacques Diouf.
"We urgently need to forge a broad consensus on the total and rapid eradication of hunger in the world and to take the necessary actions."
'Contradiction'
The increase in the number of hungry people was blamed on lower incomes and increased unemployment, which in turn reduced access to food by the poor, the UN agency said.
But it contrasted sharply with evidence that much of the developed world is richer than ever before.
WORLD HUNGER
Asia-Pacific: 642m
Sub-Saharan Africa: 265m
Latin America and Caribbean: 53m
Middle East and North Africa: 42m
Developed world: 15m
Source: FAO
"It's the first time in human history that we have so many hungry people in the world," said FAO spokesman Kostas Stamoulis, director of the organisation's development department.
"And that's a contradiction, because a lot of the world is very rich despite the economic crisis."
Mr Diouf urged governments to provide development and economic assistance to boost agriculture, particularly by smallholder farmers.
"Investment in agriculture must be increased because for the majority of poor countries a healthy agricultural sector is essential to overcome poverty and hunger and is a pre-requisite for overall economic growth," he said.
Urban poor would probably face the most severe problems in coping with the global recession, the UN warned, because lower export demand and reduced foreign investment were more likely to hit urban jobs harder.
Many migrants to urban areas would be likely to return to rural areas, it added, transferring the burden.
Incomes have also dropped "substantially" in some developing countries where families depend on remittances from relatives working abroad.
With the financial crisis hitting all parts of the world more or less simultaneously, developing countries have less room to adjust, the UN agency says.
Food prices
Among the pressures is the reality that borrowing from international capital markets is "more limited" in a global crisis, the FAO said.
Food costs in developing countries now seem more expensive, despite prices in world markets declining during the food and fuel crisis of 2006-08, it added.
They remained on average 24% higher in real terms by the end of 2008 compared to 2006.
"For poor consumers, who spend up to 60% of their incomes on staple foods, this means a strong reduction in their effective purchasing power," the FAO said.
1166) Cooperacao Internacional Euro-Brasileira
Que cooperação euro-brasileira faz sentido no âmbito internacional?
Uma proposta de agenda maximalista para resultados minimalistas
Paulo Roberto de Almeida (www.pralmeida.org)
Professor, Centro Universitário de Brasília – UniCeub
Vou me concentrar em alguns questões muito simples, e por isso mesmo, corro o risco de parecer simplista, talvez até caricatural; mas vou insistir nos meus pontos simples, todos eles focados na cooperação euro-brasileira em direção de terceiros países. Deixo de lado, portanto, o plano bilateral Brasil-UE: ainda que não se possa descartar inteiramente essa possibilidade, eu a considero secundária, talvez mesmo desnecessária. O tema, de toda forma, concerne a cooperação euro-brasileira no âmbito internacional, não a cooperação bilateral direta. Meu foco é a cooperação para o desenvolvimento, não diretamente, mas indiretamente, como explico a seguir.
Sumário:
1. A velha questão do desenvolvimento, ou, talvez, do não-desenvolvimento
2. Insistindo no inviável: o Brasil no caminho da Europa?
3. O que, exatamente, poderia ser feito no plano internacional?
4. O que, exatamente, poderiam fazer europeus e brasileiros juntos?
5. O que é maximalista e o que é minimalista na agenda de cooperação conjunta?
Para ler o trabalho clique aqui.
quinta-feira, 18 de junho de 2009
1165) Conselheiros da Petrobras: 76 mil por ano
Coloquei aqui uma aparente matéria de -- digo aparente pois foi dessa forma que a recebi pela internet, atribuída a um -- jornal, aqui reproduzida sobre o valor dos honorários dos conselheiros da Petrobras.
Em vista da enorme confusão aqui criada, a matéria foi retirada de circulação.
Minhas desculpas aos leitores pela confusão involuntariamente criada...
Paulo Roberto de Almeida
1164) O grande retrocesso monetario e cambial: comercio em moedas locais
Paulo Roberto de Almeida
18.06.2009
Existem coisas que escapam à compreensão de economistas, ou até de pessoas normais.
Refiro-me, por exemplo, à febre ou frenesi em torno do comércio internacional feito em moedas locais, ou seja, dispensando o dólar, que desde a Segunda Guerra Mundial converteu-se no padrão de referência e veículo efetivo da maior parte das transações monetárias, financeiras, cambiais e, sobretudo, comerciais no mundo.
Isso não impede, obviamente, que outras moedas sejam usadas, como é o caso do euro nos países membros da UE e entre esta e uma multiplicidade de parceiros. O iene, a libra e algumas outras moedas também são utilizadas para determinadas transações ou entre número seleto de países.
O dólar não foi imposto a todos os demais países do mundo por alguma medida de força, ou de direito, dos EUA. Trata-se apenas do simples reconhecimento da importância econômica dos EUA, da confiança que os agentes econômicos e os próprios países têm na sua manutenção como instrumento confiável, que responde aos três critérios básicos de uma moeda.
Não custa nada lembrar quais são:
1) unidade de conta
2) instrumento de troca
3) reserva de valor
Ponto. Apenas isso. Claro, toda moeda é antes de mais nada uma questão de confiança: se você acredita que aquele papel pintado possui efetivamente poder de compra, que você poderá utilizá-lo de diferentes formas, para as mais variadas transações, ao longo do tempo, isto é, preservando o seu poder de compra, então você decide, em total liberdade, utilizar aquele papel pintado. Se você não confia, faz qualquer outra coisa, mas se desfaz desse papel pintado que não merece a sua confiança.
Pois bem: o mundo demorou anos, décadas, para construir um sistema multilateral de pagamentos e um regime de trocas que facilite as transações entre os países, com o mínimo de restrições possível. O multilateralismo monetário, por imperfeito que seja -- posto que as autoridades monetárias americanas podem decidir dar um calote no mundo, deixando de honrar seus compromissos externos, com os compradores de títulos do Tesouro, por exemplo -- é o melhor sistema possível, pois permite que a mesma moeda seja usada com os mais diferentes parceiros em todas as transações que eles desejem, sem se amarrar em um instrumento único, como ocorria ainda com o bilateralismo estrito dos anos 1930, baseado em compensações diretas entre os países.
À luz destas reflexões, eu não consigo compreender como se deseja recuar do multilateralismo -- ou seja, da liberdade cambial e monetária -- para o bilateralismo, no qual só poderemos utilizar a moeda de um parceiro com esse mesmo parceiro.
Me desculpem os mais bem informados, mas não consigo encontrar nenhuma explicação racional para esse tremendo equívoco conceitual, para esse imenso retrocesso econômico, para essa servidão voluntária, como já disse um filósofo.
Será que a inteligência econômica está recuando no mundo, ou em determinados países?
Paulo Roberto de Almeida
quarta-feira, 17 de junho de 2009
1163) Um debate sobre diplomatas e políticas de Estado
Quinta-feira, Junho 11, 2009
1152) "Emprestimo" ao FMI: comentarios ao meu post e meu novo comentario
Para alimentar o debate -- e eu gosto de debates, pois julgo que eles são sempre esclarecedores -- permito-me transcrever aqui os comentários feitos e meus comentários a esses comentários.
Para facilitar a compreensão, transcrevo a parte final do post em questão (que já era uma assemblagem de comentários), pois o primeiro comentário feito pela Gláucia, se reportava a essa frase final.
2) Anônimo disse...
Pois é, na prova de PI de terceira fase do CACD deste ano, caiu a participação do Brasil no G20 Financeiro. E nós candidatos tivemos de tecer todos os encômios possíveis ao empréstimo brasileiro ao FMI, ecoando toda aquela ladainha de o Brasil aceitando ônus para legitimar-se no pleito de ampliação de participação no sistema internacional.
Tudo para Antônio Carlos Lessa e Alcides Costa Vaz verem. Vou começar uma campanha: "PRA na banca de PI do CACD já!"
Quinta-feira, Junho 11, 2009 2:32:00 PM
PRA: O mais irônico é que candidatos a diplomatas não podem simplesmente expor os fatos, contar a realidade, basear-se em número reais e em questões objetivas. Esses candidatos precisam "comprar" a versão chapa branca do governo e repetir bobagens, literalmente bobagens consumadas e equívocos econômicos, num papel triste de repetidores da propaganda governamental, que além de falsa, é fraudulenta. Triste isso, que já se comece mentindo...
Quanto a minha presença em banca de PI, pode esquecer: não há nenhum risco que isso ocorra, pela mesma razão de por que meus livros não constam da bibliografia oficial. Deve ser porque eu não compro fábulas oficiais...
Postado por Paulo R. de Almeida às 5:55 PM
3 Comentários
Glaucia disse...
Bem, Professor, acho que isso é até esperado, não? Afinal de contas, trata-se de um concurso para diplomatas, e não para analistas econômicos. Grave é quando acontece no IPEA.
Não me choca que o Itamaraty busque pessoas que sejam (além de - e não em vez de - tecnicamente qualificadas) suficientemente sensatas para sustentar uma política de Estado.
Eis ai um tópico que você poderia nos iluminar com sua experiência. Quanto deve um diplomata ter de si mesmo nas declarações que faz, e quanto deve ele ser um homem de Estado?
Sempre se pode apelar ao consensualismo tão lulista (e tão brasileiro) de dizer que não ha necessária oposição entre uma coisa e outra - mas seria mentira, não é mesmo? Um diplomata americano da era Obama tem direito de continuar a pregar a guerra ao terror? Um da era Bush deveria sair a campo criticando o apoio incondicional dos EUA a Israel como improdutivo? Em ambos os casos, podem eles condenar Guantanamo como contraria ao direito internacional humanitário sem ordens superiores?
Tiro disso, então, a conclusão lógica: sera um problema que o Itamaraty queira dos seus integrantes mais do que lucidez, sensatez? Será tão ultrajante pedir, sim, que conheçam a postura do Estado brasileiro, e sejam capazes de exprimi-la inclusive com a maior sinceridade?
Quarta-feira, Junho 17, 2009 9:19:00 AM
Blogger Paulo R. de Almeida disse...
Glaucia,
Você colocou questões extremamente importantes, não apenas no plano individual, ou seja do servidor do Estado enquanto ser pensante, de um lado, e enquanto servo obediente, de outro, mas sobretudo na conformação das políticas públicas: como elas se formam, se correspondem, ou não, ao interesse nacional, se respondem a critérios de racionalidade econômica, mais do que de conveniência política ou de simpaticas ideológicas, enfim, um conjunto de questões que não tenho tempo de abordar agora, mas que estou separando e guardando para um comentário futuro, talvez até um trabalho mais amplo sobre essa questão. Promessa.
No momento, e quanto a minha posição apenas, só posso dizer que nunca, em toda a minha vida, e especialmente na carreira, jamais deixei o cérebro na portaria quando ingresso para trabalhar, e jamais renuncio a pensar com minha própria cabeça na consideração e avaliação de questões como essas.
Voltarei ao assunto.
PRA
Quarta-feira, Junho 17, 2009 12:54:00 PM
Glaucia,
Não vou comentar agora a substância de seus argumentos, mas não posso deixar passar três questões em torno das quais você me parece estar "fora da marca", ou miss the point, como se diz...
Você escreveu:
1) "Afinal de contas, trata-se de um concurso para diplomatas, e não para analistas econômicos. Grave é quando acontece no IPEA."
PRA: Sua frase parece implicar que diplomatas podem se permitir o direito de serem mais relapsos, ou negligentes, com a economia, do que analistas econômicos do IPEA, o que reputo tremendamente equivocado. Não é porque se está fazendo uma seleção para diplomatas que os exames de entrada tenham de ser mais lenientes, complacentes, tolerantes com a irracionalidade econômica, ao contrário: temos de ser tão rigorosos quanto qualquer concurso de especialistas em economia, pois afinal de contas são os interesses do país que estão em jogo, não a renda individual de cada candidato à diplomacia. Não temos simplesmente o direito de ignorar a economia...
2) "Não me choca que o Itamaraty busque pessoas que sejam (além de - e não em vez de - tecnicamente qualificadas) suficientemente sensatas para sustentar uma politica de Estado."
PRA: Sensatez é um qualificativo subjetivo e alguém pode aparecer como razoavelmente sensato aos olhos de um true believer nas virtudes da economia socialista (como um Chávez, por exemplo) e aparecer como um esquizofrênico econômico aos olhos de qualquer outro economista "sensato".
Por outro lado, "sustentar uma política de Estado" me parece muito vago. O Estado é uma entidade abstrata e suas únicas políticas são aquelas propostas por pessoas de carne e osso, com suas crenças e ideologias, e aprovadas por um grupo de lobistas setoriais agregados em algo confuso que se chama Parlamento. Ou seja, sempre aplicamos políticas de governo, que se são estáveis e equilibradas o suficiente ganham credibilidade e passam a ser chamadas de políticas de Estado, pelo menos durante certo tempo. Os militares no Brasil, por exemplo, construiram muitas politicas de Estado, a ponto de este dominar 35% da economia (formação do PIB). O que era perfeitamente racional num determinado momento -- empresas de telecomunicações por exemplo -- tornou-se flagrantemente absurdo anos depois, quando você só conseguir uma linha telefônica se comprasse uma disponível no mercado, por mais ou menos 4 mil dólares. Isso não me parece uma boa política de Estado e se um diplomata continuasse a defender esse tipo de política, ele mereceria ser internado como louco de hospício.
Finalmente, você escreve:
3) "Tiro disso, então, a conclusão logica: sera um problema que o Itamaraty queira dos seus integrantes mais do que lucidez, sensatez? Sera tão ultrajante pedir, sim, que conheçam a postura do Estado brasileiro, e sejam capazes de exprimi-la inclusive com a maior sinceridade?"
PRA: Respondo expressamente que SIM, o Itamaraty quer sim algo mais do que lucidez e sensatez, que como disse são conceitos subjetivos. Se requer preparação técnica, um bom conhecimento de direito internacional, um bom domínio das realidades econômicas, uma familiaridade muito grande com os problemas brasileiros.
Como disse acima, o Estado não tem postura, e sim governos concretos. Estado é uma entidade abstrata ocupada temporariamente por grupos políticos que disputaram no mercado eleitoral o direito de administrar o Estado por um tempo limitado. Esse grupo pode ser composto de malucos de pedra que determinam "políticas de Estado" absolutamente danosas e irracionais e o diplomata precisa ter consciência disso.
Eu lhe dou dois exemplos imediatos disso.
Semana passada, o ministro do Planejamento demonstrou preocupação com a valorização do real, como aliás reclamavam os industriais (um grupo de empresários que representam no máximo 10 ou 15% da economia brasileira). Pois ele recomendou que o Banco Central comprasse mais dólares, o que significa tripudiar com a nossa inteligência e os nossos interesses como nação (100% do PIB). Pois para comprar mais dólares, o BC precisa emitir títulos da dívida pública, pois nem ele emite dólares, nem tem recursos para tanto, ou seja, precisa aumentar a dívida pública. Como é possivel fazer esse tipo de recomendação, quando se paga a Selic pela dívida pública e a "remuneração" do dólar, se houver fica abaixo disso, sendo mais provavelmente negativa?
Outro exemplo é essa idéia de malucos monetários que querem escapar do multilateralismo monetário para começar a negociar com moedas inconversíveis, como o rublo russo, o yuan chinês e a rúpia indiana. Quem propõe tal involução ao bilateralismo no sistema de pagamentos só pode ser internado como Napoleão de garagem.
1162) Pausa para a Metafisica...
Geralmente são alunos (folgados, talvez) pedindo ajuda para algum trabalho escolar ou até universitário. Preciso colocar um aviso no meu site e blogs, dizendo que não estou aberto a esse tipo de assessoria.
Mas, esta demanda abaixo é especial, pois adentra no terreno da Metafísica:
On 17/06/2009, at 17:30, Jose wrote:
Boa tarde,
Venho pelo presente solicitar informaçoes sobre auxilio metafisico, dentro de sua área de atuaçao, se possivel.
Agradecido,
José Carlos
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Pois bem, sem muito tempo para adentar nos arcanos da metafísica, respondi simplesmente isto:
Nao é meu departamento. Cuido de coisas materiais. Para a metafisica contate um departamento de filosofia.
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Paulo Roberto de Almeida
pralmeida@mac.com www.pralmeida.org
http://diplomatizzando.blogspot.com/
Après coup, como diriam os franceses, eu realizei que poderia ter sido mais simpático, mais receptivo e, sem fazer qualquer ironia, tentar esclarecer as dúvidas metafísicas do meu distinto correspondente.
Eu precisaria começar perguntando sobre o que seria um "auxilio metafisico, dentro de [minha] área de atuaçao", que não sei bem qual seja se a diplomacia, se a academia.
Nesta última, obviamente, estaríamos totalmente dentro da matéria, mas ainda não conheço alguma especialidade aparentada com "economia metafísica".
Não digo que não possa existir, pois a economia é uma disciplina abrangente, ambiciosa, voluntariamente predisposta a se meter em tudo, inclusive no amor e nas demais paixões humanas, e pode-se perfeitamente, portanto, conceber uma especialidade de tal teor filosófico para a velha ciência lúgubre... Vou pensar nisso.
Se fosse com a diplomacia, having second thoughts, como diriam os americanos, teria tudo a ver: metafísica se encaixa bem na maior parte dos discursos diplomáticos, e até em alguns tratados e protocolos bizarros, como na integração sul-americana, por exemplo. Não há nada mais metafísico do que o Tratado da Alba, e recomendo a quem ainda não o leu, que procure conhecer. Fica bem do lado de qualquer tratado wittgeinsteiniano, ou talvez kirkeggardiano, talvez até nietszcheano, quem sabe...
Em todo caso, caberia explorar essa possibilidade de se ter uma diplomacia metafísica, como aliás já deve ocorrer em vários experimentos aqui por perto.
Vou pensar no assunto e se tiver tempo vou escrever novamente ao meus metafísico interlocutor, agradecendo pala sugestão, e pedindo cessão de copyright pela idéia.
terça-feira, 16 de junho de 2009
1161) O custo da democracia brasileira (melhor, o alto custo dos parlamentares brasileiros)
Para achar o Brasil, os interessados terão de abrir o link abaixo e ir muito longe, mas muito longe mesmo na escala comparativa de governança e custo dos congressistas. A nossa situação é tão ruim que ela se situa literalmente fora do mapa.
Ainda vou escrever algo sobre isso. (PRA)
Custo-benefício ruim
Eduardo Graeff, 15/06/09
Este gráfico compara o salário básico de um deputado e a qualidade do governo em vários países (clique a figura para abrir a página).
Quanto mais longe do centro do gráfico, maior o salário do deputado em relação ao PIB per capita do país.
Quanto mais longe da linha de base no sentido anti-horário, pior o governo. A avaliação dos governos leva em conta três índices: o Índice de Democracia da The Economist, o Índice de Desenvolvimento Humano da ONU e o Índice de Percepção de Corrupção da Transparência Internacional.
É ruim de achar o Brasil no gráfico. Estamos lá longe do centro na direção das 10:30 horas.
Um deputado brasileiro custa 22 vezes o PIB per capita. Um deputado europeu, menos de 4 vezes. Isso significa que o esforço do cidadão brasileiro para manter um deputado é cinco vezes maior do que o esforço de um cidadão europeu.
Em troca desse esforço, o cidadão brasileiro recebe um governo bem pior que os da Europa, Estados Unidos, Japão e Coréia do Sul, um pouco pior que o do México, um pouco melhor que os da Argentina, Botswana, África do Sul, Turquia e Tailândia.
Nosso governo não chega a ser um desastre comparado com o de outros países da América Latina, África e Ásia.
Mas a relação custo-benefício, digamos, tem muito que melhorar
<http://www.eagora.org.br/arquivo/custo-beneficio-ruim/>
1160) Comparacoes educacionais Europa-EUA
(Comparações Transatlânticas. Peter Baldwin. Los Angeles, 10.06.2009).
1. As diferenças dos dois lados do Atlântico são o contrário do que se imagina. A porcentagem de americanos formados em universidades e escolas secundárias é mais alta do que em qualquer país europeu. Os americanos adultos são melhor educados do que os adultos da Europa. E os EUA gastam mais dinheiro por criança, em todos os níveis da educação, do que qualquer país do oeste da Europa.
2. Os europeus costumam acreditar que as boas escolas americanas são particulares e servem apenas à elite. Mas a educação americana é menos privatizada do que a da maioria dos sistemas europeus. A educação pública foi um dos primeiros programas sociais a receber financiamento público massivo nos EUA. E os americanos, descobriu-se, leem. Para os padrões europeus, a porcentagem de americanos analfabetos é mediana. Há mais jornais per capita nos EUA do que em qualquer lugar da Europa, fora a Escandinávia, Suíça e Luxemburgo.
3. A longa tradição de bibliotecas públicas com bom financiamento nos EUA significa que o leitor médio americano tem uma oferta de livros melhor do que seus colegas da Alemanha, Inglaterra, França, Holanda, Áustria e os países do Mediterrâneo. O americano médio usou mais livros de biblioteca do que seus colegas na Alemanha, Áustria, Noruega, Irlanda, Luxemburgo, França e por todo o Mediterrâneo. Os americanos compram mais livros per capita do que qualquer europeu. E eles também escrevem mais livros per capita do que as nações europeias.
1159) Brics: what do they have to offer to the world?
Mac Margolis
Newsweek, Saturday, June 13, 2009
Brazil, Russia, India and China have been slow to embrace the BRIC acronym, coined in 2001 to describe the four giant emerging markets. But now they’re trying to convert their collective bulk into clout. This week BRIC leaders will meet in Russia to discuss an ambitious agenda that includes overhauling the international financial system and enlarging the United Nations Security Council. The powwow is being billed as a test of whether the BRICs can shift the global power equation. But perhaps the biggest test will be for Brazil, which has always been the outlier of the four: it’s the slowest-growing, expanding at half the rate that China and India have over the past decade; it alone has no nuclear weapons; it’s more enthusiastic about free trade than Russia and China are; and it sided with the U.S. against India in favor of opening agricultural markets. Even as the BRICs unite, Brazil is touting advantages over its outsize peers, including its strong democracy and peaceful foreign relations. When the four meet, the real issue may not be whether the West will listen, but whether the BRICs can agree on what to say.
That was the note by the reprter. I (PRA) could just add:
Not just something valuable to say, but also, what can they offer to the world in terms of a better economic por political alternatives: market economies, convertible and inflation-free currencies, free capital flows, valuable tchnology and know-how, peace and security, what do they have in their basket?
1158) Pausa para o humor: Blogueiro se faz de mulher e engana filho de Fidel Castro
Blogueiro se faz de mulher e dá trote em filho de Fidel Castro
Noticias MSN
Por oito meses, 'Claudia' trocou mensagens com Antonio Castro para 'expor estilo de vida opulento' de família de Fidel.
Um blogueiro cubano exilado em Miami criou uma personagem fictícia e trocou e-mails com o filho do líder cubano Fidel Castro, furando o cordão de segurança em torno da família presidencial de Cuba.
Luis Dominguez afirma ter usado a personagem para iniciar uma relação online com Antonio, de 40 anos de idade.Os dois trocaram fotografias e chegaram a planejar encontros em Varadero, em que Antonio serviria de "guia" para Claudia, segundo contou o blogueiro.
Ele se recusou a pedir desculpas pelo engano, afirmando que queria mostrar o "estilo de vida opulento" dos Castros.
As autoridades cubanas não comentaram as conversas online.
Segurança
Criar personagens para flertar na internet não é, exatamente, uma novidade. E qualquer jornalista que cobre a política cubana e a família Castro sabe da dificuldade em se obter acesso a eles.
Há décadas, a família Castro mantém um forte cordão de segurança a sua volta, em grande parte por conta das repetidas tentativas de remover o governo comunista da ilha.
Dominguez usou a suposta fraqueza de Antonio por jovens mulheres e esportes para se aproximar dele e criou Claudia, uma jornalista colombiana de 27 anos, especializada em esportes.
Claudia entrou em contato com Antonio dizendo que os dois haviam se conhecido em um evento esportivo e manteve uma relação com ele por oito meses.
Antonio contou a ela de sua vida em Cuba e suas viagens a outros países acompanhando seu tio Raúl, o presidente de Cuba, além de dar seus números de telefone e endereços de e-mail, mas não revelou nenhum segredo de Estado.
Mas Dominguez afirma que ao expor o que descreve como estilo de vida opulento da família Castro num país comunista, ele já cumpriu seus objetivos.
A troca de mensagens e algumas fotografias enviadas por Antonio foram publicadas no blog de Dominguez, Cuba al Descubierto. O blogueiro se recusou a pedir desculpas pela invasão de privacidade.
"Sou cubano e cubano americano e não pude voltar ao meu país desde que o deixei, em 1971", afirma ele.
"Eu uso qualquer ferramenta para tentar atingir essas pessoas. Em Cuba as pessoas são presas sem qualquer razão. Seus direitos são violados... Então, por que não posso fazer o mesmo com eles? Não tenho nenhum remorso."
As autoridades cubanas não fizeram qualquer comentário sobre as conversas online, mas Claudia afirma que a relação entre ela e Antonio Castro "esfriou".
domingo, 14 de junho de 2009
1157) Sarkozy pretende fazer o mundo adotar as regras laborais francesas
Sarkozy promeut un nouvel ordre social mondial
Marc Landré
Le Figaro, 12/06/2009
Nicolas Sarkozy plaidera lundi pour que l'OIT occupe une plus grande place dans le processus de sortie de crise.
Le chef de l'Etat demandera lundi à Genève que l'Organisation internationale du travail occupe une place importante dans le dispositif de sortie de crise.
C'est un «discours très important» que le président de la République prononcera lundi à Genève, au siège de l'Organisation internationale du Travail (OIT), qui a décidé de consacrer une journée de sa 98ème session annuelle à un «sommet crise emploi» afin de proposer un «pacte mondial pour l'emploi».
Nicolas Sarkozy, seul chef d'Etat du G8 à avoir répondu positivement à l'invitation du l'OIT, entend y décliner sa vision d'un nouvel «ordre social mondial» et entamer, par la même occasion, une nouvelle séquence politique qui englobe aussi son intervention une semaine plus tard devant le Congrès. «Il va décrire le modèle social qu'il souhaite voir sortir de la crise, explique-t-on aujourd'hui à l'Elysée. Pour lui, les sujets sociaux doivent être traités de la même manière et avec la même importance que les questions économiques et financières.»
Nicolas Sarkozy, qui sera accompagné notamment de Bernard Kouchner et de Brice Hortefeux, plaidera lundi pour que l'OIT occupe une plus grande place dans le processus de sortie de crise. C'est l'une des demandes fortes des syndicats français que le chef de l'Etat a reçus lundi dernier à l'Elysée afin de recueillir leurs demandes. «Il veut poursuivre la dynamique du G20 de Londres où il avait convaincu ses homologues d'inviter l'OIT à faire des propositions au sujet du nouvel ordre mondial qui doit sortir de la crise», précise l'un de ses collaborateurs. Nicolas Sarkozy pourrait à cet égard exiger que l'OIT occupe, au même titre que le FMI ou la Banque mondiale, un siège au prochain G20 qui se réunira le 24 septembre à Pittsburgh pour parler de l'après-crise.
Cerise sur le gâteau, le chef de l'Etat entend frapper un grand coup en demandant que les 182 pays membres de l'OIT ratifient les normes sociales promulguées par l'organisation. La France est aujourd'hui le deuxième pays dans le monde (derrière l'Espagne) qui a le plus ratifié de conventions de l'OIT. 123 sur 188 précisément ! A l'inverse, une cinquantaine de pays - parmi lesquels on trouve les Etats-Unis, le Japon, la Chine ou l'Inde - n'ont ratifié aucune des huit normes fondamentales, dont celles sur la liberté syndicale, l'élimination du travail forcé ou l'abolition du travail des enfants. «Le président regrette que l'on demande aux pays qui ont déjà ratifié le plus de conventions d'en faire toujours plus alors que certains pays, et non des moindres, n'en ont transposées aucune fondamentale aujourd'hui», confirme un proche du chef de l'Etat qui pourrait proposer d'appliquer des sanctions aux Etats récalcitrants. Nicolas Sarkozy pourrait aussi demander au gouvernement français de ratifier les dernières conventions de l'OIT non encore transposées dans le droit français. Histoire de montrer l'exemple…
sábado, 13 de junho de 2009
1156) Mais rumores sobre a morte do G8
comentários metodológicos
Paulo Roberto de Almeida
1. Informação inicial
Aparentemente, um novo debate público sobre temas de relações internacionais vai começar, à raiz das declarações do ministro das Relações Exteriores do Brasil, Celso Amorim, em Paris, segundo o qual o G-8 morreu (12.06.2009). De acordo com suas palavras, após participar de um evento no Instituto de Estudos Políticos de Paris, o G8 “não representa mais nada”.
Ainda de acordo com Amorim: “Eu não sei como vai ser o enterro, às vezes o enterro ocorre lentamente. Hoje, por qualquer critério, economias como China, Brasil e Índia são economias importantes, que têm um efeito na economia mundial maior do que muitos outros que estão no G-8”. Segundo o mesmo despacho de agência, Amorim argumentou que o mundo está entrando em um período de ‘governança variável’, no qual “países como China, Brasil e Índia têm de estar em todos os temas”.
Finalmente, para o ministro, ao reunir tanto as principais economias avançadas quanto as emergentes, o G-20 “é um modelo melhor”, ainda que não tenha havido precisão quanto à natureza desse modelo: melhor em quê, ou para o quê, exatamente? O debate que está sendo lançado pelas declarações do ministro brasileiro é, portanto, sobre: (a) a morte anunciada do G8; (b) sua eventual substituição pelo G20; (c) se o G20 cumpriria melhor funções hoje supostamente desempenhadas pelo G7-G8.
Sem pretender penetrar na substância do problema, pois não tenho nenhuma participação em processos decisórios para propor o que quer que seja, minha intenção, nos comentários abaixo, é apenas a de qualificar esse debate, por meio de questões e esclarecimentos sobre o que vem a ser o G8, o G20, quais suas funções respectivas no sistema financeiro internacional – e, por extensão, na economia mundial – e sobre o que se poderia esperar dessa fase de transição entre um núcleo mais restrito de economias dominantes e a previsível redistribuição do poder econômico mundial.
2. Qualificando o debate
O G8, como sabem todos, é o grupo que reúne os sete países mais industrializados do mundo e a Rússia, esta convidada a integrar o antigo G7 – que existe desde meados dos anos 1970 – por razões bem mais políticas do que propriamente econômicas ou financeiras. Pode-se concordar com o ministro em que existem, hoje, economias emergentes – como a China, por exemplo, ou talvez o próprio Brasil – que são maiores do que alguns membros do atual G7, Canadá ou Itália, por exemplo. Também é um fato que a China, pelo seu PIB nominal – isto é, não per capita – já ultrapassou a maior parte do G7, à exceção do Japão (por enquanto). Não é seguro, entretanto, que essas economias emergentes sejam mais relevantes do que o atual G7, ou que elas possam cumprir o mesmo papel que o G7 desempenha atualmente.
Uma questão paralela, que pode ser abordada apenas entre parênteses, seria a de saber se cabe a um representante extra-G8, mas falando supostamente em nome de um dos membros desse mesmo grupo, a Rússia, decretar a morte do G8, o que suporia a concordância prévia desse membro com o seu suicídio parcial, como G8, para emergir apenas como G20, e dentro dele como Bric. Outra questão paralela seria a de saber se a maioria dos membros do G8, ou seja o G7, que já existe há certo tempo e aparentemente pretende continuar a se reunir neste formato exclusivo para questões financeiras (das quais a Rússia é parcial ou totalmente excluída), também concorda com esse suicídio coletivo, ou pelo menos com o abandono de seu formato de trinta anos, para passar a reunir-se apenas no âmbito do G20. Caberia, talvez, perguntar aos próprios interessados, mas fechemos o parênteses neste mesmo ponto.
3. O que define o G7, e deveria definir também o G8 (idealmente)
Qualquer que seja o julgamento que se possa fazer, hoje, sobre o G7 – e, por extensão, sobre o G8 – um fato deve ser salientado desde o início. O G7 foi formado por iniciativa francesa, no imediato seguimento da grande bagunça criada no sistema financeiro internacional pela decisão unilateral dos EUA de romper com os compromissos estabelecidos em Bretton Woods, de assegurar a conversibilidade do dólar em ouro, segundo o regime de paridades cambiais estáveis (mas ajustáveis) colocado sob a jurisdição do FMI. Rompido o vínculo, em 1971, e emendado o convênio constitutivo do FMI, em 1973, o mundo entrou numa fase de grande instabilidade monetária causada pela flutuação errática das moedas, que variavam reciprocamente entre si, tanto por força de movimentos especulativos, quanto pela ação nem sempre coordenada dos principais países detentores de moedas de reservas. As moedas de reserva são aquelas que integram, desde 1970, o instrumento contábil do FMI, o Direito Especial de Saque (ou SDR, na sigla em inglês), a saber: dólar americano, libra inglesa, iene japonês, franco francês e marco alemão, as duas últimas substituídas pelo euro desde 2002.
A convite do presidente francês Valery Giscard d’Estaing, representantes desses cinco países reuniram-se em 1975 no Palácio de Rambouillet para discutir modalidades de coordenação monetária – e por extensão de suas políticas macroeconômicas, se isso fosse possível – para evitar essas flutuações erráticas, que estavam perturbando o comércio, os investimentos e outros fluxos financeiros entre os países. Na impossibilidade de se definir um novo padrão monetário, e tendo havido um acordo de princípio para que as outras economias relevantes administrassem um processo controlado de desvalorização do dólar, se estabeleceu um compromisso de reuniões periódicas de cúpula para justamente proceder a um ajuste fino das economias avançadas e assim contribuir para a estabilidade macroeconômica e a retomada do crescimento. Reconheceu-se, logo em seguida, a importância de duas outras economias avançadas e houve acordo em sua incorporação a esse primeiro núcleo restrito da ‘oligarquia econômica’ mundial: o Canadá, já então intimamente vinculado à economia americana, e a Itália, que nesse período estava quase ultrapassando a Grã-Bretanha, pelo menos em termos de PIB nominal (aliás, no seguimento da decadência britânica, Hong-Kong ultrapassaria a metrópole, na década seguinte, em termos de renda per capita, como a confirmar quão transitórias são as glórias econômicas deste mundo).
Independentemente de quem deveria integrar, ou não, o núcleo restrito de economias avançadas, outra coisa é certa, e precisa ficar estabelecida desde já. Os princípios e valores em torno dos quais esses países estavam estabelecendo um mecanismo de consulta e de coordenação de políticas macroeconômicas (e outras, que vieram a ser agregadas ao núcleo principal) eram definidos em função de três grandes conjuntos de doutrinas políticas e de práticas governamentais: economias de mercado, democracias formais e respeito aos direitos humanos (ainda válidos, ao que parece).
Quaisquer que sejam os comentários que se possam fazer a respeito desses três elementos definidores, e os matizes em torno de qualquer um deles (pois as economias européias eram, por definição, bem mais dirigistas, nessa época, do que a dos EUA, inclusive a britânica, esta ainda em meio aos estertores do socialismo fabiano), eles estavam no centro das diretrizes que definem o pertencimento à OCDE, o clube de países ricos que tem como critério de inclusão, justamente, esses princípios e valores: economia de mercado, democracia formal e respeito aos direitos humanos.
A esse título, pode parecer estranho que a Rússia, recém saída de uma longa noite de totalitarismo comunista, em 1991, tenha sido admitida a participar, dois ou três anos depois, desse clube restrito de democracias capitalistas respeitadoras dos direitos humanos e de várias outras liberdades ‘burguesas’. A iniciativa se deveu à então líder britânica, Margareth Tatcher, que pretendia ‘amarrar’ a Rússia de Ieltsin – reconhecido como semi-democrata – ao Ocidente, e evitar, assim, qualquer retorno ao autoritarismo ou ao socialismo do passado.
Cabe a cada um dos leitores, certamente bem informados sobre a evolução e a situação atual da Rússia, julgar se ela merecia, então, e se ela merece, agora, esse crédito de confiança, tendo em vista as características por assim dizer ‘peculiares’ da Rússia pós-soviética (e alguns diriam, até, progressivamente czarista, novamente). Basta dizer que ela foi reconhecida como ‘economia de mercado’ apenas em 2002, no G7 de Kananaskis, quando até a China, formalmente socialista de mercado, já tinha uma maior predominância do setor privado na formação de seu PIB. A transição da Rússia para uma economia de mercado foi algo heterodoxo, para utilizar uma expressão neutra. Cabe também lembrar que, até hoje, a Rússia não foi incorporada à OCDE nem admitida na OMC, etapa esta que já foi cumprida pela China (que começou a negociar sua adesão ao GATT desde 1987).
Tendo em vista, portanto, esses elementos definidores do G7 – pelo menos em sua fase inicial, mas supõe-se que o G8 cumpre o mesmo ritual –, o passo seguinte seria o de se perguntar se o G20 manifestaria a mesma adesão de princípio (e para todas as finalidades de ordem prática) aos princípios centrais dessa filosofia política e econômica: economia de mercado, democracia e respeito aos direitos humanos. Se as futuras declarações do G20 contiverem esses valores, excelente: estaremos certamente progredindo no cenário mundial e no terreno comum de uma mesma filosofia de base para as relações internacionais. Seria, entretanto, lamentável, algum retrocesso nesse terreno, pois isso indicaria que o mundo estaria caminhando para menos democracia, menos direitos humanos e mais economia dirigida, ou dirigista, o que não parece ser uma evolução positiva, a qualquer título.
Pode-se, igualmente, perguntar em que medida os Brics atendem a esses requisitos formais do antigo G7. Brasil e Índia são sempre definidos como duas grandes democracias, ainda que, na prática, essas democracias tenham, reconhecidamente, problemas identificados de qualidade das instituições públicas, de legitimidade da representação política, de densidade da participação popular e de inclusão social, tout court, tendo em vista as imensas desigualdade sociais exibidas por esses dois grandes países. Por outro lado, cabem dúvidas quanto à qualificação democrática da Rússia e da China, assim como o respeito de suas equipes dirigentes pelas formalidades dos direitos humanos. Quanto à economia de mercado, novamente Brasil e Índia parecem mais próximos do capitalismo do que as duas grandes economias ex-socialistas. Pode ser que os Brics tenham suas próprias definições em torno dos valores do G7 e da OCDE, mas caberia saber, finalmente, se todo mundo – e não apenas o G20 – estaria de acordo com essas definições.
4. Quais as funções do G7, que deveriam, também, ser cumpridas pelo G20?
Cabe agora entrar no que seria o núcleo duro do G7, ou seja, sua função como ‘oligarquia econômica’ mundial, ou numa definição mais amena, seu papel positivo no equilíbrio da economia mundial para fins de crescimento, desenvolvimento, além da defesa daqueles mesmos valores que são reconhecidos, em princípio, como relevantes e importantes na vida das democracias modernas. Provavelmente, nem todos os membros da G7 pretenderiam fazer como a China, atualmente, que determinou a instalação de filtros nos computadores vendidos em seu território, teoricamente para coibir transmissão de pornografia ou violência gratuita...
Enfim, o mais importante, cabe insistir, é o papel do G7 na economia mundial, que talvez não seja tão relevante quanto no passado, pois as velhas locomotivas já não andam tão rápidas quanto antigamente, ou não têm mais o mesmo peso no conjunto da economia mundial. É certo que a China hoje representa parte substancial do consumo mundial de commodities e outras matérias primas: um terço disto, um quarto daquilo, enfim, influenciando decisivamente mercados e preços mundiais, e contribuindo para o crescimento de muitas outras economias, asiáticas certamente, mas também do próprio Brasil e vários países africanos. A Rússia também se tornou um fornecedor estratégico, talvez incontornável (pelo menos no curto prazo) de energia para a Europa, sobretudo gás e petróleo, estando inclusive em condições de ditar os seus termos (o que significa fazer certa chantagem sobre seus consumidores dependentes). A China também se tornou a principal financiadora dos déficits americanos, tendo comprado Treasury bonds à razão de 700 bilhões de dólares (o Brasil também, mas em escala mais modesta, cerca de 140 bilhões, apenas). Tudo isso é muito importante, mas não é o essencial.
O essencial é que os países do G7, com alguns outros membros do BIS – Banco Internacional de Compensações, na Basiléia – são o que se chama de emprestadores de última instância, ou seja, estendem crédito para países necessitados, diretamente ou via FMI, sendo também os provedores das moedas internacionais de reserva, hoje ainda excessivamente concentradas no dólar (embora com tendência à substituição parcial por outras divisas, ou pelo DES do FMI). Cabe perguntar, assim, se os países do Bric, ou outros membros do G20, estariam em condições de desempenhar esse papel, o que significa, esclareçamos imediatamente, dispor de moedas livremente conversíveis, ausência de restrições a movimentos de capitais e um conjunto de regras quanto à utilização desses recursos para evitar o que se chama de moral hazard, ou irresponsabilidade na gestão das transações correntes.
Dos quatro Brics, a China parece ser o único país em condições de influenciar decisivamente – para o bem ou para o mal – a economia mundial, pelo seu peso econômico já constatado, pela importância das suas reservas e pelo seu papel nos circuitos manufatureiros mundiais. Nenhum dos outros três possui essa capacidade – de disruption, podemos dizer – que exibe a China, embora no conjunto eles também possam ser decisivos em determinados mercados, ainda que eu não se visualize nenhum em particular, para esse conjunto. Digamos que eles possuem certa capacidade obstrutora sobre alguns dos temas da agenda mundial, mas ainda não parecem exibir grande capacidade propositiva ou um papel decisivo para o encaminhamento de alguns dos grandes problemas do sistema internacional.
E quais seriam esses grandes problemas? Bem, além da própria estabilidade e da retomada do crescimento, eles são, justamente, os das moedas de reserva, da capacidade de financiamento, do meio ambiente, do terrorismo, da segurança e da paz. Como encaminhar, por exemplo, o problema da Coréia do Norte? Talvez os Brics tenham suas próprias sugestões. Como administrar o problema também nuclear do Irã? Como resolver os conflitos do Oriente Médio? E os da África? Os da pobreza na América Latina e em todas as demais regiões pobres? O que fazer com o narco-tráfico, a delinquência transfronteiriça, o crime organizado, o aquecimento global?
Sobre todos esses problemas os Brics e o G20 teriam de oferecer soluções. Não apenas no papel, ou retoricamente, mas soluções factíveis, práticas, implementáveis e eficazes...
Com a palavra, os sucessores do G7...
Brasília, 13 de junho de 2009