O que é este blog?

Este blog trata basicamente de ideias, se possível inteligentes, para pessoas inteligentes. Ele também se ocupa de ideias aplicadas à política, em especial à política econômica. Ele constitui uma tentativa de manter um pensamento crítico e independente sobre livros, sobre questões culturais em geral, focando numa discussão bem informada sobre temas de relações internacionais e de política externa do Brasil. Para meus livros e ensaios ver o website: www.pralmeida.org. Para a maior parte de meus textos, ver minha página na plataforma Academia.edu, link: https://itamaraty.academia.edu/PauloRobertodeAlmeida.

domingo, 28 de junho de 2009

1176) Integracao sul-americana: um dialogo (indireto) sobre os modelos

O "exchange" abaixo só pode ser compreendido no contexto de meu artigo sobre a integração sul-americana, objeto de meu post 1169 (mais abaixo), neste link.

Depois de ler o artigo, minha correspondente desconhecida formulou os comentários que seguem abaixo. Respondi o que vai transcrito logo a seguir.

Integração econômica reginal: bolivarianos e anti-alcalinos

Anônimo Glaucia disse...

Professor,
No todo, gosto. Apenas não entendo a insistência em diminuir sistematicamente (e sem razão aparente) tudo o que é latino- ou sul-americano.

Dois momentos em que fica evidente essa pré-disposição: um, a observação (ponto 2) de que os intercâmbios da Alba se dariam "entre os poucos paises membros", quando aquela organização conta hoje 9 paises membros - constituindo, nesse aspecto, o mais numeroso "bloco econômico" do(s) continente(s).

Dois, a resistência de Brasil, Argentina e Venezuela a uma Alca que você proprio reconhece como um tratado de adesão é atribuida a "[e]ssa pequena coalizão de paises". Uma pequena coalizão das três maiores economias do continente fora do NAFTA. Não pareceria estranho chamar Alemanha, França e Reino Unido de "pequena coalizão de paises" nas negociações com a UE?

O mais curioso é que parece haver uma enorme ala do Itamaraty que resiste bravamente à politica de Estado (se me permite chamar assim uma politica adotada sistematicamente por todos os governos pos-Ditadura) de aproximação com nossos vizinhos, assoprando pelos cantos - por razões para mim obscuras - que o melhor era retornarmos nossas baterias de volta para o circuito Elizabeth Arden.

Haveria uma experiência comum tão ruim assim com os hermanos que justificasse esse posicionamento - que parece ao leigo, não digo ir contra, mas ir bem além das razões objetivas pelas quais a integração avança lentamente?
Domingo, Junho 28, 2009 6:05:00 AM

Meus comentários em resposta:

Glaucia,
Respondo a seus comentários, em primeiro lugar seu entendimento, que considero totalmente equivocado, de que insisto em diminuir "tudo o que é latino- ou sul-americano".
Tenho muitos artigos e pelo menos três livros sobre os processos de integração na América Latina em geral, no Mercosul em particular, e tenho sido um defensor inequivoco da integração econômica. Apenas não faço desse processo um nec plus ultra, um fim em si mesmo, um nirvana integracionista que solucionaria todos os problemas existentes na região.
Não se deve ter nenhuma ilusão quanto aos limites objetivos desses processos para a solução dos problemas mais importantes da região, que todos se situam na governança democrática, no crescimento econômico com redistribulção de renda, posto que seus problemas sociais se situam todos na desigualdade, pobreza, miséria, concentração de renda, má qualidade das instituições, baixissimos npiveis educacionais, corrupção e outros males do gênero.
A integração permite, apenas e tão somente, capacitar melhor o sistema econômico, ou pelo menos deveria, se fosse conduzida em seus propósitos originais, que compreendem abertura econômica recíproca, liberalização comercial, redução de barreiras em geral para economias de escala e modernização tecnológica (o que não é exatamente o que vem ocorrendo nos últimos tempos, tanto no Mercosul, quanto nos países ditos bolivarianos, nos quais se assiste ao retorno do estatismo e do nacionalismo velho estilo).
Mas, vamos aos seus pontos:

1) "um, a observação (ponto 2) de que os intercâmbios da Alba se dariam "entre os poucos paises membros", quando aquela organização conta hoje 9 paises membros - constituindo, nesse aspecto, o mais numeroso "bloco econômico" do(s) continente(s)."
PRA: Com exceção da Venezuela, e agora, do Equador, todas as demais economias são menores, para não dizer minúsculas (Caribe). A Bolívia dispõe de reservas de petróleo e gás, como o Equador, mas sua exploração envolve recursos, know-how e tecnologia que nenhum deles dispõe, inclusive a Venezuela, daí a necessidade de investimentos externos que vêm sendo espantados pelas políticas discriminatórias.
Quanto à real importância da Alba, sugiro que você leia o tratado constitutivo, disponível no portal da Alba: jamais houve tratado igual, ou similar, nos anais da diplomacia, desde Nabucodonosor, talvez.
Se aquilo é integração, eu ofereço minha biblioteca toda a quem me provar que os bolivarianos vão conseguir integrar suas economias.

2) "Dois, a resistência de Brasil, Argentina e Venezuela a uma Alca que você proprio reconhece como um tratado de adesão é atribuida a "[e]ssa pequena coalizão de paises". Uma pequena coalizão das três maiores economias do continente fora do NAFTA. Não pareceria estranho chamar Alemanha, França e Reino Unido de "pequena coalizão de paises" nas negociações com a UE?"
PRA: Você confunde completamente as coisas. França e Alemanha se uniram desde 1951, e depois em 1957, para constituir um mercado comum e encerrar três guerras terríveis. Todo o resto é secundário. Reino Unido resolveu entrar depois no experimento, depois de liderar uma zona de livre-comércio também exitosa, a EFTA.
Brasil, Argentina e Venezuela recusaram, por certo, o projeto americano de uma ZLC desequilibrada, mas tampouco conseguiram concretizar uma ZLC entre si, e as promessas de mercado comum continuam não só distantes, como se distanciando cada vez mais, com as restrições existentes e crescentes.
O NAFTA é a maior ZLC do mundo, depois da UE, que também é uma ZLC. Os três países da América do Sul constituem três grandes economias que ainda não decidiram efetuar a liberalização recíproca e sua recusa da Alca não se prende a razões econômicas, mas basicamente políticas.

Terceiro ponto levantado por você:
"O mais curioso é que parece haver uma enorme ala do Itamaraty que resiste bravamente à politica de Estado (se me permite chamar assim uma politica adotada sistematicamente por todos os governos pos-Ditadura) de aproximação com nossos vizinhos, assoprando pelos cantos - por razões para mim obscuras - que o melhor era retornarmos nossas baterias de volta para o circuito Elizabeth Arden."
PRA: Engano seu. O Itamaraty em seu conjunto é favorável à integração regional, subsistindo apenas posições de cautela quanto ao sentido dessa integração, posto que as modalidades seguidas podem apresentar impacto sobre outros aspectos da economia e da política do Brasil.
Como disse, existem aqueles que fazem da integração um fim em si mesmo, e aqueles que a consideram apenas um meio para alcançar outros fins.
Retomando meus primeiros comentários, eu diria que a integração é o rabo comercial que não pode abanar o cachorro do desenvolvimento, portanto existem limites às suas possibililidades objetivas.
Racionalidade econômico e análise de custo-benefício sempre são importantes, mesmo em projetos considerados prioritários como a integração regional. Não é porque é dito prioritário que se vai deixar essa análise de lado.
Bons sentimentos e simpatia não são nunca bons substitutos à racionalidade estrito senso.

Se você quer saber por que a integração avança lentamente, precisaria fazer uma análise detalhada das políticas econômicas nacionais (macroeconômicas e setoriais).

A experiência é boa, repito, e deve ser perseguida, continuada e sustentada, mas não pode ser feita em detrimento de uma análise objetiva de seus custos e benefícios, de seu impacto global sobre o país e de sua capacidade (muito modesta, segundo minhas análises) de transformar realmente o Brasil). Desenvolvimento é algo profundamente interno e não é a integração que realiza o processo, como a experiência da Irlanda demonstra. A integração pode até ajudar um pouco, mas o principal deve ser feito internamente.

Em todo caso, muito grato pelos seus comentários que me ajudam a expor com mais clareza minhas posições. Seria mais fácil responder diretamente, mas posto que você prefere permanecer anônima, terá de ler os comentários aos seus comentários...
Paulo Roberto de Almeida.
28.06.2009

2 comentários:

Glaucia disse...

Bem, professor, não sabia que eu era "Anônimo Glaucia".

Quanto aos e-mails, não é exatamente o objetivo do blog criar um espaço publico? Gosto dele. Descerei sempre de volta para ler suas respostas, por isso não se preocupe com a minha leitura.

E entendo os esclarecimentos, concordo com vários deles. "Integração" se tornou um mero topos vazio de conteudo em nuestro continente.

Ainda assim, me parece que fica misturado o juizo de valor à avaliação objetiva. O CAFTA-DR dificilmente teria o mesmo tratamento ("entre os poucos paises membros"), embora também so haja uma economia "não-menor" - os EUA. Por outro lado, um eixo de oposição Russia-China-India no CS dificilmente seria chamado de "pequena coalizão de paises".

Por que esse tratamento quando a palavra nada acrescenta, e se afigura mesmo incorreta? Ou uma coalizão Brasil-Argentina-Venezuela, com pelo menos 65% da area, população e PIB da América do Sul, pode com propriedade ser chamada de pequena no contexto regional? Apenas se considerarmos que so existe um pais não-pequeno em todo o hemisfério...

Não me insurjo, como acho que compreende, contra o conteudo das opiniões do Professor. Apenas me incomoda que seja tão dificil no Brasil, mesmo entre pessoas lucidas, deixar de manchar a analise objetiva com ruidos ideologicos.

Temos assim a escolha entre uma Veja, que sempre opta pela piada em vez do argumento, e uma Caros Amigos, que parece estar em algum outro plano da existência. Não ha ninguém querendo compreender e transmitir, sem a priori, o que se passa; com um minimo não digo de imparcialidade mas de objetividade analitica.

No meio do seu pertinente, informado e instrutivo texto, é contra essas pulgas - que de resto infectam outros teoricos em nivel, claro, muito mais elevado - que praguejo. Se queremos elevar o nivel das ciências sociais no pais, antes de vigiar os inimigos é preciso vigiar os amigos.

Um abraço,

Glaucia

Paulo Roberto de Almeida disse...

Sorry, "Anônimo Glaucia", mas é assim que o sistema reage a um "pré-nome", sem sobrenome ou endereço eletrônico.
Apenas registrei a classificação do sistema, que não era minha.
Pois bem, mudemos,

Minha cara Glaucia...,
(as reticências são minhas)
Agradeço, mais uma vez, seus comentários extensos e detalhados, ainda que em passagens não muito precisos. Persiste certa ambiguidade em suas palavras, sobretudo nas intenções, ao pretender personalizar ou subjetivizar minhas análises e argumentos sobre a (des)integração sul-americana (sorry, mas sinceramente não vejo nenhum progresso da integração, ao contrário).
Tenho um enorme trabalho para terminar até a meia noite de hoje e não poderei comentar como deveria seus novos comentários, mas prometo retornar ao tablado, ou ao ringue, como você desejar, desde que possível e devidamente provocado por você.
Eu destaco seus comentários em novos posts pois eles são muito importantes para se esconderem em "notas de rodap" desse instrumento volátil que constitui um blog.
I shall return, como diria o Chapolin Colorado...