Continuidade da transcrição da resenha de Gladson Miranda, desde as postagens anteriores:
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Abreu, Marcelo de Paiva (org.):
A Ordem do Progresso:
dois séculos de política econômica no Brasil
2.
ed. - Rio de Janeiro : Elsevier, 2014, ISBN 978-85-352-7859-0
íntegra da resenha
(...)
Winston Fritsch
Introdução
Esses 30 anos que serão tratados neste
capítulo simbolizam o término de um período marcado pelo ápice, o aumento das
tensões e a consequente interrupção do “modo de inserção da economia brasileira
na economia mundial definido durante a Pax Britannica” e também do “sistema de
controle político consolidado a ferro e libras pelos grupos hegemônicos da
República durante o biênio Campos Salles-Rodrigues Alves.” (pg. 45)
Esse período foi responsável por uma
série de crises econômicas que destrincharam a política, possibilitando uma
reorganização das políticas econômicas com a consequente recomposição do Estado
apenas após 1930. (pg. 45)
Nas décadas de 1910 e 1920 ainda foram
economicamente complicadas, com crises que duraram muitos anos, gerando
desestabilidade, e apesar de ter apreciado um pequeno momento de estabilidade,
em 1929 estourou uma crise internacional aniquiladora. “O gigantesco
desequilíbrio externo que se prolonga pelo início dos anos 1930 força a
imposição de restrições cambiais e controles de importação mais ou menos
permanentes, acabando por causar profunda e duradoura ruptura da forma
tradicional de inserção do Brasil na economia mundial.” (pg. 45)
O encerramento da Primeira República
apontou para a abertura de uma dupla transição. As particularidades destas duas
rupturas levaram ao molde de uma perspectiva excessiva e reducionista da
importância da produção de café na política econômica. (pg. 46)
O presente capítulo tem como objetivo
maior discorrer sobre as questões elementares da “historiografia da política
econômica da Primeira República”. Entretanto, não tem como objetivo apenas “relatar
a execução da política macroeconômica antes de 1930 – com ênfase nas políticas
monetária, fiscal, cambial e de defesa dos preços internacionais do café –, mas
também demonstrar que tanto a visão tradicional quanto sua antítese idealista
são interpretações incorretas e empobrecedoras das motivações da política
econômica no período.” (pg. 47)
O autor afirma que o maior problema da
política econômica durante os anos finais do século XIX foi em distanciar a
economia dos desequilíbrios macroeconômicos ocasionados pelas mudanças na
posição do Brasil internacionalmente por motivos estruturais. (pg. 48)
Durante a Presidência de Campos Sales,
foi consolidado o conhecido como “pacto oligárquico”, o qual corresponde a um
“sistema de controle político e centralização de poder”. Este pacto tinha como
base a estabilidade no controle de grupos predominantes nos estados maiores e
ainda na influência das oligarquias dos estados menores em razão da assistência
do governo federal. (pg. 49)
Os acontecimentos relacionados ao
desempenho econômico e às políticas econômicas do Brasil podem ser separados em
momentos caracterizados pelas mudanças na conduta da economia internacional: “a
do longo ciclo de crescimento com endividamento da década anterior a 1914, a do
funcionamento anômalo da economia mundial durante a Primeira Guerra Mundial, e
a do choque, reconstrução e colapso dos anos 1920”. (pg. 50)
Este período que antecedeu a Primeira
Guerra Mundial marcou “um ciclo de crescimento que, em termos de duração e
extensão do progresso material, não teve paralelo na memória daqueles que o
testemunharam”. (pg. 50)
A melhora pode começar a ser sentida no
ano de 1902-1906, denominado como “milagre econômico”, o momento foi de aumento
das exportações da borracha e de investimentos europeus que permearam até
praticamente o início da Guerra. (pg. 50)
Dois grandes problemas foram enfrentados
durantes esses primeiros anos, um foi o aumento da receita líquida de divisas o
qual ocasionou uma considerável apreciação cambial, fazendo com que fosse
reiniciado a discussão sobre reforma monetária. Outra questão foi a piora do
mercado cafeeiro com o desequilíbrio deste em razão da supersafra ocorrida em
São Paulo no ano de 1906. (pg. 50-51)
Diante disso, o governo conseguiu com os
bancos londrinos um empréstimo capaz de “financiar a desova dos estoques de
café em prazo mais longo e, portanto, garantir a estabilidade de preços a curto
prazo”. Esta atitude permitiu que nos mercados internacionais de capital as
condições de crédito fossem normalizadas em 1908 e gerassem aceleração no
crescimento, até o ano de 1913. (pg. 51)
Resumindo, com a utilização do
padrão-ouro, a solidez monetária doméstica passou a ser associada a conduta do
balanço de pagamentos. “Por causa disso, até o início da guerra em 1914, os
acontecimentos exógenos que afetariam os mercados internacionais do café e da
borracha, e o fluxo de capital europeu de longo prazo, seriam decisivos para a
determinação do nível de atividade interna da economia”. (pg. 52)
Entre altos e baixos, o ano de 1913 chega
como marco inicial de um momento duradouro “crise de liquidez gerada pela operação
do padrão-ouro após a reversão da posição do balanço de pagamentos, que se
estenderia até a eclosão da Guerra Mundial”. Ainda assim, o padrão-ouro foi
mantido pelo governo, o que gerou dificuldade na política monetária e fez a
economia entrar em recessão antes mesmo das oposições Europeias. (pg. 53)
O começo da Segunda Guerra teve efeitos
instantâneos sobre o comércio internacional, impactando diretamente nos
pagamentos externos, na indústria do café e até na receita tributária. Algumas
medidas emergenciais foram tomadas, o que ajudou a alcançar um alívio
temporário com relação à crise de liquidez e o governo teve como arcar com suas
despesas. (pg. 53)
Conforme se foi notando que a guerra
duraria mais do que o esperado, as medidas emergenciais foram se esvaindo e
assim se tornaram insuficientes. “Os primeiros passos, dados em meados de 1915,
consistiram em tentar equacionar o equilíbrio financeiro do setor público e
reverter o substancial aperto de liquidez então vigente”. (pg. 54)
Durante o período de recuperação
econômica, mais especificamente no ano de 1916, as apreensões com relação a
posição externa retornaram. A balança comercial novamente passou a se desgastar
e estavam previstos a volta dos pagamentos dos juros relativos à dívida pública
externa no ano seguinte. (pg. 55)
O ano de 1917 foi conflituoso, a Alemanha
declarou boicote a qualquer tentativa de importação para países declarados
inimigos, o que fez com que o Brasil perdesse dois navios. Entretanto, a situação
foi resolvida posteriormente, e ao final “o Brasil emergia da guerra sem nenhum
dos problemas de excesso de oferta de café e equilíbrio externo que haviam
ocupado o centro das decisões de política econômica em seus últimos dois anos”.
(pg. 56)
A economia brasileira teve um desempenho,
nesses três anos, diretamente relacionado ao auge e a recessão os quais os
principais países aliados experimentaram. Houve um aumento dos preços do café,
mas com efeitos favoráveis, inclusive desencadeando crescimento da exportação
brasileira. (pg. 57)
Esse boom não durou muito tempo, pois as
políticas monetárias as quais foram adotadas em razão das pressões
inflacionárias ao final da guerra levaram a uma intensa recessão no Reino Unido
e nos Estados Unidos a partir de 1920. (pg. 57)
Tentativas de políticas cambiais para
retomar a liquidez levaram “a aprovação de projeto de lei autorizando pequena
emissão de notas do Tesouro para alívio emergencial de liquidez e a criação da
Carteira de Redesconto do Banco do Brasil”. (pg. 58)
Nos anos seguintes, foram realizados
empréstimos com a perspectiva de safra em 1922. No final do ano de 1921 o país
começou a se recuperar dado a uma autorização do Congresso para o redesconto de
títulos federais. A maneira de financiamento desta oscilação fiscal teve
resultados a médio prazo. “Por outro lado, a necessidade de liquidar a dívida
de curto prazo gerada em 1922 – parte substancial da qual exercia efeito
paralisador sobre a capacidade operacional do Banco do Brasil –, motivaria a
adoção imediata de grande austeridade na condução da política fiscal”. (pg. 60)
Neste período de quatro anos, o país
passaria por uma recuperação econômica, durante o governo de Epitácio Pessoa.
No ano de 1922, o preço do café voltou a subir, as exportações estavam
aumentando e o déficit comercial se revertendo. (pg. 60)
O novo presidente, Artur Bernardes,
herdou o país em meio a sérios problemas, o que o fez instituir um programa, o
qual possuía como ponto inicial “a realização de uma reforma monetária que
transformasse o Banco do Brasil em banco central, retirando do Tesouro os
poderes de emissão de moeda”. (pg. 61)
Este programa contemplava resoluções
drásticas de vários problemas, entretanto, alguns dessas medidas eram a longo
prazo, por isso, seriam necessárias algumas medidas instantâneas. “Os primeiros
meses do governo Bernardes, entretanto, seriam marcados por uma conduta
cautelosa na condução da política monetária, coerente com sua meta prioritária
de apreciação cambial que pressupunha corrigir a vulnerabilidade da posição
externa”. (pg. 61-62)
A partir da metade do ano de 1923, o país
começou a perder o controle sobre as políticas monetárias e em razão da preocupação
com uma nova crise cambial, foi-se cogitado um empréstimo para estabilizar a
situação. Nesses termos, foram realizadas inúmeras tentativas de ter o referido
empréstimo com os britânicos, ao mesmo tempo o país sofria com revoltar
militares no ano de 1924. (pg. 63)
Em contrapartida, o preço do café, no ano
de 1924, teve recuperação em razão do programa de valorização criado pelo
governo. A indústria que vinha se recuperando desde 1922, paralisou nos anos de
1925 e 1926. Esses anos em que o Brasil recuperou a sua posição externa durante
o governo de Bernardes, terão grande impacto nos anos seguintes para fins de
reabilitação dos fluxos de comércio. (pg. 64-65)
A transição presidencial de Bernardes
para Washington Luís ocasionou uma mudança radical nas políticas cambial e
monetária. Essa alteração foi realizada dado a fragilidade em que o país se
encontrava diante de sua posição externa. (pg. 65)
Assim que assumiu o governo, o novo
presidente tentou retomar o projeto de retomar o padrão-ouro com taxa de 6
pense, ou seja, 23% abaixo da média dos meses de julho-setembro, o que
refletiria a média dos anos de 1921-1926. (pg. 65)
Em 1926 iniciou-se uma tendência a
investimentos estrangeiros, vinha concomitantemente com a solidificação
financeira da valorização paulistana e com uma nova política cambial e
monetária. “A exuberante recuperação de 1927-1928 sustentava-se, entretanto, em
bases frágeis, já que dependia crucialmente da manutenção das condições
econômicas internacionais extremamente favoráveis verificadas desde 1926”. (pg.
66)
Em 1929, portanto, a economia brasileira
viu-se em crise novamente, houve uma supersafra de café a qual provocou a
decadência do sistema no final do ano. A situação foi agravada também em razão
de as condições de crédito com Londres terem impedido um financiamento externo.
(pg. 68)
Ao final desse período, o padrão-ouro se
demonstrou frágil e foi precursor de um colapso nunca antes visto, “o governo
federal se tenha agarrado teimosamente à manutenção do padrão no pressuposto
otimista de que seria possível obter um grande empréstimo de estabilização a
curto prazo”. (pg. 70)
Os acontecimentos citados trazem a
possibilidade de reavaliar as críticas das interpretações habituais sobre a
forma que a política econômica fora conduzida durante a Primeira República.
(pg. 70)
Existe um entendimento tradicional, por
exemplo, de que as políticas econômicas adotadas nos anos precedentes a 1930
seriam exclusivamente em razão do favorecimento dos interesses corporativos da
indústria cafeeira, o que não é verídico, como se pode observar nas crises de
1906 e 1929. (pg. 71)
A saber, as maiores crises cambiais,
ocorridas nos anos de 1890-1892 e 1920-1922, se deram em seguida de uma enorme
ausência de estabilidade econômica e um imenso desequilíbrio externo. (pg. 73)
O autor apresenta inúmeros argumentos os
quais podem levar a entender o quão equivocado é a conclusão de que as
predisposições para depreciar os mil-réis durante a Primeira República foram
intencionais. “A queda secular do mil-réis entre 1989 e 1930 é totalmente
explicada pelos dois grandes colapsos cambiais do início da última década do
século XIX e do início dos anos 1920, que resultaram de severos choques
externos cujos efeitos sobre o valor externo do mil-réis o governo federal não
conseguiu evitar”. Além do mais, afirmar que o padrão-ouro foi adotado
ocasionalmente com a simples intenção de vantagens dos setores da cafeicultura
é igualmente equivocada. (pg. 74)
Após as explanações deste capítulo, é
possível se concluir de três formas. Primeiramente, não pode ser levada em
conta a visão tradicional da política econômica adotada durante a Primeira
República no sentido de que era apenas em privilégio da indústria cafeeira.
(pg. 75)
Em seguida, as conclusões relacionadas
aos mecanismos de operação das relações econômicas internacionais, nos dois
sentidos, tanto sob taxas de câmbio flutuantes, quanto sob o padrão-ouro. (pg.
75)
A última conclusão seria no que diz
respeito à política econômica e o estilo das políticas econômicas que teve
início a partir de 1930, com uma intervenção do governo maior nos acordos
internacionais. (pg. 76)
“É certamente lícito inferir-se que os
governos do regime anterior a 1930 fracassaram fundamentalmente ao não promover
as mudanças estruturais necessárias para dar maior estabilidade macroeconômica
ao país, tal como maior diversificação das exportações, uma base fiscal menos
vulnerável a choques externos e assim por diante”. (pg. 76)
Os desequilíbrios externos fizeram com
que o Brasil conseguisse criar condições internas para manter sua estabilidade
na economia. Conclui-se, portanto, que as modificações nas relações
internacionais são fatos viáveis de explicar as adoções de políticas econômicas
e as mudanças nas estruturas após o período da Primeira República. (pg. 77)
(continua...)