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Este blog trata basicamente de ideias, se possível inteligentes, para pessoas inteligentes. Ele também se ocupa de ideias aplicadas à política, em especial à política econômica. Ele constitui uma tentativa de manter um pensamento crítico e independente sobre livros, sobre questões culturais em geral, focando numa discussão bem informada sobre temas de relações internacionais e de política externa do Brasil. Para meus livros e ensaios ver o website: www.pralmeida.org. Para a maior parte de meus textos, ver minha página na plataforma Academia.edu, link: https://itamaraty.academia.edu/PauloRobertodeAlmeida.

sexta-feira, 29 de maio de 2020

Gênero e Carreira Diplomática (2008) - Paulo Roberto de Almeida

Mais um inédito...

Gênero e Carreira Diplomática

Entrevista concedida a
estudante, para pesquisa sobre:
Igualdade de gêneros na diplomacia brasileira


1) Qual é sua concepção a respeito do movimento feminista, se posicionando em muitas vezes, de forma "somos coitadas"?
PRA: O movimento feminista teve várias vertentes e diferentes orientações, no decorrer do seu desenvolvimento histórico, começando pela reivindicação de direitos políticos – o que já implicava a assunção de certa independência em relação aos homens, em sociedades caracteristicamente patriarcais – até ingressar, modernamente, numa fase madura, depois de passar pelo militantismo anti-machista do período de agressiva liberação sexual. Não tenho conhecimento preciso sobre essa orientação que configuraria fase de pretensa auto-comiseração, identificada com essa frase, ou postura, “somos coitadas”. Estou certo de que ocorreu essa atitude, e que ela pode ter sido bastante disseminada entre as mulheres que se identificavam com o movimento “feminista”, mas não tinham ainda alcançado um nível de definição mais acurada da posição a ser adotada e por isso assumiam a atitude submissa, talvez, que tinha sido a delas durante tanto tempo.
Pessoalmente, nunca tive uma posição muito elaborada sobre o movimento feminista, a não ser uma vaga atitude de apoio. Na época de minha “emergência” como cidadão consciente já estava engajado quase inteiramente no movimento socialista, e tendia a considerar o movimento feminista, ou outros movimentos ditos “sociais”, como uma espécie de “distração” do objetivo principal, que seria “fazer” a revolução (o que obviamente resolveria automaticamente todos os problemas sociais).
Não posso, portanto, agora, de forma ex-post, ter uma posição definida, algo que não tinha em qualquer época anterior. Apenas posso imaginar como teria reagido se “tivesse tido a obrigação” de adotar um posicionamento explícito: provavelmente, teria lamentado essa atitude das mulheres militantes, mas não teria dado muito importância a ela, posto que o tema era para mim secundário ou completamente desimportante. 
Mas, a questão aqui se coloca da mesma forma como para a história do “paranóico”: o fato de alguém ser paranóico, não significa que não possa haver algum “complô” ou “perseguição”. As mulheres podem até escolher uma atitude recusando a postura de “coitadinhas”, o que não impede de elas serem efetivamente colocadas em posição subalterna e discriminadas objetivamente no campo profissional, cultural ou social. Embora isso seja mais uma herança do passado do que um traço do presente. 

2) Se a questão de gêneros, sendo abordada de forma "preconceituosa" por algumas mulheres, pode transformar uma causa tão bonita e nobre (que é o respeito aos direitos das mulheres) em uma causa discriminatória em relação aos homens?
PRA: Poderia até haver, teoricamente, esse tipo de atitude em certos grupos ou como expressão individual de feministas radicais, mas não creio que as mulheres, em qualquer tempo e lugar, tenham tido condições objetivas de “impor” essa visão de certo modo preconceituosa ao conjunto das mulheres e, a partir daí, estabelecer uma política de discriminação contra os homens.

3) Se o senhor acredita que uma abordagem mal desenvolvida, no que concerne às perspectivas de gênero pode inverter os papéis na diplomacia brasileira, fazendo com que homens que sejam comandados por mulheres (ex: embaixadoras), se sintam desprestigiados por "perseguições" dentro do Itamaraty, justamente por serem homens? Ainda que talvez, não ocorra hoje, mas digo para um futuro próximo?
PRA: Não creio que isso jamais venha a ocorrer, como comportamento tido como “normal”. Poderão existir casos individuais, mas muito raros. O mais comum será o relacionamento profissional entre homens e mulheres. Já existe número razoável de mulheres em posições de chefia no Itamaraty, sem que isso tenha despertado problemas de relacionamento ligados ao gênero. Não se pode excluir, tampouco, que uma mulher venha a ser “ascendida” à posição de chanceler, seja dentro da própria carreira, seja como representante do meio político ou cultural. 

4) Será que não estaríamos desta forma, nós mulheres, invertendo os papéis e discriminando os homens? E se com isso, não estamos alimentando um movimento "machista" e retrocedendo já que existe um movimento "feminista" com perfil "machista"?
PRA: Existe isso, sim, mas no Brasil me parece ser extremamente marginal, sem atingir o grau de radicalismo que atingiu nos EUA e em certos países europeus. Mesmo com o crescimento profissional das mulheres no Brasil, não vejo nenhuma possibilidade de reação contrária da parte dos homens. Tendo a fazer uma leitura otimista do relacionamento entre gêneros no Brasil, por acreditar que nosso país seja essencialmente aberto aos méritos e à capacidade individual. O machismo persiste de forma residual, por exemplo, no tratamento “positivo” dado a certas “caçadoras de dotes”, a modelos badalados e a outras oportunistas notórias, que são guindadas a posições de prestígio nos meios de comunicação de massa não por talentos reconhecidos, mas provavelmente por dotes físicos e seu aproveitamento ocasional. Mas, esse tipo de “machismo” existe provavelmente em vários países.

5) E será que a defesa de nossos ideais e a tutela dos nossos direitos, já não faz o homem se sentir em uma situação de coação e culpa pela "sociedade feminista", que ao invés de trabalhar a questão da conscientização, trabalhar muitas vezes, ainda que inconscientemente a segregação?
PRA: Sinceramente, não veja nenhum tipo de segregação em nenhum meio profissional do Brasil. O que pode haver são comportamentos individuais, presos a hábitos arraigados de um passado não muito distante, quando o machismo ordinário provocava, talvez, esse tipo de reação em certos meios feministas. Mas se trata de um comportamento bem mais localizado espacialmente e culturalmente – específico do Rio de Janeiro, provavelmente – do que algo comum a outros meios sociais e culturais do Brasil. Não consigo identificar homens que mantenham atitudes simétricas como resultado dessa suposta segregação feminina, a não ser de forma caricata, no humorismo de baixa qualidade de canais abertos de TV aberta e certos meios da imprensa escrita de notória má qualidade. 

6) Será que não há uma confusão entre "guerra de sexo" ou "guerra de gêneros"?
PRA: Pode até haver, mas eu confesso que não consigo distinguir as duas situações conceitualmente e muito menos na prática. Não vejo nenhum tipo de guerra no Brasil, muito menos essa elaboração sofisticada que consistiria em estabelecer uma fronteira entre sexo e gênero. Não vejo nenhuma tendência consistente no Brasil que se constitua sobre essas distinções que são muito teóricas para seu uso corrente, ou seja, em situações corriqueiras de vida. As distinções que possam ocorrer nesse sentido devem ser manifestações extremamente reduzidas de um meio intelectual bastante exíguo e pouco representativo da sociedade como um todo.

Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 11 de outubro de 2008


quinta-feira, 28 de maio de 2020

Retrato do diplomata, quando maduramente reflexivo (2006) - Paulo Roberto de Almeida

Mais um desses trabalhos que se descobrem quando se está em busca de qualquer outra coisa. Gosto muito deste trecho, de alta consciência sobre a importância do estudo: 

"Quando chegou a hora de começar o primário, no ano em que completei sete anos, ensaiei um movimento de recusa, no que fui questionado pela minha mãe sobre a razão de não querer ir para a escola. O motivo, bastante plausível, já demonstrava minha responsabilidade em face do estudo e da minha condição de “analfabeto” até então: “Não posso ir para a escola”, respondi, “porque eu não sei ler”."

O resto é história, até 2006 pelo menos...
Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 29 de maio de 2020



Retrato do diplomata, quando maduramente reflexivo

Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 31 dezembro 2006

Eu nasci na exata metade do século XX, em São Paulo, capital. Sou descendente, tanto por parte dos avós paternos como maternos, de imigrantes pobres, respectivamente de Portugal e da Itália, todos chegados ao Brasil no início do século, para trabalhar nas fazendas de café da então aristocrática elite cafeeira de São Paulo e do sul de Minas. Meu pai nasceu em Rio Claro, interior de São Paulo, no ano da revolução russa, antes da revolução bolchevique e depois da revolução de fevereiro, que derrubou o tzar e a monarquia dos Romanov. A primeira revolução ocorreu em fevereiro, a segunda revolução em outubro (ou em novembro, dependendo se o calendário é o juliano ou o gregoriano), e meu pai nasceu entre as duas. Minha mãe nasceu em Poços de Caldas, MG, alguns anos mais tarde. Ambos vieram pequenos para São Paulo, com meus avós – mas eles ainda não eram meus avós, obviamente –, que se mudaram para a capital paulista por motivos que desconheço, mas que deve ter algo a ver com o abandono das terríveis condições de trabalho na lavoura cafeeira, onde os imigrantes europeus eram tratados um pouco melhor, mas só um pouco, do que os escravos que eles vieram substituir a partir de 1888. 
Não sei como meus pais se conheceram, mas sei, em todo caso, que eles não chegaram a terminar a escola primária, tendo ambos de começar a trabalhar desde muito cedo para ajudar nas despesas domésticas, nas casas dos meus avós, obviamente (que só mais tarde se tornaram meus avós). Eu também comecei a trabalhar muito cedo, para ajudar em casa, na casa dos meus pais, evidentemente, depois que eles se tornaram meus pais, na exata metade do século XX, como já disse. Até onde alcançam minhas lembranças de infância, eu sempre trabalhei, mas pelo menos terminei a escola primária, a secundária, a pós-graduação e tudo o mais que tive direito a fazer numa vida de estudos, que infelizmente começou muito tarde para meus padrões atuais. Sim, só aprendi a ler na tardia idade dos sete anos, que foi quando eu finalmente entrei para a escola, como acontecia com o sistema de ensino público nos anos 1950. Antes disso frequentei o parque infantil e, bem mais importante, a biblioteca pública infantil, pertos de minha casa, no bairro paulistano do Itaim-Bibi, naquela época chamado de “chácara Itaim” (um pequeno aglomerado de casas humildes, ruas de terra e muitos terrenos baldios, onde jogávamos “peladas” de futebol). 
Comecei a frequentar a biblioteca infantil “Anne Frank” ainda antes de aprender a ler, para jogos e sessões de cinema (Oscarito e Grande Otelo eram os meus heróis cinematográficos). Quando chegou a hora de começar o primário, no ano em que completei sete anos, ensaiei um movimento de recusa, no que fui questionado pela minha mãe sobre a razão de não querer ir para a escola. O motivo, bastante plausível, já demonstrava minha responsabilidade em face do estudo e da minha condição de “analfabeto” até então: “Não posso ir para a escola”, respondi, “porque eu não sei ler”. Motivo recusado, fui inscrito compulsoriamente no “Grupo Escolar Aristides de Castro”, onde passei os cinco anos do primeiro ciclo: quatro obrigatórios da escola primária e um quinto ano de “admissão” (ao ciclo médio, então chamado de ginasial, que fiz no Vocacional).
O mais importante, porém, foi que, assim que aprendi os rudimentos da leitura, passei a ler todos os livros da biblioteca infantil, não apenas durante tardes e tardes seguidas, mas também em casa, já que eu sempre retirava livros para continuar a ler pela noite. Não tínhamos televisão então, o que muito me ajudou em meus hábitos de leitura. Monteiro Lobato, Emilio Salgari, Jules Verne, Karl May, foram alguns dos autores que acompanharam minha infância e a primeira adolescência e a eles devo grande parte do meu enorme conhecimento do mundo, sua história e geografia, além das ciências e das artes. Acho que me tornei autodidata desde o primeiro livro, uma característica que conservei durante toda a vida. A partir de um certo momento deixei de prestar atenção ao que se dizia em aula, desde a metade do “colegial” pelo menos, e passei inclusive a não frequentar as salas de aula: tudo o que sei, aprendi nos livros, em todo tipo de leitura, da extrema esquerda às suas antípodas, sem nenhum preconceito “religioso”.
Trabalhei desde muito cedo, como disse, primeiro recolhendo sobras de metal de fábrica para vendas ao “ferro velho”, a versão artesanal do moderno sistema de reciclagem. Depois fui pegador de bolas de tênis no Esporte Clube Pinheiros e empacotador no supermercado Peg-Pag. Meu primeiro emprego com registro em carteira deve ter sido aos 14 anos, como office-boy no Moinho Santista, no centro da cidade. Nessa época passei a frequentar a biblioteca da Faculdade de Direito no Largo de São Francisco, muito mais interessante em termos de livros sérios do que a pequena “Anne Frank”. Comecei a ler Celso Furtado, Caio Prado Jr, os sociólogos paulistas e toda a literatura marxista, a começar por um resumo do Capital por J. Duret, numa tradução das Éditions Sociales. O golpe militar impulsionou minha politização precoce e, em pouco tempo, eu já estava nas ruas, protestando com outros jovens e adolescentes contra a ditadura militar, contra o capital estrangeiro e o imperialismo americano. O mundo era mais simples então: tínhamos duas alternativas político-econômicas, e quem não era revolucionário e socialista, como éramos nessa juventude de rebeldia contra os poderes constituídos, a dominação estrangeira e a situação de pobreza que caracterizava grande parte da população (minha família, inclusive), era apenas indiferente, pois poucos eram os que se proclamavam abertamente capitalistas ou liberais. Essa segunda opção nunca foi muito popular no Brasil, aliás até hoje.
Naturalmente impulsionados pelo romantismo guevarista, radicalizamos na oposição ao regime militar, recorrendo inclusive à luta armada, e nisso fomos fragorosamente derrotados, mais por nossos próprios equívocos políticos do que pela “repressão” do regime militar. Alguns desapareceram, outros foram “eliminados” – por diferentes vias – e muitos foram para o exílio, eu inclusive, ainda que por vias legais e conservando o passaporte. Primeiro, em 1971, passei pelo socialismo – na Tchecoslováquia pós-repressão ao “socialismo de face humana”, de 1968 – e constatei uma coisa da qual já suspeitava bem antes: o socialismo, em sua versão soviética, simplesmente não funcionava, era uma imensa mentira, uma sociedade condenada ao passado, na qual as misérias morais, humanas, eram ainda maiores do que as misérias materiais, a da escassez cotidiana, a da penúria institucionalizada em modo de produção. Enfim, uma verdadeira mentira, com perdão pelo paradoxo. Depois, me instalei no capitalismo – em Bruxelas, na Bélgica –, onde encontrei condições de estudar e de trabalhar. Continuei em meu autoditatismo radical, passando mais tempo na biblioteca do Instituto de Sociologia do que nas aulas do curso de graduação em Ciências Sociais (que eu tinha largado no segundo ano da USP, depois da cassação dos mestres).
Foram seis anos e meio de intensas leituras, entre a graduação, o mestrado – em economia internacional, na Universidade de Antuérpia – e o começo de um doutorado, ao início de 1977, interrompido pela minha volta ao Brasil. Daí ao ingresso na carreira diplomática foram poucos meses, de muita atividade e de muitos projetos. O regime ainda era autoritário, mas na sua fase declinante. Em todo caso, dei início a uma dupla carreira, a de servidor público federal e a de professor universitário, que conservo até hoje, com satisfações e decepções em ambas.
As lides diplomáticas e as universitárias me confirmaram – como ocorre em quase todas as atividades humanas – que coexistem excelências e mesquinharias em todas as trajetórias permeadas por burocracias relativamente autossuficientes. Trabalhei, e continuo trabalhando, intensamente em ambas, delas retirando gratificações pessoais, profissionais e intelectuais. Também constatei que pequenos ciúmes e atos de puro despeito ocorrem das formas inesperadas. Nunca escondi o que penso das coisas, na política e na economia, o que nem sempre é recomendado em burocracias de tipo feudal como podem ser as instituições nas quais trabalho. Continuei refletindo, escrevendo e publicando o que penso ser um reflexo honesto de minhas leituras e pesquisas em ambos ambientes de trabalho. Nem sempre o que escrevo é bem recebido em cada um desses meios. Atribuo isso mais à inveja, ou aos ciumes, do que à oposição ao que tenho a dizer. Afinal de contas, não creio escrever nada de muito extraordinário.
Se ouso agora fazer uma síntese do que sou e do que penso, neste limiar do ano de 2007, eis aqui o que eu poderia dizer. Sou intensamente racionalista, ou seja: não costumo refugiar-me em qualquer tipo de crença, mas procuro descobrir as raízes e as razões das coisas, pelas velhas regras do método científico, isto é, a busca de correlações causais que possam ultrapassar o impressionismo e o subjetivismo inerentes ao homem, a procura de explicações que se submetam ao teste da realidade, ao embasamento empírico, e a prática de um saudável ceticismo quanto a respostas tentativas em quaisquer campos do conhecimento humano. Duvidar é bom, buscar a verdade melhor ainda, mesmo que ela esteja distante, ou seja, impossível no momento. 
No plano dos valores, mantenho o otimismo de que a bondade não só é possível, mas de que ela é capaz de superar a maldade humana, e esta pode ser incrivelmente infinita. O mundo certamente não é o lugar ideal que gostaríamos que fosse, mas ele já melhorou muito em relação ao passado de mortandades e injustiças. A pobreza ainda é um fardo pesado para mais da metade da humanidade e todos os meus esforços intelectuais e práticos estão dirigidos a reduzir, um pouco que seja, essa fardo, a começar pelo meu país, pela nação brasileira. Minhas contribuições para que isso se faça se situam quase todas no plano da reflexão individual e das proposições em termos de políticas públicas, aqui num ambiente coletivo que ultrapassa o da diplomacia. Não sei se tenho sido eficiente nessa “missão” autoatribuída, mas entendo que meus esforços didáticos e o meu desempenho enquanto produtor de textos especializados não sejam de todo inúteis. 
Entendo que devemos procurar fazer o bem, em quaisquer circunstâncias. Nisso vai até algum grau de sacrifício pessoal, e talvez até familiar, para tentar distribuir o bem em torno de si. Espero poder fazê-lo ainda durante muito tempo, nas minhas formas habituais de atuação, onde estão minhas “vantagens comparativas”: na leitura, na reflexão crítica, na escrita, no ensino, na publicação de textos que possam contribuir para o aprendizado dos mais jovens. 
Neste final de ano de 2006, quando faço um breve balanço de minhas atividades e creio poder programar algo do que farei em 2007 e nos anos seguintes, gostaria de resumir o sentido de minha ação da seguinte forma: ser intelectualmente honesto é um dever das pessoas que como eu trabalham sobretudo no plano das ideias e da escrita. Prestar contas do que se faz com o dinheiro público também é um dever, individual e coletivo, e nisso sou de uma radical transparência. No mais, creio que devemos procurar a felicidade e contribuir para a felicidade do maior número de pessoas. Eu me esforço para contribuir para que esse objetivo se cumpra na medida das minhas possibilidades, mas não tenho certeza de ser o mais eficiente possível, ou eficaz, o tempo todo. Gostaria de acreditar que, olhando para trás, agora e mais adiante, se possa dizer de mim, um dia: ele fez alguma diferença para diminuir o grau de sofrimento dos seus semelhantes, tanto quanto para aumentar o quantum de felicidade humana possível nas condições que nos são dadas pela história e pelas circunstâncias nas quais vivemos. 

Por fim: por que intitulei este texto desta forma? Não sei. Talvez porque o ser diplomata é minha condição atual, minha situação presente, minhas circunstâncias de vida. O ser reflexivo já é uma característica pessoal, um dado de minha personalidade, naturalmente reservada e bastante introspectiva. Quanto ao “retrato”, trata-se de uma radiografia do momento, uma pequena foto do presente, que talvez não seja o melhor possível, daí o relativo pessimismo que possa transpirar destas linhas. Acredito que o Brasil, seu povo e sociedade (a começar pelos núcleos dirigentes), estejam atravessando uma fase não propriamente exitosa, caracterizada por baixo crescimento, por inúmeros problemas acumulados – alguns se agravando –, com perspectivas de “mais do mesmo” nos anos à frente. Talvez seja passageiro, ou talvez se prolongue mais do que o desejado, pois afinal de contas outras sociedades antes da nossa também decaíram relativamente, algumas até entraram em “colapso”. O Brasil não será o primeiro exemplo conhecido de estagnação ou de declínio, relativo ou mesmo absoluto. Mas, tenho certeza de que reencontraremos o caminho do crescimento, da prosperidade, da afirmação dos bons valores humanos e sociais. Gostaria de poder contribuir para isso, tanto quanto minhas forças intelectuais e a minha disposição física o permitirem. Continuo otimista quanto à capacidade das sociedades se regenerarem, a partir dos esforços individuais de pessoas que têm algo a contribuir para o bem da humanidade. As pessoas valem pelo que elas são e pelo que elas possam fazer de bem para a felicidade do maior número.
Vale!

Brasília, 1706: 31 dezembro 2006.

O Serviço Exterior Francês: História, Estrutura e Recrutamento (1995) - Paulo Roberto de Almeida

De vez em quando, percorrendo a minha lista de trabalhos em busca de alguma coisa que eu tenho certeza de ter, mas não sei quando, nem onde foi escrita, nem se foi publicada ou não, eu me deparo com trabalhos inteiramente inéditos, que tinha ficado para trás, seja porque não tinha aonde publicar, seja porque fui absorvido por novos e importantes trabalhos.
É o caso deste aqui, que fiz quando estava servindo na embaixada do Brasil em Paris, e tinha curiosidade em conhecer como trabalhavam meus colegas do Quai d'Orsay, qual era a trajetória da carreira ao longo do tempo, e como estavam organizados naquele momento (inclusive quanto ganhavam). Não tinha muito glamour, ao contrário do que se possa pensar.
Em todo caso, aprendi algumas coisas, mas suponho que desde aquela época, muita coisa tenha mudado, sobretudo num sentido de maior feminização da carreira, e melhoria nos salários.
Deixo a critério de meus leitores franceses, ou colegas que conhecem a situação atual, eventuais correções sobre os argumentos e sobretudos sobre os valores recebidos, agora em euros.
Paulo Roberto de Almeida 

475. “O Serviço Exterior Francês: História, Estrutura e Recrutamento”, Paris, 15 fevereiro 1995, 15 p. Elaboração da história e situação atual do serviço exterior francês, com vias de acesso à carreira, estrutura interna e fluxos ascensionais. Destinado ao Boletim ADB, revisto e resumido devido à extensão. Inédito. Disponibilizado na plataforma Academia.edu (28/05/2020; link: https://www.academia.edu/43192012/O_Servico_Exterior_Frances_Historia_Estrutura_e_Recrutamento_1995_).

O SERVIÇO EXTERIOR FRANCÊS
História, Estrutura e Recrutamento

Paulo Roberto de Almeida
Conselheiro (Paris, 15 fevereiro 1995

I. Formação histórica da diplomacia francesa
O “Ancien Régime”
Embora a prática da negociação existisse, evidentemente, desde a Idade Média – quando o próprio Rei se desempenhava como o principal negociador do Reino –, os primeiros agentes diplomáticos franceses, reconhecidos como tais, apareceram apenas no curso do Renascimento. Até então, a prática era a de que representantes especiais do Rei fossem designados temporariamente como “plenipotenciários” junto aos reinos e repúblicas vizinhas ou, em alguns casos, até bem mais longe: é sabido, por exemplo, que Carlos Magno estabeleceu relações com o Oriente muçulmano, recebendo uma embaixada e as chaves do Santo Sepulcro de Harun-Al-Rachid em 807. 
Mas, é apenas a partir da Renascença que um corpo administrativo dedicado aos assuntos estrangeiros, dotado de sua secretaria específica, se estabelece de maneira permanente no aparelho de Estado francês. O rei Henrique III, rompendo a antiga prática de uma repartição geográfica entre seus quatro “secrétaires des commandements et des finances”, reservou a um deles, em 1589, a correspondência com os países estrangeiros. Um texto de 1626 organizava os serviços do “Secrétaire d’État aux Affaires Etrangères”, que passa a ser assistido por “commis” (juristas, arquivistas, geógrafos...). Durante a época do absolutismo monárquico e sob o Iluminismo, o corpo diplomático francês, mesmo tendo “importado” alguns estrangeiros (em geral italianos) para defender os interesses de um Estado precocemente centralizado, tornou-se um modelo do gênero e o próprio francês converteu-se em língua franca das chancelarias europeias.
Uma primeira academia diplomática, dedicada à formação de jeunes gens de bonne famille, criada em 1712, foi fechada em 1720, sob escusa de que tinham se apresentado representantes de uma jeunesse vaine e mal disciplinée, à qui manquait le goût du travail. A preparação dos diplomatas foi então colocada sob a responsabilidade do “Cabinet du Louvre pour les Affaires Etrangères”, mas os filhos de tradicionais famílias nobiliárias buscavam habitualmente uma formação especializada na “École de Droit e de Diplomatie” da Universidade de Estrasburgo.

Revolução, Restauração e Império
Durante a Revolução, algumas mudanças funcionais e administrativas são operadas, como, por exemplo, a vinculação dos consulados – anteriormente colocados por Colbert na área do Ministério da Marinha – ao secretariado das relações exteriores. O Comitê de Salvação Pública chegou a reconhecer que “o departamento dos Assuntos Estrangeiros, sob a monarquia, era o único bem administrado”. Reflexo da renovação então operada nos quadros de pessoal, a diplomacia do Diretório foi conduzida por um pessoal bem mais diversificado: jovens oficiais militares e representantes da burguesia juntaram-se assim aos diplomatas de carreira. Mas, encerrada a fase revolucionária, Talleyrand se encarregaria de reorganizar, num sentido conservador e mesmo regressista, a máquina que serviria à diplomacia napoleônica.  
(...)

Ler a íntegra neste link na plataforma Academia.edu; link: 

Webinar sobre a dimensão fiscal da crise - Marcos Mendes, Norman Gall (Instituto Braudel)

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China: a embaixada e os lunáticos

A despeito desta carta enviada para a Câmara dos Deputados recentemente: 


os aloprados do bolsolavismo diplomático continuam desafiando o grande parceiro comercial:



Os prejuízos para o Brasil parecem iminentes, e não sei se os lunáticos percebem isso...
Paulo Roberto de Almeida

Itamaraty cancela apoio ao CEBRI após carta crítica a Ernesto - Edoardo Ghirotto (Veja)

Itamaraty cancela apoio a centro de estudos após carta crítica a Ernesto
Chanceler ordenou que a Fundação Alexandre de Gusmão revogasse um contrato de operação técnica com o Centro Brasileiro de Relações Internacionais (Cebri)

Por Edoardo Ghirotto - Revista VEJA, 28 maio 2020, 13h56 

O chanceler Ernesto Araújo promoveu nova retaliação contra críticos de sua gestão no Itamaraty. Na última semana, Araújo ordenou que a Fundação Alexandre de Gusmão (Funag), órgão do Ministério das Relações Exteriores voltado para pesquisas e divulgação, rompesse um contrato de parceria técnica com o Centro Brasileiro de Relações Internacionais (Cebri), um think thank independente e suprapartidário composto por diplomatas e acadêmicos de renome.
O motivo para o fim da parceria foi uma carta divulgada no último dia 10 por 27 membros do Cebri, entre eles o ex-chanceler Rubens Ricupero, os ex-ministros Aldo Rebelo e Pedro Malan e os diplomatas Marcos Azambuja, Luiz Augusto de Castro Neves e Roberto Abdenur. O documento expressava “grave e urgente preocupação” com a condução da política externa brasileira e os “prejuízos” que ela trouxe ao país.
Na semana seguinte à divulgação da carta, a Funag entrou em contato com a direção do Cebri para informar que um contrato de cooperação técnica assinado em 2017 seria rompido. A parceria não previa o aporte de fundos, mas servia para que os dois centros de estudo organizassem eventos e projetos de pesquisa em conjunto. O Cebri também utilizava as dependências de prédios do Itamaraty para realizar conferências.
Araújo tem demonstrado maior irritação com os críticos desde que o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso se uniu a Ricupero e a outros ex-chanceleres para divulgar um artigo com questionamentos à gestão do Itamaraty e ao governo de Jair Bolsonaro. O documento foi publicado em inglês e espanhol e teve ampla repercussão no exterior. Fora do tom diplomático, Araújo declarou que o artigo fora escrito por “paladinos da hipocrisia” e “figuras menores”.
Recentemente, o jornal O Globo publicou uma reportagem em que mostra como a Funag se transformou num think thank dedicado ao pensamento conspiracionista do escritor Olavo de Carvalho, que foi responsável pela indicação de Araújo ao Itamaraty. Sob a direção de Roberto Goidanich, a Funag abriu espaço para blogueiros e militantes bolsonaristas darem palestras em vez de professores e diplomatas.
Nas exposições que o jornal acompanhou, palestrantes disseram que o ex-presidente americano Barack Obama é um “radical de extrema esquerda” e que o uso de máscaras contra a Covid-19 se assemelha aos gulags criados pelo ditador soviético Josef Stalin.
O aparelhamento ideológico tem preocupado diplomatas e acadêmicos porque a Funag sempre exerceu um papel importante na formação do pensamento de jovens que ingressam na carreira. Há o temor de que, no futuro, obras de Olavo de Carvalho sejam incluídas nos exames do Instituto Rio Branco, que organiza os concursos para diplomatas.


America grows more divided amid coronavirus crisis, as a distracted Trump sows discord - James Hohmann (WP)