De vez em quando, percorrendo a minha lista de trabalhos em busca de alguma coisa que eu tenho certeza de ter, mas não sei quando, nem onde foi escrita, nem se foi publicada ou não, eu me deparo com trabalhos inteiramente inéditos, que tinha ficado para trás, seja porque não tinha aonde publicar, seja porque fui absorvido por novos e importantes trabalhos.
É o caso deste aqui, que fiz quando estava servindo na embaixada do Brasil em Paris, e tinha curiosidade em conhecer como trabalhavam meus colegas do Quai d'Orsay, qual era a trajetória da carreira ao longo do tempo, e como estavam organizados naquele momento (inclusive quanto ganhavam). Não tinha muito glamour, ao contrário do que se possa pensar.
Em todo caso, aprendi algumas coisas, mas suponho que desde aquela época, muita coisa tenha mudado, sobretudo num sentido de maior feminização da carreira, e melhoria nos salários.
Deixo a critério de meus leitores franceses, ou colegas que conhecem a situação atual, eventuais correções sobre os argumentos e sobretudos sobre os valores recebidos, agora em euros.
Paulo Roberto de Almeida
475. “O Serviço Exterior Francês: História, Estrutura e Recrutamento”, Paris, 15 fevereiro 1995, 15 p. Elaboração da história e situação atual do serviço exterior francês, com vias de acesso à carreira, estrutura interna e fluxos ascensionais. Destinado ao Boletim ADB, revisto e resumido devido à extensão. Inédito. Disponibilizado na plataforma Academia.edu (28/05/2020; link: https://www.academia.edu/43192012/O_Servico_Exterior_Frances_Historia_Estrutura_e_Recrutamento_1995_).
O SERVIÇO EXTERIOR FRANCÊS
História, Estrutura e Recrutamento
Paulo Roberto de Almeida
Conselheiro (Paris, 15 fevereiro 1995)
I. Formação histórica da diplomacia francesa
O “Ancien Régime”
Embora a prática da negociação existisse, evidentemente, desde a Idade Média – quando o próprio Rei se desempenhava como o principal negociador do Reino –, os primeiros agentes diplomáticos franceses, reconhecidos como tais, apareceram apenas no curso do Renascimento. Até então, a prática era a de que representantes especiais do Rei fossem designados temporariamente como “plenipotenciários” junto aos reinos e repúblicas vizinhas ou, em alguns casos, até bem mais longe: é sabido, por exemplo, que Carlos Magno estabeleceu relações com o Oriente muçulmano, recebendo uma embaixada e as chaves do Santo Sepulcro de Harun-Al-Rachid em 807.
Mas, é apenas a partir da Renascença que um corpo administrativo dedicado aos assuntos estrangeiros, dotado de sua secretaria específica, se estabelece de maneira permanente no aparelho de Estado francês. O rei Henrique III, rompendo a antiga prática de uma repartição geográfica entre seus quatro “secrétaires des commandements et des finances”, reservou a um deles, em 1589, a correspondência com os países estrangeiros. Um texto de 1626 organizava os serviços do “Secrétaire d’État aux Affaires Etrangères”, que passa a ser assistido por “commis” (juristas, arquivistas, geógrafos...). Durante a época do absolutismo monárquico e sob o Iluminismo, o corpo diplomático francês, mesmo tendo “importado” alguns estrangeiros (em geral italianos) para defender os interesses de um Estado precocemente centralizado, tornou-se um modelo do gênero e o próprio francês converteu-se em língua franca das chancelarias europeias.
Uma primeira academia diplomática, dedicada à formação de jeunes gens de bonne famille, criada em 1712, foi fechada em 1720, sob escusa de que tinham se apresentado representantes de uma jeunesse vaine e mal disciplinée, à qui manquait le goût du travail. A preparação dos diplomatas foi então colocada sob a responsabilidade do “Cabinet du Louvre pour les Affaires Etrangères”, mas os filhos de tradicionais famílias nobiliárias buscavam habitualmente uma formação especializada na “École de Droit e de Diplomatie” da Universidade de Estrasburgo.
Revolução, Restauração e Império
Durante a Revolução, algumas mudanças funcionais e administrativas são operadas, como, por exemplo, a vinculação dos consulados – anteriormente colocados por Colbert na área do Ministério da Marinha – ao secretariado das relações exteriores. O Comitê de Salvação Pública chegou a reconhecer que “o departamento dos Assuntos Estrangeiros, sob a monarquia, era o único bem administrado”. Reflexo da renovação então operada nos quadros de pessoal, a diplomacia do Diretório foi conduzida por um pessoal bem mais diversificado: jovens oficiais militares e representantes da burguesia juntaram-se assim aos diplomatas de carreira. Mas, encerrada a fase revolucionária, Talleyrand se encarregaria de reorganizar, num sentido conservador e mesmo regressista, a máquina que serviria à diplomacia napoleônica.
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