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sexta-feira, 29 de maio de 2020

Gênero e Carreira Diplomática (2008) - Paulo Roberto de Almeida

Mais um inédito...

Gênero e Carreira Diplomática

Entrevista concedida a
estudante, para pesquisa sobre:
Igualdade de gêneros na diplomacia brasileira


1) Qual é sua concepção a respeito do movimento feminista, se posicionando em muitas vezes, de forma "somos coitadas"?
PRA: O movimento feminista teve várias vertentes e diferentes orientações, no decorrer do seu desenvolvimento histórico, começando pela reivindicação de direitos políticos – o que já implicava a assunção de certa independência em relação aos homens, em sociedades caracteristicamente patriarcais – até ingressar, modernamente, numa fase madura, depois de passar pelo militantismo anti-machista do período de agressiva liberação sexual. Não tenho conhecimento preciso sobre essa orientação que configuraria fase de pretensa auto-comiseração, identificada com essa frase, ou postura, “somos coitadas”. Estou certo de que ocorreu essa atitude, e que ela pode ter sido bastante disseminada entre as mulheres que se identificavam com o movimento “feminista”, mas não tinham ainda alcançado um nível de definição mais acurada da posição a ser adotada e por isso assumiam a atitude submissa, talvez, que tinha sido a delas durante tanto tempo.
Pessoalmente, nunca tive uma posição muito elaborada sobre o movimento feminista, a não ser uma vaga atitude de apoio. Na época de minha “emergência” como cidadão consciente já estava engajado quase inteiramente no movimento socialista, e tendia a considerar o movimento feminista, ou outros movimentos ditos “sociais”, como uma espécie de “distração” do objetivo principal, que seria “fazer” a revolução (o que obviamente resolveria automaticamente todos os problemas sociais).
Não posso, portanto, agora, de forma ex-post, ter uma posição definida, algo que não tinha em qualquer época anterior. Apenas posso imaginar como teria reagido se “tivesse tido a obrigação” de adotar um posicionamento explícito: provavelmente, teria lamentado essa atitude das mulheres militantes, mas não teria dado muito importância a ela, posto que o tema era para mim secundário ou completamente desimportante. 
Mas, a questão aqui se coloca da mesma forma como para a história do “paranóico”: o fato de alguém ser paranóico, não significa que não possa haver algum “complô” ou “perseguição”. As mulheres podem até escolher uma atitude recusando a postura de “coitadinhas”, o que não impede de elas serem efetivamente colocadas em posição subalterna e discriminadas objetivamente no campo profissional, cultural ou social. Embora isso seja mais uma herança do passado do que um traço do presente. 

2) Se a questão de gêneros, sendo abordada de forma "preconceituosa" por algumas mulheres, pode transformar uma causa tão bonita e nobre (que é o respeito aos direitos das mulheres) em uma causa discriminatória em relação aos homens?
PRA: Poderia até haver, teoricamente, esse tipo de atitude em certos grupos ou como expressão individual de feministas radicais, mas não creio que as mulheres, em qualquer tempo e lugar, tenham tido condições objetivas de “impor” essa visão de certo modo preconceituosa ao conjunto das mulheres e, a partir daí, estabelecer uma política de discriminação contra os homens.

3) Se o senhor acredita que uma abordagem mal desenvolvida, no que concerne às perspectivas de gênero pode inverter os papéis na diplomacia brasileira, fazendo com que homens que sejam comandados por mulheres (ex: embaixadoras), se sintam desprestigiados por "perseguições" dentro do Itamaraty, justamente por serem homens? Ainda que talvez, não ocorra hoje, mas digo para um futuro próximo?
PRA: Não creio que isso jamais venha a ocorrer, como comportamento tido como “normal”. Poderão existir casos individuais, mas muito raros. O mais comum será o relacionamento profissional entre homens e mulheres. Já existe número razoável de mulheres em posições de chefia no Itamaraty, sem que isso tenha despertado problemas de relacionamento ligados ao gênero. Não se pode excluir, tampouco, que uma mulher venha a ser “ascendida” à posição de chanceler, seja dentro da própria carreira, seja como representante do meio político ou cultural. 

4) Será que não estaríamos desta forma, nós mulheres, invertendo os papéis e discriminando os homens? E se com isso, não estamos alimentando um movimento "machista" e retrocedendo já que existe um movimento "feminista" com perfil "machista"?
PRA: Existe isso, sim, mas no Brasil me parece ser extremamente marginal, sem atingir o grau de radicalismo que atingiu nos EUA e em certos países europeus. Mesmo com o crescimento profissional das mulheres no Brasil, não vejo nenhuma possibilidade de reação contrária da parte dos homens. Tendo a fazer uma leitura otimista do relacionamento entre gêneros no Brasil, por acreditar que nosso país seja essencialmente aberto aos méritos e à capacidade individual. O machismo persiste de forma residual, por exemplo, no tratamento “positivo” dado a certas “caçadoras de dotes”, a modelos badalados e a outras oportunistas notórias, que são guindadas a posições de prestígio nos meios de comunicação de massa não por talentos reconhecidos, mas provavelmente por dotes físicos e seu aproveitamento ocasional. Mas, esse tipo de “machismo” existe provavelmente em vários países.

5) E será que a defesa de nossos ideais e a tutela dos nossos direitos, já não faz o homem se sentir em uma situação de coação e culpa pela "sociedade feminista", que ao invés de trabalhar a questão da conscientização, trabalhar muitas vezes, ainda que inconscientemente a segregação?
PRA: Sinceramente, não veja nenhum tipo de segregação em nenhum meio profissional do Brasil. O que pode haver são comportamentos individuais, presos a hábitos arraigados de um passado não muito distante, quando o machismo ordinário provocava, talvez, esse tipo de reação em certos meios feministas. Mas se trata de um comportamento bem mais localizado espacialmente e culturalmente – específico do Rio de Janeiro, provavelmente – do que algo comum a outros meios sociais e culturais do Brasil. Não consigo identificar homens que mantenham atitudes simétricas como resultado dessa suposta segregação feminina, a não ser de forma caricata, no humorismo de baixa qualidade de canais abertos de TV aberta e certos meios da imprensa escrita de notória má qualidade. 

6) Será que não há uma confusão entre "guerra de sexo" ou "guerra de gêneros"?
PRA: Pode até haver, mas eu confesso que não consigo distinguir as duas situações conceitualmente e muito menos na prática. Não vejo nenhum tipo de guerra no Brasil, muito menos essa elaboração sofisticada que consistiria em estabelecer uma fronteira entre sexo e gênero. Não vejo nenhuma tendência consistente no Brasil que se constitua sobre essas distinções que são muito teóricas para seu uso corrente, ou seja, em situações corriqueiras de vida. As distinções que possam ocorrer nesse sentido devem ser manifestações extremamente reduzidas de um meio intelectual bastante exíguo e pouco representativo da sociedade como um todo.

Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 11 de outubro de 2008


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