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quarta-feira, 28 de outubro de 2020

Saudades dos tempos em que o perigo era só o “neoliberalismo” - Paulo Roberto de Almeida

 Alguém “desenterrou” um texto meu de 2009, depois reproduzido no Ordem Livre, em 2014, do qual eu havia esquecido completamente.

Mas era sobre essas coisas amenas do neoliberalismo, consenso de Washington, quando a Academia brigava contra os seus próprios conceitos falaciosos. 

Saudades desses tempos mais saudáveis. Atualmente temos de ficar ouvindo um besteirol inacreditável, feito de “globalismo”, “covidismo” e outras estupidezes ainda piores, vindas não só do chanceler acidental e suas “alucinações exteriores”, mas do próprio tresloucado que tenta dirigir o governo (hoje sob o controle cleptocrático do Centrão, e nisso repito um general boçal, que teve de engolir suas próprias palavras).

Acho que avançamos muito no grau de loucuras nacionais. Anteriormente, elas se colocavam num patamar mais ou menos racional, com o qual era possível dialogar.

Atualmente, as falácias não são apenas mentirosas: elas são simplesmente ALUCINANTES, como revelado no último (ou apenas o mais recente) discurso do patético chanceler em 22/10/2020. Outros virão, tenham certeza: estamos entregues a um bando de doidos.

Em todo caso, agradecendo a quem desenterrou meu texto de uma década atrás, reproduzo-o aqui abaixo.

Paulo Roberto de Almeida 

Brasília, 28/10/2020


O mito do neoliberalismo

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1. Da pouco nobre arte de ser falaz

Falácia, segundo os bons dicionários, é a qualidade ou o caráter do que é falaz, que, por sua vez, é um adjetivo sugerido como sendo o equivalente de enganador, ardiloso ou fraudulento, ou, ainda, quimérico, ilusório ou enganoso. Pois bem, ao longo de minhas “peregrinações” acadêmicas, tenho tido a oportunidade de deparar-me com exemplos de afirmações, argumentos, postulações, teses ou artigos inteiros que correspondem ao caráter enganador ou, até mesmo, fraudulento contido nesse adjetivo. Comecemos esta série por um dos mais recorrentes em nossos tempos.

Como sabem todos aqueles que convivem com a literatura acadêmica na área de ciências sociais, nenhum conceito tem sido tão equivocadamente mencionado no ambiente universitário, nas últimas duas décadas, quanto o epíteto “neoliberal”, junto com o seu correspondente coletivo e doutrinal, o “neoliberalismo”. A incidência estatística de seu (mau) uso é tão notória, que se poderia falar de uma verdadeira epitetomania anti-neoliberal, dirigida contra todas as políticas econômicas associadas, de perto ou de longe, ao chamado mainstream economics, este representado pelas correntes ortodoxas de pensamento e suas práticas econômicas correspondentes.

Junto com o substantivo usado e abusado de globalização, ou, ainda, o tão mais detestado quanto praticamente desconhecido programa econômico do “consenso de Washington”, o neoliberalismo converteu-se, simultaneamente, em um xingamento e em um slogan de uso praticamente obrigatório por todos aqueles que pretendem desqualificar e condenar as políticas e as práticas da escola econômica convencional. Eles o fazem, supostamente em nome de uma outra orientação, de uma doutrina ou de uma escola, que seriam, alegadamente, heterodoxas, alternativas e até mesmo opostas às primeiras. Os argumentos e teses utilizados para esse tipo de condenação são pouco compatíveis com um trabalho analítico sério, ou seja, capazes de passar pelos testes da coerência, relevância, compatibilidade com os dados da realidade e passíveis de aferição, independentemente dos próprios argumentos que sustentam a acusação.

Nesse sentido, o neoliberalismo já se converteu em um mito acadêmico, isto é, deixou de significar uma realidade empírica, aferível por dados extraídos de alguma situação concreta, para passar a representar uma entidade nebulosa, definida de modo muito pouco precisa, aplicada a diferentes conjunturas de países e políticas vagamente caracterizadas como pertencendo ao domínio dos “livres mercados”, em oposição ao que seria uma regulação estatal mais estrita. Não se é neoliberal por vontade própria, mas apenas por ter sido assim catalogado por aqueles que detêm o monopólio dessa classificação, que são, invariavelmente, os opositores de supostas idéias “neoliberais”.

Por certo, existem muitos outros abusos acadêmicos em relação a diversos conceitos que são usados indevidamente no panorama pouco rigoroso das nossas “humanidades”, entre eles o de classe, o de imperialismo, o de burguesia e vários do mesmo gênero. Contudo, o manancial de falácias que brota sem cessar a partir do uso inadequado do adjetivo “neoliberal” é provavelmente o mais abundante e o mais disseminado de que se tem registro desde os anos 1980. São tantas as variedades de uso e as manifestações qualitativas – ainda que superficiais – em torno desse termo, que fica difícil ignorá-lo como o campeão absoluto de referências numa série analítica que pretende, justamente, examinar alguns exemplos de falácias acadêmicas. Seu uso é tão corrente e banal que pode ser espinhoso selecionar uma “falácia” representativa de toda uma corrente de pensamento que se propõe aqui submeter ao crivo da crítica argumentada e sistemática.

Encontrei, porém, no contexto de minhas leituras, um texto suficientemente representativo de uma falácia acadêmica associada ao dito conceito e perfeitamente ilustrativo do mito mencionado no título deste ensaio. Vou proceder à citação do texto em questão, submetendo o trecho selecionado à crítica que pretendo fazer de toda uma orientação doutrinal muito comum nos meios ligados à comunidade universitária que se move em torno das chamadas humanidades. Os únicos critérios que me guiam na releitura crítica do texto em questão são aqueles que se espera encontrar em todo e qualquer trabalho acadêmico: clareza na descrição ou exposição dos fatos, coerência na apresentação dos argumentos, relevância do discurso para a realidade de que se pretende tratar e sua adequação aos dados dessa própria realidade.

2. As novas roupas do velho imperialismo, em sua fase neoliberal

Deparei-me, num típico volume que deve figurar entre as leituras obrigatórias ou recomendadas de vários cursos dentro dessa área, com a seguinte afirmação:

“...o produto social da globalização, o neoliberalismo tem sido o mais dramático possível. Em pouco tempo esse novo regime de acumulação desagregou sociedades, tornou os ricos mais ricos e ampliou a pobreza em praticamente todos os cantos do mundo, especialmente as nações da periferia, onde a barbárie social vem esgarçando o tecido social e incrementando a violência em todos os sentidos.” (autor: Edmilson Costa; artigo: “Para onde vai o capitalismo? Ensaio sobre a globalização neoliberal e a nova fase do imperialismo”; in Pedro Bohomoletz de Abreu Dallari (coord.), Relações Internacionais: Múltiplas Dimensões; São Paulo: Aduaneiras, 2004, p. 201-233; cf. p. 206.)

Existe ainda outra frase extraída do mesmo artigo que me parece adequada ao propósito de avaliar criticamente o mito do neoliberalismo em certo pensamento acadêmico contemporâneo, embora esta acima me pareça uma perfeita síntese de tudo o que existe de equivocado e falacioso no “pensamento” universitário em torno desse conceito onipresente e polivalente. Vejamos em todo caso o complemento ideal a ela:

“O neoliberalismo é a síntese de todo esse processo de mudanças profundas que estão ocorrendo no sistema capitalista: funciona como uma espécie de gerenciador ideológico, político, econômico, social e cultural dessa nova fase do imperialismo. Trata-se de uma ideologia primitiva para os tempos atuais, com postulados do século XVIII e meados do XIX, época do capitalismo concorrencial, mas com um apelo espantoso ao senso comum. A ideologia neoliberal procura manipular os sentimentos mais atrasados das massas, revigorando os preconceitos, açulando o individualismo, distorcendo o significado das coisas, reduzindo os fenômenos à sua aparência, de forma a ganhar os corações e mentes para o jogo do livre mercado e da livre iniciativa.” (Idem, op. cit., p. 219)

Não vale a pena alertar para a incoerência de se destacar o caráter “primitivo” de uma ideologia que, sendo de meados do século XIX, tem mais ou menos o mesmo grau de “primitivismo” que o marxismo, nem para a inconsistência de se vincular a defesa do livre mercado e da livre iniciativa a “sentimentos atrasados das massas”, já que a mesma ideologia estaria, supostamente, “açulando o individualismo”. Pedir um mínimo de coerência analítica seria exigir demais de um autor que, manifestamente, distorce o “significado das coisas”, reduz o fenômeno do liberalismo à sua aparência, com o provável objetivo de ganhar os corações e mentes de alguns estudantes para o livre jogo dos seus argumentos ilusórios. Passemos, portanto, a examinar cada uma das partes dessas afirmações, elas mesmas espantosas, em relação ao neoliberalismo, com a atenção que nos requer este exemplo consumado de fraude intelectual (se é verdade que este último adjetivo se aplica ao caso em questão).

3. O neoliberalismo como produto de uma imaginação confusa

Em primeiro lugar, o neoliberalismo nunca foi um “produto social da globalização”. Esta é um processo tão velho quanto os empreendimentos marítimos dos mercadores fenícios da antiguidade e as aventuras em mares desconhecidos dos navegadores ibéricos do final do século XV. Em suas manifestações mais comuns, ela vem sendo aceita tranquilamente até pelos mais empedernidos opositores desse processo, aqueles que, sob inspiração francesa, acreditam que “um outro mundo é possível” e que pedem por “uma outra globalização”, que deveria ser não assimétrica e, preferencialmente, não capitalista. Quanto ao neoliberalismo, a rigor, ele não tem nada a ver com a globalização, podendo ser teoricamente encontrado em diversos sistemas econômicos, bastando com que as práticas econômicas se ajustem ao que se tem, via de regra, como os fundamentos do sistema liberal: liberdade de iniciativa, pleno respeito à propriedade privada e aos contratos, defesa do individualismo contra as intrusões do Estado e, de modo amplo, um conjunto de instituições e práticas que buscam garantir, tanto quanto possível, a liberdade dos mercados.

A rigor, o neoliberalismo não existe, sendo apenas e tão somente um revival, ou renascimento, de uma velha escola de pensamento econômico e de orientações em matéria de políticas econômicas que se filiam ao antigo liberalismo doutrinal que surge na Grã-Bretanha a partir dos séculos XVII e XVIII. Aliás, nenhum “neoliberal” consciente e conseqüente se classificaria dessa maneira: ele apenas diria que segue os princípios do liberalismo (econômico ou político, não vem ao caso diferenciar aqui os dois sistemas, que não são idênticos, mas tampouco estranhos um ao outro) e ponto final; todo o resto seria dispensável. Neoliberal é, como já referido, um epíteto criado pelos opositores do liberalismo ou, se quisermos, um conceito que busca evidenciar, justamente, o retorno do antigo liberalismo, depois de um longo intervalo marcado por práticas e orientações claramente intervencionistas e estatizantes.

Mas continuemos. Deixemos de lado a caracterização de “dramático” aplicada a esse “produto”, pois isto corresponde a uma apreciação inteiramente subjetiva do autor, carente de qualquer fundamentação empírica. Esclareça-se, de imediato, que o “produto” não conforma, absolutamente, um “novo regime de acumulação”, que seria, supostamente, uma forma de organização social da produção e da distribuição de bens e mercadorias historicamente inédita para os padrões conhecidos do capitalismo. Ora, o liberalismo – e seu sucedâneo contemporâneo, que seria “neo” – está longe de ser novo e menos ainda de conformar um regime de acumulação, posto que configurando uma filosofia ou orientação geral nos terrenos da política e da economia. Acumulação é um termo geralmente associado ao pensamento econômico marxista, que denota formas genéricas de apropriação dos resultados sociais do processo de produção, o que pode ocorrer em regime de livre concorrência, de monopólio, de propriedade estatal ou de modalidades mistas dessas configurações produtivas. Aparentemente este autor demonstra pouco rigor na sua utilização do ferramental conceitual marxista; em benefício próprio, deveria ser mais cuidadoso com sua terminologia estereotipada.

Pretender, agora, que esse “novo regime” desagregou sociedades equivaleria a afirmar que o neoliberalismo foi responsável pela desestruturação de várias nações que conheceram a aplicação de políticas neoliberais. Olhando-se, honestamente, um mapa dinâmico do planeta, o que poderíamos constatar é que as únicas sociedades verdadeiramente desestruturadas da atualidade são algumas nações africanas que conheceram processos traumáticos de instabilidade política e social, algumas até atravessando guerras civis abertas e conflitos étnicos ou religiosos intermitentes, ou surtos violentos de conflitos tribais que se arrastam na quase indiferença das nações mais ricas do planeta, estas efetivamente “neoliberais” ou simplesmente liberais.

Com efeito, se podemos caracterizar algumas sociedades como mais liberais do que outras, estas parecem ser as nações do chamado arco civilizacional anglo-saxão (Estados Unidos, Grã-Bretanha, Canadá, Irlanda, Austrália, Nova Zelândia), sendo elas seguidas como menor rigor doutrinal (e maior pragmatismo) pelos países nórdicos ou escandinavos (Noruega, Suécia, Dinamarca e Finlândia). Quanto aos países da Europa ocidental, essencialmente capitalistas em seu “modo de produção”, eles têm alternado práticas e políticas liberais – ou politicamente “direitistas”, para sermos simplistas – com outras tantas práticas e políticas mais social-democráticas, geralmente conduzidas por partidos de esquerda ou progressistas. No fundo, não se vê bem como distinguir essas políticas entre elas, a não ser no plano da retórica eleitoral.

Em nenhum outro continente ou região podemos distinguir países e sociedades verdadeiramente “neoliberais”, se formos rigorosos na utilização desse conceito. De fato, pretender que países latino-americanos, que empreenderam programas de ajuste e de estabilização macroeconômica depois de longas e recorrentes crises econômicas trazidas por processos inflacionários e de desequilíbrio no balanço de pagamentos, sejam ou tenham sido “neoliberais” – qualquer que seja o entendimento que se dê a esse conceito – representaria abusar em demasia desse conceito, retirando-lhe qualquer precisão metodológica e adequação à realidade empírica que nos é dada observar ao longo das últimas décadas.

Olhando com lupa, talvez se pudesse dizer que o Chile se apresenta como um país mais “neoliberal” do que a média dos latino-americanos. Ora, não se pode dizer que a sociedade chilena esteja “desestruturada”, a qualquer título. Colocando a lupa em outras sociedades da região, o que se observa é que existem, sim, alguns países bem mais desestruturados: os primeiros que aparecem são a Bolívia, a Venezuela e o Equador, com a possível inclusão da Argentina nesse conjunto. Pois bem, dificilmente se poderia dizer que eles estão assim por causa do neoliberalismo. Ao contrário. Em cada um deles, o que se observou, ao longo dos últimos anos, por acaso coincidentes com seus respectivos processos de desestruturação, foi, justamente, a aplicação de políticas dirigistas, estatizantes, intervencionistas, heterodoxas e, até, socialistas; ou seja, tudo menos políticas liberais. O autor deve estar com suas lentes embaçadas por preconceitos ideológicos, o que o impede de constatar a simples realidade de políticas econômicas que são efetivamente aplicadas nos diversos países considerados.

4. O neoliberalismo produz miséria e é sinônimo de barbárie?

O que dizer, em seguida, da suposta ação do neoliberalismo, que teria ampliado “a pobreza em praticamente todos os cantos do mundo, especialmente as nações da periferia”? Trata-se, mais uma vez, de afirmação desprovida de qualquer fundamentação empírica, não se podendo apoiá-la em praticamente nenhum exemplo de sociedade reconhecidamente “neoliberal”, qualquer que seja. A África, como vimos, afundou de fato na pobreza e na desesperança – embora ela venha crescendo novamente nos últimos anos –, mas essa evolução dificilmente poderia ser creditada à ação do neoliberalismo. Desafio o autor do texto selecionado a provar o contrário.

Quanto às duas nações “periféricas” que mais progressos fizeram na elevação gradual de uma miséria abjeta para uma pobreza aceitável, a China e a Índia, o que se observou, nas últimas duas décadas, foi um conjunto de reformas, várias ainda em curso, conduzidas justamente na direção de mecanismos de mercado, não de orientações estatizantes ou de planejamento centralizado. A renda per capita tem se elevado, progressivamente, em ambos os países, especialmente na China, que deu saltos espetaculares na redução da pobreza e na abertura de setores inteiros de sua economia à livre iniciativa e ao capital estrangeiro (todo ele capitalista e, supostamente, neoliberal). Quanto à Cuba socialista, ela conseguiu realizar a proeza de passar da maior renda per capita da América Latina em 1960 – não escondendo o fato de que ela era bem mal distribuída – para um patamar abaixo da média, em 2006, confirmando o consenso de que o socialismo é bem mais eficiente em repartir de modo relativamente igualitário a pobreza existente do que em criar novas riquezas.

Pode-se, talvez, alegar que as mudanças econômicas ocorridas na China vêm sendo feitas sob a égide do planejamento estatal e sob a firme condução do Estado chinês, que mantém controle sobre setores ditos estratégicos da economia do país. Essa realidade não elimina o fato de que todas as reformas operadas apresentam um caráter essencialmente capitalista e, portanto, tendencialmente neoliberal, ainda que não na versão “quimicamente” pura do modelo original anglo-saxão. O estilo ou a forma não pode sobrepor-se à essência do sistema, caberia registrar. Neste caso, nosso autor ou é cego ou é intelectualmente desonesto, ao não querer reconhecer esses dois processos de “enriquecimento capitalista”, que se desenvolvem sob os olhos de todo o planeta há aproximadamente duas décadas. Suas lentes estão completamente fora de foco ou muito sujas, aparentemente. Um pouco de estatística não lhe faria mal.

O fato de que, em vários desses processos – tanto em países desenvolvidos quanto em países em desenvolvimento –, os ricos estejam se tornando mais ricos não impede o outro fato concomitante de que os pobres estejam se tornando menos miseráveis. Quem não quiser tomar minha afirmação como um argumento de fé, pode conferir os dados apresentados por estudiosos da distribuição mundial de renda, como Xavier Sala-i-Martin, cujas evidências e conclusões já resumi neste artigo: “Distribuição mundial de renda: as evidências desmentem as teses sobre concentração e divergência econômica”, Revista Brasileira de Comércio Exterior (Rio de Janeiro: Funcex, ano XXI, n. 91, abril-junho 2007, p. 64-75; disponível: https://www.academia.edu/5904200/1716_Distribuição_mundial_de_renda_as_evidências_desmentem_as_teses_sobre_concentração_e_divergência_econômica_2007_ ).  

Se existem sociedades nas quais a “barbárie social vem esgarçando o tecido social e incrementando a violência em todos os sentidos”, como pretende o autor, elas estão longe de representar um modelo de “acumulação” ou de organização social da produção que seja liberal ou neoliberal, sendo mais efetivamente caracterizadas pelo autoritarismo político e pelo extremo intervencionismo econômico do Estado, quando não entregues à violência política, religiosa ou tribal, pura e simples, como parece ser o caso de alguns países do continente africano ou do Oriente Médio.

A afirmação carece, assim, de qualquer embasamento na realidade, sendo uma construção puramente mental de um autor manifestamente enviesado contra o que ele crê ser “neoliberalismo”, quando nenhum exemplo concreto desse sistema é discutido ou sequer aventado. Para um autor como esse, ser contra o neoliberalismo significaria se posicionar contra o livre comércio, contra o ingresso do capital estrangeiro, contra a administração em bases de mercado de inúmeros serviços públicos, contra a fixação dos juros e da paridade cambial pelo livre jogo da oferta e demanda de crédito e de moeda, enfim, preservar o controle estatal de inúmeras atividades com impacto social.

Se formos examinar, contudo, os dados econômicos relativos à renda, riqueza e prosperidade de um conjunto significativo de países, estabelecendo duas colunas, nas quais se colocaria, de um lado, os mais “neoliberais” – abertura ao comércio e aos investimentos, menor regulação estatal de atividades de produção e distribuição, fluxo livre de capitais e fixação dos juros e câmbio pelo mercado – e, de outro, os países menos propensos à abertura e mais inclinados à regulação estatal, e certamente quanto ao movimento de capitais – como são em grande medida os da América Latina, do Oriente Médio e da quase totalidade da África – teríamos uma correspondência quase perfeita entre maiores coeficientes de abertura, isto é, maior grau de “neoliberalismo”, e maior renda e prosperidade. O “quase perfeita” vem por conta de países de grande mercado interno – como os EUA – que apresentam pequeno coeficiente de abertura externa (apenas no que tange ao peso do comércio exterior no PIB), sem no entanto deixar de serem abertos às importações e atrativos aos capitais estrangeiros. Ou seja, a liberalização em comércio e em investimentos e um ambiente de negócios favorável à iniciativa privada constituem, sim, poderosas alavancas para a formação de riqueza e a distribuição de prosperidade.

5. O neoliberalismo é um mito, mas alguns ingênuos não sabem disso

Em qualquer hipótese, porém, o neoliberalismo é um mito, tanto pelo lado das acusações infundadas dos anti-neoliberais, como pelo lado dos promotores da própria doutrina liberal, uma vez que todos os Estados modernos, sem exceção, apresentam graus variados de intervenção no sistema econômico e de regulação da vida social. Uma série estatística sobre níveis de tributação e gastos públicos, ao longo do século XX, revelaria um avanço regular e constante da intermediação estatal nos fluxos de valor agregado e de dispêndio total, confirmando o papel sempre relevante do Estado na repartição setorial da renda total e na correção das desigualdades mais gritantes introduzidas pelos regimes puros de mercado. Aliás, falar em “Estado liberal” é uma total contradição nos termos, tanto o substantivo desmente o seu suposto adjetivo.

O que estava, contudo, em causa na análise conduzida neste ensaio de simples avaliação crítica de um dos mitos mais difundidos na academia não era, propriamente, a evolução econômica das modernas sociedades de mercado, e sim a afirmação – que vimos totalmente desprovida de qualquer fundamentação empírica – de que existe algo chamado neoliberalismo sendo ativamente praticado pelos Estados modernos e de que essa doutrina e prática seriam responsáveis por todas as misérias da sociedade contemporânea. Trata-se de uma das fabulações mais inconsistentes de que se tem notícia na produção acadêmica tida por séria e responsável.

Os dados disponíveis, revelados por organismos internacionais e por uma variedade razoável de organizações independentes, confirmam a melhoria sustentada dos padrões de vida em diferentes regiões do planeta, tanto mais rápida e disseminada quanto mais integrados estão esse países e regiões aos fluxos mundiais de comércio, tecnologia e investimentos. Assim, considerar que a “acumulação” neoliberal ampliou a pobreza em todos os cantos do mundo, aprofundou as desigualdades e provocou o cortejo de misérias que são registradas em áreas jamais tocadas por políticas e práticas neoliberais – qualquer que seja o entendimento que se dê ao conceito em questão –configura um tipo de fraude que só consegue ser repetido impunemente em salas de aula universitárias porque a academia brasileira é pouco responsável no “controle de qualidade” dos cursos da área de humanas e nos métodos de avaliação de docentes manifestamente despreparados para cumprir o programa do qual são encarregados. Para sermos mais precisos, estamos em face de uma desonestidade intelectual que só encontra paralelo em apresentações de mágicos de circos mambembes.

Termino por aqui minha primeira análise de uma falácia acadêmica detectada em livros utilizados em universidades brasileiras. De fato, o mito do neoliberalismo – que não guarda a mínima correspondência com a realidade verificável – oferece um exemplo concreto desse tipo de prática, mais comum do que se pensa, aliás, em nosso ambiente universitário. A um simples trecho selecionado de um artigo do autor aqui examinado pode-se aplicar o conjunto de caracterizações dicionarizadas e conectadas ao termo “falácia”: enganador, ardiloso, fraudulento, quimérico e ilusório. Outros exemplos certamente existem: eles também serão trazidos a exame no momento oportuno. Concluo com um aviso à maneira dos franceses: à suivre...

 

* Publicado originalmente em 09/03/2009.


FMI evidencia a deterioração fiscal do Brasil (OESP)

 FMI vê país com a pior dívida entre emergentes

 

Estadão, via ISTOÉ,  27/10/20

 

O Brasil vai terminar 2020 com a pior situação fiscal entre os maiores países emergente. Com condições desafiadoras tanto em relação às despesas quanto ao crescimento, o País gastou mais para combater a crise causada pela pandemia de covid-19, o que levou sua dívida para quase o dobro da média desses mercados.

 

A fatura, segundo especialistas, pode render ao Brasil um desempenho econômico menos ruim do que o de seus pares internacionais neste ano, mas isso se dará à custa de uma forte deterioração das contas públicas, que ameaça piorar a nota de classificação de risco do País.

 

A situação fiscal ruim do Brasil só é superada por países menores, como Angola, Líbia e Omã, de acordo com levantamento do Fundo Monetário Internacional (FMI). Os emergentes comparáveis à economia brasileira, como México, Turquia e África do Sul, têm situação mais tranquila. 

 

“O Brasil foi pior entre emergentes, aumentou mais o gasto”, afirma o economista para América Latina da consultoria inglesa Oxford Economics, Felipe Camargo. “O País optou por sair mais rápido da crise com impulso fiscal mais forte, gastando mais dinheiro”, diz. “O Brasil está em risco de perder mais uma nota do rating.”

 

Na América Latina, por exemplo, o economista da Oxford destaca que o Brasil teve o maior aumento de dívida, com alta de 20 pontos este ano, o que vai empurrar o endividamento para perto de 100% do Produto Interno Bruto (PIB). No México, foram 11 pontos a mais, o Peru teve 13 pontos, a Colômbia, 14 e o Chile, 11.

 

Pelo lado positivo, Camargo ressalta que a dívida do Brasil é 90% em moeda nacional, enquanto outros emergentes têm parte importante em moeda estrangeira, mais difícil de ser financiada. Mesmo assim, ele argumenta que o País não tem condição de sustentar uma dívida tão alta.

 

“O Brasil tem uma realidade completamente diferente de outros países, como Chile e Peru, que tinham uma situação mais saneada, com um colchão fiscal para expandir os gastos. O Brasil não tinha. Se era frágil antes, mais frágil ficou”, avalia o economista-chefe do Goldman Sachs para América Latina, Alberto Ramos.

 

Segundo Ramos, a urgência na aprovação de reformas que direcionem o País para uma relação mais saudável entre receitas e despesas já era uma realidade antes da pandemia. Após o choque, tornou-se mais premente. Isso porque, além da situação frágil de suas contas públicas, o Brasil já crescia bem menos que outros países emergentes. “O Brasil já estava no topo das preocupações e continua aí. Agora, ficou com um nível de endividamento que ainda é bem maior do que qualquer outro país emergente.”


Foreign Relations of the US series: lentidão nas publicações

 NEWS

DECLASSIFICATION SLOWDOWN 

Mixed Messages in State Department HAC Report 

Alexandra F. Levy  |

Perspectives on History,  Oct 27, 2020


The State Department’s Office of the Historian’s (OH’s) Foreign Relations of the United States (FRUS) series, which presents the official documentary record for major United States foreign policy decisions, provides a solid foundation for students of American history. Since the series began in 1861, countless students and scholars have churned through the volumes and integrated the documents and their revelations into their work. 

Publication of new volumes in the ongoing Foreign Relations of the United States series continues to be slow.

Publication of new volumes in the ongoing Foreign Relations of the United States series continues to be slow. Mandy Chalou, Office of the Historian, US State Department

The OH aims to publish eight FRUS volumes per year, but in 2019 succeeded in producing only two volumes, the lowest number in over a decade. This diminished level of output occurred in spite of several positive moves for the OH. It is now under the auspices of the Foreign Service Institute (FSI), a better fit for the office than its previous home in the Bureau of Public Affairs. Likewise, recent staffing changes should streamline the OH’s operations. During 2018, the OH’s position of historian (office director) was vacant; the position was filled in 2019 with the appointment of Adam Howard, previously FRUS general editor, and Kathleen Rasmussen was selected as the new general editor. 

The publication drop provoked dismay among the Advisory Committee on Historical Diplomatic Documentation (HAC), which monitors the OH’s progress on the FRUS series as well as the State Department’s declassification procedures and guidelines. The HAC is composed of representatives from several scholarly societies, including the AHA, as well as a few at-large members. Its members have significant experience with declassification policies and are well qualified to flag problems with the current processes. 

In 2019, the OH faced challenges on multiple fronts. In their concerning annual report—another in a line of alarming reports—the HAC heavily criticized the Department of Defense (DoD) for its slow pace of declassification review, which stymied the review process of the FRUS series. The HAC also remains troubled over the capacity of an already-strained National Archives and Records Administration (NARA) to keep up with the forthcoming deluge of electronic records. 

FRUS encapsulates the declassification pacing problem. The State Department must release a classified document no later than 30 years after it was written, provided that, upon review, it is deemed to no longer contain sensitive information. The Foreign Relations Statute “requires publishing a ‘thorough, accurate, and reliable’ documentary record of US foreign relations no later than 30 years after the events that they document.” 

DoD has continued to cause problems for the FRUS process.

A few persistent issues explain the decrease in the number of volumes published, with declassification woes among the most serious. An increasing number of documents selected by the OH for the FRUS series include sensitive intelligence information. Frequently, several departments hold “equity” in the records and “are entitled to approve or deny their release in part or full.” For many agencies, the same declassification offices handle FRUS reviews and time-sensitive Freedom of Information Act and Mandatory Declassification Review requests, which take priority. Due to this protracted interagency process, the declassification progress can be glacial.

Despite these concerns, the report sees some bright spots in the process. The HAC praises the declassification efforts and the FRUS series volume review of the State Department’s Office of Information Programs and Services (IPS), which “should serve as a model for other agencies and departments.” The report also lauds FRUS review and declassification work completed by the Central Intelligence Agency and the National Security Council’s (NSC’s) Office of Records and Information Security Management.

In contrast, the DoD has continued to cause serious problems for the OH’s FRUS series process. Indeed, the report states, “the NSC was pivotal to resolving a seemingly intractable dispute between the OH and DoD over one particular volume when National Security Advisor John Bolton intervened directly to support the OH’s request to refer the volume to the Interagency Security Classification Appeals Panel.”

Both the 2018 and 2019 reports condemn the DoD for “egregiously” violating the deadlines set out by the Foreign Relations Statute for a declassification review of a FRUS compilation (120 days) and responding to appeals of the first review (60 days). In 2019, the DoD “responded to less than one-third of the volumes that the OH submitted for its review, it took more than four times longer than the mandated timeline when it did respond, and its few responses were of poor quality.” The report concludes, “OH’s inability to publish more than two volumes in 2019 can be attributed largely if not exclusively to DoD’s failure to provide timely and quality responses.”

The Office of the Historian made significant strides in digitization.

The HAC sees some reason for hope, however, explaining, “The Defense Office of Prepublication and Security Review, which coordinates FRUS declassification reviews within DoD, came under new leadership in 2019. Far more frequently than in past years, this new leadership attended HAC meetings, providing fuller briefings, and pledging to do whatever was within its limited authority to improve.” But the report notes that for DoD to successfully get “OH back on the path of meeting the statutory timeline for publishing FRUS volumes,” it will need the sustained “commitment and direction of high-level DoD officials.” The report warns, “The progress OH has made toward reaching the mandated 30-year timeline has stalled. Indeed, the gap is likely to begin to widen again.” 

The OH has received strong support from the FSI, and FSI’s efforts to engage the DoD on these issues comes in for praise. The HAC recommends that senior State Department and DoD officials work together to establish a centralized FRUS declassification coordination team. Such a team would be instrumental in meeting DoD’s declassification mandate.

Thanks to successful collaboration by the HAC and the US Armed Services Committee staff, the National Defense Authorization Act of 2019 included a provision requiring “the Secretary of Defense to submit a report to Congress on the ‘progress and objectives of the Secretary with respect to the release of documents for publication in the Foreign Relations of the United States series or to facilitate the public accessibility of such documents at the National Archives, presidential libraries, or both.’” Compiling such a report, the HAC explains, should encourage greater transparency by DoD on its declassification delays and other performance issues, “an important step in precipitating improvements.”

In other good news, the OH made significant strides in digitization. Over a 10-year period, the OH digitized all 512 previously published FRUS volumes, completing this effort in 2018. The FRUS digital archive, freely accessible online, now total 307,105 documents, drawing from 538 volumes published between 1861 and 2019. The digital archive is searchable by full text or date, and individual volumes can be downloaded as e-books. In 2019, the OH embarked upon a project digitizing the microfiche supplements released between 1993 and 1998 of documents from the Dwight D. Eisenhower and John F. Kennedy FRUS subseries, completing work on the supplements on arms control, national security policy, and foreign economic policy during the Kennedy administration. 

The US Department of State is headquartered in the Harry S. Truman Building in Washington, DC.

The US Department of State is headquartered in the Harry S. Truman Building in Washington, DC. AgnosticPreachersKid/Wikimedia Commons/CC BY-SA 3.0

In addition to overseeing the OH’s work on the FRUS series, the HAC monitors the State Department’s review and transfer of records to NARA, and NARA’s progress accessioning and processing the documents. Similar to its comments on the FRUS series, the HAC report identifies mixed progress for the State Department’s record-keeping and declassification process. 

The 2019 report reiterates concerns the HAC raised in 2018 about the impact of budget-driven staff reductions on the quality and speed of NARA’s work accessioning and processing State Department records. In fact, this year the committee notes that these concerns “have if anything become more acute.” As the report explains, these problems will only intensify given a 2019 memorandum issued jointly by NARA and the Office of Management and Budget that “directs all agencies to manage in their entirety their permanent records electronically by December 31, 2022.” Beginning in 2023, NARA will no longer accept paper records, leading to what the HAC anticipates will be “an explosion of electronic records” that will further strain the capacity of both the State Department and NARA. 

The HAC explains, “This policy confronts each agency with an unfunded mandate that, in an era of constrained budgets, staff shortages, and an urgent need to purchase advanced technologies, imposes a cost that creates a severe burden on them.” The IPS shared with the HAC its paper on the modernization program, praising NARA for developing benchmarks toward a fully digitized records-management system. But the HAC notes with concern that the IPS paper ignored the hefty costs the modernization program will entail, and the potential risks of rapidly transitioning from paper to fully electronic records management. 

The IPS has promised to hold full briefings on the modernization program in 2020, and the HAC plans to raise questions about the costs and risks at these briefings. In addition, the HAC recommends that NARA and the IPS solicit public comment on the plans. 

Finally, the report notes that the Presidential Library System has been negatively impacted by budgetary and staff shortages as well, leading to delays with the processing and classification review of emails from the Reagan and George H. W. Bush administrations. The report warns, “Solving these problems is central to the future research needs of FRUS compilers and the public at large.”

The FRUS series and the State Department’s records remain vital to fulfilling the federal government’s commitment to transparency and an informed public. By continuing to sound the alarm over declassification and records-management problems in its reports, the HAC provides a crucial service. These documentary records bring to light the twists and turns of the history of American foreign policy that would otherwise remain shrouded from the public.

The HAC's 2019 report can be found in its entirety here.


Alexandra F. Levy is the web and social media coordinator at the AHA. She tweets @AlexandraFL21.

Uma nova história dos EUA, por Jill Lepore - Elio Gaspari

Com quase 2 quilos, livro mostra história dos EUA com elegante domínio dos fatos 

'Estas Verdades', de Jill Lepore, mostra discreto bom humor da autora, que trata de tudo, inclusive cinema ou esporte


Elio Gaspari
FSP, 24/10/2020

Uma grande História dos EUA

Está nas livrarias “Estas Verdades - História da Formação dos Estados Unidos”, da professora Jill Lepore, de Harvard. Com 866 páginas e quase dois quilos, vai de Cristóvão Colombo a Donald Trump.

A historiadora e autora Jill Lepore na universidade de Harvard - Kayana Szymczak/The New York Times

Lepore gosta da vida, de História e dos Estados Unidos. Isso faz com que sua produção tenha um discreto bom humor, levando-a a tratar de tudo, inclusive cinema ou esporte. Os personagens de “Estas Verdades” têm carne e osso. Ela olha para os magnatas, os poderosos, os negros, os índios e as mulheres. Em 1760 o fazendeiro George Washington consertou sua boca usando dentes de escravizados. (Pelo menos 43 deles fugiram e um combateu ao lado dos ingleses. Da fazenda de Thomas Jefferson fugiram 13. O futuro presidente acasalava-se com a escrava Sally Hemmings, meia-irmã de sua falecida mulher. Na conta do erudito amante e senhor, ela só tinha um oitavo de sangue negro.)

No século 18, as colônias americanas tiveram duas revoluções, uma contra o domínio inglês, outra contra a escravatura. Esta levou quase um século para prevalecer. O que levou os colonos a se rebelar não foram apenas os impostos e a repressão, mas sobretudo a oferta da liberdade para os escravos. Em 1776 um grupo de “subversivos”, segundo o filósofo inglês Jeremy Bentham, criou um estado “absurdo e visionário”. Em 1801 a Suprema Corte se reunia na pensão em que viviam seus juízes.

Lepore diz coisas assim: “A Inglaterra manteve-se no Caribe e desistiu da América”. Ou ainda, tratando da Guerra Civil: “O Sul perdeu a guerra, mas ganhou a paz”.

A grande nação americana foi construída também pelos movimentos dos trabalhadores, dos imigrantes e dos negros. “Estas Verdades” vai mostrando essa história aos poucos, com um elegante domínio dos fatos: em 1776, quando foi proclamada a independência dos Estados Unidos, a temperatura na cidade de Filadélfia era de 11 graus, às vésperas da chegada de Donald Trump era de 15. Para Bill Gates, “Estas Verdades“ é o “relato mais honesto e mais bem escrito que já li sobre a história dos Estados Unidos”. Jill Lepore conta uma grande aventura e termina com certa ansiedade: “Uma nação não pode escolher seu passado, só pode escolher seu futuro”.


A Europa e os EUA estão perdendo a batalha contra o coronavirus - Ishaan Tharoor (WP)

 

The Washington Post
Today's WorldView
 
 

Teoria monetária moderna (seria teoria, seria monetária, seria moderna? - livro de Stephanie Kelton (Delancey place)

 Today's selection -- from: 

 The Deficit Myth by Stephanie Kelton. 

Stephanie Kelton’s new book, The Deficit Myth, is a highly readable overview of modern monetary theory (MMT), an economic theory increasingly embraced by policymakers and politicians: 

"Cities (Detroit) and states (Kansas) can run into big trouble when they're not bringing in enough money to cover their expenses. Every family sitting around the kitchen table understands these realities. What they don't under­stand is why the federal government (Uncle Sam) is different.
 
"To understand why, we go right to the heart of MMT. MMT takes as its starting point a simple and incontrovertible fact: our national currency, the US dollar, comes from the US government, and it can't come from anywhere else -- at least not legally. Both the US Treasury and its fiscal agent, the Federal Reserve, have the authority to issue the US dollar. This might involve minting the coins in your pocket, printing up the bills in your wallet, or creating digital dollars known as reserves that exist only as electronic entries on bank balance sheets. The Treasury manufactures the coins, and the Federal Reserve creates the rest. Once you appreciate the significance of this reality, you will be able to unravel many of the deficit myths on your own.
 
"Even though you may not have given it much thought before, something inside you probably already understands this basic truth. I mean, think about it. Can you create US dollars? Sure, you can earn them, but can you manufacture them? Maybe with high-tech engrav­ing equipment you could set up shop in your basement and produce something that looks very much like the US dollar. Or maybe you could hack into the computer at the Federal Reserve and type up some digital dollars. But we both know you'll end up in an orange jumpsuit if you get caught trying to counterfeit the currency. That's because the US Constitution grants the federal government the exclusive right to issue the currency. As the Federal Reserve Bank of St. Louis put it, the US government is 'the sole manufacturer of dollars.'
 
"The term monopoly refers, of course, to a market in which there is only one supplier of some product. Since the federal government is the sole manufacturer of US dollars, we can think of it as having a monopoly over the dollar itself. It's kind of like a being given a super copyright (one that never expires) over the ability to make additional copies of the dollar. It's an exclusive power, articulated by our found­ers. It's not something households, businesses, or state and local gov­ernments can do. Only the federal government can issue our currency. Everyone else is merely a currency user. It's a special power that must be exercised with great care. …

"The distinction between currency users and the currency issuer lies at the heart of MMT. And as we will see in the pages ahead, it has profound implications for some of the most important policy debates of our time, such as health care, climate change, Social Security, inter­national trade, and inequality.
 
"To take full advantage of the special powers that accrue to the cur­rency issuer, countries need to do more than just grant themselves the exclusive right to issue the currency. It's also important that they don't promise to convert their currency into something they could run out of (e.g., gold or some other country's currency). And they need to re­frain from borrowing (i.e., taking on debt) in a currency that isn't their own.

"When a country issues its own nonconvertible (fiat) currency and only borrows in its own currency, that country has attained mon­etary sovereignty.

"Countries with monetary sovereignty, then, don't have to manage their budgets as a household would. They can use their currency-issuing capacity to pursue policies aimed at maintaining a full employment economy."

The Deficit Myth
 
author: Stephanie Kelton 
title: The Deficit Myth 
publisher: Public Affairs 
date: Copyright 2020 Stephanie Kelton 
page(s): 17-20