O que é este blog?

Este blog trata basicamente de ideias, se possível inteligentes, para pessoas inteligentes. Ele também se ocupa de ideias aplicadas à política, em especial à política econômica. Ele constitui uma tentativa de manter um pensamento crítico e independente sobre livros, sobre questões culturais em geral, focando numa discussão bem informada sobre temas de relações internacionais e de política externa do Brasil. Para meus livros e ensaios ver o website: www.pralmeida.org. Para a maior parte de meus textos, ver minha página na plataforma Academia.edu, link: https://itamaraty.academia.edu/PauloRobertodeAlmeida.

quinta-feira, 7 de março de 2019

How much you make? Quanto dinheiro você faz? - Roberto Macedo

Mais ‘poupancicultura’ para o Brasil prosperar

Ampliar a poupança bem investida é o caminho da prosperidade

Roberto Macedo
O Estado de S. Paulo, 7/03/2019

“Poupancicultura” é um neologismo com duplo significado. Um é o da cultura da poupança, integrada a padrões culturais de comportamento, crenças e outros aspectos que distinguem uma pessoa ou grupo social, e se desdobram no plano das suas instituições. No outro, o cultivo da poupança é comparado à agricultura, ao investir bem o dinheiro poupado. À maneira de sementes que, cultivadas com fertilizantes de bons hábitos financeiros, e defensivos contra tentações consumistas e desperdícios, levarão a bons resultados. 
Andando por aí vemos lojas, shoppings, oficinas, fábricas, escolas, hospitais, fazendas e outras edificações a produzir bens e serviços. Quanto maior a sua produção e a produtividade lá dentro – de seres humanos à de máquinas e equipamentos –, maior será a prosperidade de pessoas, famílias, comunidades, cidades, regiões e do País. 
Como tudo isso foi construído? Sucessivas gerações não consumiram tudo o que produziam, poupando parte para ampliar sua capacidade produtiva. Por exemplo, quem só plantasse milho não prosperaria se o consumisse todo, exceto as sementes para a safra seguinte. Para prosperar teria de poupar mais sementes e/ou, via inovações, buscar outras mais produtivas. Inovações envolvem investir tempo poupado, e também recursos de poupança. Ao investir, pode-se também usar financiamentos, mas seu custo seria mais baixo com mais poupança financeira, e lá na frente será necessário poupar para pagá-los. 
Ainda existem pessoas que produzem individualmente algo tangível como o milho. A maioria das demais trabalha em várias atividades, recebe seus rendimentos e o caminho da prosperidade é o mesmo. Primeiro, não consumir tudo o que recebem. Poupada uma parte, precisa ser bem investida, e há alternativas, como o investimento financeiro, mas é preciso que siga para algo produtivo. No Brasil o governo absorve grande parte desse dinheiro, que vem da poupança de famílias, empresas e outras instituições, mas investe muito pouco dessa poupança, fazendo assim uma despoupança que prejudica o crescimento econômico do País. 
Outra possibilidade é adquirir bens, como um imóvel, que mesmo usado como casa própria rende implicitamente o aluguel que economizou. E serviços, como os de educação e saúde, que mantêm e/ou ampliam nossa capacidade produtiva. A educação a valoriza e credencia a uma promoção no trabalho ou a um emprego melhor. Com ela e de olho no mercado, inovações e o empreendedorismo também trazem ganhos de renda. 
O norte-americano Bill Gates, um dos homens mais ricos do mundo, quando aluno de graduação na Universidade Harvard (EUA), passou a desenvolver softwares que levaram ao enorme desenvolvimento dos computadores de mesa, mais tarde dos portáteis e, mais recentemente, aplicáveis aos smartphones. 
O que fazia e faz com o dinheiro que lhe cabe de sua empresa, a Microsoft? Se pensasse em consumi-lo todo ou em grande parte, não teria levado adiante seus projetos, pois ela estava e ainda está sempre precisando de mais recursos parasoftwares inovadores, contratar gente, comprar equipamentos e tudo mais que for necessário para a empresa crescer. Ou seja, ele poupou e poupa muito, investe muito e bem. Do contrário, perderia para a concorrência. 
Lições básicas: 1) quem trabalha como assalariado precisa poupar e bem investir para prosperar; 2) quem tiver um negócio, para fazê-lo crescer, precisará poupar boa parte dos ganhos e bem investi-los; 3) quem herda negócio da família, para mantê-lo, deverá poupar parte dos lucros, e não dilapidar o patrimônio, pois terá de investir para inovar, enfrentar a concorrência e a depreciação do capital fixo do negócio, na forma de suas máquinas, equipamentos e outras instalações; 4) em qualquer caso, a poupança bem investida é indispensável para a prosperidade; 5) governos também precisam poupar e bem investir, ou ao menos não atrapalhar esse processo, como no Brasil. 
Gates é um caso raro de enorme e rápido sucesso empresarial. O mundo das pessoas comuns, tipicamente assalariadas, é o do mercado de trabalho em que estão ou precisam se inserir, que disputarão com outras pessoas, sendo indispensável poupar e investir em novas qualificações, necessidade ampliada pelos avanços das tecnologias de informação e comunicação. Ademais, precisam viver dignamente como seres humanos, tendo onde morar e como cuidar do sustento próprio e da família, da educação e da saúde de seus membros, além de pensar na longevidade e sua(s) aposentadoria(s), e em cuidar de problemas de saúde que virão. E a lista poderia prosseguir, com atividades culturais, de lazer e outros itens. Sem poupar e bem investir, o futuro ficará comprometido e, na velhice, em condições abjetas. 
Estatísticas mostram que no Brasil a poupança total, que inclui a pessoal, familiar, empresarial e governamental, é baixa. Os investimentos, também. No governo, como visto, ela é até negativa. Olhando o mundo, os países que mais crescem estão no Sudeste Asiático e se destacam entre os que mais poupam e bem investem. 
Em contraste com essa imensa importância da poupança bem investida, aqui pouco se fala de difundi-la e ampliá-la e muito na necessidade de mais investimentos. Mas como custeá-los? Entram recursos externos, mas não se pode ficar dependente deles, pois são insuficientes para as necessidades, correm o risco de instabilidades e atendem às conveniências dos investidores, e não necessariamente do País. 
O empresário Antonio Cabrera, ex-ministro da Agricultura, observou que nos EUA se fala muito em fazer dinheiro. Aqui, em ganhar dinheiro. Acrescento: se possível, sem maior esforço. “Poupancicultura” é fazer dinheiro. Assim, cabe um grande esforço para difundi-la e ampliá-la no Brasil. 

* ROBERTO MACEDO É ECONOMISTA (UFMG, USP E HARVARD), PROFESSOR SÊNIOR DA USP, CONSULTOR ECONÔMICO E DE ENSINO SUPERIOR

Retificando Eliane Cantanhede no GloboNews em Pauta e no Estadão


Esclarecimentos vindos do “outro lado” da história

Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 7 de março de 2019

Vou transcrever em primeiro lugar o artigo de Eliane Cantanhede no Estadão desta quinta-feira 7 de março, que reproduz, em formato ampliado, seus argumentos no GloboNews em Pauta de 6/03.
Acho que ela só ouviu o Itamaraty e não teve o cuidado, ou o tempo, de me ouvir, ou interpretou mal o que escrevi no meu blog Diplomatizzando.
Na sequência, e desculpando-me pela longa postagem, coloco os meus argumentos, que ela usará se desejar.
Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 7 de março de 2019


1) Matéria do Estadão

Ataques a Ernesto Araújo motivaram exoneração de embaixador
Para Itamaraty, Paulo Roberto de Almeida foi afastado de cargo por ter “agredido” pelas redes sociais o chanceler e a política externa do governo Bolsonaro
Eliane Cantanhêde, O Estado de S.Paulo
06 de março de 2019 | 23h22

BRASÍLIA - O Itamaraty desmente, extraoficialmente, a versão do embaixador Paulo Roberto de Almeida para sua exoneração do cargo de presidente do Instituto de Pesquisas de Relações Internacionais (Ipri), em plena segunda-feira de Carnaval. Na versão do ministério, ele “quer aparecer” e foi afastado por ter “agredido” pelas redes sociais o ministro Ernesto Araujo e a política externa do governo.
Ao publicar no Facebook uma crítica do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso à política externa, na véspera da exoneração, Almeida escreveu sobre “os descaminhos da nossa diplomacia, entregue aos eflúvios amadores de ideólogos tresloucados, como certo sofista da Virgínia, e fundamentalistas trumpistas totalmente equivocados”. E concluiu: “Já passou da hora de superar o ridículo...”

No Itamaraty, a conclusão é que a referência a “fundamentalistas trumpistas” foi uma “agressão direta” ao chanceler Araújo, que tem textos publicados enaltecendo o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, como o único capaz de salvar os valores cristãos do Ocidente e, por isso, é costumeiramente acusado por seus críticos justamente de “fundamentalista trompista”. Além disso, a cúpula do ministério considera que ele acusou a política externa do atual governo de “descaminhos” e de ser “ridícula”.
Embaixadores sediados no Itamaraty, em Brasília, consideram que as expressões “ideólogos tresloucados” e “sofista da Virgínia” foram dirigidas frontalmente contra o filósofo Olavo de Carvalho, que mora no Estado norte-americano da Virgínia e é apontado como o principal padrinho da escolha de Ernesto Araujo como chanceler. Eles, porém, disseram que isso não pesou na exoneração, o que pesou foram os “ataques ao chanceler e à hierarquia”. 

Em entrevista ao Estado, publicada ontem, Almeida disse que foi exonerado por, além de ter criticado Olavo de Carvalho, ter publicado em seu blog um artigo de Fernando Henrique Cardoso e uma palestra do embaixador Rubens Ricupero contra a política externa do governo Jair Bolsonaro. O Itamaraty, porém, diz que tanto o artigo quanto a palestra são públicas e, inclusive, divulgadas no resumo diário de notícias sobre o Itamaraty. Logo, não seriam motivo para o afastamento.
Uma das críticas de Paulo Roberto de Almeida, na entrevista, foi que Ernesto Araujo impôs uma “subversão da hierarquia, uma reforma de cima para baixo que deixou muita gente perplexa”. Disse, também, que já estava esperando ser afastado. De fato, ele já tivera uma conversa na sexta-feira com o chefe de gabinete de Ernesto Araujo, ministro de carreira Pedro Wollny, justamente sobre seu próximo cargo. O post no domingo interrompeu a discussão, ele foi comunicado da exoneração na segunda-feira pelo próprio Wollny, por telefone, e ontem foi ao Itamaraty para formalizar a decisão.
Uma curiosidade: Paulo Roberto está escrevendo um livro junto com o ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal, sobre o ex-embaixador, ministro e senador Roberto Campos, um dos ideólogos da direita brasileira. Longe de ser considerado “de esquerda”, Almeida é um estudioso da vida e obra de Campos.
Na entrevista ao Estado, o embaixador disse que ficou “na geladeira”, ou “encostado na biblioteca”, nos anos dos ex-presidentes Luis Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff. Segundo o Itamaraty, porém, ele atuou de 2003 a 2007 como assessor especial do Núcleo de Assuntos Estratégicos do Palácio do Planalto.


2) Meu primeiro esclarecimento sobre o artigo de Eliane Cantanhêde no Estadão (7/03/2019) e seu comentário no GloboNews em Pauta (6/03):

1) Ninguém tem nenhuma dúvida sobre quem seja o sofista da Virgínia; reafirmo: é um completo inepto em relações internacionais;
2) O "fundamentalista trumpista" a quem eu me referi é aquele sujeito também amador em política externa, que passeou ridiculamente pelos EUA com um boné da reeleição de Trump em 2020, e que disse, USURPANDO sobre a opinião do povo brasileiro (que ele não consultou), que todos aqui estávamos apoiando a construção de um muro na fronteira com o México. Isso é um adesismo da pior espécie, além, é claro, de representar interferência nos assuntos internos de DOIS países. 
Ao que me consta o chanceler ainda não usou nenhum boné do Trump.


3) Meu segundo esclarecimento sobre o artigo de Eliane Cantanhêde no Estadão (7/03/2019) sobre um livro que ainda não saiu e meus “cargos” anteriores:


Tenho novamente de corrigir a Eliane Cantanhede em mais dois outros parágrafos da matéria no Estadão, ela novamente apenas informada por certos súditos do Itamaraty.
Ela escreveu:
"Uma curiosidade: Paulo Roberto está escrevendo um livro junto com o ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal, sobre o ex-embaixador, ministro e senador Roberto Campos, um dos ideólogos da direita brasileira. Longe de ser considerado “de esquerda”, Almeida é um estudioso da vida e obra de Campos.
Na entrevista ao Estado, o embaixador disse que ficou “na geladeira”, ou “encostado na biblioteca”, nos anos dos ex-presidentes Luis Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff. Segundo o Itamaraty, porém, ele atuou de 2003 a 2007 como assessor especial do Núcleo de Assuntos Estratégicos do Palácio do Planalto."

Vamos lá:
1) NÃO estou escrevendo NENHUM livro com o ministro Gilmar Mendes. Cerca de oito meses atrás, sob recomendação do jurista Ives Gandra Martins, o gabinete do Ministro Gilmar Mendes contatou-me para colaborar num livro que ele estaria coordenando sobre os 30 anos da Constituição. Eu disse que, não sendo formado em Direito e considerando-me inepto na matéria, eu poderia no máximo contribuir com uma crítica à economia política da CF-88, pois tal é a minha especialidade, e que poderia ser algo sobre as críticas de Roberto Campos à Constituinte e à Constituição de 1988, pois eu já tinha escrito e coordenado um livro sobre o grande diplomata e economista: O Homem que Pensou o Brasil: trajetória intelectual de Roberto Campos (Appris, 2017). Disseram-me que estava bem, preparei o artigo, mandei e NUNCA mais tive notícias desse livro.
2) Aproveitei o embalo, expandi esse artigo, completei com vários outros argumentos e compus o livro A Constituição Contra o Brasil: ensaios de Roberto Campos sobre a Constituinte e a Constituição de 1988 (SP: LVM, 2018), com 65 artigos de Roberto Campos, gentilmente cedidos por seu filho, e dois longos ensaios meus.
3) Sobre o fato de eu ter "atuado", entre 2003 e 2006 (não 2007), como assessor no NAE: não o fiz por vontade própria, mas apenas a convite do ministro Gushiken, a quem eu conhecia desde os anos 1990, quando ele foi relator de alguns projetos dos quais eu me ocupava no Itamaraty (acordos de investimento) e que gostava de mim, mesmo eu dizendo a ele que a "economia" do PT era esquizofrênica (assim mesmo: ele dava risada e não falava nada).
4) Esse convite veio depois que, vergonhosamente, o Itamaraty - SG Samuel Pinheiro Guimarães e ME Celso Amorim – vetaram um convite que me foi formalmente feito pelo então Diretor do Instituto Rio Branco, João Almino​, para dirigir o Mestrado do Rio Branco, do qual eu já era professor orientador desde o seu início, em 2001. Em 2002 tirei férias da embaixada em Washington e passei uma semana em Brasília orientando 5 ou 6 alunos. O convite veio no início do governo Lula, em 2003, mas três dias depois de eu ter aceito (pois já estava há quase 4 anos em Washington), o Diretor do IRBr teve o constrangimento de anunciar-me que não podia confirmar o convite, pois "o SG tinha outras ideias". Eu sei quais eram essas ideias, pois ele já me achava liberal demais para o pequeno campo de reeducação que ele pretendia fazer no IRBr e na SG.
5) Vim a Brasília em meados de 2003 – a tempo de ouvir o ministro Celso Amorim dizer que os diplomatas "precisavam vestir a camisa do governo", uma declaração vergonhosa sob qualquer aspecto – para discutir sobre o meu futuro. Disseram-me na SG que não tinham nada previsto para mim, que não estavam me removendo para a SERE pois não havia cargos à disposição, e que eu poderia ficar mais tempo em Washington ou negociar um outro posto.
6) Foi nessas circunstâncias que eu aceitei o convite do ministro Gushiken – um dos poderosos membros da troika, mas a quem NUNCA solicitei qualquer favor, sequer promoção – para integrar o Núcleo de Assuntos Estratégicos da PR, com quem trabalhei de 2003 a 2006.
7) Quando ele se afastou do NAE, por motivo de doença – ou efeitos do Mensalão, não sei – eu me despedi do NAE e me apresentei novamente no Itamaraty, acredito que em outubro de 2006. Fui imediatamente bem recebido pela chefe de Gabinete do Ministro Amorim que me ofereceu três postos na SERE para "preenchimento imediato". Aceitei um deles e fiquei esperando. Não aconteceu nada, durante dois meses, e aí compreendi que o Ministro Amorim tampouco me queria na SERE.
8) Em dezembro de 2006, num encontro casual com o Ministro Amorim no Clube das Nações disse-lhe que eu estava voltando à SERE, para trabalhar "sob a sua gestão". Ele me olhou secamente e disse-me: "É, mas a sua entrevista ao Estadão não lhe ajudou em nada." Virou as costas e circulou. Nunca mais falei com ele diretamente, a não ser anos depois, num encontro casual numa saída de restaurante em Brasília, quando me perguntou se eu "continuava escrevendo muito". Foi a vez de eu lhe dizer: "É ministro, é um vício que eu tenho.". E nada mais.
9) A entrevista a que ele se referiu foi uma a Lourival Santana, sobre o BRIC, e eu dizia que se tratava de uma construção intelectual que não fazia muito sentido – a não ser para investidores – pois os quatro países não tinham nada em comum. Eu não sabia que o ministro já articulava com Lavrov (o eterno ministro russo das relações exteriores) a formalização de um BRIC diplomático, mas isso não tem a menor importância: continuo pensando a mesma coisa sobre o BRIC, hoje BRICS.
10) Algum tempo depois, o ministro Amorim me ofereceu um posto de embaixador na Ásia, que eu recusei gentilmente, consciente de que nada mais me seria oferecido, na SERE ou fora dela.
11) E assim passei anos no DEC, Departamento de Escadas e Corredores, fazendo da Biblioteca o meu escritório de trabalho. Tirei licença, fui dar aulas em Paris, voltei, nada...
12) Portanto, é uma falsidade o Itamaraty dizer que eu não tive trabalho na SERE, mas fui trabalhar no NAE: só fiz isso por que me recusaram qualquer cargo na SERE, e isso durou até o impeachment de Madame Pasadena, quando o governo Temer me ofereceu o cargo de diretor do IPRI, do qual acabo de ser defenestrado pelo atual chanceler.
Esta é a história completa, mas se a Eliane Cantanhede desejar posso lhe contar os detalhes de inúmeros diálogos que mantive com servidores do lulopetismo (inclusive com Marco Aurélio Garcia, a quem recebi no meu "autoexílio" na Bélgica, quando do golpe de Pinochet no Chile, em 1973), todos eles empenhados em me manter fora da SERE, já que não podiam demitir-me do serviço público.

Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 7 de março de 2019

quarta-feira, 6 de março de 2019

Uma homenagem de Joao Amoedo e um pequeno segredo - Paulo Roberto de Almeida

Uma homenagem de João Amoedo e um pequeno segredo

Paulo Roberto de Almeida

Aproveito esta mensagem elogiosa do meu amigo João Dionisio Amoêdo, a quem agradeço a homenagem (texto transcrito in fine), para agora revelar um pequeno segredo, que cumpre contar por inteiro.
Estive com a equipe econômica do atual governo em meados de 2018, meses antes que o chanceler olavista fosse sequer cogitado pela equipe de Bolsonaro. Isso foi no escritório de Paulo Guedes, no RJ, com vários outros colegas que estão agora ocupando altos cargos, aos quais já conhecia desde algum tempo.
Quando entrei na sala, me receberam como se eu já fosse o futuro chanceler, o que descartei de imediato, com palavras quase iguais a estas (cito de memória):
"Não sou candidato a nada, só vim aqui conversar com vocês sobre economia e política externa. Não sou eleitor de Bolsonaro, não vou votar por ele, e sinceramente eu o acho um candidato muito fraco. Já tenho candidato no primeiro e no segundo turno e ele se chama João Dionisio Amoêdo."
Meus interlocutores ficaram um pouco chocados com a rudeza de minhas palavras, mas depois conversamos por aproximadamente duas horas, e eu tive de corrigir certas percepções deles sobre o Mercosul, sobre o Itamaraty e assuntos correlatos.
Nos despedimos em bons termos, e eu continuei a enviar para eles alguns papeis que eu também havia feito especialmente para o João Dionisio Amoêdo, sem no entanto que eles tivessem sido refletidos no programa de Bolsonaro quando este foi elaborado.
Quando finalmente saiu esse programa, eu os cumprimentei pela parte econômica, que achei bem elaborada, mas critiquei duramente a parte, medíocre, horrível, pequena, sofrível, relativa à política externa, que achei indigna de um programa de governo para inserir o Brasil no mundo. Escrevi isso num paper que continha 3 páginas de críticas contundentes à mediocridade dessa parte, e mais 3 com propostas que me pareciam adequadas de política externa. Um dia vou revelar esse documento (mas ele já pode ter circulado por aí).
Depois que enviei esse documento, os membros da equipe econômica de certa forma “romperam” comigo, o que não me causou nenhum problema, pois eu não estava trabalhando, e não pretendia trabalhar para um governo Bolsonaro. Estava apenas colaborando voluntariamente com a equipe econômica.
Nunca mais falei com qualquer um deles, e assim permanece até hoje. Estou sempre aberto a colaborar com todos aqueles que pretendam fazer reformas reais no Brasil, segundo as minhas condições.
De toda forma, quero novamente agradecer ao João Dionisio Amoêdo as palavras abaixo, e confirmar-lhe que continuo partilhando da maior parte (não todas) das propostas do NOVO.
Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 6 de março de 2019

Homenagem de João Dionísio Amoedo, em postagem sobre uma das entrevistas que concedi na tarde de ontem:
Qualificação técnica, firmeza de princípios e coragem para falar o que pensa, são características do PRA. O governo erra ao afastá-lo. Ele deveria, ao contrário, ser mais ouvido e convidado a assumir responsabilidades ainda maiores.

PS.: Permito-me apenas uma pequena correção: não foi o “governo” que me demitiu, e sim o chanceler Ernesto Araújo, e não, como alegam os itamaratecas a seu serviço, porque eu tenha criticado pessoalmente o chanceler. Não é verdade. Eu critiquei, sim, e duramente, dois esteios desse governo, um que leva o nome Olavo, outro que leva o nome Bolsonaro. Foi isso. Não tenho culpa se o chanceler os admira e não estabeleço qualquer correlação entre uma e outra coisa. Eu os criticaria em qualquer hipótese, mesmo se o chanceler não tivesse com ambos quaisquer relações, de amizade, de admiração ou de distanciamento. PRA
  

“Os militares criaram um ‘comite de tutela’ para o Itamaraty”, diz diplomata - Jose Fucs

Mais uma entrevista a que fui levado a fazer, por causa de informações equivocadas veiculadas a propósito da minha exoneração do cargo de Diretor do IPRI.

“Os militares criaram um ‘comitê de tutela’ para o Itamaraty”, diz diplomata


Blog do Fucs, O Estado de S. Paulo, 6/03/2019

O diplomata Paulo Roberto de Almeida ficou 14 anos na “geladeira” nos governos petistas, por discordar da política externa “bolivariana” conduzida pelo ex-chanceler Celso Amorim e pelo ex-assessor de Assuntos Internacionais da Presidência, Marco Aurélio Garcia (1941-2017). Agora, depois de ficar dois anos e meio à frente do Instituto de Pesquisa de Relações Internacionais (Ipri) durante o governo Temer, ele volta a ser afastado de suas atividades no Itamaraty.
Ao contrário da versão divulgada inicialmente, Paulo Roberto diz que a principal razão de sua exoneração do cargo, anunciada na segunda-feira de Carnaval, não foi a publicação em seu blog de criticas do ex-presidente Fernando Henrique e do ex-embaixador Rubens Ricupero à atual política externa, mas sua contestação às ideias do escritor e pensador Olavo de Carvalho, tido como o responsável pela indicação do chanceler Ernesto Araújo para o cargo. “O Olavo de Carvalho é uma personalidade bizarra que, na minha visão, faz um mal enorme à política internacional do Brasil”, afirma.
Nesta entrevista ao Estado, Paulo Roberto, de 68 anos, conta detalhes sobre a sua saída do Ipri, fala sobre os dois primeiros meses da tumultuada gestão de Araújo, a quem responsabiliza pela “subversão da hierarquia” diplomática e diz que o núcleo militar do governo está preocupado com as decisões do novo chanceler nas grandes questões de política externa. Segundo ele, isso levou os militares a criar uma espécie de “comitê de tutela” em torno de Araújo e do Itamaraty. “A direita chegou ao poder pela via legítima, mas você tem esses radicais que estão tentando influenciar não só a política externa como a política geral do governo”, diz. “Isso gera muita tensão interna.”
Como o senhor recebeu a sua exoneração do Ipri?
De certa forma, já estava esperando por isso. Desde novembro de 2018, quando o chanceler foi designado, ficou clara a intenção do ministro de renovar toda a Casa e substituir todos os que representavam o governo de transição, o governo Temer, e uma geração mais antiga do Itamaraty que a do próprio Ernesto Araújo. Logo que ele foi nomeado pelo presidente Jair Bolsonaro, passou a exonerar todos os subsecretários, ou seja, todos os ministros de primeira classe, os embaixadores mais antigos que ele. Foram todos colocados à disposição e substituídos por ministros de segunda classe — uma situação que, na área militar, seria como se os coronéis chefiassem os generais. Essa questão geracional, que se manifestou desde dezembro, indicou que em algum momento eu seria substituído, o que é normal num processo de mudança de governo e que neste caso se aproxima também de uma mudança de regime. Então, de certa forma, não houve uma surpresa na minha exoneração e sim na forma meio espetaculosa como ela foi feita.
Em geral, no Itamaraty, quando se designam novas chefias, costuma-se oferecer um posto, uma nova função, a quem está sendo exonerado, numa atitude de cortesia. No meu caso, foi um pouco humilhante, na medida em que fui simplesmente comunicado de que estava sendo exonerado por “mau comportamento”. Não foi a expressão usada na hora, mas foi este o sentido da coisa. Nesta quarta-feira, eu vou me apresentar no Itamaraty, entregar o projeto de programa de trabalho para o IPRI 2019, que não sei se será considerado ou não, e estarei afastado das minhas funções. Ficarei, como fiquei durante o período do lulopetismo, trabalhando na biblioteca, que eu transformo em meu escritório de trabalho.
De que forma o senhor ficou sabendo de seu desligamento?
O chefe de gabinete do ministro Ernesto Araújo (Relações Exteriores) me telefonou para reclamar das postagens no meu blog, com as transcrições da palestra do embaixador Rubens Ricupero em 25 de fevereiro, no Cebri (Centro Brasileiro de Relações Internacionais), na Casa das Garças, no Rio de Janeiro, e do artigo do ex-presidente Fernando Henrique, publicado pelo Estadão, no domingo.
Eu transcrevi também um artigo do próprio ministro, publicado em seu blog no domingo à noite, no qual ele contesta as críticas deles, e acrescentei alguns comentários chamando um debate. Mas o chefe de gabinete alegou que eu vinha fazendo postagens inconvenientes para o ministro entrando em questões de política externa que não me cabiam, porque eu era chefe de uma entidade vinculada ao Itamaraty, que é o Inpri (Instituto de Pesquisa de Relações Internacionais), da Fundação Alexandre Gusmão, e que não convinha que um diplomata, num cargo oficial, fizesse manifestações daquele tipo no seu blog pessoal.

Em 2013, o ministro Ernesto Araújo chegou a defender a luta armada da Dilma como um recurso legítimo de defesa da democracia. Isso está documentado, registrado.

Ao republicar em seu blog os artigos do ex-embaixador Rubens Ricupero e do ex-presidente Fernando Henrique, que eram bem críticos à atual orientação do Itamaraty, o senhor já não esperava que isso pudesse ocorrer, considerando que ocupava um cargo de confiança?
Isso foi levantado pelo chefe de gabinete que telefonou para me demitir. Eu disse que eram artigos publicados pela imprensa, que figuravam no próprio clipping do Itamaraty, com as principais notícias da imprensa nacional e internacional. Tudo o que eu publico no meu blog é público. Faço apenas a transcrição. Eventualmente, claro, traço comentários iniciais. Nesse caso, convidei os leitores a iniciar um debate sobre a política externa com base nos três artigos. Mas esse não foi o motivo real da minha exoneração. O que foi um crime de lesa majestade foi eu ter feito críticas anteriores ao (pensador) Olavo de Carvalho, que é supostamente o patrono da escolha do chanceler Ernesto Araújo para o comando do Itamaraty. Eu chamei o Olavo de Carvalho de “sofista da Virgínia” (em referência ao estado da Virgínia nos EUA, onde ele mora), e de alguns outros nomes. Ele é uma personalidade bizarra que, na minha visão, faz um mal enorme à política internacional do Brasil com esse antiglobalismo irracional e conspiratório assumido pelo Ernesto, o antimultilateralismo, o anticlimatismo e o antimarxismo cultural que fazem parte de sua pregação.
Como o senhor vê essa ligação entre o ministro Ernesto Araújo e o Olavo de Carvalho?
O Ernesto se aproximou do Olavo de Carvalho deliberadamente, para conquistar o posto. Não tenho a menor hesitação em dizer isso, porque desde 2016 eu segui o processo de identificação forçada dele com as ideias do Bolsonaro, dos filhos do Bolsonaro, na verdade, que remetem às ideias do Olavo de Carvalho. Digo que ele encampou deliberadamente isso, porque, se você percorrer a trajetória do Ernesto Araújo na carreira diplomática, não vai encontrar absolutamente nada que o fizesse um inimigo do lulopetismo. O Ernesto Araújo ficou na carreira como ficam os diplomatas normais. Eles se adaptam às circunstâncias. Se o presidente fosse o Maluf eles seriam malufistas. Como o presidente era o Lula eles se tornaram simpáticos à causa lulista. Foi assim também com o Ernesto Araújo.
No ano 2000, ele escreveu textos diretamente na linha do desenvolvimentismo predominante na Casa naqueles anos. Em 2013, ele chegou a defender a luta armada da Dilma como sendo um recurso legítimo de defesa da democracia. Isso está documentado, registrado. Ou seja, ele não teve nenhuma história gloriosa de resistência ao lulopetismo e passou a defender essa posição quando sentiu que havia uma possibilidade de mudança real no poder. Enquanto isso, eu fiquei durante 13 anos e meio no ostracismo completo, sem cargo nenhum. No início de 2003, eu fui convidado a chefiar o mestrado no Instituto Rio Branco, mas fui vetado pelo embaixador Samuel Pinheiro Guimarães e pelo ministro Celso Amorim, para qualquer cargo na secretaria de Estado. Depois, o Celso Amorim me ofereceu um posto no exterior que eu recusei. Eu não tive cargo algum até agosto de 2016, quando a Dilma sofreu impeachment. Fui fazer outras coisas, dar aula em Paris, trabalhar em outras esferas.
O senhor acredita, então, que foi certo oportunismo do ministro Ernesto Araújo nesta guinada conservadora dele?
Eu não hesito em dizer que ele construiu uma carreira pregressa identificada com ideias antipetistas, antimarxistas e olavistas. Tanto que ele rende um culto ao “professor”. Isso daí é construído, falso, uma coisa de má fé. Eu digo isso com base em dados, em fatos da realidade. Em 2016, quando o Donald Trump (presidente dos EUA) foi eleito, eu convidei um americano para falar sobre o efeito de sua eleição para o Brasil e a América Latina, seu impacto, seus efeitos, e convidei o Ernesto, então chefe do Departamento de América do Norte do Itamaraty, para comentar, ou seja, iniciar o debate na parte de perguntas e respostas. Ele aí começou a fazer uma prelação que depois transformou no famoso artigo Trump e o Ocidente, que é uma construção ideológica sobre como o Trump vai salvar a civilização ocidental, algo absolutamente bizarro do ponto de vista da diplomacia. Isso ele falou nesse evento em novembro de 2016. O Ernesto faz parte dos “convertidos” do Olavo, os true believers, os verdadeiros crentes.

Um pouco como os templários e os cruzados de outras eras, que saíam caçando moinhos de vento por aí, o Olavo de Carvalho derivou para fantasmagorias e teorias conspiratórias sobre esse tal de globalismo

Em relação a essas ideias do Olavo que o senhor criticou, quais eram as suas restrições?
Eu conheço o Olavo faz tempo, todo mundo o conhece, porque ele era um polemista presente nos meios de comunicação, antes nos impressos e depois nas redes sociais. Ele teve um papel relevante desde os anos 1990 na denúncia do gramscismo acadêmico. Aquele livro dele O imbecil coletivo, em dois volumes, é uma denuncia desse marxismo vulgar, desse gramscismo acadêmico que lavra nas nossas faculdades de humanidades. Ele também teve um papel importante na denúncia do Foro de São Paulo. Agora, exagerou um pouco na denúncia do comunismo. Nem o PT nem o PC do B estavam sequer interessados em criar socialismo ou comunismo no Brasil. Estavam mais interessados em expropriar os capitalistas.
Depois, ele derivou para fantasmagorias e teorias conspiratórias sobre esse tal de globalismo, um pouco como os templários e os cruzados de outras eras, que saíam caçando moinhos de vento por aí. Sem qualquer fundamento na realidade, ele vê o globalismo como uma conspiração de ricos, do George Soros, da esquerda, do PSOL, do politicamente correto, dos marxistas, que querem tirar a soberania dos países através dos organismos internacionais e dessas ONGs.
Em dezembro de 2017, eu tive num debate indireto com o Olavo de Carvalho  sem saber que seria isso, porque fui convidado para uma entrevista e quando abri o computador ele estava lá do outro lado e o tema era justamente sobre globalismo e globalização. Eu defendi a globalização, que é um processo irrefreável e impessoal e ataquei o globalismo como uma ideia estapafúrdia. Fui atacado pelo Olavo de Carvalho tanto na entrevista como depois no seu blog. Também fui atacado ferozmente pelos olavistas, como a gente vê nas redes sociais. Os olavistas fanáticos ficam xingando seus adversários. Eu fui chamado de petista, de esquerdista, dessas coisas todas, quando fui o único diplomata que me opus durante toda a gestão lulopetista à política externa deles.
Logo depois de sua exoneração, na segunda-feira, o Olavo de Carvalho fez um post nas redes sociais dizendo que não teve influência em sua demissão.
Exato. Isso é correto. Ele não sabia de nada. Mas o fato que ele teve influência indireta, porque foram as minhas críticas e as minhas ironias a ele, chamando-o de “sofista da Virgínia” e dizendo que as ideias dele eram malucas, que fizeram com que o ministro decidisse me demitir, porque o Olavo é o legitimador da política externa do Ernesto Araújo. Ele não pediu a minha cabeça. Como ele disse num outro texto, ele não pediu a minha cabeça porque eu não tenho cabeça e ele não podia pedir algo que não existe. Mais do que os artigos do Ricupero e do Fernando Henrique, o fato de eu atacar o Olavo de Carvalho é um ataque ao Ernesto. Eu não descartaria também uma influência de um dos filhos do presidente, o Eduardo Bolsonaro, que também foi responsável pela nomeação de Ernesto Araújo. Nos Estados Unidos, ele posou abjetamente, como você sabe, com o chapéu do Trump, com o slogan Make America Great Again e os dizeres em apoio à reeleição do Trump em 2020. Ele é subordinado não à política externa americana, mas ao Trump.
Outro responsável pela minha saída foi o Filipe Martins, assessor internacional da Presidência. Ele é um desses olavistas fanáticos, um verdadeiro crente, que tem a verdadeira fé, e é muito próximo do Ernesto Araújo.  Ele fez um tweet sobre mim dizendo que eu não tinha sido demitido por transcrever artigos, mas por fazer ofensas pessoais ao chanceler, sem dizer quais são, que é algo que eu não fiz. O que fiz foram comentários irônicos sobre Olavo de Carvalho. Mas esse post dele não tem muita importância. O que tem importância são as centenas de comentários dos que o seguem no Twitter, que são ofensivos e ignorantes. É uma horda de militantes fascistas que me condenam por ser petista, marxista ou qualquer outra coisa nesse estilo.

O Marco Aurélio Garcia era um servidor fiel da ditadura cubana, um homem que recebia instruções do Partido Comunista Cubano para organizar o Foro de São Paulo

Você acha que isso tudo foi uma patrulha sobre a suas opiniões?
Eu sou patrulhado há muito tempo. Sou patrulhado pelos petistas antes mesmo do regime petista. Antes de começar o governo Lula em 2003, eu já escrevia artigos sobre o PT e sua política externa, dizendo que se tratava de um típico partido esquerdista latino-americano, com ideias anacrônicas, antiamericanas, anti-imperialistas, com umas propostas de aliança dos supostos oprimidos, sul-sul. Eu já estava visado pelos petistas.
A dobradinha Filipe Martins e Ernesto Araújo na política externa é uma espécie de reedição da dupla formada pelo Marco Aurélio Garcia, assessor internacional da Presidência, e pelo ex-ministro Celso Amorim, nos governos petistas?
As analogias são superficiais e não se sustentam. Ainda que possa haver similaridades, por se tratar de dois assessores presidenciais com muita influência sobre os chanceleres e até certa predominância sobre eles, na substância há uma diferença enorme. O Marco Aurélio Garcia era um servidor fiel da ditadura cubana, um homem que esteve em Cuba e recebia instruções do Partido Comunista Cubano para organizar o Foro de São Paulo. O Marco Aurélio Garcia era chamado de chanceler para a América do Sul, mas ele era de fato um chanceler paralelo. Era o homem do PT e dos cubanos na política externa brasileira. O Filipe Martins é um mero seguidor do Olavo de Carvalho, um convertido. Tem o seu papel porque se ligou ao Eduardo Bolsonaro e ao Olavo de Carvalho e foi influente nessa corrente que foi subindo no Brasil desde as manifestações de 2013, com o antipetismo e a indignação da classe média contra a corrupção do PT e o esquerdismo. Ele subiu nessa onda, mas não tem estatura intelectual nem uma postura de consistência partidária, como o tinha o Marco Aurélio Garcia.

À parte alguns slogans mal traçados, com frases em latim, grego e tupi-guarani, ainda não temos uma posição completa e abrangente da política externa

Qual a sua visão da política externa do Itamaraty hoje?
Eu gostaria muito de ter uma resposta para esta questão. Todos os diplomatas e a maior parte da sociedade brasileira bem informada, os observadores da política de Estado, gostariam de saber qual é a política externa do Itamaraty, do chanceler, do governo Bolsonaro. Ainda não sabemos. À parte alguns slogans mal traçados, com frases em latim, grego e tupi-guarani, ainda não temos uma posição completa e abrangente da política externa. O que teve no discurso de posse, em 1º de janeiro, foi uma série de slogans, repetindo acusações ao Itamaraty, de que estaria dominado pelo lulopetismo, quando estávamos há dois anos já num governo de transição. Então, o que você tem são esses eflúvios culturais vindos do Olavo de Carvalho, de um cristianismo mal digerido, de um antiglobalismo totalmente equivocado, que não se traduz em uma política externa concreta, a não ser por essa adesão abjeta aos Estados Unidos, não tanto como país mas ao governo Trump. Isso é prejudicial ao Brasil e à diplomacia brasileira nas suas tradições.
Não há uma definição do que o Brasil pretende fazer, a não ser se engajar nessa luta contra o “marxismo cultural”, o “climatismo” e o “globalismo”, coisas que não fazem qualquer sentido numa agenda diplomática bem organizada. O que os diplomatas querem é uma exposição clara do que fazer em relação à agenda da ONU, do aquecimento global, grandes questões de paz e segurança internacional e não apenas uma adesão beata ao Trump como salvador do Ocidente. Nas questões regionais, o grande teste da Venezuela, mas é um caso exclusivo e extremo. A cadeira de América Latina foi suprimida do Instituto Rio Branco, o que é algo inacreditável. Agora, foi criada uma cadeira de filosofia clássica, porque o Ernesto Araújo acha que a nossa salvação vem dos antigos gregos, do cristianismo, essas coisas que já foram propagadas no seu blog. Então, eu não posso me pronunciar sobre algo que não existe.
Nesses dois meses de nova gestão, o Itamaraty se posicionou em algumas questões de um jeito ou de outro, como na relação com os Estados Unidos que você já mencionou, a relação com a China, a questão da embaixada em Jerusalém a própria questão da Venezuela. Qual a sua avaliação da ação do Itamaraty nesses episódios?
Minha avaliação é de uma enorme confusão mental. O que você tem é uma série de idas e vinda do próprio Bolsonaro sobre todas essas questões.Eles começaram prometendo uma base militar aos americanos, desmentida imediatamente pelo ministro da Defesa e pelos militares em gera. Houve também alguns pronunciamentos no âmbito do Grupo de Lima sobre a Venezuela, em que se defendeu a cessação de todas as relações militares com o governo do Maduro, que também foi imediatamente desmentida pelos militares, porque eles usam esse canal de comunicação para se informar sobre como andam as coisas lá. Depois, você teve uma espécie de “cordão sanitário” erguido em volta do Itamaraty e do chanceler, não só no caso da Venezuela, mas de Jerusalém, da China e de outros temas. Eles estavam preocupando as lideranças militares, que me parece um núcleo muito racional no governo Bolsonaro hoje, como é o núcleo econômico liberal, como parece ser o núcleo da Lava Jato, no ministério da Justiça e da Segurança Pública. Esse “comitê de tutela”, como podemos chamar, em relação ao Itamaraty e ao chanceler está relacionado com as grandes decisões da política externa.
Em Davos, assim que o governo Trump anunciou apoio ao Guaidó, como presidente encarregado da Venezuela, o Bolsonaro, acompanhado pelo chanceler, imediatamente avalizou essa postura e disse que Brasil também o reconhecia no cargo. Diferentemente do que diz o chanceler, em seu último artigo no seu blog, de que foram os Estados Unidos que seguiram o Brasil na questão da Venezuela, o que se vê pela cronologia é que o Brasil é que seguiram os Estados Unidos. Foram os americanos que forçaram a concessão de ajuda humanitária pela fronteira da Colômbia e do Brasil, muito mal recebida pelos miliares no que concerne à nossas fronteiras. Os militares controlaram isso para evitar qualquer foco de tensão e talvez choques que pudesse deslanchar algum enfrentamento mais sério. Foi o vice-presidente Mourão, que foi chefe da última delegação do Grupo de Lima, que vetou completamente, de forma muito sábia, qualquer intervenção militar no caso do Venezuela.
Antes, nos primeiros dias de janeiro, o chanceler vetou também qualquer intermediação ou negociação no caso da Venezuela, o que é uma atitude profundamente antidiplomática. Nenhum diplomata pode vetar uma intermediação, uma negociação, para romper as amarras. O Ernesto disse que os nossos diplomatas só responderiam ao Guaidó e não ao Maduro o que é uma atitude insensata e até administrativamente inconsequente, porque o governo legítimo ou não do Maduro é o que controla o território, o poder do Estado, as organizações, entrada e saída, vistos. Foi com eles que tivemos que negociar para acertar a saída dos brasileiros que estavam na Venezuela.

Houve uma subversão da hierarquia no Itamaraty, uma reforma imposta de cima para baixo que deixou muita gente perplexa, muitos embaixadores nos corredores sem função

O senhor fala em “sectarismo”, “fundamentalismo” da política externa. É diferente do que acontecia nos governos petistas?
Nós tivemos um sectarismo na época do lulopetismo que foi essa política míope do sul global e essa aliança com os supostos oprimidos para lutar as potências hegemônicas, mudar a correlação de forças no mundo, criar uma nova geografia de comércio internacional. Esse monte de bobagens revela uma mentira e também um sectarismo, porque claramente o Brasil ficou identificado com as ditaduras mais execráveis do continente, da linha do Foro de São Paulo, que nada mais é que um Cominform do Partido Comunista Cubano para controle dos partidos de esquerda na América Latina. O governo Lula e o lulopetismo foram responsáveis pela sustentação e consolidação do poder chavista na Venezuela, com outros bolivarianos pela América Latina.
Hoje, aparentemente, a gente caiu na equação inversa. Você está elegendo o antiglobalismo, o antimarxismo cultural, o antiesquerdismo como alvos preferenciais da sua propaganda e da sua pregação. O nosso chanceler já teve um documento, um memorando aparentemente confidencial enviado ao Bolsonaro, antes de ele ser escolhido como ministro, pregando uma aliança entre as grandes nações cristãs, que seriam Rússia, Estados Unidos e Brasil. É uma agenda absolutamente ideológica – e, portanto, sectária. É como se o cristianismo pudesse definir a política externa de um país laico como o Brasil. Acho isso absolutamente equivocado, para não dizer ridículo.
O senhor acredita que o Brasil saiu de um extremo na política externa para um outro extremo, pautado pela ideologia?
Não totalmente. Na era do lulopetismo você tinha quase uma hegemonia total do PT e dos aparatiks do partido sobre a política geral do governo e a política externa em particular. Hoje, não tem isso. Como eu disse há pouco, tem um núcleo de militares consciente, dos grandes desafios do Brasil, um núcleo de economistas liberais conscientes da gravidade do desafio fiscal e engajados nas reformas, na abertura econômica, e um núcleo de pessoal da Justiça empenhado em lutar contra a corrupção e a delinquência. Você tem um quisto ideológico em algumas áreas do governo, que está mais ou menos contido pelos núcleos racionais. Não há essa equivalência com o antigo sectarismo lulopetista.
O que você tem são impulsos, ideias, desejos, slogans e frustrações veiculadas pelos meios de comunicação, pelas redes, sobre esses eflúvios bizarros, que vem lá daquele sofista da Virgínia. A direita chegou no poder pela via legítima, mas você tem esses radicais que estão tentando influenciar a política externa se não a política geral do governo. Isso causa muita fricção interna, muita tensão, como a gente viu no caso da política externa, com essa espécie de “cordão de isolamento” que os militares fizeram ao Itamaraty e ao próprio chanceler.
Com tudo isso, como está o clima no Itamaraty? 
Eu dificilmente poderia transmitir o sentimento interno da Casa, porque não circulo muito. Como eu disse, eu não estou na Secretaria de Estado. Estou num órgão auxiliar que é na Fundação Alexandre Gusmão, mais especificamente nesse think tank IPRI. O que sinto é uma grande paralisia, uma grande expectativa, um grande temor, porque houve, sim, uma subversão da hierarquia no Itamaraty, uma reforma imposta de cima para baixo que deixou muita gente perplexa, muitos embaixadores nos corredores sem função.
Pelo que posso interpretar, o Itamaraty está esperando instruções de cima, que não vêm. As decisões estão sendo tomadas num círculo extremamente fechado vinculado ao próprio gabinete, sem consulta às instâncias inferiores da Casa. Quem faz a política externa normalmente, segundo uma tipologia ideal do processo decisório é o terceiro secretário, lotado numa divisão encarregada de um país, de um tema, de uma área específica. Ele que tem o domínio técnico de todos os temas vinculados à sua competência. Isso sobe até os escalões superiores para receber uma instrução em relação à política que deve ser feita. O processo decisório está paralisado, porque o gabinete tem se fechado em copas e atuado de forma exclusiva, em consulta provavelmente com o assessor internacional da Presidência.
Há uma espera pela realização de redivisões, porque algumas divisões foram extintas, outras criadas, outras divididas. Por exemplo: o antigo departamento da América do Norte acabou. Há um departamento exclusivo para os Estados Unidos e depois outro departamento para o Canadá e o Caribe. O departamento da Ásia também foi mudado. Agora tem um departamento exclusivo para a China e outro departamento para o Japão e as outras nações da Ásia e do Pacífico. A Europa foi relegada a um vazio cultural, como disse o chanceler em seu artigo sobre o Trump e o Ocidente. A Europa não tem mais um departamento exclusivo no Itamaraty. Está junto com África e Oriente Médio. Isso tem causado certo estresse entre os embaixadores europeus, que têm procurado conversar com o vice-presidente Hamilton Mourão, como já publicado pela imprensa.

Hoje, você não tem instruções precisas quanto ao que fazer em cada área a não ser esses rompantes anti-globalistas, anti-multilateralistas, anti-Acordo de Paris, anti-Pacto Global das Migrações

O senhor falou que houve uma mudança legítima de poder no País com a eleição de um governo de direita. Como seria até meio previsível, era inevitável que isso tivesse reflexos na política externa. Essa insatisfação toda existente no Itamaraty e de analistas de maneira geral não reflete certa resistência a essa mudança?
Se você quiser comparar a política externa lulopetista com a atual política externa supostamente olavista ou bolsonarista, diria que os governos do PT se caracterizaram pela manutenção das grandes linhas básicas da política exterior, entre os eflúvios bolivarianos, impulsionados por esquerdistas do partido e pelo aparatik encarregado de assessorar o presidente no Palácio do Planalto, que era o Marco Aurélio Garcia. Fazendo um paralelo com uma pizza, você teria talvez uma ou duas fatias contaminando a política externa. O resto do Itamaraty permanecia como sempre foi: desenvolvimentista, um pouco terceiro mundista, moderadamente antiamericano, cepaliano, apoiador do desenvolvimento sustentável, com precaução na abertura econômica.
Hoje, você tem o ketchup bolsonarista se estendendo sobre toda a política externa pretendendo controlar qualquer aspecto. Na verdade, isso é muito superficial, porque você não tem instruções precisas quanto ao que fazer em cada área a não ser esses rompantes anti-globalistas, anti-multilateralistas, anti-Acordo de Paris, anti-Pacto Global das Migrações, contra o marxismo cultural. Isso não representa uma agenda de política externa. Daí, é difícil dizer que você tem uma política externa de direita.
Para ser de direita, bastaria que ela recusasse o apoio a ditaduras de esquerda, o que já foi feito desde o governo Temer. O (senador) José Serra, quando tomou posse no Itamaraty, anunciou uma nova política em relação à Venezuela e a Cuba. O governo Temer restabeleceu a antiga política externa tradicional do Itamaraty, de profissionalismo, de não interferência em assuntos internos de outros Estados e de adesão a grandes princípios básicos da nossa política externa. Hoje em dia, aparentemente, você está querendo ir um pouco mais além nisso. De fato, você está sinalizando algo até anticonstitucional, que é uma interferência nos assuntos internos de outros Estados, no caso da Venezuela. Isso é um pouco surpreendente e até assustador quando vê que os militares estão assumindo o papel pacifista e não intervencionista que deveria ser dos diplomatas. Isso é muito confuso.