Esclarecimentos
vindos do “outro lado” da história
Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 7 de março de 2019
Vou
transcrever em primeiro lugar o artigo de Eliane Cantanhede no Estadão desta
quinta-feira 7 de março, que reproduz, em formato ampliado, seus argumentos no
GloboNews em Pauta de 6/03.
Acho
que ela só ouviu o Itamaraty e não teve o cuidado, ou o tempo, de me ouvir, ou
interpretou mal o que escrevi no meu blog Diplomatizzando.
Na
sequência, e desculpando-me pela longa postagem, coloco os meus argumentos, que
ela usará se desejar.
Paulo
Roberto de Almeida
Brasília,
7 de março de 2019
1) Matéria do Estadão
Ataques a Ernesto Araújo motivaram
exoneração de embaixador
Para
Itamaraty, Paulo Roberto de Almeida foi afastado de cargo por ter “agredido”
pelas redes sociais o chanceler e a política externa do governo Bolsonaro
Eliane Cantanhêde, O
Estado de S.Paulo
06 de março de 2019 | 23h22
Ao publicar no Facebook uma crítica do
ex-presidente Fernando Henrique Cardoso à política
externa, na véspera da exoneração, Almeida escreveu sobre “os descaminhos da
nossa diplomacia, entregue aos eflúvios amadores de ideólogos tresloucados,
como certo sofista da Virgínia, e fundamentalistas trumpistas totalmente
equivocados”. E concluiu: “Já passou da hora de superar o ridículo...”
No Itamaraty, a conclusão é que a referência a “fundamentalistas
trumpistas” foi uma “agressão direta” ao chanceler Araújo, que tem textos
publicados enaltecendo o presidente dos Estados Unidos, Donald
Trump, como o único capaz de salvar os valores cristãos do Ocidente
e, por isso, é costumeiramente acusado por seus críticos justamente de
“fundamentalista trompista”. Além disso, a cúpula do ministério considera que
ele acusou a política externa do atual governo de “descaminhos” e de ser
“ridícula”.
Embaixadores sediados no Itamaraty, em Brasília, consideram que as
expressões “ideólogos tresloucados” e “sofista da Virgínia” foram dirigidas
frontalmente contra o filósofo Olavo de Carvalho, que mora no Estado
norte-americano da Virgínia e é apontado como o principal padrinho da escolha
de Ernesto Araujo como chanceler. Eles, porém, disseram que isso não pesou na
exoneração, o que pesou foram os “ataques ao chanceler e à hierarquia”.
Em entrevista ao Estado, publicada ontem, Almeida disse que foi exonerado
por, além de ter criticado Olavo de Carvalho, ter publicado em seu blog um
artigo de Fernando Henrique Cardoso e uma palestra do embaixador Rubens
Ricupero contra a política externa do governo Jair Bolsonaro. O Itamaraty, porém, diz que tanto o artigo
quanto a palestra são públicas e, inclusive, divulgadas no resumo diário
de notícias sobre o Itamaraty. Logo, não seriam motivo para o afastamento.
Uma das críticas de Paulo Roberto de Almeida, na entrevista, foi
que Ernesto Araujo impôs uma “subversão da hierarquia, uma reforma de cima para
baixo que deixou muita gente perplexa”. Disse, também, que já estava esperando
ser afastado. De fato, ele já tivera uma conversa na sexta-feira com o chefe de
gabinete de Ernesto Araujo, ministro de carreira Pedro Wollny, justamente sobre
seu próximo cargo. O post no domingo interrompeu a discussão, ele foi
comunicado da exoneração na segunda-feira pelo próprio Wollny, por telefone, e
ontem foi ao Itamaraty para formalizar a decisão.
Uma curiosidade: Paulo Roberto está escrevendo um livro junto com
o ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal, sobre o ex-embaixador,
ministro e senador Roberto Campos, um dos ideólogos da direita brasileira.
Longe de ser considerado “de esquerda”, Almeida é um estudioso da vida e obra
de Campos.
Na entrevista ao Estado, o embaixador disse que ficou “na
geladeira”, ou “encostado na biblioteca”, nos anos dos ex-presidentes Luis
Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff. Segundo o Itamaraty, porém, ele atuou de 2003
a 2007 como assessor especial do Núcleo de Assuntos Estratégicos do Palácio do
Planalto.
2) Meu primeiro
esclarecimento sobre o artigo de Eliane Cantanhêde no Estadão (7/03/2019) e seu
comentário no GloboNews em Pauta (6/03):
1) Ninguém tem nenhuma dúvida sobre quem seja o sofista
da Virgínia; reafirmo: é um completo inepto em relações internacionais;
2) O "fundamentalista trumpista" a quem eu
me referi é aquele sujeito também amador em política externa, que passeou
ridiculamente pelos EUA com um boné da reeleição de Trump em 2020, e que disse,
USURPANDO sobre a opinião do povo brasileiro (que ele não consultou), que todos
aqui estávamos apoiando a construção de um muro na fronteira com o México. Isso
é um adesismo da pior espécie, além, é claro, de representar interferência nos
assuntos internos de DOIS países.
Ao que me consta o chanceler ainda não usou
nenhum boné do Trump.
3) Meu segundo esclarecimento
sobre o artigo de Eliane Cantanhêde no Estadão (7/03/2019) sobre um livro que
ainda não saiu e meus “cargos” anteriores:
Tenho
novamente de corrigir a Eliane Cantanhede em mais dois outros parágrafos da
matéria no Estadão, ela novamente apenas informada por certos súditos do
Itamaraty.
Ela
escreveu:
"Uma curiosidade: Paulo Roberto está
escrevendo um livro junto com o ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal
Federal, sobre o ex-embaixador, ministro e senador Roberto Campos, um dos
ideólogos da direita brasileira. Longe de ser considerado “de esquerda”,
Almeida é um estudioso da vida e obra de Campos.
Na entrevista ao Estado, o embaixador disse
que ficou “na geladeira”, ou “encostado na biblioteca”, nos anos dos
ex-presidentes Luis Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff. Segundo o Itamaraty,
porém, ele atuou de 2003 a 2007 como assessor especial do Núcleo de Assuntos
Estratégicos do Palácio do Planalto."
Vamos
lá:
1) NÃO
estou escrevendo NENHUM livro com o ministro Gilmar Mendes. Cerca de oito meses
atrás, sob recomendação do jurista Ives Gandra Martins, o gabinete do Ministro
Gilmar Mendes contatou-me para colaborar num livro que ele estaria coordenando
sobre os 30 anos da Constituição. Eu disse que, não sendo formado em Direito e
considerando-me inepto na matéria, eu poderia no máximo contribuir com uma
crítica à economia política da CF-88, pois tal é a minha especialidade, e que
poderia ser algo sobre as críticas de Roberto Campos à Constituinte e à
Constituição de 1988, pois eu já tinha escrito e coordenado um livro sobre o
grande diplomata e economista: O Homem que Pensou o Brasil: trajetória
intelectual de Roberto Campos (Appris, 2017). Disseram-me que estava bem,
preparei o artigo, mandei e NUNCA mais tive notícias desse livro.
2)
Aproveitei o embalo, expandi esse artigo, completei com vários outros
argumentos e compus o livro A Constituição Contra o Brasil: ensaios de
Roberto Campos sobre a Constituinte e a Constituição de 1988 (SP: LVM,
2018), com 65 artigos de Roberto Campos, gentilmente cedidos por seu filho, e
dois longos ensaios meus.
3) Sobre
o fato de eu ter "atuado", entre 2003 e 2006 (não 2007), como
assessor no NAE: não o fiz por vontade própria, mas apenas a convite do
ministro Gushiken, a quem eu conhecia desde os anos 1990, quando ele foi
relator de alguns projetos dos quais eu me ocupava no Itamaraty (acordos de
investimento) e que gostava de mim, mesmo eu dizendo a ele que a
"economia" do PT era esquizofrênica (assim mesmo: ele dava risada e
não falava nada).
4) Esse
convite veio depois que, vergonhosamente, o Itamaraty - SG Samuel Pinheiro
Guimarães e ME Celso Amorim – vetaram um convite que me foi formalmente feito
pelo então Diretor do Instituto Rio Branco, João Almino, para dirigir o
Mestrado do Rio Branco, do qual eu já era professor orientador desde o seu
início, em 2001. Em 2002 tirei férias da embaixada em Washington e passei uma
semana em Brasília orientando 5 ou 6 alunos. O convite veio no início do
governo Lula, em 2003, mas três dias depois de eu ter aceito (pois já estava há
quase 4 anos em Washington), o Diretor do IRBr teve o constrangimento de
anunciar-me que não podia confirmar o convite, pois "o SG tinha outras
ideias". Eu sei quais eram essas ideias, pois ele já me achava liberal demais para o
pequeno campo de reeducação que ele pretendia fazer no IRBr e na SG.
5) Vim a
Brasília em meados de 2003 – a tempo de ouvir o ministro Celso Amorim dizer que
os diplomatas "precisavam vestir a camisa do governo", uma declaração
vergonhosa sob qualquer aspecto – para discutir sobre o meu futuro. Disseram-me
na SG que não tinham nada previsto para mim, que não estavam me removendo para
a SERE pois não havia cargos à disposição, e que eu poderia ficar mais tempo em
Washington ou negociar um outro posto.
6) Foi
nessas circunstâncias que eu aceitei o convite do ministro Gushiken – um dos
poderosos membros da troika, mas a quem NUNCA solicitei qualquer favor, sequer
promoção – para integrar o Núcleo de Assuntos Estratégicos da PR, com quem
trabalhei de 2003 a 2006.
7)
Quando ele se afastou do NAE, por motivo de doença – ou efeitos do Mensalão,
não sei – eu me despedi do NAE e me apresentei novamente no Itamaraty, acredito
que em outubro de 2006. Fui imediatamente bem recebido pela chefe de Gabinete
do Ministro Amorim que me ofereceu três postos na SERE para "preenchimento
imediato". Aceitei um deles e fiquei esperando. Não aconteceu nada,
durante dois meses, e aí compreendi que o Ministro Amorim tampouco me queria na
SERE.
8) Em
dezembro de 2006, num encontro casual com o Ministro Amorim no Clube das Nações
disse-lhe que eu estava voltando à SERE, para trabalhar "sob a sua
gestão". Ele me olhou secamente e disse-me: "É, mas a sua entrevista
ao Estadão não lhe ajudou em nada." Virou as costas e circulou. Nunca mais
falei com ele diretamente, a não ser anos depois, num encontro casual numa
saída de restaurante em Brasília, quando me perguntou se eu "continuava
escrevendo muito". Foi a vez de eu lhe dizer: "É ministro, é um vício
que eu tenho.". E nada mais.
9) A
entrevista a que ele se referiu foi uma a Lourival Santana, sobre o BRIC, e eu
dizia que se tratava de uma construção intelectual que não fazia muito sentido
– a não ser para investidores – pois os quatro países não tinham nada em comum.
Eu não sabia que o ministro já articulava com Lavrov (o eterno ministro russo
das relações exteriores) a formalização de um BRIC diplomático, mas isso não
tem a menor importância: continuo pensando a mesma coisa sobre o BRIC, hoje
BRICS.
10)
Algum tempo depois, o ministro Amorim me ofereceu um posto de embaixador na
Ásia, que eu recusei gentilmente, consciente de que nada mais me seria
oferecido, na SERE ou fora dela.
11) E
assim passei anos no DEC, Departamento de Escadas e Corredores, fazendo da
Biblioteca o meu escritório de trabalho. Tirei licença, fui dar aulas em Paris,
voltei, nada...
12)
Portanto, é uma falsidade o Itamaraty dizer que eu não tive trabalho na SERE,
mas fui trabalhar no NAE: só fiz isso por que me recusaram qualquer cargo na
SERE, e isso durou até o impeachment de Madame Pasadena, quando o governo Temer
me ofereceu o cargo de diretor do IPRI, do qual acabo de ser defenestrado pelo
atual chanceler.
Esta é a
história completa, mas se a Eliane Cantanhede desejar posso lhe contar os
detalhes de inúmeros diálogos que mantive com servidores do lulopetismo
(inclusive com Marco Aurélio Garcia, a quem recebi no meu "autoexílio"
na Bélgica, quando do golpe de Pinochet no Chile, em 1973), todos eles
empenhados em me manter fora da SERE, já que não podiam demitir-me do serviço
público.
Paulo
Roberto de Almeida
Brasília,
7 de março de 2019