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segunda-feira, 1 de julho de 2019

Sergio Abranches: A onda populista de direita vai passar


Essa onda populista vai passar

O artigo do cientista político Sérgio Abranches para o blog neste domingo 

 

Quando a direita populista começou a ganhar eleições na Europa e, depois, nos Estados Unidos, formou-se consenso generalizado de que era uma tendência global. O desencanto com democracia representativa, que fora dominada por social-democratas, socialistas e coalizões progressistas, abria espaço para longo período de hegemonia da direita. Os precursores pareciam ser a Alemanha, o Reino Unido e a Espanha, onde a direita conquistara o poder bem antes.

O avanço do populismo em várias democracias do mundo está associado à falta de respostas estruturais, que funcionem, para os problemas criados por uma transição global radicalmente transformadora. Além disso, crises fiscais resultantes dos estreitos limites impostos pelo capital financeiro global, pivô do novo padrão de financiamento de governos e empresas, levaram à imposição de programas de austeridade que solaparam a legitimidade dos governos de esquerda e centro-esquerda. Apenas Portugal, com sua geringonça, uma coalizão de esquerda, resistiu à austeridade-modelo e reajustou as finanças sem sacrificar o legado progressista da era social-democrática. O êxito dessa divergência será testado nas próximas eleições de outubro.
A transição gera instabilidade macroeconômica e social e põe em cheque modelos de negócios e a eficácia representativa das democracias, em sociedades fluidas, que mudam rapidamente, impulsionadas por forças sociais emergentes e pressionadas por forças sociais em declínio. Este entrechoque entre forças desiguais inquieta e desestabiliza. As emergentes não tinham, e talvez ainda não tenham, recursos de poder, influência e mobilização suficientes para confrontar aquelas em declínio, acostumadas ao exercício do poder, portanto mais experientes no manejo da política.
O que parecia uma tendência avassaladora e durável, está dando sinais de ser uma onda, que parece começar a refluir. O primeiro sinal foi a vitória da centro-direita sobre a direita ultranacionalista na França. Seguiram-se as derrotas do PP na Espanha, culminando na vitória e no governo liderado pelo PSOE. O crescimento dos Verdes e o resultado aquém do esperado dos ultranacionalistas, nas recentes eleições para o parlamento europeu, mostraram mudança na direção do vento, a soprar só para a direita. Nessas eleições, o partido mais extremista da direita alemã, o AfD perdeu posições. A dupla derrota de Recep Tayyip Erdoğan na eleição para a prefeitura de Istambul, na Turquia, soma-se a essas pistas de refluxo. Que estão presentes, também, na retomada social-democrática nas democracias nórdicas, Islândia, Finlândia, Suécia e Dinamarca.
Isto não significa, todavia, que estejamos diante de uma renascença social-democrática ou socialista no mundo. O que todas essas eleições, sobretudo para o parlamento europeu, indicam é a fragmentação política. Uma fragmentação que já pôs em cheque o bipartidarismo do modelo original de Westminster, de voto majoritário-distrital, no Reino Unido, desde a coalizão dos Conservadores de David Cameron, com os social-liberais de Nick Clegg. Ela está evidente nos 24 candidatos concorrendo às primárias do Partido Democrata nos Estados Unidos, a cobrir um espectro político que vai da centro-esquerda à esquerda socialista. Tenho tratado dessa tendência à fragmentação e ao realinhamento partidário no Brasil. As eleições de 2018 contiveram os dois movimentos, a onda populista de direita, que elegeu Bolsonaro no segundo turno, e a fragmentação, que produziu o congresso mais fragmentado partidariamente de nossa história e do mundo. 
O mais provável é que a tendência seja à fragmentação política, que levaria a um realinhamento partidário futuro, com provável emergência de novos partidos, mais alinhados ao “espírito do tempo” e progressivamente mais representativo das forças sociais emergentes da transição que se ,mostrem mais enraizadas estruturalmente. O refluxo da onda de direita seria perfeitamente compatível a essa tendência à fragmentação e posterior realinhamento partidário.
E, por que a onda de direita refluiria? Porque essas lideranças apelam para a raiva, a decepção e o desencanto da maioria com a persistência dos problemas e a falta de representatividade da velha política. São, porém, incapazes de oferecer soluções estruturais que mitiguem os efeitos da transição e a tornem menos inóspita. Ao contrário, medidas ultranacionalistas, a radicalização nos costumes, a rejeição aos imigrantes, o racismo, a intolerância religiosa, a homofobia, a aposta na violência policial, nada resolvem. Apenas aumentam a rejeição a esses governos e à política. Desta forma, aumentam o desconforto geral. A decepção com o que parecia uma alternativa, uma novidade, amplifica o desgosto e afasta as pessoas da política. Pode dar em uma nova forma de alienação coletiva, um distúrbio da transição, que agrava a falta de opções políticas viáveis, democráticas e eficazes. Esse quadro de frustração, ao mesmo tempo que retira cidadãos, voluntariamente, da arena eleitoral, tende a aumentar a fragmentação política e partidária, na busca aflita por novas opções inovadoras.
Este é um quadro em muito maior sintonia com a grande transição que tenho analisado, inclusive neste espaço. Transformações radicais, como que experimentamos globalmente, são, por um tempo imprevisível, desestabilizadoras. As velhas estruturas ruem, antes que as novas possam assumir seu lugar. São momentos de incerteza, insegurança e medo. Tudo isso provoca desalento e indignação, levando a buscas desatinadas, que abrem espaço para a sedução dos populistas. Estes revelam-se, entretanto, pregadores de esperanças vãs. Ondas como essa do populismo de direita podem voltar a ocorrer, do mesmo modo que ondas de populismo de esquerda. Mas, a tendência persistente é a da fragmentação decorrente dessa busca de novidades políticas. Com o amadurecimento das formações sociais que emergem da transição estrutural, talvez se dê um realinhamento das forças políticas, gerando novos sistemas partidários, profundamente modificados e a consequente renovação da democracia representativa, que pode se tornar mais participativa e aberta. 
* Sérgio Abranches é cientista político, escritor e comentarista da CBN. É colaborador do blog com análises do cenário político internacional

O custo dos negocios no Brasil - Rubens Barbosa (OESP)

COMO MELHORAR O AMBIENTE DE NEGÓCIOS

Rubens Barbosa
O Estado de S. Paulo, 25/06/2019

Sabemos todos que no Brasil são prioridades imediatas e urgentes a volta do crescimento e a queda do desemprego. Os dados do primeiro trimestre, porém, não são encorajadores do ponto de vista do setor privado.
O retorno da confiança no governo e o melhor desempenho da economia passam pela aprovação no Congresso de reformas estruturais, em especial a da previdência social, que ajudará a estancar a sangria do déficit público, e pela reforma tributária, que reduzirá o custo Brasil para o setor produtivo. Caso sejam aprovadas, o Ministério da Economia poderá liberar medidas para a abertura da economia, para a desburocratização e para a negociação de acordos comerciais com terceiros países para fazer crescer o comércio exterior e incentivar a retomada dos investimentos públicos e privados.
Nesse contexto, não se pode ignorar também um fator psicológico, muito relevante quando se examina a questão do investimento: o ambiente de negócios. Nesse sentido, a credibilidade dos contratos e a segurança jurídica das regras para a correta implementação das transações comerciais e financeiras são elementos que aqui ainda precisam ser aperfeiçoados para a volta sustentável dos investimentos das empresas nacionais e, sobretudo, internacionais. A corrupção e o descumprimento de compromissos assumidos devem ser enfrentados e a força da lei deve prevalecer sobre os interesses de grupos ou corporações.
Poderiam ser lembrados aqui vários exemplos, alguns dos quais vieram a público, para tornar concretos os comentários sobre a necessidade de melhoria no ambiente de negócios no Brasil.
Pelo seu volume, importância e visibilidade, poderia ser lembrado o conflito em curso sobre a segunda maior operação comercial que ocorreu no Brasil, envolvendo a aquisição, da ordem de R$ 16 bilhões, de uma empresa brasileira por um grupo internacional - a primeira foi a disputa entre o Grupo Pão de Açúcar e a empresa francesa Casino.
Os problemas surgiram nas tratativas de aquisição da empresa de celulose Eldorado, pertencente a J&F, pela Paper Excellence (PE), um dos maiores produtores de celulose do mundo. Segundo se noticiou, depois do acordo de leniência firmado com o Ministério Público por conta de problemas com a Lava Jato, a J&F decidiu vender a Eldorado, que cresceu favorecida por empréstimos do BNDES. A transação correu normalmente na primeira etapa, em 2017. A companhia PE, com sede na Holanda, pagou cerca de R$3,8 bi por 49% da Eldorado. O contrato previa opção de compra da totalidade da empresa brasileira, mais o passivo de dívidas. Para concluir a operação, a J&F deveria cooperar para a liberação de garantias do Grupo J&F em contratos financeiros da Eldorado até setembro passado, após o que a PE perderia a opção de compra. A PE, percebendo a obstrução da J&F, buscou a justiça brasileira e acionou o processo de arbitragem.
O que ocorreu a partir daí tem implicação com o ambiente de negócios e a segurança jurídica dos contratos, como acima referido. Desde a assinatura do contrato, o cenário micro e macroeconômico teve uma forte influência sobre o valor da empresa brasileira: a desvalorização do dólar, o salto da EBTIDA (74%) e o aumento significativo do preço da celulose no mercado internacional (41%). Diante disso, a J&F e a Eldorado alteraram seu posicionamento, atuando – segundo a PE - para impedir a conclusão da transação, apesar de todos os recursos para finalizar a transação (cerca de R$ 11 bi) estarem disponíveis no Brasil. As divergências continuam a ampliar-se com a tentativa de emissão de US$500 milhões em bônus da Eldorado, com a oposição da PE e bloqueada pela Justiça. O assunto está hoje submetido à arbitragem na ICC, na Áustria e em Cingapura para dirimir o conflito pelo descumprimento, segundo a visão da PE, de compromissos assumidos pela J&F e levará ainda algum tempo para ser resolvido. Os recursos alocados para a compra da Eldorado em parte estão imobilizados e novos investimentos foram suspensos.
O custo envolvido com advogados, consultores e assessoria de imprensa para oferecer informações ao público em geral passa a representar um ônus adicional para empresas que queiram participar do mercado brasileiro.
O Brasil é um grande produtor e exportador de celulose e foi uma estratégia normal da empresa estrangeira decidir investir no país e ampliar seus negócios globais na América do Sul. Casos como esse repercutem negativamente na mídia e prejudicam a credibilidade e o ambiente de negócios no Brasil. Hoje grande parte dos conflitos empresariais, tanto como o que ocorre entre a J&F e a PE, quanto em decorrência de problemas societários, são resolvidos por arbitragem em função da maior rapidez para se obter uma solução. De qualquer forma, nada se resolve antes de dois a três anos. A demora para obter uma decisão na justiça ou em cortes nacionais e internacionais de arbitragem contribuem para aumentar a insegurança e a desconfiança de potenciais investidores. 
Assuntos dessa natureza são de interesse do setor privado, mas o governo poder facilitar a rápida resolução dos conflitos por meio de negociações de acordos bilaterais de investimentos. Esses acordos regem disputas entre empresas privadas estrangeiras e os governos e companhias privadas, e representaram uma experiência exitosa nos últimos anos no âmbito da Comunidade Europeia, por exemplo. 
No final de 2018, o Banco Mundial divulgou um ranking de ambiente de negócios, que avalia 190 países. Embora melhorando em relação a 2017, o levantamento coloca o Brasil na 109ª posição e em último lugar entre os países membros do BRICS. Para alterar esse quadro, será necessária uma mudança cultural e de atitude de parte do setor privado, que passa inclusive pela lisura no cumprimento do livremente acordado e na relação com o governo. 

Rubens Barbosa, presidente do Instituto de Relações Internacionais e Comércio Exterior (IRICE)