Meu aprendizado
ALI KAMEL
O Globo, 28 de julho de 2006
Eu era ainda criança e estudava inglês no Curso Oxford. No livro de gramática, havia um pequeno texto sobre racismo, em que uma criança branca e outra negra, depois do primeiro encontro, numa sociedade racista como a americana, diziam uma para a outra: “It is just skin.” A professora, uma senhora inglesa que havia muito vivia no Brasil, teve de nos explicar por que aquelas crianças demoraram tanto tempo se medindo para chegar a uma conclusão tão óbvia, que nós, brasileiros, sempre conhecemos: a diferença entre um branco e um negro é só a cor da pele. Eu tinha sete anos, e a professora nos falou de Martin Luther King, do seu assassinato recente, da sua luta pelos direitos civis. Aquilo me marcou.
Antes que eu receba e-mails irados dizendo que essa história é a prova de que sou um privilegiado de berço, corro para dizer que meu pai, analfabeto, tendo fugido da miséria em sua Síria natal, trabalhava numa quitanda, das duas da manhã, quando saía para fazer o mercado, até as oito da noite, quando jantava e caía na cama, exausto. Tinha três sócios, o que fazia a renda da loja mal ser suficiente para sustentar uma família de oito pessoas: ele, minha mãe, meus avós maternos e os quatro filhos. Com uma sabedoria imensa, porém, tudo o que ganhava gastava na educação dos quatro filhos, pelo que seremos gratos a ele eternamente. Ele perdeu a saúde, mas nos legou uma lição que, acredito, a maior parte dos pais deixa para os filhos: educação e trabalho, eis a chave para que alguém alcance seus desejos.
Essas duas pequenas histórias explicam um pouco por que me dedico tanto a escrever sobre cotas: eu acredito que todos devemos ter as mesmas oportunidades, que ninguém é melhor do que ninguém, que a educação é o motor para superar obstáculos e que o trabalho é a fonte de renda que mais satisfação dá a uma pessoa. Nossa legislação já nos garante direitos iguais, e na era republicana sempre garantiu. Vivemos num país em que a miscigenação era, até bem pouco, uma realidade que costumávamos comemorar. A educação é ainda um flagelo, mas se investirmos nela, com seriedade, os brasileiros de todas as cores e de todas as origens terão chances iguais de superar as suas dificuldades e de se realizarem em seus trabalhos. Querer dividir o país em raças, repito, é um erro, porque antes das elites, o que se cindirá será a pobreza: a cor da pele dará privilégio a um pobre e o negará a outro. Isso é explosivo.
Como disse no meu artigo de terça-feira, o meu sonho é o de Martin Luther King: quero viver numa sociedade em que as pessoas sejam julgadas pelo seu caráter, jamais pela sua cor. Há anos se debate nos EUA se King, hoje, apoiaria ou rejeitaria cotas, o que é uma discussão estéril: o herói está morto, e querer extrair dele um pensamento numa ou noutra direção é algo a que todos têm direito sem que, no entanto, tenham jamais inteira razão.
John David Skrentny, sociólogo americano da Universidade da Califórnia, San Diego, escreveu o que é considerada a mais completa pesquisa histórica sobre políticas afirmativas nos EUA: “Ironias das ações afirmativas: política, cultura e justiça na América”, livro que comentarei num próximo artigo. Perguntei a ele o que achava do debate que se trava hoje no Brasil. Ele me respondeu que acredita que, privadamente, King e outros líderes achavam que ações de preferência racial ajudariam os negros americanos. Mas acrescentou: “No entanto, creio também não ser de muito interesse o que eles pensavam ou discutiam reservadamente. O importante foram suas ações públicas, seu ativismo político. Quando estudei a história desses fatos, quis saber o que os líderes do movimento de direitos civis reivindicavam ou exigiam do governo federal. Não consegui encontrar um só caso em que King reivindicasse ou exigisse do governo uma política preferencial de emprego com base em raça.” Skrentny é simpático a políticas afirmativas.
O que ninguém discute é que o cerne do pensamento de King é que uma sociedade não deve dividir as pessoas em raças, porque somos todos iguais, temos todos os mesmos direitos e devemos ter todos as mesmas oportunidades. Não assinei o manifesto contra as cotas nem ajudei a redigi-lo, porque isso não me cabe como jornalista. Mas, se o tivesse feito, teria também usado o trecho do discurso de King, porque considero que ele é absolutamente adequado àquilo que o manifesto prega: uma sociedade mais igualitária, mais justa, que equipe os pobres, negros ou brancos, para que tenham, de fato, igualdade de oportunidades.
Em seu artigo de quarta-feira, sem me citar, Elio Gaspari volta ao tema, e com acusações ainda mais pesadas aos que são contrários às cotas. Em relação a um professor americano contrário a políticas de preferência racial, Elio escreveu: “Wood é contra as ações afirmativas, mas é um sujeito decente. Entrou na briga sem um tostão no bolso.” O que ele quis dizer com isso? Que os brasileiros contrários às cotas são indecentes e que se manifestam por dinheiro? Que reação posso eu ter diante disso? Dizer que indecente é a mulher do padre ou que corrupto é a mãe do vizinho? Não, não farei isso.
Elio é uma pessoa decentíssima, honestíssima, acima de qualquer suspeita. Quando trabalhei com ele na “Veja”, aprendi muito, e devo muito a esse aprendizado. Ele me ensinou que não se acusa sem provas, e que as palavras devem ser medidas para que não soem como calúnias.
Vou continuar a discutir o assunto, porque ele é fundamental para o país. Mas vou debater apenas idéias. Como aprendi, vou passar ao largo do que não é essencial.
ALI KAMEL é jornalista. E-mail: ali.kamel@oglobo.com.br
Temas de relações internacionais, de política externa e de diplomacia brasileira, com ênfase em políticas econômicas, viagens, livros e cultura em geral. Um quilombo de resistência intelectual em defesa da racionalidade, da inteligência e das liberdades democráticas. Ver também minha página: www.pralmeida.net (em construção).
sexta-feira, 28 de julho de 2006
domingo, 23 de julho de 2006
603) "Contracupula dos povos", em Cordoba: seriam factiveis as propostas?
À margem, mas não mais marginas, eis o que poderia ser dito dos "alternativos" que se reuniram em Córdoba, na Argentina, ao mesmo em que se realizava mais uma cúpula do Mercosul. nos dias 20 e 21 de julho de 2006.
Suas demandas podem até ser legítimas, embora em alguns casos sejam mera cristalização e consolidação de velhas agendas de movimentos contra alguma coisa, o capitalismo, o mercado, o imperalismo, etc.
Eles estão deixando de ser apenas "do contra", para se lançar em propostas concretas, alternativas ao modelo de integração pelos mercados que dominou até agora o processo de integração na região (e fora dela, aliás).
Resta saber se são factíveis e economicamente sustentáveis as propostas dos alternativos: não basta querer, seria preciso demonstrar tambem que o custo dessas propostas não seria insustentável e praticamente inviável.
Uma vez que se abandonam mecanismos de mercado para viabilizar qualquer iniciativa que apresenta custos que devem ser repartidos, o mais provável é que se gerem ineficiências setoriais e, sobretudo, corrupção, quando essas atividades passam a ser geridas de forma centralizada, pelos Estados nacionais.
Já vimos esse filme antes: ele não costuma ter um final feliz.
Em todo caso, vejam a matéria sobre a "contra-cúpula".
"MERCOSUL: Contracúpula dos movimentos sociais reúne 8 mil em Córdoba
Cúpula dos Povos ocorreu como um evento paralelo ao encontro de chefes de Estado do Mercosul, em Córdoba, Argentina. Como eixo central, movimentos deixaram de se colocar como mera resistência ao neoliberalismo e aprofundaram debate sobre integração.
Sebastián Valdomir - Carta Maior
Córdoba – Paralelamente à Cúpula dos Estados membros do Mercosul, que começou nesta quinta (21) e prossegue até sexta em Córdoba, Argentina, movimentos sociais do Cone Sul, articulados na organização hemisférica Aliança Social Continental, promoveram mais uma edição da Cúpula dos Povos, evento que já se tornou tradicional como contraface dos encontros oficiais, e que se articulou em 2000 como força de resistência à tentativa de criação da Área de Livre Comércio das Américas (Alca).
Desta vez menos centrada na oposição a projetos pontuais do Mercosul e mais preocupada em debater aspectos da integração regional, a Cúpula dos Povos pela Soberania e a Integração Sul-americana centrou os debates em quatro frentes: luta pela terra, onde confluíram os movimentos ligados à Via Campesina e às organizações indígenas - que devem criar um Movimento Nacional Indígena e Campesino na Argentina -, e um fórum sobre água, convocado por organizações da Argentina, Bolívia, Uruguai, Brasil e Canadá articuladas na Rede Vida, e frentes menores sobre povos originários, saúde e gênero.
Como resultado principal deste evento, que se segue às outras edições da Cúpula dos Povos em Santiago de Chile (1989), Quebec (2001) e Mar del Plata (2005), realizadas paralelamente aos encontros presidenciais da OEA, os organizadores acreditam que começou a se conformar uma articulação regional concreta que está se convertendo em metodologia de trabalho para os principais movimentos sociais, como resultado dos êxitos da Campanha Continental contra a Alca e a interferência do neoliberalismo estadunidense na região.
Terra e água
As atividades realizadas em Córdoba mostraram que as duas frentes de luta que mais avançaram no duplo esforço de resistir e propor alternativas são o movimento campesino e aqueles que trabalham o tema da água, contra sua privatização e por novos modelos de gestão e administração social participativa.
Um dos propulsores da organização do Cúpula dos Povos, os camponeses argentinos tiveram papel protagonista também nos debates. Similar ao Brasil, o modelo produtivo rural argentino se caracteriza por ter mais de 80% dos produtores na agricultura familiar, que ocupa somente 13% das terras cultiváveis. 4% da atividade agropecuária concentram 65% da terra produtiva. Para a Cúpula dos Povos, chegaram mais de 400 integrantes destes movimentos, que realizaram cursos de formação para jovens e mulheres, uma estratégia clássida da Via Campesina e dos movimentos que lutam pela terra no Brasil.
Como a coordenação da Via Campesina facilita a consolidação organizativa e política dos movimentos, no Cone Sul a campanha de resistência regional ao modelo do agronegócio cresceu muito nos últimos meses, transformando este tipo de encontro em momentos para denunciar massivamente seus efeitos. Assim como disse um jovem do MOCASE, para eles quase não há diferença entre Santiago del Estero e o Iraque, já que as máquinas demolidoras que derrubam suas casas para expulsá-los das terras ocupadas – algo muito comum nesta província, além das milícias armadas dos latifundiários – têm os mesmos “pés de ferro” que os blindados e tanques do deserto.
Outra articulação presente à Cúpula foi a contrária à privatização da água, que pretende excluir o recurso dos acordos comerciais, incluindo as negociações da Organização Mundial do Comércio (OMC).
Desde o Fórum Alternativo da Água realizado em paralelo ao IV Fórum Mundial da Água no Méximo, em março deste ano, os movimentos exigem no âmbito do Mercosul que os “governos da Argentina, Brasil e Paraguai subscrevam a declaração da água apresentada no Fórum do México, assinada pela Bolívia, Cuba, Venezuela e Uruguai”, onde se estabelece a condição da água como um direito humano, que deve estar fora de qualquer tipo de negociações comerciais.
As redes presentes à Cúpula dos Povos foram a Coordenadora em Defesa da Água de Cochabamba, a Comissão da Água do Uruguai, as Assembléias Provinciais de Santa Fé e de Córdoba contra as privatizações, e o grupo de trabalho sobre água da Rede Brasileira pela Integração dos Povos (Rebrip).
Os movimentos que trabalham com o tema da água também estão passando da resistência às privatizações, onde obtiveram muitas vitórias em alguns países, à elaboração de alternativas para assegurar a gestão do recurso na esfera pública, com participação social dos trabalhadores e dos consumidores.
De Mar del Plata a Santa Cruz
A marcha de encerramento realizada quinta-feira (20) transcorreu com normalidade. Houve a participação de mais de oito mil pessoas, o que politicamente foi bastante positivo para o evento. A Cúpula dos Povos em Córdoba ocorre num período importante - entre a Cúpula de Mar del Plata, onde se tentou ressuscitar a ALCA, e a Cúpula pela Integração dos Povos, agendada para dezembro na cidade boliviana de Santa Cruz de La Sierra.
Ali novamente os movimentos e organizações sociais que integram as redes regionais se encontrarão com a tarefa de aprofundar o debate sobre alternativas aos processos de integração que hoje estão em curso, e enfrentam alguns problemas, como a Comunidade Andina de Nações (CAN) e o Mercosul.
O ingresso da Venezuela no Mercosul traz novas possibilidades para o bloco, mas ainda assim os movimentos sociais defendem que muitos de seus aspectos sejam alterados. Em geral, dizem eles, ainda não há diferenças entre o Mercosul da década de 90, em pleno auge neoliberal, e o Mercosul do século XXI.
A Declaração final da Cúpula dos Povos sugere pontos em que o atual Mercosul deveria ser modificado: "a não ratificação - e conseqüente anulação - do Tratado de Livre Comércio com Israel", "a anulação dos tratados de proteção de investimentos que os Estados renovam periodicamente", a abolição do tribunal de solução de controvérsias do Banco Mundial - Ciadi -, onde as empresas transnacionais acionam os Estados e obtém ressarcimentos logo que são expulsas de países, e finalmente que se reverta a situação de pobreza e exclusão em que vivem milhões de pessoas nos países do bloco.
Outra questão importante para os movimentos sociais refere-se à participação. Uma delegação da Cúpula dos Povos fora convidada oficialmente a assistir a seção de ministros e da sociedade civil, no prédio oficial da Cúpula, quando iria entregar a declaração final. Mas, ao chegar ao prédio onde ocorria o evento, não foi permitida a sua entrada, sob argumento de que os integrantes da delegação não portavam credenciais formais. O convite havia sido assinado pelo embaixador Eduardo Sigal, subsecretário de Integração da Argentina e por Hugo Varsky, representante especial par a Integração e a Participação Social, dentro da presidência temporária da Argentina no Mercosul.
Segundo integrantes da delegação consultados pela Carta Maior, membros de delegações governamentais de outros países intervieram em prol da entrada dos representantes da Cúpula dos Povos, mas sem assim foi possível.
De qualquer maneira, é opinião geral dos participantes da Cúpula dos Povos de que o balanço é positivo e de que o encontro foi um fato político importante. A vigilância dos movimentos e organizações sociais sobre os processos de integração regional já está "nas ruas", o mesmo lugar onde teve de ficar a delegação que tentou integrar o documento."
Suas demandas podem até ser legítimas, embora em alguns casos sejam mera cristalização e consolidação de velhas agendas de movimentos contra alguma coisa, o capitalismo, o mercado, o imperalismo, etc.
Eles estão deixando de ser apenas "do contra", para se lançar em propostas concretas, alternativas ao modelo de integração pelos mercados que dominou até agora o processo de integração na região (e fora dela, aliás).
Resta saber se são factíveis e economicamente sustentáveis as propostas dos alternativos: não basta querer, seria preciso demonstrar tambem que o custo dessas propostas não seria insustentável e praticamente inviável.
Uma vez que se abandonam mecanismos de mercado para viabilizar qualquer iniciativa que apresenta custos que devem ser repartidos, o mais provável é que se gerem ineficiências setoriais e, sobretudo, corrupção, quando essas atividades passam a ser geridas de forma centralizada, pelos Estados nacionais.
Já vimos esse filme antes: ele não costuma ter um final feliz.
Em todo caso, vejam a matéria sobre a "contra-cúpula".
"MERCOSUL: Contracúpula dos movimentos sociais reúne 8 mil em Córdoba
Cúpula dos Povos ocorreu como um evento paralelo ao encontro de chefes de Estado do Mercosul, em Córdoba, Argentina. Como eixo central, movimentos deixaram de se colocar como mera resistência ao neoliberalismo e aprofundaram debate sobre integração.
Sebastián Valdomir - Carta Maior
Córdoba – Paralelamente à Cúpula dos Estados membros do Mercosul, que começou nesta quinta (21) e prossegue até sexta em Córdoba, Argentina, movimentos sociais do Cone Sul, articulados na organização hemisférica Aliança Social Continental, promoveram mais uma edição da Cúpula dos Povos, evento que já se tornou tradicional como contraface dos encontros oficiais, e que se articulou em 2000 como força de resistência à tentativa de criação da Área de Livre Comércio das Américas (Alca).
Desta vez menos centrada na oposição a projetos pontuais do Mercosul e mais preocupada em debater aspectos da integração regional, a Cúpula dos Povos pela Soberania e a Integração Sul-americana centrou os debates em quatro frentes: luta pela terra, onde confluíram os movimentos ligados à Via Campesina e às organizações indígenas - que devem criar um Movimento Nacional Indígena e Campesino na Argentina -, e um fórum sobre água, convocado por organizações da Argentina, Bolívia, Uruguai, Brasil e Canadá articuladas na Rede Vida, e frentes menores sobre povos originários, saúde e gênero.
Como resultado principal deste evento, que se segue às outras edições da Cúpula dos Povos em Santiago de Chile (1989), Quebec (2001) e Mar del Plata (2005), realizadas paralelamente aos encontros presidenciais da OEA, os organizadores acreditam que começou a se conformar uma articulação regional concreta que está se convertendo em metodologia de trabalho para os principais movimentos sociais, como resultado dos êxitos da Campanha Continental contra a Alca e a interferência do neoliberalismo estadunidense na região.
Terra e água
As atividades realizadas em Córdoba mostraram que as duas frentes de luta que mais avançaram no duplo esforço de resistir e propor alternativas são o movimento campesino e aqueles que trabalham o tema da água, contra sua privatização e por novos modelos de gestão e administração social participativa.
Um dos propulsores da organização do Cúpula dos Povos, os camponeses argentinos tiveram papel protagonista também nos debates. Similar ao Brasil, o modelo produtivo rural argentino se caracteriza por ter mais de 80% dos produtores na agricultura familiar, que ocupa somente 13% das terras cultiváveis. 4% da atividade agropecuária concentram 65% da terra produtiva. Para a Cúpula dos Povos, chegaram mais de 400 integrantes destes movimentos, que realizaram cursos de formação para jovens e mulheres, uma estratégia clássida da Via Campesina e dos movimentos que lutam pela terra no Brasil.
Como a coordenação da Via Campesina facilita a consolidação organizativa e política dos movimentos, no Cone Sul a campanha de resistência regional ao modelo do agronegócio cresceu muito nos últimos meses, transformando este tipo de encontro em momentos para denunciar massivamente seus efeitos. Assim como disse um jovem do MOCASE, para eles quase não há diferença entre Santiago del Estero e o Iraque, já que as máquinas demolidoras que derrubam suas casas para expulsá-los das terras ocupadas – algo muito comum nesta província, além das milícias armadas dos latifundiários – têm os mesmos “pés de ferro” que os blindados e tanques do deserto.
Outra articulação presente à Cúpula foi a contrária à privatização da água, que pretende excluir o recurso dos acordos comerciais, incluindo as negociações da Organização Mundial do Comércio (OMC).
Desde o Fórum Alternativo da Água realizado em paralelo ao IV Fórum Mundial da Água no Méximo, em março deste ano, os movimentos exigem no âmbito do Mercosul que os “governos da Argentina, Brasil e Paraguai subscrevam a declaração da água apresentada no Fórum do México, assinada pela Bolívia, Cuba, Venezuela e Uruguai”, onde se estabelece a condição da água como um direito humano, que deve estar fora de qualquer tipo de negociações comerciais.
As redes presentes à Cúpula dos Povos foram a Coordenadora em Defesa da Água de Cochabamba, a Comissão da Água do Uruguai, as Assembléias Provinciais de Santa Fé e de Córdoba contra as privatizações, e o grupo de trabalho sobre água da Rede Brasileira pela Integração dos Povos (Rebrip).
Os movimentos que trabalham com o tema da água também estão passando da resistência às privatizações, onde obtiveram muitas vitórias em alguns países, à elaboração de alternativas para assegurar a gestão do recurso na esfera pública, com participação social dos trabalhadores e dos consumidores.
De Mar del Plata a Santa Cruz
A marcha de encerramento realizada quinta-feira (20) transcorreu com normalidade. Houve a participação de mais de oito mil pessoas, o que politicamente foi bastante positivo para o evento. A Cúpula dos Povos em Córdoba ocorre num período importante - entre a Cúpula de Mar del Plata, onde se tentou ressuscitar a ALCA, e a Cúpula pela Integração dos Povos, agendada para dezembro na cidade boliviana de Santa Cruz de La Sierra.
Ali novamente os movimentos e organizações sociais que integram as redes regionais se encontrarão com a tarefa de aprofundar o debate sobre alternativas aos processos de integração que hoje estão em curso, e enfrentam alguns problemas, como a Comunidade Andina de Nações (CAN) e o Mercosul.
O ingresso da Venezuela no Mercosul traz novas possibilidades para o bloco, mas ainda assim os movimentos sociais defendem que muitos de seus aspectos sejam alterados. Em geral, dizem eles, ainda não há diferenças entre o Mercosul da década de 90, em pleno auge neoliberal, e o Mercosul do século XXI.
A Declaração final da Cúpula dos Povos sugere pontos em que o atual Mercosul deveria ser modificado: "a não ratificação - e conseqüente anulação - do Tratado de Livre Comércio com Israel", "a anulação dos tratados de proteção de investimentos que os Estados renovam periodicamente", a abolição do tribunal de solução de controvérsias do Banco Mundial - Ciadi -, onde as empresas transnacionais acionam os Estados e obtém ressarcimentos logo que são expulsas de países, e finalmente que se reverta a situação de pobreza e exclusão em que vivem milhões de pessoas nos países do bloco.
Outra questão importante para os movimentos sociais refere-se à participação. Uma delegação da Cúpula dos Povos fora convidada oficialmente a assistir a seção de ministros e da sociedade civil, no prédio oficial da Cúpula, quando iria entregar a declaração final. Mas, ao chegar ao prédio onde ocorria o evento, não foi permitida a sua entrada, sob argumento de que os integrantes da delegação não portavam credenciais formais. O convite havia sido assinado pelo embaixador Eduardo Sigal, subsecretário de Integração da Argentina e por Hugo Varsky, representante especial par a Integração e a Participação Social, dentro da presidência temporária da Argentina no Mercosul.
Segundo integrantes da delegação consultados pela Carta Maior, membros de delegações governamentais de outros países intervieram em prol da entrada dos representantes da Cúpula dos Povos, mas sem assim foi possível.
De qualquer maneira, é opinião geral dos participantes da Cúpula dos Povos de que o balanço é positivo e de que o encontro foi um fato político importante. A vigilância dos movimentos e organizações sociais sobre os processos de integração regional já está "nas ruas", o mesmo lugar onde teve de ficar a delegação que tentou integrar o documento."
sábado, 22 de julho de 2006
602 Balanco de Pagamentos, 2003-2006
Balanço de Pagamentos
Base: De Janeiro de 2003 até Junho de 2006
Fonte: BCB
Balança Comercial
Série história de nossa balança comercial com base na média/ano foi como segue: 85/89 (superávit de US$ 13,5 bilhões = 4,57% do PIB); 90/94 (superávit de US$ 12,1 bilhões = 2,70% do PIB); 95/02 (déficit de US$ 1,1 bilhão = -0,16% do PIB). De janeiro de 2003 até junho de 2006 (superávit de US$ 35,1 bilhões = 5,23% do PIB).
Necessidade de Financiamento do Balanço de Pagamentos
Série histórica de nossa necessidade de financiamento de balanço de pagamentos com base na média/ano foi como segue: 85/89 (US$ 13,4 bilhões = 4,56% do PIB); 90/94 (US$ 17,4 bilhões = 3,89% do PIB); 95/02 (US$ 50,9 bilhões = 7,86% do PIB). De janeiro de 2003 até junho de 2006 (US$ 24,7 bilhões = 3,68% do PIB).
Investimentos Externos Líquidos (Diretos e Indiretos)
Série histórica dos investimentos externos líquidos (diretos e indiretos) com base na média/ano foi como segue: 85/89 (negativo de US$ 6,3 bilhões = -2,14% do PIB); 90/94 (positivo de US$ 7,0 bilhões = 1,57% do PIB); 95/02 (positivo de US$ 23,9 bilhões = 3,69% do PIB). De janeiro de 2003 até junho de 2006 (negativo de US$ 1,5 bilhão = -0,23% do PIB).
Arquivos oficiais do governo brasileiro estão disponíveis aos leitores.
Ricardo Bergamini
(48) 4009-2091
ricoberga@terra.com.br
rbfln@terra.com.br
http://paginas.terra.com.br/noticias/ricardobergamini
Base: De Janeiro de 2003 até Junho de 2006
Fonte: BCB
Balança Comercial
Série história de nossa balança comercial com base na média/ano foi como segue: 85/89 (superávit de US$ 13,5 bilhões = 4,57% do PIB); 90/94 (superávit de US$ 12,1 bilhões = 2,70% do PIB); 95/02 (déficit de US$ 1,1 bilhão = -0,16% do PIB). De janeiro de 2003 até junho de 2006 (superávit de US$ 35,1 bilhões = 5,23% do PIB).
Necessidade de Financiamento do Balanço de Pagamentos
Série histórica de nossa necessidade de financiamento de balanço de pagamentos com base na média/ano foi como segue: 85/89 (US$ 13,4 bilhões = 4,56% do PIB); 90/94 (US$ 17,4 bilhões = 3,89% do PIB); 95/02 (US$ 50,9 bilhões = 7,86% do PIB). De janeiro de 2003 até junho de 2006 (US$ 24,7 bilhões = 3,68% do PIB).
Investimentos Externos Líquidos (Diretos e Indiretos)
Série histórica dos investimentos externos líquidos (diretos e indiretos) com base na média/ano foi como segue: 85/89 (negativo de US$ 6,3 bilhões = -2,14% do PIB); 90/94 (positivo de US$ 7,0 bilhões = 1,57% do PIB); 95/02 (positivo de US$ 23,9 bilhões = 3,69% do PIB). De janeiro de 2003 até junho de 2006 (negativo de US$ 1,5 bilhão = -0,23% do PIB).
Arquivos oficiais do governo brasileiro estão disponíveis aos leitores.
Ricardo Bergamini
(48) 4009-2091
ricoberga@terra.com.br
rbfln@terra.com.br
http://paginas.terra.com.br/noticias/ricardobergamini
601) Fidel e o Mercosul
Reflexos da reuniao paralela...
A integracao virou isso:
Castro encerrou o ato ao ar livre onde havia um cenário com uma gigantesca bandeira onde se lia: "A integração é nossa bandeira antiimperialista".
Em visita à Argentina, Fidel diz que Mercosul "moverá o mundo"
Reuters, 22/07/2006 - 11h40
CÓRDOBA, Argentina (Reuters) - Em sua quarta visita à Argentina, o presidente cubano, Fidel Castro, atraiu milhares de pessoas num ato que reuniu militantes políticos e estudantes.
Fidel fez um de seus enormes discursos em um parque da cidade de Córdoba, aonde chegou na quinta-feira para participar de uma cúpula de presidentes do Mercosul e para assinar um acordo comercial com o bloco, que foi ampliado recentemente com a adesão da Venezuela.
Vestido com o uniforme militar verde oliva que é sua marca registrada, Fidel elogiou o novo perfil político do Mercosul, num momento em que os presidentes da região adotam um discurso de esquerda.
"Mercosul social, não se esqueçam destas palavras. O que significa e o que se pode fazer... Elas vão mover este continente, e ao mover este continente vão mover o mundo", declarou o líder da revolução cubana de 1959.
Às vésperas de completar 80 anos, quando são comuns rumores sobre seu estado de saúde, Castro demonstrou novamente sua capacidade oratória e falou sobre vários episódios dos tempos da Guerra Fria, tendo sempre os Estados Unidos como alvo.
Seu discurso encerrou um evento paralelo à cúpula do Mercosul, que reuniu os presidentes de Argentina, Brasil, Paraguai, Uruguai e que marcou a entrada formal da Venezuela, governado pelo afilhado político de Fidel, Hugo Chávez.
Romina Varas, uma estudante de história de 22 anos, disse que "é a primeira vez que isso está acontecendo depois das ditaduras e dos governos neoliberais. É a primeira vez que é exigida uma independência real a partir da base, do povo".
Castro movimentou o evento em Córdoba desde que chegou à cidade em dois aviões, cercado por um grande número de assessores. "Ele é uma lenda viva e pode ser que não tenhamos outra oportunidade de vê-lo", disse Varas.
Castro encerrou o ato ao ar livre onde havia um cenário com uma gigantesca bandeira onde se lia: "A integração é nossa bandeira antiimperialista".
O presidente cubano disse que deu instruções para que a ilha compre cerca de 300 milhões de dólares em produtos de países do Mercosul.
Castro, que foi companheiro de armas do revolucionário Ernesto "Che" Guevara, nascido na Argentina e naturalizado cubano, já havia visitado a Argentina em 1959, em 1985, para uma cúpula sul-americana, e em 2003, para a posse do atual presidente Néstor Kirchner
A integracao virou isso:
Castro encerrou o ato ao ar livre onde havia um cenário com uma gigantesca bandeira onde se lia: "A integração é nossa bandeira antiimperialista".
Em visita à Argentina, Fidel diz que Mercosul "moverá o mundo"
Reuters, 22/07/2006 - 11h40
CÓRDOBA, Argentina (Reuters) - Em sua quarta visita à Argentina, o presidente cubano, Fidel Castro, atraiu milhares de pessoas num ato que reuniu militantes políticos e estudantes.
Fidel fez um de seus enormes discursos em um parque da cidade de Córdoba, aonde chegou na quinta-feira para participar de uma cúpula de presidentes do Mercosul e para assinar um acordo comercial com o bloco, que foi ampliado recentemente com a adesão da Venezuela.
Vestido com o uniforme militar verde oliva que é sua marca registrada, Fidel elogiou o novo perfil político do Mercosul, num momento em que os presidentes da região adotam um discurso de esquerda.
"Mercosul social, não se esqueçam destas palavras. O que significa e o que se pode fazer... Elas vão mover este continente, e ao mover este continente vão mover o mundo", declarou o líder da revolução cubana de 1959.
Às vésperas de completar 80 anos, quando são comuns rumores sobre seu estado de saúde, Castro demonstrou novamente sua capacidade oratória e falou sobre vários episódios dos tempos da Guerra Fria, tendo sempre os Estados Unidos como alvo.
Seu discurso encerrou um evento paralelo à cúpula do Mercosul, que reuniu os presidentes de Argentina, Brasil, Paraguai, Uruguai e que marcou a entrada formal da Venezuela, governado pelo afilhado político de Fidel, Hugo Chávez.
Romina Varas, uma estudante de história de 22 anos, disse que "é a primeira vez que isso está acontecendo depois das ditaduras e dos governos neoliberais. É a primeira vez que é exigida uma independência real a partir da base, do povo".
Castro movimentou o evento em Córdoba desde que chegou à cidade em dois aviões, cercado por um grande número de assessores. "Ele é uma lenda viva e pode ser que não tenhamos outra oportunidade de vê-lo", disse Varas.
Castro encerrou o ato ao ar livre onde havia um cenário com uma gigantesca bandeira onde se lia: "A integração é nossa bandeira antiimperialista".
O presidente cubano disse que deu instruções para que a ilha compre cerca de 300 milhões de dólares em produtos de países do Mercosul.
Castro, que foi companheiro de armas do revolucionário Ernesto "Che" Guevara, nascido na Argentina e naturalizado cubano, já havia visitado a Argentina em 1959, em 1985, para uma cúpula sul-americana, e em 2003, para a posse do atual presidente Néstor Kirchner
600) SG do Itamaraty quer Brasil armado...
Do site Opinião e Notícia, 22 julho 2006:
Chefe do Itamaraty quer Brasil armado
22/07/2006
"Samuel Pinheiro Guimarães defende em livro a retomada de investimentos bélicos e talvez até a bomba atômica para o Brasil, já que critica a adesão do país ao Tratado de Não-Proliferação Nuclear.
Pinheiro Guimarães é secretário-geral do Itamaraty e número dois na hierarquia do Ministério das Relações Exteriores. Ele afirma que os investimentos bélicos e a ampliação do poderio bélico seriam em prol do desenvolvimento do país.
Sempre tivemos um Ministro das Relações Exteriores. Hoje em dia temos três. Celso Amorim, nominalmene o ministro, Pinheiro Guimarães, que parece ser quem administra a casa, e Marco Aurélio Garcia, que é em quem Lula parece confiar. Pedindo desculpas por abandonar o nosso texto geralmente sóbrio, é "o samba do crioulo doido"."
Essa nota remete a matéria do jornal O Globo, neste link.
Chefe do Itamaraty quer Brasil armado
22/07/2006
"Samuel Pinheiro Guimarães defende em livro a retomada de investimentos bélicos e talvez até a bomba atômica para o Brasil, já que critica a adesão do país ao Tratado de Não-Proliferação Nuclear.
Pinheiro Guimarães é secretário-geral do Itamaraty e número dois na hierarquia do Ministério das Relações Exteriores. Ele afirma que os investimentos bélicos e a ampliação do poderio bélico seriam em prol do desenvolvimento do país.
Sempre tivemos um Ministro das Relações Exteriores. Hoje em dia temos três. Celso Amorim, nominalmene o ministro, Pinheiro Guimarães, que parece ser quem administra a casa, e Marco Aurélio Garcia, que é em quem Lula parece confiar. Pedindo desculpas por abandonar o nosso texto geralmente sóbrio, é "o samba do crioulo doido"."
Essa nota remete a matéria do jornal O Globo, neste link.
599) Cuba no Mercosul? E a clausula democratica?
Trechos de discursos do presidente Lula em Córdoba, na cúpula do Mercosul realizada nos dias 20 e 21 de julho de 2006:
LULA
"O Mercosul vai agora da Terra do Fogo (Argentina) ao Caribe (Venezuela) e confirma sua vocação natural para acolher novos parceiros da região e construir associações mais ambiciosas".
"Com compreensão, quero convencer o Evo Morales (presidente da Bolívia) e outros países a virem ao Mercosul, para ter todo mundo falando em Mercosul do México à Patagônia, e trazendo Cuba também. Essa oportunidade não depende de nossos inimigos, mas de estarmos juntos, de construirmos juntos. Não há nenhuma saída individual para os países da América".
Alguém se lembrou de que existe, entre os instrumentos adotados pelo Mercosul, uma "Declaração de San Luís" (1997) e um "Protocolo de Ushuaia" (1998), ambos tratando da plena vigência das instituições democráticas no Mercosul?
LULA
"O Mercosul vai agora da Terra do Fogo (Argentina) ao Caribe (Venezuela) e confirma sua vocação natural para acolher novos parceiros da região e construir associações mais ambiciosas".
"Com compreensão, quero convencer o Evo Morales (presidente da Bolívia) e outros países a virem ao Mercosul, para ter todo mundo falando em Mercosul do México à Patagônia, e trazendo Cuba também. Essa oportunidade não depende de nossos inimigos, mas de estarmos juntos, de construirmos juntos. Não há nenhuma saída individual para os países da América".
Alguém se lembrou de que existe, entre os instrumentos adotados pelo Mercosul, uma "Declaração de San Luís" (1997) e um "Protocolo de Ushuaia" (1998), ambos tratando da plena vigência das instituições democráticas no Mercosul?
sexta-feira, 21 de julho de 2006
598) Uma estratégia alternativa de integracao (e seus efeitos praticos)...
Movimentos alternativos são, em geral, marginais, isto é, pouco importantes para as transformações que contam na vida das sociedades.
Na América Latina, eles proliferam, como nunca, e começam a receber o apoio de certos governos.
Suas causas, em geral, são irrealistas, como "um outro mundo possível", uma "outra integração", que nunca ninguém consegue explicar do que seriam feitos, como seriam construídos.
As capacidades propositivas desses movimentos são, assim, inversamente proporcionais a sua capacidade opositora, e negativa: contra isso e mais aquilo.
Quando eles conseguem o apoio de governos, a agenda se altera.
Retiro, da matéria abaixo, da conhecida agência alternativa que é simpática às causas dos anti-globalizadores, estes trechos, que podem indicar ações concretas que eventualmente serão adotadas por certos governos:
"A Declaração final da Cúpula dos Povos sugere pontos em que o atual Mercosul deveria ser modificado: "a não ratificação - e conseqüente anulação - do Tratado de Livre Comércio com Israel", "a anulação dos tratados de proteção de investimentos que os Estados renovam periodicamente", a abolição do tribunal de solução de controvérsias do Banco Mundial - Ciadi -, onde as empresas transnacionais acionam os Estados e obtém ressarcimentos logo que são expulsas de países, e finalmente que se reverta a situação de pobreza e exclusão em que vivem milhões de pessoas nos países do bloco."
============================
MERCOSUL
Contracúpula dos movimentos sociais reúne 8 mil em Córdoba
Cúpula dos Povos ocorreu como um evento paralelo ao encontro de chefes de Estado do Mercosul, em Córdoba, Argentina. Como eixo central, movimentos deixaram de se colocar como mera resistência ao neoliberalismo e aprofundaram debate sobre integração.
Sebastián Valdomir - Carta Maior
Córdoba – Paralelamente à Cúpula dos Estados membros do Mercosul, que começou nesta quinta (21) e prossegue até sexta em Córdoba, Argentina, movimentos sociais do Cone Sul, articulados na organização hemisférica Aliança Social Continental, promoveram mais uma edição da Cúpula dos Povos, evento que já se tornou tradicional como contraface dos encontros oficiais, e que se articulou em 2000 como força de resistência à tentativa de criação da Área de Livre Comércio das Américas (Alca).
Desta vez menos centrada na oposição a projetos pontuais do Mercosul e mais preocupada em debater aspectos da integração regional, a Cúpula dos Povos pela Soberania e a Integração Sul-americana centrou os debates em quatro frentes: luta pela terra, onde confluíram os movimentos ligados à Via Campesina e às organizações indígenas - que devem criar um Movimento Nacional Indígena e Campesino na Argentina -, e um fórum sobre água, convocado por organizações da Argentina, Bolívia, Uruguai, Brasil e Canadá articuladas na Rede Vida, e frentes menores sobre povos originários, saúde e gênero.
Como resultado principal deste evento, que se segue às outras edições da Cúpula dos Povos em Santiago de Chile (1989), Quebec (2001) e Mar del Plata (2005), realizadas paralelamente aos encontros presidenciais da OEA, os organizadores acreditam que começou a se conformar uma articulação regional concreta que está se convertendo em metodologia de trabalho para os principais movimentos sociais, como resultado dos êxitos da Campanha Continental contra a Alca e a interferência do neoliberalismo estadunidense na região.
Terra e água
As atividades realizadas em Córdoba mostraram que as duas frentes de luta que mais avançaram no duplo esforço de resistir e propor alternativas são o movimento campesino e aqueles que trabalham o tema da água, contra sua privatização e por novos modelos de gestão e administração social participativa.
Um dos propulsores da organização do Cúpula dos Povos, os camponeses argentinos tiveram papel protagonista também nos debates. Similar ao Brasil, o modelo produtivo rural argentino se caracteriza por ter mais de 80% dos produtores na agricultura familiar, que ocupa somente 13% das terras cultiváveis. 4% da atividade agropecuária concentram 65% da terra produtiva. Para a Cúpula dos Povos, chegaram mais de 400 integrantes destes movimentos, que realizaram cursos de formação para jovens e mulheres, uma estratégia clássida da Via Campesina e dos movimentos que lutam pela terra no Brasil.
Como a coordenação da Via Campesina facilita a consolidação organizativa e política dos movimentos, no Cone Sul a campanha de resistência regional ao modelo do agronegócio cresceu muito nos últimos meses, transformando este tipo de encontro em momentos para denunciar massivamente seus efeitos. Assim como disse um jovem do MOCASE, para eles quase não há diferença entre Santiago del Estero e o Iraque, já que as máquinas demolidoras que derrubam suas casas para expulsá-los das terras ocupadas – algo muito comum nesta província, além das milícias armadas dos latifundiários – têm os mesmos “pés de ferro” que os blindados e tanques do deserto.
Outra articulação presente à Cúpula foi a contrária à privatização da água, que pretende excluir o recurso dos acordos comerciais, incluindo as negociações da Organização Mundial do Comércio (OMC).
Desde o Fórum Alternativo da Água realizado em paralelo ao IV Fórum Mundial da Água no Méximo, em março deste ano, os movimentos exigem no âmbito do Mercosul que os “governos da Argentina, Brasil e Paraguai subscrevam a declaração da água apresentada no Fórum do México, assinada pela Bolívia, Cuba, venezuela e Uruguai”, onde se estabelece a condição da água como um direito humano, que deve estar fora de qualquer tipo de negociações comerciais.
As redes presentes à Cúpula dos Povos foram a Coordenadora em Defesa da Água de Cochabamba, a Comissão da Água do Uruguai, as Assembléias Provinciais de Santa Fé e de Córdoba contra as privatizações, e o grupo de trabalho sobre água da Rede Brasileira pela Integração dos Povos (Rebrip).
Os movimentos que trabalham com o tema da água também estão passando da resistência às privatizações, onde obtiveram muitas vitórias em alguns países, à elaboração de alternativas para assegurar a gestão do recurso na esfera pública, com participação social dos trabalhadores e dos consumidores.
De Mar del Plata a Santa Cruz
A marcha de encerramento realizada quinta-feira (20) transcorreu com normalidade. Houve a participação de mais de oito mil pessoas, o que politicamente foi bastante positivo para o evento. A Cúpula dos Povos em Córdoba ocorre num período importante - entre a Cúpula de Mar del Plata, onde se tentou ressuscitar a ALCA, e a Cúpula pela Integração dos Povos, agendada para dezembro na cidade boliviana de Santa Cruz de La Sierra.
Ali novamente os movimentos e organizações sociais que integram as redes regionais se encontrarão com a tarefa de aprofundar o debate sobre alternativas aos processos de integração que hoje estão em curso, e enfrentam alguns problemas, como a Comunidade Andina de Nações (CAN) e o Mercosul.
O ingresso da Venezuela no Mercosul traz novas possibilidades para o bloco, mas ainda assim os movimentos sociais defendem que muitos de seus aspectos sejam alterados. Em geral, dizem eles, ainda não há diferenças entre o Mercosul da década de 90, em pleno auge neoliberal, e o Mercosul do século XXI.
A Declaração final da Cúpula dos Povos sugere pontos em que o atual Mercosul deveria ser modificado: "a não ratificação - e conseqüente anulação - do Tratado de Livre Comércio com Israel", "a anulação dos tratados de proteção de investimentos que os Estados renovam periodicamente", a abolição do tribunal de solução de controvérsias do Banco Mundial - Ciadi -, onde as empresas transnacionais acionam os Estados e obtém ressarcimentos logo que são expulsas de países, e finalmente que se reverta a situação de pobreza e exclusão em que vivem milhões de pessoas nos países do bloco.
Outra questão importante para os movimentos sociais refere-se à participação. Uma delegação da Cúpula dos Povos fora convidada oficialmente a assistir a seção de ministros e da sociedade civil, no prédio oficial da Cúpula, quando iria entregar a declaração final. Mas, ao chegar ao prédio onde ocorria o evento, não foi permitida a sua entrada, sob argumento de que os integrantes da delegação não portavam credenciais formais. O convite havia sido assinado pelo embaixador Eduardo Sigal, subsecretário de Integração da Argentina e por Hugo Varsky, representante especial par a Integração e a Participação Social, dentro da presidência temporária da Argentina no Mercosul.
Segundo integrantes da delegação consultados pela Carta Maior, membros de delegações governamentais de outros países intervieram em prol da entrada dos representantes da Cúpula dos Povos, mas sem assim foi possível.
De qualquer maneira, é opinião geral dos participantes da Cúpula dos Povos de que o balanço é positivo e de que o encontro foi um fato político importante. A vigilância dos movimentos e organizações sociais sobre os processos de integração regional já está "nas ruas", o mesmo lugar onde teve de ficar a delegação que tentou integrar o documento.
Na América Latina, eles proliferam, como nunca, e começam a receber o apoio de certos governos.
Suas causas, em geral, são irrealistas, como "um outro mundo possível", uma "outra integração", que nunca ninguém consegue explicar do que seriam feitos, como seriam construídos.
As capacidades propositivas desses movimentos são, assim, inversamente proporcionais a sua capacidade opositora, e negativa: contra isso e mais aquilo.
Quando eles conseguem o apoio de governos, a agenda se altera.
Retiro, da matéria abaixo, da conhecida agência alternativa que é simpática às causas dos anti-globalizadores, estes trechos, que podem indicar ações concretas que eventualmente serão adotadas por certos governos:
"A Declaração final da Cúpula dos Povos sugere pontos em que o atual Mercosul deveria ser modificado: "a não ratificação - e conseqüente anulação - do Tratado de Livre Comércio com Israel", "a anulação dos tratados de proteção de investimentos que os Estados renovam periodicamente", a abolição do tribunal de solução de controvérsias do Banco Mundial - Ciadi -, onde as empresas transnacionais acionam os Estados e obtém ressarcimentos logo que são expulsas de países, e finalmente que se reverta a situação de pobreza e exclusão em que vivem milhões de pessoas nos países do bloco."
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MERCOSUL
Contracúpula dos movimentos sociais reúne 8 mil em Córdoba
Cúpula dos Povos ocorreu como um evento paralelo ao encontro de chefes de Estado do Mercosul, em Córdoba, Argentina. Como eixo central, movimentos deixaram de se colocar como mera resistência ao neoliberalismo e aprofundaram debate sobre integração.
Sebastián Valdomir - Carta Maior
Córdoba – Paralelamente à Cúpula dos Estados membros do Mercosul, que começou nesta quinta (21) e prossegue até sexta em Córdoba, Argentina, movimentos sociais do Cone Sul, articulados na organização hemisférica Aliança Social Continental, promoveram mais uma edição da Cúpula dos Povos, evento que já se tornou tradicional como contraface dos encontros oficiais, e que se articulou em 2000 como força de resistência à tentativa de criação da Área de Livre Comércio das Américas (Alca).
Desta vez menos centrada na oposição a projetos pontuais do Mercosul e mais preocupada em debater aspectos da integração regional, a Cúpula dos Povos pela Soberania e a Integração Sul-americana centrou os debates em quatro frentes: luta pela terra, onde confluíram os movimentos ligados à Via Campesina e às organizações indígenas - que devem criar um Movimento Nacional Indígena e Campesino na Argentina -, e um fórum sobre água, convocado por organizações da Argentina, Bolívia, Uruguai, Brasil e Canadá articuladas na Rede Vida, e frentes menores sobre povos originários, saúde e gênero.
Como resultado principal deste evento, que se segue às outras edições da Cúpula dos Povos em Santiago de Chile (1989), Quebec (2001) e Mar del Plata (2005), realizadas paralelamente aos encontros presidenciais da OEA, os organizadores acreditam que começou a se conformar uma articulação regional concreta que está se convertendo em metodologia de trabalho para os principais movimentos sociais, como resultado dos êxitos da Campanha Continental contra a Alca e a interferência do neoliberalismo estadunidense na região.
Terra e água
As atividades realizadas em Córdoba mostraram que as duas frentes de luta que mais avançaram no duplo esforço de resistir e propor alternativas são o movimento campesino e aqueles que trabalham o tema da água, contra sua privatização e por novos modelos de gestão e administração social participativa.
Um dos propulsores da organização do Cúpula dos Povos, os camponeses argentinos tiveram papel protagonista também nos debates. Similar ao Brasil, o modelo produtivo rural argentino se caracteriza por ter mais de 80% dos produtores na agricultura familiar, que ocupa somente 13% das terras cultiváveis. 4% da atividade agropecuária concentram 65% da terra produtiva. Para a Cúpula dos Povos, chegaram mais de 400 integrantes destes movimentos, que realizaram cursos de formação para jovens e mulheres, uma estratégia clássida da Via Campesina e dos movimentos que lutam pela terra no Brasil.
Como a coordenação da Via Campesina facilita a consolidação organizativa e política dos movimentos, no Cone Sul a campanha de resistência regional ao modelo do agronegócio cresceu muito nos últimos meses, transformando este tipo de encontro em momentos para denunciar massivamente seus efeitos. Assim como disse um jovem do MOCASE, para eles quase não há diferença entre Santiago del Estero e o Iraque, já que as máquinas demolidoras que derrubam suas casas para expulsá-los das terras ocupadas – algo muito comum nesta província, além das milícias armadas dos latifundiários – têm os mesmos “pés de ferro” que os blindados e tanques do deserto.
Outra articulação presente à Cúpula foi a contrária à privatização da água, que pretende excluir o recurso dos acordos comerciais, incluindo as negociações da Organização Mundial do Comércio (OMC).
Desde o Fórum Alternativo da Água realizado em paralelo ao IV Fórum Mundial da Água no Méximo, em março deste ano, os movimentos exigem no âmbito do Mercosul que os “governos da Argentina, Brasil e Paraguai subscrevam a declaração da água apresentada no Fórum do México, assinada pela Bolívia, Cuba, venezuela e Uruguai”, onde se estabelece a condição da água como um direito humano, que deve estar fora de qualquer tipo de negociações comerciais.
As redes presentes à Cúpula dos Povos foram a Coordenadora em Defesa da Água de Cochabamba, a Comissão da Água do Uruguai, as Assembléias Provinciais de Santa Fé e de Córdoba contra as privatizações, e o grupo de trabalho sobre água da Rede Brasileira pela Integração dos Povos (Rebrip).
Os movimentos que trabalham com o tema da água também estão passando da resistência às privatizações, onde obtiveram muitas vitórias em alguns países, à elaboração de alternativas para assegurar a gestão do recurso na esfera pública, com participação social dos trabalhadores e dos consumidores.
De Mar del Plata a Santa Cruz
A marcha de encerramento realizada quinta-feira (20) transcorreu com normalidade. Houve a participação de mais de oito mil pessoas, o que politicamente foi bastante positivo para o evento. A Cúpula dos Povos em Córdoba ocorre num período importante - entre a Cúpula de Mar del Plata, onde se tentou ressuscitar a ALCA, e a Cúpula pela Integração dos Povos, agendada para dezembro na cidade boliviana de Santa Cruz de La Sierra.
Ali novamente os movimentos e organizações sociais que integram as redes regionais se encontrarão com a tarefa de aprofundar o debate sobre alternativas aos processos de integração que hoje estão em curso, e enfrentam alguns problemas, como a Comunidade Andina de Nações (CAN) e o Mercosul.
O ingresso da Venezuela no Mercosul traz novas possibilidades para o bloco, mas ainda assim os movimentos sociais defendem que muitos de seus aspectos sejam alterados. Em geral, dizem eles, ainda não há diferenças entre o Mercosul da década de 90, em pleno auge neoliberal, e o Mercosul do século XXI.
A Declaração final da Cúpula dos Povos sugere pontos em que o atual Mercosul deveria ser modificado: "a não ratificação - e conseqüente anulação - do Tratado de Livre Comércio com Israel", "a anulação dos tratados de proteção de investimentos que os Estados renovam periodicamente", a abolição do tribunal de solução de controvérsias do Banco Mundial - Ciadi -, onde as empresas transnacionais acionam os Estados e obtém ressarcimentos logo que são expulsas de países, e finalmente que se reverta a situação de pobreza e exclusão em que vivem milhões de pessoas nos países do bloco.
Outra questão importante para os movimentos sociais refere-se à participação. Uma delegação da Cúpula dos Povos fora convidada oficialmente a assistir a seção de ministros e da sociedade civil, no prédio oficial da Cúpula, quando iria entregar a declaração final. Mas, ao chegar ao prédio onde ocorria o evento, não foi permitida a sua entrada, sob argumento de que os integrantes da delegação não portavam credenciais formais. O convite havia sido assinado pelo embaixador Eduardo Sigal, subsecretário de Integração da Argentina e por Hugo Varsky, representante especial par a Integração e a Participação Social, dentro da presidência temporária da Argentina no Mercosul.
Segundo integrantes da delegação consultados pela Carta Maior, membros de delegações governamentais de outros países intervieram em prol da entrada dos representantes da Cúpula dos Povos, mas sem assim foi possível.
De qualquer maneira, é opinião geral dos participantes da Cúpula dos Povos de que o balanço é positivo e de que o encontro foi um fato político importante. A vigilância dos movimentos e organizações sociais sobre os processos de integração regional já está "nas ruas", o mesmo lugar onde teve de ficar a delegação que tentou integrar o documento.
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