quinta-feira, 22 de novembro de 2007

809) Obscurantismo no IPEA?

Não sei bem o que está acontecendo no IPEA, pois há muito tempo não falo com alguém de lá, não vou ao edifício-sede, nem assisti, nas últimas semanas, a qualquer evento organizado por esse órgão reputado pela qualidade técnica dos seus estudos de economia brasileira.
Sou sim um colaborador voluntário, benévolo, do veículo que me parecia um excelente canal de comunicação entre o Instituto e o público at large, a revista Desafios do Desenvolvimento, na qual assumi, voluntariamente e desde o início, o papel de colaborador na seção Estante, oferecendo resenhas (curtas, médias, ampliadas) sobre literatura econômica em geral. Uma listagem (incompleta, e agora imagino inacessível) de minhas resenhas pode ser vista neste link do meu site:
http://www.pralmeida.org/06LinksColabor/03Desafios.html
Devo ter feito mais ou menos 50 resenhas, sempre com grande liberdade de expressão, com exceção de pequenos cortes pontuais, mais justificados por questões de editoração, do que necessariamente por alguma censura política.
O antigo site da revista foi modificado: em lugar de www.desafios.org.br, somos dirigidos agora a http://www.desafios.ipea.gov.br/.
A simples mudança de org para gov talvez já seja um indicativo das mudanças em curso.
Espero, otimisticamente, que para melhor, mas tenho minhas dúvidas.
Imagino que os novos mandatários do IPEA estejam reorganizando a revista, o seu site, bem como o resto do IPEA, e eles devem ter idéias próprias sobre quem pode ou não pode colaborar com a revista.
Talvez seja melhor assim: eu poderei ler meus livros em paz, sem prazos a cumprir e sem limitações de espaço quanto ao tamanho das minhas resenhas (que costumam ser enormes) e não precisarei mais me preocupar em colaborar benevolamente com um veículo de comunicação.
Abaixo, um pequeno reflexo das mudanças no IPEA...
Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 21.11.2007

Tempos difíceis
Miriam Leitão
O Globo, 21.11.2007

Quando o e-mail circulou no Ipea convidando para um almoço de despedida dos quatro economistas afastados do órgão, ninguém achava que tanta gente compareceria. Para lá foram, inclusive, pessoas que discordam dos expurgados, mas discordam muito mais do expurgo em si. O afastamento é a parte mais visível do festival de obscurantismo e maus modos que atacou o instituto de pesquisa do governo.

Marcio Pochmann é o terceiro presidente do Ipea do governo Lula. É o primeiro a usar os métodos que usa. No instituto, todo mundo acha normal que uma nova direção troque diretores, tire DAS, faça suas escolhas. Mas a nova direção está encurralando quem pensa diferente, com exonerações, expurgos, retirada de dinheiro de pesquisa, interrupção de trabalhos em andamento, suspensão de convênios e o que é pior: tenta legitimar tudo o que faz levantando uma suspeita de que existia antes algo "irregular". Os convênios com a Anpec, por exemplo, sempre foram a ligação do Ipea com todos os cursos de pós-graduação do país. O Ipea vive em regime de intervenção. O clima está "indigesto", define um dos vários economistas com quem a coluna conversou. A produção caiu, estudos foram interrompidos, há pessoas valiosas fazendo as malas, como o Ricardo Paes de Barros, considerado, dentro e fora do instituto, um gênio.

No dia da posse, Pochmann encontrou Regis Bonelli e disse:
— Professor, já te conheço de nome, espero continuar contando com a sua ajuda.

Bonelli é aposentado do Ipea, mas há anos tem feito trabalhos eventuais para o instituto. Não recebia salário. Recebia por contratos de pesquisa específicos. Estava, naquele momento, terminando um texto sobre o "Estado e o Desenvolvimento" para o novo número de "O Estado de uma Nação". O texto que entregou criticava os gastos públicos mostrando que eles não têm levado a mais desenvolvimento. Analisou 10 anos para não ser visto como crítica a um governo, mas ao Estado gastador. Não agradou. Nem esse, nem qualquer outro estudo.

O "Estado de uma Nação" foi criado no atual governo e seu objetivo é agregar o resultado das novas pesquisas do Ipea e incluir idéias surgidas fora do instituto. Quando estava quase tudo pronto, o economista Paulo Tafner foi avisado por um telefonema que estava exonerado do cargo de editor. Outra revista mais acadêmica, "Pesquisa e Planejamento Econômico", recebeu também informação de que terá novo editor.

Na semana passada, Bonelli foi chamado à sala de João Sicsú. Lá estava não o titular do cargo, mas seu assistente, Renault Michel. E o diálogo foi curioso.

— Quero lhe agradecer o trabalho que o senhor sempre fez no Ipea.

— Fiz não, ainda faço.

— O senhor fez várias coisas boas. Aliás, a única coisa boa que o Malan fez aqui foram os trabalhos com o senhor. Mas agora queremos corrigir umas irregularidades.

— Eu não faço nenhuma irregularidade e, se você quiser a minha sala, basta me avisar.

Que alguma coisa esquisita tinha começado a acontecer até os corredores do Ipea descobriram em abril, quando dois assessores do senador Marcelo Crivella entraram no prédio, pediram para falar com a diretoria de recursos humanos. Queriam saber quantos DAS tinha o Ipea.

O novo diretor do Rio é o primeiro de fora da carreira que assume o posto. Mas isso não é o relevante. O esquisito é a maneira como essa direção lida com as pessoas que estão no instituto há décadas. Ele convocou todos para sua posse. Chegou uma hora e meia atrasado, ficou alguns minutos e foi embora. O breve discurso, para uma platéia de mestres e doutores, foi patético:

— Meu nome é Sicsú. Sic-sú! O dever de casa de todos é aprender como se pronuncia o meu nome. Se quiserem alguma coisa comigo, a senha é professor. Me chamem de professor.

O "professor" tem estado muito ausente, não comparece aos seminários da casa, quase não recebe quem pede para conversar. A não ser para conversas tensas, como a que teve com Fábio Giambiagi, quando ele foi perguntar se o convênio com o BNDES seria mantido. Nela, ele não respondeu a pergunta direta. Depois é que a notícia circulou.

O convênio com o BNDES era um grande negócio para o Ipea. Por ele, o instituto tinha dois excelentes economistas, Fábio e Otávio Tourinho, sem gastar um tostão. O pretexto para afastá-los foi ridículo: de que se quer estudar "agora" o longo prazo. Mas é exatamente o que os dois sempre fizeram, como no caso dos estudos sobre previdência. Com Gervásio Rezende e Regis, o Ipea também não tinha gastos e tinha a vantagem de contar com a maturidade dos economistas. Regis Bonelli, há anos, ajuda a formação dos jovens que entram no instituto.

O esquisito é que não é uma perseguição ideológica a inimigos da política econômica. Na verdade, parece o oposto. Michel e Sicsú têm publicado artigos contra a política monetária e a política cambial. O pensamento vivo da turma pode ser resumido: eles são contra o Banco Central e a favor da gastança. Alguns dos argumentos que usam são constrangedores, pelo que revelam de desconhecimento de teoria econômica.

O ministro Mangabeira Unger avisou na posse que iria "organizar o dissenso". Está organizando o obscurantismo. Quando a notícia do expurgo chegou aos jornais, Pochmann reagiu: "Deve ser coisa orquestrada." Essa reação é um clássico do autoritarismo. A mistura de obscurantismo e autoritarismo é um filme muito velho, que o Ipea, nascido numa ditadura militar, não pensou que veria, aos 43 anos, e em plena democracia.

Transcrito de O Globo de 21/11/2007

terça-feira, 20 de novembro de 2007

808) Reflexão sobre a felicidade a partir de coisas simples...

Feliz aquele que transfere o que sabe e aprende o que ensina.
Cora Coralina, poeta de Goiás (1889-1985)

Tomei conhecimento tardiamente da frase acima de Cora Coralina e, quando dela me “apossei”, constatei que outros milhares de leitores, um tribo imensa de curiosos, professores e candidatos a poetas já a tinham incorporado em centenas de outras citações, provavelmente esparsas e incompletas. O Google “devolveu” 107 mil resultados para uma busca com essas palavras entre aspas, o que descontando as inúmeras repetições consolida, ainda assim, vasto repositório de citações de uma frase simples e no entanto imensamente poética e cativante.
Creio, como muitos outros antes de mim, que a felicidade pode estar justamente nesse ato de ensino-aprendizado, que de fato me parece uma dupla atividade, nos dois sentidos captados pela poeta de Goiás velho. Sempre aprendemos algo tentando ensinar alguma coisa a outras pessoas, pois a própria atividade docente constitui um aprendizado constante. Eu pelo menos estou sempre lendo algo para melhorar minhas aulas, trazendo novos materiais em classe, enviando artigos aos alunos, esforçando-me para que eles consigam superar o volume forçosamente limitado daquilo que é humanamente possível transmitir em sala de aula.
Eu me permitiria acrescentar à singela constatação da poeta goiana uma outra fonte de felicidade, que aliás está implícita no se sentido do ensino: o hábito da leitura. Aproveito para transcrever uma outra frase, de um escritor e dramaturgo conhecido, autor reputado popular, ainda que personalidade sabidamente complicada:
“Eu não tenho o hábito da leitura. Eu tenho a paixão da leitura. O livro sempre foi para mim uma fonte de encantamento. Eu leio com prazer e com alegria”. Ariano Suassuna.
Creio poder dizer que eu não tenho apenas a paixão da leitura. Talvez minha atitude esteja mais próxima da obsessão, da compulsão, um verdadeiro delirium tremens na fixação do texto escrito, qualquer que seja ele, do mais simples ao mais elaborado. Quando digo obsessão, não pretendo de forma alguma referir-me a algo doentio, fora de controle, pois sou absolutamente calmo e controlado em minhas visitas a livrarias e bibliotecas: contemplo com calma cada lombada ou capa e apenas ocasionalmente retiro um livro para consultar seu interior. Não me deixo dominar pelos livros e de forma alguma sou um bibliófilo ou mesmo um colecionador de livros. Na verdade, não consigo me enquadrar em nenhuma categoria dessas que supostamente compõem o mundo dos amantes de livros.
Para começar, não tenho nenhum respeito pelos livros, nenhuma devoção especial, nenhum cuidado em manuseá-los ou guardá-los (muito mal, por sinal, pois acabo me perdendo na selva de livros que constitui minha caótica biblioteca, se é que ela merece mesmo esse título). Os livros, para mim, são objetos de uso, de consumo, de manuseio indiferente, eles não valem que pelo seu conteúdo, como instrumentos de aquisição de um saber, que este sim, eu reputo indispensável a uma vida merecedora de ser vivida.
Não hesitaria um só instante em trocar todos os meus livros por versões eletrônicas, se e quando esse formato se revelar mais cômodo e mais interessante ao manuseio e leitura. Não hesito em sacrificar um livro se devo lê-lo em condições inadequadas, pois o que vale é o que podemos capturar em seu interior, não sua aparência externa ou sua conservação impecável. Ou seja, não sou um colecionador de livros, sou um “colhedor” de leituras, um agricultor da página impressa, um cultivador do texto editado, eventualmente também um semeador de conhecimento a partir dessas leituras contínuas.
De fato, o que me permite ser professor, resenhista de livros (tudo menos profissional, já que só resenho os livros que desejo) e, talvez até, um escrevinhador contumaz, antes que de sucesso, é esse hábito arraigado da leitura ininterrupta, em toda e qualquer circunstância, para grande desespero de familiares e outros “convivas”. Estou sempre lendo, algumas vezes até quando dirijo carro – o que, sinceramente, não recomendo –, mas ainda não encontrei um livro impermeável à água para leitura na ducha (na banheira seria mais fácil, mas não tenho paciência para esse tipo de prática).
Creio que a felicidade pode ser encontrada nesse tipo de coisas simples: um bom livro, uma boa música, um ambiente acolhedor, um sofá confortável, o que, confesso, raramente acontece comigo. Acabo lendo na mesa do computador, segurando o livro com a perna e teclando de modo desajeitado ao anotar coisas para registro escrito do que li. Aliás, as duas mesas de trabalho que existem em meu escritório, já não comportam mais nenhum livro: as pilhas se acumulam dos dois lados do teclado, e a outra mesa já está alta de jornais, revistas e livros, muitos livros, que também se esparramam pelo chão, como as batatinhas daquele poema infantil.
Leitor anárquico que sou, tenho livros em processo de leitura espalhados pelos diversos cômodos da casa, um pouco em todas as partes, novamente para desespero dos familiares. Não creio que venha a mudar agora esses maus hábitos. O que me deixa mesmo pensativo é a dúvida sobre quantos anos ainda terei pela frente para “liquidar” todos os livros (meus e de outras procedências), que aguardam leitura. Preciso de mais 80 ou 100...

Paulo Roberto de Almeida
(www.pralmeida.org)
Brasília, 1838: 19 novembro 2007

sábado, 17 de novembro de 2007

807) Um retrato dos nossos "estudantes"

Abaixo uma demanda, surpreendente, para mim, mas provavelmente nao inédita nesse tipo de "mercado", recebida pelo link de contato do meu site, e mais abaixo a minha resposta.
Começo a ficar estarrecido com a desfaçatez de certos jovens estudantes...
-------------
Paulo Roberto de Almeida

Begin forwarded message:
From: xxx
Date: 17 de novembro de 2007 12h23min41s GMT-02:00
To: paulomre@gmail.com
Subject: Formulario do SITE Paulo Roberto de Almeida: Sem assunto

Mensagem enviada pelo formulário de Contato do SITE.

Nome: Gleida B
Cidade: VITORIA
Estado: ES
Email: xxx
Assunto: Sem assunto
Mensagem: Estou precisando da RESENHA ANALÍTICA do livro “O Mal-Estar da Pós Modernidade”, de Zygmunt Balman, nas normas da ABNT, com no mínimo 15 laudas sem transcrição de texto, e respondendo na conclusão: Qual é o mal-estar pós moderno?
Caso vc tenha, preciso para o inicio de dezembro/07. Quanto custa? Qual a forma de pagamento? Como será entregue, impresso ou email?
Estarei no aguardo.
Obrigada.

===========

Não estou nesse mercado, e surpreende-me que voce, sem saber ou sem sequer se interessar em saber se o meu site é comercial, já começa encomendando -- melhor, determinando -- o trabalho e já tratando dos aspectos "contratuais".
Parece que a mediocridade crescente do sistema de ensino está sendo completada pela preguiça congenital de certos estudantes...
-------------
Paulo Roberto de Almeida
pralmeida@mac.com www.pralmeida.org
http://diplomatizzando.blogspot.com/

Mensagem enviada pelo formulário de Contato do SITE.

On 17/11/2007, at 14:30, gxxxxxx@oi.com.br wrote:

Vc tem toda razão.
Mas não deveria julgar "quem vc não conhece".
Isso sim é uma mediocridade.
Valeu!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!

==========

Você não devia ter respondido de maneira tão grosseira.
Isso me obriga a postar a sua mensagem no meu blog...
-------------
Paulo Roberto de Almeida
pralmeida@mac.com www.pralmeida.org
http://diplomatizzando.blogspot.com/

806) Por que o Brasil nunca teve um Nobel?

Por que nunca ganhamos o Nobel?
16/11/2007
Um dos termômetros dos rumos da ciência é o anúncio dos ganhadores do Nobel, feito anualmente na primeira quinzena de outubro. Em sua coluna desta semana, o biólogo Jerry Borges explica como são escolhidos os agraciados com o mais prestigioso prêmio de ciência. O colunista discute ainda fatores que ajudam a explicar por que o Brasil nunca teve um ganhador dessa láurea.

-------------

Por que nunca ganhamos o Nobel?
Colunista explica como são escolhidos os ganhadores do mais prestigioso prêmio científico

(Foto) O químico sueco Alfred Nobel (1833-1896), cuja herança financia o mais prestigioso prêmio científico do mundo (foto: Gösta Florman).

Anualmente, um dos termômetros dos rumos científicos da humanidade é o anúncio dos ganhadores do Nobel, feito na primeira quinzena de outubro em Estocolmo, capital da Suécia. O prêmio é concedido pela fundação criada pelo químico e engenheiro sueco Alfred Nobel (1833-1896), com fundos amealhados após a criação de 355 patentes e de indústrias em cerca de 20 países. Nobel, porém, também costuma ser lembrado pela invenção e pelo patenteamento da dinamite.

Entre a repercussão atual da premiação criada por ele e a acolhida inicial de sua iniciativa, ocorreu uma enorme mudança de atitude por parte da sociedade. A divulgação do testamento de apenas uma página de Alfred Nobel em 27 de novembro de 1895 recebeu críticas contundentes, inclusive da realeza sueca, que não compreendia os motivos para que a quase totalidade de sua enorme fortuna fosse empenhada na criação de um prêmio para agraciar pessoas – inclusive estrangeiros – que tivessem contribuído para o progresso cientifico. A influência e o sucesso atual dos prêmios Nobel mostram, no entanto, que ele foi um visionário que compreendeu que o progresso da humanidade está muito além de nações e raças.

Cinco categorias do prêmio – física, fisiologia e medicina, química, literatura e paz – foram instituídas originalmente no testamento de Nobel e concedidas a partir de 1901. O prêmio de economia foi criado posteriormente em memória de Nobel pelo Banco Central Sueco e é concedido desde 1968.

A presença de prêmios para literatura e paz pode, à primeira vista, parecer estranha para uma fundação criada por alguém que inventou a dinamite, que contribuiu para a evolução armamentista. Contudo, uma análise da vida de Nobel indica que ele era também alguém interessado nos destinos da humanidade e na cultura e que, inclusive, escrevia poemas e peças teatrais.

O processo de escolha
As premiações da Fundação Nobel são concedidas por seis comitês independentes, que analisam os candidatos às premiações em cada uma das áreas. Apesar de serem auxiliados por assessores externos, esses comitês são compostos por um número reduzido de pessoas. O comitê de química, por exemplo, é formado por apenas oito membros. Os membros desses comitês têm mandatos renováveis de três anos e, em sua grande maioria, são professores universitários que, durante parte do ano, são remunerados para exercerem essa “atividade extra”.

Os nomes desses candidatos são sugeridos por organizações representativas de suas áreas, que atuam em seus países natais ou nos locais onde eles fizeram sua carreira. Todas as propostas a serem analisadas devem ser enviadas a Estocolmo antes do inicio de fevereiro. Embora esse número varie de ano a ano, podem concorrer a um prêmio algumas centenas de candidatos a cada edição.

(Foto) Sede da Real Academia Sueca de Ciências, em Estocolmo. Essa instituição indica os membros do comitê que seleciona os ganhadores do Nobel nas categorias física, química e economia (foto: Wikimedia Commons).

Obviamente esses comitês recebem pressões sutis vindas das mais diversas instâncias, pois, atualmente, ganhar essa honraria é algo que não é apenas significativo para os agraciados, mas também para sua instituição e até para seu país. É quase como se estivesse sendo decidida uma medalha de ouro olímpica ou a Copa do Mundo!

Após o exame das sugestões, uma série de candidatos promissores é selecionada e, então, são conduzidas avaliações mais detalhadas. Os procedimentos para a outorga dos prêmios e os nomes dos candidatos são secretos e as atas das reuniões das comissões permanecem sob sigilo durante 50 anos. Outra característica do Nobel é que não podem ser concedidos prêmios póstumos, a menos que o agraciado tenha falecido durante a análise dos candidatos.

Dinheiro e prestígio
Os agraciados recebem, além de um diploma e uma medalha, entregues em um jantar solene com a família real sueca, uma quantia de cerca de 1,5 milhões de dólares. Além disso, o prêmio representa prestígio e maiores oportunidades de se obterem verbas de vulto para o financiamento de pesquisas.

Porém, dificilmente o Nobel vai para um cientista novo na sua área: trata-se provavelmente de um nome consagrado, que já teve seu trabalho reconhecido inúmeras vezes. O prêmio é, portanto, apenas uma etapa – talvez culminante – de uma vida dedicada à ciência. Deve também de ser enfatizado que, atualmente, o sucesso de algum cientista depende do número de colaborações e intercâmbios que esse profissional tem com outros grupos de pesquisa em seu país e no exterior, assim como a qualidade da equipe na qual ele está inserido. Portanto, apesar de termos um único cientista premiado (ou, quando muito, dois ou três), seu sucesso deve ser compartilhado com sua equipe: pós-doutorandos, doutorandos, mestrandos, técnicos de laboratório etc.

Apesar de ter um componente político, a escolha anual dos agraciados na imensa maioria dos casos é técnica e procura contemplar pesquisas básicas que tenham contribuído para desenvolver uma determinada área do conhecimento humano. Uma exceção a essa regra é o Nobel da paz que, freqüentemente, procura sinalizar uma posição política especifica. Nesse sentido, por exemplo, foram agraciados o Papa João Paulo II, o ex-presidente americano Jimmy Carter, o Dalai Lama e, neste ano, o ex-vice-presidente dos Estados Unidos Al Gore e o IPCC (Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas, na sigla em inglês), envolvidos na luta contra o aquecimento global.

Dos 779 prêmios concedidos até hoje para indivíduos e 19 para organizações, cerca da metade foi para os Estados Unidos (305) e para a Grã-Bretanha (114). Porém, 64 países como o Vietnã, as Ilhas Faroe, Gana, Nigéria, Timor Leste, Guatemala e Venezuela já tiveram laureados pelo Nobel.

(Foto) O físico brasileiro Cesar Lattes (1924-2005) é freqüentemente citado como um brasileiro que merecia ter levado o Nobel de física. Lattes integrou a equipe que descobriu o méson pi e obteve a partícula em laboratório. Clique na imagem para ler um perfil de Lattes.

O predomínio dos Estados Unidos se fez notar sobretudo após a debandada em massa de cientistas europeus para esse país após a ascensão dos nazistas na Alemanha em 1933. Contudo, deve ser lembrado que o sucesso continua até hoje, graças ao investimento maciço desse país em instituições científicas com metas claras a serem alcançadas em médio e longo prazo. Esses investimentos em ciência e tecnologia são feitos sempre com base em uma filosofia pragmática e competitiva de gerenciamento e na descentralização das pesquisas realizadas em universidades e centros privados e públicos de pesquisa.

E o Brasil?
Neste ano, mais uma vez acompanhamos o anúncio do Nobel sem qualquer candidato brasileiro agraciado com o prêmio. Será que por aqui não somos capazes de fazer ciência de qualidade? Ou será que não temos ainda sorte ou influência para que um nome brasileiro seja selecionado por uma das comissões avaliadoras dos candidatos ao Nobel?

A segunda opção parece a mais correta. Alberto Santos-Dumont (1873-1932), pioneiro da aviação, Cesar Lattes (1924-2005), um dos descobridores do méson pi, Carlos Chagas (1879-1934), que descreveu a doença que leva seu nome, Oswaldo Cruz (1872-1917), que comandou a reforma sanitária do Rio de Janeiro, o romancista João Guimarães Rosa (1908-1967), o poeta Carlos Drummond de Andrade (1902-1987) e o ativista dos direitos humanos Herbert de Sousa (1935-1997) são apenas alguns nomes, entre outros tantos, que poderiam ter sido agraciados com a premiação.

Além deles, existe atualmente uma série de cientistas e cidadãos competentíssimos que poderiam aspirar à láurea. Contudo, nosso país não é o único injustiçado. Basta lembra que o russo naturalizado americano George Gamow (1904-1968), um dos pais da teoria do Big Bang, o escritor argentino Jorge Luis Borges (1899-1986) e o inventor americano (1847-1931) Thomas Edison nunca ganharam um Nobel. E mesmo o líder pacifista indiano Mahatma Gandhi (1869-1948) foi preterido pelo comitê do Nobel, apesar ter sido candidato por cinco vezes.

Se na atual conjuntura de nosso país alguém for escolhido, seria apenas uma feliz coincidência – ou talvez um trabalho isolado feito por alguém de qualidade excepcional. Contudo, sabemos que a escolha de um laureado com o Nobel só será possível se houver de maneira constante um investimento em ciência e tecnologia e uma mudança na postura política que passe a encarar a educação e a ciência com outros olhos e como um instrumento para o crescimento do país. No Brasil, por enquanto, infelizmente ainda estamos longe disso...

Jerry Carvalho Borges
Colunista da CH On-line
16/11/2007

SUGESTÕES PARA LEITURA
Espmark, K. The Nobel Prize in Literature. A Study of the Criteria behind the Choices. Boston: G.K. Hall & Co, 1991.
Feldman, B. The Nobel Prize: A History of Genius, Controversy, and Prestige. New York: Arcade, 2000.
Levinovitz, A.W., Ringertz, N. The Nobel Prize: The First 100 Years. London: Imperial College Press and World Scientific Publishing Co. Pte. Ltd., 2001.
The Nobel Foundation: http://nobelprize.org/nobelfoundation/index.html

quarta-feira, 14 de novembro de 2007

805) Pausa para um trabalho escolar...

...involuntariamente humorístico (pelo menos é o que eu penso):

Pergunta de trabalho escolar:

04) Qual a função do apóstrofo?

Resposta de um gênio anônimo:

"Apóstrofos são os amigos de jesus, que se juntaram naquela jantinha que o Michelângelo fotografou".

Atenção para o "jesus" (sic), para a jantinha (resic) e o nome do "fotógrafo" (trisic).

Absolutamente genial...
Digno do prêmio igNobel...

sexta-feira, 9 de novembro de 2007

804) Pausa para a poesia: Mario de Andrade

Sempre tive paixão por duas estrofes, tão somente, deste poema de Mario de Andrade:
"Progredir, progredimos um tiquinho
Que o progresso também é uma fatalidade..."

Agora o poema por inteiro:

O POETA COME AMENDOIM
Mário de Andrade (1924)

Noites pesadas de cheiros e calores amontoados...
Foi o sol que por todo o sítio do Brasil
Andou marcando de moreno os brasileiros.

Estou pensando nos tempos de antes de eu nascer...

A noite era pra descansar. As gargalhadas brancas dos mulatos...
Silêncio! O imperador medita os seus versinhos.
Os Caramurus conspiram à sombra das mangueiras ovais.
Só o murmurejo dos cre'm-deus-padre irmanava os homens de meu país...
Duma feita os canhamboras perceberam que não tinha mais escravos,
Por causa disso muita virgem-do-rosário se perdeu...

Porém o desastre verdadeiro foi embonecar esta República temporã.
A gente inda não sabia se governar...
Progredir, progredimos um tiquinho
Que o progresso também é uma fatalidade...
Será o que Nosso Senhor quiser!...

Estou com desejos de desastres...
Com desejo do Amazonas e dos ventos muriçocas
Se encostando na canjerana dos batentes...
Tenho desejos de violas e solidões sem sentido...
Tenho desejos de gemer e de morrer...

Brasil...
Mastigando na gostosura quente do amendoim...
Falado numa língua curumim
De palavras incertas num remelexo melado melancólico...
Saem lentas frescas trituradas pelos meus dentes bons...
Molham meus beiços que dão beijos alastrados
E depois semitoam sem malícia as rezas bem nascidas...

Brasil amado não porque sejam minha pátria,
Pátria é acaso de migrações e do pão-nosso onde Deus der...
Brasil que eu amo porque é o ritmo no meu braço aventuroso,
O gosto dos meus descansos,
O balanço das minhas cantigas amores e danças.
Brasil que eu sou porque é a minha expressão muito engraçada,

Porque é o meu sentimento pachorrento,
Porque é o meu jeito de ganhar dinheiro, de comer e de dormir.

quinta-feira, 8 de novembro de 2007

803) Lições da historia: a derrocada do dólar

A coluna diaria do jornalista econômico Luis Nassif trouxe hoje, 8.11.2007, as ponderações que reproduzo abaixo sobre a queda do dólar e possíveis conflitos derivados disso.
Respondi com outras ponderacoes, que seguem in fine.
Creio que o tema é de interesse geral, por isso reproduzo o que escrevi em particular ao jornalista...
-------------
Paulo Roberto de Almeida

On 08/11/2007, at 10:33, Agência Dinheiro Vivo wrote:

Racionalidade – 1
Entre as duas Guerras, as principais nações do mundo partiram para um novo arranjo, a Liga das Nações, com a missão de evitar novas guerras. O ponto central do raciocínio dos países é que uma guerra era algo tão irracional que a própria racionalidade de incumbiria de impedir novas conflagrações. Tudo se resolveria com os países sendo democráticos e a racionalidade vinda das eleições se impondo sobre os erros.

Racionalidade – 2
Como se recorda, a Liga ainda compartilhava dessa fantasia quando a Alemanha começou a se armar, como reação às indenizações de guerra que lhe eram cobradas. E poucos anos depois, o mundo entrava em uma guerra muito mais letal, que envolveu praticamente toda a humanidade. Desde então, o estudo da política internacional abriu mão dessa visão de que os atos são conduzidos pela razão.

Racionalidade – 3
Digo isso a respeito da atual situação internacional, desse aparente equilíbrio de interesses que mantém as reservas da China financiando os déficits dos Estados Unidos. Segundo essa visão, jamais a China deixaria de financiar porque jogaria o mundo em uma crise da qual nenhum país sairia incólume. Mais uma vez, uma aposta em uma racionalidade que não costuma imperar em todos os momentos da história.

Racionalidade – 4
É por isso que o dólar ontem voltou a chacoalhar, com o euro batendo em US$ 1,47. O principal fato foram boatos de que parlamentares chineses teriam defendido que a China diversificasse suas reservas internacionais, reduzindo a proporção de dólares. Somados aos problemas dos bancos americanos e à contínua queda da cotação do dólar, o solavanco acabou afetando grande parte das bolsas internacionais.

==============

Meu caro Luis Nassif,
Suas ponderacoes são corretas no geral, mas acredito que pouco adaptadas ao particular.
Os grandes enfrentamentos belicos do seculo XX foram de fato precipitados pela ausencia de entendimento entre as grandes potencias quanto ao grau de acesso a mercados e da coordenacao economica necessaria para enfrentar crises eventuais dos seus sistemas.
A Alemanha era culpada pela Primeira Guerra, teve de pagar mais do que podia, e o resto é aquela historia que o Keynes, como bom profeta neste caso, ja tinha previsto desde 1919, na propria Conferencia da Paz de Versalhes.
A situacao atual não tem a mesma conotacao: ninguem está obrigando ninguem a pagar nada, apenas se discutem desequilibrios macroeconomicos que poderiam ser resolvidos num G8 ampliado à China, mas que nao vao ser, pois nenhum governante gosta de impor sacrificios ao seu povo (vide Protocolo de Quioto e a postura dos EUA).
A consequencia disse é o dolar vai continuar escorregando, tao ou mais rapidamente quanto os chineses facam isso que alguns recomendam: diversifiquem reservas para o euro. A consequencia vai ser uma queda ainda mais rapida do dolar, o que vai ser bom para o mundo e para os proprios EUA: vao ser obrigados a fazer um ajuste mais rapido (pois estao sendo irresponsaveis ate o momento) e suas exportacoes vao se tornar competitivas, tirando mercado dos europeus e japoneses e diminuindo a atratividade dos produtos chineses.
Por outro lado, os chineses ja tem muito dinheiro e algum patrimonio nos EUA, e por isso nao pretendem atirar nos proprios pes. Desvalorizar seus proprios ativos é coisa de malucos,e acho que os chineses não são tão malucos assim...
Dai que o mundo nao vai evoluir para algo tao dramatico como os anos 1930, mas para algo mais benigno, que será uma administracao compartilhada (e dificil) dos sacrificios.
Pensar historicamente nao significa achar que o que veio antes vai se reproduzir novamente.
O abraco do
-------------
Paulo Roberto de Almeida

Postagem em destaque

Livro Marxismo e Socialismo finalmente disponível - Paulo Roberto de Almeida

Meu mais recente livro – que não tem nada a ver com o governo atual ou com sua diplomacia esquizofrênica, já vou logo avisando – ficou final...