Temas de relações internacionais, de política externa e de diplomacia brasileira, com ênfase em políticas econômicas, viagens, livros e cultura em geral. Um quilombo de resistência intelectual em defesa da racionalidade, da inteligência e das liberdades democráticas. Ver também minha página: www.pralmeida.net (em construção).
A demissão do Ministério da Previdência de Carlos Lupi, presidente nacional do PDT, põe em discussão o futuro do partido.
O PDT atualmente conta com 17 deputados, dos quais 6 são do Ceará, onde o partido é comandado por Ciro Gomes.
Outros 3 deputados são do Amapá, onde o PDT tem a liderança do ex-governador Waldez Góes, atual ministro do Desenvolvimento, indicado em acordo com Davi Alcolumbre, presidente do Senado e filiado à União Brasil.
Outrora redutos do PDT, o Rio Grande do Sul tem 2 deputados e o Rio de Janeiro apenas 1.
O PDT é o partido brasileiro tradicionalmente filiado à Internacional Socialista, enquanto PT e PSB são filiados à Aliança Progressista, uma dissidência da IS, fundada em 2013.
CLÁUSULA DE BARREIRA
O PDT está ameaçado de não atingir a cláusula de barreira de 2,5% dos votos válidos nas eleições para a Câmara dos Deputados em 2026. Ou eleger no mínimo 13 deputados federais, distribuídos em 9 estados.
Nas eleições de 2030 a cláusula de barreira subirá para 3% ou 15 deputados em 9 estados.
Na Alemanha, a cláusula é de 5%, o que daria no Brasil o mínimo de 25 deputados.
Sem cumprir a cláusula de barreira, os partidos perdem acesso ao fundo partidário e ao tempo de propaganda gratuita no rádio e na televisão. E também enfrentam severas restrições à sua atuação parlamentar.
FORÇA E INFLUÊNCIA POLÍTICAS
Pablo Marçal, candidato à Prefeitura de São Paulo pelo PTRN, não tinha propaganda de rádio e TV por o seu partido não ter atingido a cláusula, enquanto o prefeito Ricardo Nunes, do MDB, tinha 60% do horário, graças à coligação de 11 partidos que apoiou sua candidatura.
Para além de atender a legislação eleitoral e partidária, um partido político precisa ter uma grande bancada para ter influência política.
Não à toa que o União Brasil, com 60 deputados federais, e o PP, com 49, formaram uma federação, a União Progressista, com uma bancada de 109 deputados, superando o PL, com 91 deputados, e a federação Brasil Esperança (PT, PCdoB e PV), com 80 deputados, como maior bancada na Câmara.
A União Brasil e o PP fizeram um acordo com o governador de Goiás e pré-candidato à Presidência da República Ronaldo Caiado. Se ele pontuar 10% nas pesquisas em abril de 2026, será o candidato da federação.
PSDB+PODEMOS
Na semana passada, o PSDB, com 13 deputados federais, e o Podemos, com 15, anunciaram uma fusão com objetivo de superar a cláusula de barreira.
O PSDB ainda negocia uma federação com outros partidos e seus líderes afirmam que as conversas estão adiantadas com o Solidariedade, com 5 deputados e que tem Paulo Pereira, da Força Sindical, como um de seus líderes.
O PSDB tenta obter musculatura para lançar o governador do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite à Presidência, mas não é certo que ele será candidato a presidente e nem mesmo que permaneça no PSDB, podendo migrar para o PSD, de Gilberto Kassab, a exemplo do que fez a governadora de Pernambuco, Raquel Lira.
PDT E PSB
Especula-se que o PDT poderia formar uma federação com o PSB, que conta com 15 deputados e também está ameaçado pela cláusula de barreira.
Um dos empecilhos para uma federação PSB e PDT seria Ciro Gomes, crítico do governo Lula, do qual o PSB participa, sendo o vice-presidente Geraldo Alckmin filiado ao partido.
No Ceará, Ciro Gomes e seu irmão, o senador Cid Gomes, estão rompidos. Cid Gomes deixou o PDT e foi para o PSB. Porém, há notícias de que os irmãos retomaram o diálogo.
O PSB também negocia uma federação com o Cidadania, com 5 deputados, e convidou para filiação ao partido Marina Silva e seu grupo, insatisfeitos com a luta interna na Rede Sustentabilidade, agora comandada pela ex-senadora Heloísa Helena.
NACIONAL-DESENVOLVIMENTISMO
O PDT é o legítimo herdeiro do nacionalismo de Getúlio Vargas e defensor da estratégia nacional-desenvolvimentista, de forte setor público e proteção da indústria nacional.
Segundo o sociólogo Luiz Werneck Viana, o nacional-desenvolvimentismo foi positivo para o Brasil entre as décadas de 1940 e 1960, mas esgotou-se já no governo do presidente Ernesto Geisel, no mundo de economia globalizada com cadeias de produção distribuídas internacionalmente.
Desde que o candidato do PDT a presidente da República, em 1989, Leonel Brizola ficou em terceiro lugar, o partido perdeu espaço para o PT, que também adotou muitas das teses dos trabalhistas, como o nacional-desenvolvimentismo.
A China trilhou caminho diferente do nacionalismo brasileiro ao abrir a sua economia ao capital estrangeiro a partir de 1978, mas obrigando as empresas transnacionais a fazerem joint-ventures com companhias chinesas.
Qual será o futuro do PDT? Conseguirá superar a cláusula de barreira?
A "primeira-ministra" do Brasil – enfim, hoje o Brasil é um país quase parlamentarista –, desembarcou em Moscou seis dias antes da visita oficial do "príncipe consorte":
"A primeira-dama Janja Lula da Silva, desembarcou em Moscou, na Rússia, na manhã do último sábado (3) e compartilhou fotos da viagem em suas redes sociais. Em postagem, Janja mostra fotos dos lugares históricos que visitou, como o Kremlin, complexo histórico que abriga a sede do Executivo local e onde se situa a residência oficial do presidente Vladimir Putin." (CNN, 3/05/2025)
Assim, a despeito de todas as inconveniências diplomáticas de o governo Lula apoiar OBJETIVAMENTE o lado do agressor na guerra de Putin contra a Ucrânia, teremos em poucos dias a INDIGNIDADE de ver o chefe de Estado do Brasil e da Diplomacia de um país democrático, supostamente respeitador da Carta da ONU e do Direito Internacional, apertar a mão de um CRIMINOSO DE GUERRA E CONTRA A HUMANIDADE.
Por isso mesmo renovo aqui minha nota já circulada anteriormente:
A inaceitável viagem de Lula a Moscou, a convite de Putin
Paulo Roberto de Almeida, diplomata, professor. Nota sobre a projetada viagem de Lula a Moscou em 9 de maio de 2025
O Presidente Lula aceitou, desde o primeiro minuto, o convite do presidente russo Vladimir Putin para participar em Moscou, no próximo dia 9 de maio das comemorações pelos 80 anos da vitória da antiga União Soviética na chamada “Grande Guerra Patriótica” – nome dado por Stalin – contra as forças da Alemanha nazista, no dia seguinte à assinatura da rendição da Wehrmacht em Berlim (as forças ocidentais o fizeram na cidade francesa de Reims, no mesmo dia 8 de maio). Tanto a comemoração quanto a sinalização desse dia como marcando o final da Segunda Guerra Mundial no teatro europeu passam por cima de um outro fato histórico muito significativo. A guerra deslanchada por Hitler em setembro de 1939, ao invadir a Polônia, não teria sido possível sem a assinatura prévia, em Moscou, no dia 26 de agosto daquele ano, do Pacto Ribbentrop-Molotov, de não agressão entre a Alemanha nazista e a União Soviética stalinista, sem o qual Hitler não teria iniciado a sua guerra de agressão. Relembre-se ainda que, um protocolo secreto anexo ao Pacto, dividia a Polônia entre os dois poderes totalitários, tendo a URSS invadido a Polônia pela sua fronteira oriental poucas semanas depois. Durante dois anos, de setembro de 1939 a junho de 1941, a União Soviética forneceu à Alemanha nazista alimentos, minerais, combustíveis e equipamentos, os quais foram usados por Hitler para subjugar as democracias da Europa ocidental, em novas guerras de agressão devastadoras. A União Soviética já abastecia amplamente a Alemanha da República de Weimar desde os anos 1920, dois países à margem dos sistemas de segurança da Liga das Nações, e continuou o fazendo sob a Alemanha dominada por Hitler, mesmo quando a doutrina oficial da nação comunista era a luta antifascista. A cooperação mútua, bem mais proveitosa à Alemanha nazista do que à URSS, teria continuado, se Hitler não tivesse traído o Pacto de Não Agressão e lançasse a Operação Barbarossa, em junho de 1941. A “pátria do socialismo” não teria sobrevivido aos terríveis ataques da Wehrmacht se não fosse pela maciça ajuda das duas grandes democracias unidas nas Nações Aliadas, Estados Unidos e Reino Unido, que vieram em socorro da URSS nos momentos de maior perigo e durante toda a contraofensiva a partir de 1943. Em outros termos, não se pode esquecer que foram as democracias ocidentais que permitiram à União Soviética fazer frente ao poderio da Alemanha nazista em sua “Grande Guerra Patriótica”. Registre-se que a doutrina jurídica da diplomacia brasileira, mesmo durante a vigência do Estado Novo, de notórias simpatias pelos fascismos europeus (até pelo menos 1942), repudiou a invasão armada da Alemanha nazista contra a Polônia em 1939, e instruiu seu ministro (embaixador) na legação em Varsóvia a seguir o governo polonês no exílio. Da mesma forma, o Estado Novo, e depois a República de 1946, nunca aceitou a usurpação territorial soviética contra os três estados bálticos, Estônia, Lituânia e Letônia (com os quais mantínhamos relações diplomáticas desde 1921), e continuou não aceitando a usurpação de suas soberanias até 1961, quando o Presidente Jânio Quadros restabelece relações diplomáticas com a URSS. O Brasil votou na ONU contra a usurpação territorial do Kuwait, invadido pelo ditador Saddam Hussein em 1990, e sua diplomacia sempre acatou os princípios fundamentais do Direito Internacional durante toda a vigência do sistema da ONU desde 1945. O primeiro distanciamento dessa doutrina jurídica da diplomacia brasileira ocorreu sob o governo Dilma Rousseff, quando forças não identificadas, mas distintamente russas, invadiram e anexaram ilegalmente a península ucraniana da Crimeia, em fevereiro de 2014; vários países membros, de acordo a dispositivos da Carta da ONU, condenaram a usurpação russa do território de um país soberano, mas o governo Dilma Rousseff mostrou-se totalmente indiferente ao assunto. Até o governo Donald Trump, no seu primeiro mandato, repudiou a invasão e confirmou, pela voz do seu Secretário de Estado, que os Estados Unidos não reconheciam a Crimeia como sendo pertencente à Federação Russa. Em 2022, pouco antes da invasão da Ucrânia por tropas das Forças Armadas da Rússia, o Presidente Jair Bolsonaro, contra as recomendações do Itamaraty, efetuou uma visita a Putin, durante a qual se declarou “solidário” ao país, tendo ao mesmo tempo mantido e aumentado as importações brasileiras de fertilizantes e de combustíveis russos, a despeito de depois condenar, mas apenas formalmente, a guerra de agressão iniciada em 24 de fevereiro daquele ano, por meio do acatamento a uma resolução da Assembleia Geral, na qual não discriminava o país agressor e apenas recomendava uma solução pacífico ao conflito “entre as partes”, como se elas fossem equivalentes. O governo Lula agravou o desrespeito pelo Brasil das normas mais elementares do Direito Internacional, e da própria Carta da ONU, e não vir em socorro a parte agredida, tendo, ao contrário, elevado extraordinariamente as importações brasileiras de fornecimentos russos, demonstrando objetivamente o seu apoio ao agressor. Durante os três anos de guerra, o governo Lula não demonstrou qualquer solidariedade à parte agredida, tendo acatado diversas das teses russas sobre as origens do conflito e possíveis soluções propostas a um cessar fogo, todas elas contrariando disposições da Carta da ONU e diferentes instrumentos do direito internacional humanitário. Ao contrário, tendo já sido expedido mandado de busca e apreensão contra o presidente Vladimir Putin, pelo Tribunal Penal Internacional, do qual o Brasil é membro fundador, o presidente Lula manifestou abertamente sua contrariedade pelo fato de não poder acolher o presidente russo na reunião de cúpula do G20 realizada no Brasil em novembro de 2024, tendo mesmo efetuado tentativas de acolhê-lo no Brasil sem ter de acatar as obrigações estabelecidas no Estatuto de Roma. Uma eventual viagem do presidente a Lula a Moscou, num dos momentos mais cruéis da guerra de agressão da Rússia contra a Ucrânia, confirmaria, para vergonha da doutrina jurídica da diplomacia brasileira, um apoio confirmadamente objetivo à potência agressora, contrariando até mesmo as cláusulas de relações internacionais constantes do artigo 4º da Constituição brasileira de 1988.
Paulo Roberto de Almeida Brasília, 4904, 24 abril 2025, 3 p. Postado no blog Diplomatizzando (link: https://diplomatizzando.blogspot.com/2025/04/a-inaceitavel-viagem-de-lula-moscou.html
A Ucrânia sempre foi um país convulsionado politicamente. Em sua curta história como nação independente, passou por duas “revoluções” que reverteram um resultado eleitoral e derrubaram um presidente. Esses dois eventos explicam muito sobre a situação atual do país. Por isso, é importante termos uma visão do que aconteceu.
A Revolução Laranja (novembro/dezembro de 2004)
“AS urnas serão abertas em breve; a disputa continua muito acirrada para ser decidida; a nação está profundamente dividida; as campanhas estão ficando mais sujas; há temores de fraude; e o resultado terá consequências de longo alcance para o equilíbrio global de poder. Mas estes não são os Estados Unidos. Em 31 de outubro, os ucranianos também votarão. Sua escolha do presidente (embora provavelmente haja um segundo turno daqui a três semanas) será totalmente ignorada no frenesi em torno da eleição americana; mas não deveria ser. Embora o voto americano possa moldar as relações entre o Ocidente e o Oriente Médio, o da Ucrânia ajudará a mapear não apenas o formato futuro da Europa, mas também o relacionamento entre o Ocidente e outro Oriente mais frio: a Rússia e seus antigos domínios”.
Assim começava umareportagem premonitóriada edição da Economist do final de outubro de 2004. Era véspera do primeiro turno das eleições ucranianas, e o quadro era de um acirramento político quase fora de controle. O país vinha de dois mandatos de Leonid Kuchma, um político pró-Moscou que privilegiava os oligarcas corruptos. O candidato de Kuchma eraVictor Yanukovich, seu primeiro-ministro e ele mesmo um oligarca. Do outro lado, temosVictor Yushchenko, candidato pró-Europa.
Yushchenko havia sobrevivido a uma tentativa de assassinato um mês antes por envenenamento (marca registrada de Putin). O Kremlin não estava para brincadeiras, e as ameaças de fraude nas eleições eram reais. A Rússia sob Vladimir Putin vinha em um processo de consolidação de sua esfera de influência regional, e a Ucrânia era peça-chave nesse jogo.
O primeiro turno das eleições terminou praticamente empatado entre os dois candidatos, com V. Yushchenko recebendo 39,9% dos votos, enquanto seu adversário pró-Moscou V. Yanukovich recebeu 39,3% dos votos. A votação foi dividida, como sempre, com as províncias do Oeste apoiando fortemente o candidato pró-Europa, enquanto as províncias do Leste apoiaram o candidato pró-Rússia.
O 2º turno, que teve lugar 3 semanas depois, resultou na vitória de V. Yanukovich por 51,5% a 48,5%. Mal o resultado foi divulgado, começaram protestos por parte dos partidários de Yushchenko, que denunciavam fraudes nas eleições.Reportagem da Economistdescreve o pleito da seguinte forma:
“Não há dúvidas de que a eleição foi conduzida de forma fraudulenta. Observadores internacionais da Organização para a Segurança e Cooperação na Europa (OSCE), dos Estados Unidos e da União Europeia relataram violações generalizadas em uma escala ainda maior do que na votação do primeiro turno há três semanas, embora a cobertura da mídia tenha sido menos abertamente tendenciosa desta vez. Houve uso fraudulento de cédulas de voto à distância, monitores eleitorais foram expulsos e números de comparecimento de até 98% foram registrados em partes de Donetsk, a região natal de Yanukovich.”
Estados Unidos e os países da União Europeia se recusaram a reconhecer a vitória de Yanukovich. Centenas de milhares de manifestantes permaneceram nas ruas de várias cidades ucranianas, principalmente no Oeste, vestindo lenços cor de laranja, razão pela qual o movimento passou para a história como a “Revolução Laranja”.
O receio de Putin era a repetição da “Revolução Rosa”, que havia tomado a Georgia um ano antes, e que havia resultado no cancelamento das eleições naquele país e na eleição de um político pró-Europa como presidente (abordaremos essa revolução no capítulo 6).
Uma semana depois das eleições, o parlamento ucraniano já tinha votado pela anulação das eleições e, três dias depois, aprovou, por uma margem estreita, um voto de desconfiança em relação a Yanukovich, que era ainda o primeiro-ministro do presidente Kuchma.
Mas Yanukovich não ficou parado. Em 28/11, mesmo dia em que o parlamento votava pela anulação do resultado eleitoral, o candidato do governo liderou uma grande manifestação em Donetsk. Suas promessas de tornar o russo a segunda língua oficial da Ucrânia e de conceder dupla cidadania (ucraniana-russa) aos cidadãos que assim o desejassem, o fazia bastante popular na região. Houve ameaças de secessão por meio de referendos, uma situação particularmente familiar para nós, hoje.
Finalmente, em 03/12, a Suprema Corte ucraniana decidiu por novas eleições, a serem disputadas em 26/12. Algumas mudanças foram feitas para reduzir a possibilidade de fraudes, como a restrição à possibilidade de voto usando celular ou em casa, além da destituição de alguns membros desacreditados do Comitê Eleitoral.
No final, o resultado da nova votação deu a vitória a Viktor Yushchenko, com 54,0% dos votos, o que parecia colocar a Ucrânia no caminho da sua europeização. No entanto, Viktor Yanukovych voltaria à cena nas eleições seguintes, em 2010. Desta vez, em um pleito aparentemente justo, venceria a candidata pró-Europa Yulia Tymoshenko. É Yanukovych que será o protagonista da Euromaidan.
A Revolução da Dignidade (dezembro 2013 / fevereiro 2014)
Se a “Revolução Laranja” havia atingido os seus fins de modo pacífico, o mesmo não se pode dizer a respeito da “Revolução da Dignidade”, também conhecida como o “Euromaidan”, os protestos que acabaram por derrubar o governo de Viktor Yanukovych. Aliás, muito pelo contrário. Mas vamos começar do início.
A vitória de Yanukovych nas eleições de 2010 foi, como era tradição, apertada. No 2º turno, o candidato pró-Rússia obteve 51,8% dos votos válidos, contra 48,2% de sua adversária, a ex-deputada radicalmente pró-Europa Yulia Tymoshenko. Como pode, pouco mais de 5 anos depois da “Revolução Laranja”, ter sido eleito o mesmo político que havia sido impedido de assumir por fraude nas eleições?
A crise econômica de 2008/2009 pode ser uma explicação. Como vimos na seção sobre Economia, o PIB da Ucrânia havia recuado nada menos do que 15% em 2009, uma prova de fogo para qualquer governante. Mas a Economist chama a atenção também para a desilusão com o governo de Yushchenko, que havia ganho as eleições de 2004 contra Yanukovych:
“A corrupção entre seus comparsas rendeu à sua administração uma reputação de corrupção quase tão ruim quanto a do regime que ele substituiu — confirmando a crença de muitos, especialmente no leste da Ucrânia (o reduto de Yanukovich), de que toda a conversa pré-revolucionária sobre um governo mais limpo era apenas uma narrativa interesseira. O fracasso em punir quase todos pelos crimes graves que Yushchenko havia denunciado, ou em reformar os tribunais, levou à desilusão entre seus apoiadores e à ousadia entre seus inimigos.” (Bloodless Orange – Economist – 11/02/2010)
Yanukovich não decepcionou. Como bom e velho aliado das oligarquias, e acostumado com os métodos mafiosos do leste europeu, o presidente não perdeu tempo. Três meses depois de empossado, o Procurador Geral desenterrou uma série de processos contra Yulia Tymoshenko, a adversária de Yanukovich nas últimas eleições e principal líder da oposição ucraniana. Esses processos terminaram com sua condenação, em outubro de 2011, a 7 anos de prisão, o que retirava um incômodo e estridente adversário da vida política do País.
O Ocidente reagiu de maneira dura à perspectiva de prisão de Tymoshenko. Líderes europeus e norte-americanos emitiram vários avisos claros sobre as consequências da prisão da opositora. A principal ameaça seria ocongelamento das conversasem torno do acordo de comércio com a União Europeia, que vinha sendo amarrado pelo antecessor de Yanukovich.
No entanto, este congelamento não parece ter sido suficiente para pressionar o presidente Yanukovich a fazer as concessões que a UE desejava. Ele sabia que a Europa tinha interesse em afastar a Ucrânia da órbita da Rússia, e era esse o seu poder de barganha para manter o acordo vivo. No entanto, a Ucrânia não é um país monolítico, e a aproximação com a União Europeiainteressava também a alguns oligarcasque suportavam o regime.
Yanukovych parecia fazer um jogo duplo. Acenava para os dois lados (União Europeia e Rússia), mas não assumia compromisso com nenhum dos dois,empurrando a situação com a barriga. Os oligarcas que suportavam o sistema político tinham interesses dos dois lados da fronteira, então a ninguém interessava levantar a poeira aderindo a um dos lados.
Em 25/02/2013, na cúpula Ucrânia-União Europeia, mais uma vez a Comissão Europeia exigiu da Ucrânia reformas políticas e econômicas liberalizantes como condições para a assinatura do acordo comercial, o que incluía a libertação de sua adversária Yulia Tymoshenko. Mas, como diz Yulia Mostovaya, editora do jornal Zerkalo Nedeli, “prometer tudo e não fazer nada é há muito tempo o esporte favorito da Ucrânia”. O presidente Yanukovichcontinuava o seu jogo, usando a ameaça de se juntar à zona de livre comércio da Rússia como uma ameaça à União Europeia e vice-versa, de modo a tentar obter vantagens de ambos os lados.
No entanto, em 04/09/2013 Viktor Yanukovichparecia ter pendido para um dos lados. O presidente chamou uma reunião com os membros do seu partido. Durante três horas, Yanukovich intimidou qualquer um que defendesse estreitar laços com a Rússia. “Esqueçam isso para sempre!”, teria gritado o presidente durante a reunião, segundo testemunhas. “Procuraremos a integração com a Europa”, respondeu o presidente àqueles que insistiam que seria um desastre contrariar Vladimir Putin.
É relativamente fácil de entender por que a União Europeia cedeu em suas exigências de libertação de Tymoshenko para seguir em frente. De acordo com umaanálise do Centre for European Policy Studies(CEPS), umthink tankbelga, interessava à UE evitar que Putin contasse com a oportunidade de explorar as evidentes vulnerabilidades da Ucrânia para que esta se juntasse à área de livre comércio patrocinada pela Rússia, o que poderia enterrar de vez o acordo com a própria UE.
Mais difícil é saber o que finalmente fez a balança de Yanukovich pender para a assinatura do acordo com a UE. Naopinião da Economist, o que mais contribuía para que o presidente da Ucrânia caminhasse na direção do acordo era o próprio bullying russo. Putin usava a política da cenoura e da vara: a cenoura era a promessa de gás mais barato, além de ajudar o País a pagar a sua dívida externa; a vara era a ameaça de impor mais restrições às importações da Ucrânia (a Rússia era o maior parceiro comercial do País, e já havia banido a importação de chocolates em agosto daquele ano), além de ameaças veladas de insuflar revoltas separatistas. Essas ameaças poderiam estar tendo o efeito inverso, segundo a revista, provocando o aumento do desejo de ficar menos dependente de um vizinho tão problemático.
No entanto, em 21/11/2013, a apenas uma semana da assinatura do acordo, prevista para ocorrer durante uma cúpula da União Europeia com países do Leste europeu, em Vilna, capital da Lituânia, Viktor Yanukovich deu para trás. Segundo uma análise doCentre For Eastern Studies, umthink tankpolonês, o principal motivo teria sido econômico. O acordo poderia ser o melhor para a Ucrânia no longo prazo, mas no curto prazo poderia ser economicamente desastroso. De longe, o maior parceiro comercial da Ucrânia era a Rússia, e qualquer boicote por parte de Putin tornaria uma situação difícil ainda pior. As reservas internacionais vinham caindo em função do serviço de sua dívida externa, atingindo níveis perigosos. O FMI exigia um aumento de 40% nos preços do gás para renovar a sua linha de crédito, o que seria um suicídio político em um país já em recessão. A assinatura do acordo seria um salto muito grande rumo ao desconhecido para a elite ucraniana. A União Europeia e o FMI poderiam ter sido mais flexíveis, se a questão geopolítica fosse considerada acima da questão econômica.
A partir de 21/11, os protestos tomaram conta do País. Ficaram conhecidos comoEuromaidanporque o seu epicentro foi a Praça da Independência, emaidansignifica praça em ucraniano. Seria algo como “praça Europa”.
No início o comparecimento foi pequeno, mas foi ganhando corpo com o passar dos dias, e espalhando-se por outras cidades do País. No dia 29/11, os organizadores estabeleceram3 condições para o fim dos protestos:
1) A formação de um Comitê para comunicar-se com a UE.
2) A renúncia de Yanukovich e
3) O fim da repressão às manifestações
Mas quem eram esses organizadores? Ao contrário da Revolução Laranja, que foi liderada pelo candidato derrotado nas eleições, Viktor Yushchenko e, principalmente, por Yulia Tymoshenko, os protestos na Praça da Independência tiveram início através de uma convocação no Facebook. O Euromaidan foi mais parecido com as nossas “jornadas de junho”, em 2013, no sentido de significar um repúdio a toda a classe política do país. Assim, a participação de líderes políticos foi limitada.
Mas sabemos que não há solução fora da política. O povo auto-organizado é uma miragem, são necessários líderes que coloquem em prática os ideais que moveram os protestos. Caso contrário, tudo volta a ser como antes, como aconteceu com as nossas jornadas de junho. Ao contrário dos nossos protestos, no caso ucraniano os acontecimentos se precipitariam em uma dinâmica que fugiu ao controle do presidente Yanukovich.
Em 30/11, uma forte repressão policial, a primeira de muitas, fez com que o movimento ganhasse corpo. O mesmo ocorreu no dia 11/12.
Em 17/12, em um movimento que sacramentava a aproximação com Putin, Yanukovich foi a Moscou paraassinar um acordoem que a Rússia comprou US$ 15 bilhões da dívida externa ucraniana. Era mais ou menos este montante que estava emnegociação com o FMI. A vantagem do acordo com Putin é que este veio, obviamente, sem condicionantes econômicos e, principalmente, sem exigências de “limpeza democrática”.
Viktor Yanukovich pisca para Vladimir Putin, durante a cerimônia de assinatura da compra de US$ 15 bilhões da dívida ucraniana por parte da Rússia. Fonte: Reuters.
Os manifestantes permaneciam em vigília, montando barricadas e estruturas para continuarem em esquema 24/7 na praça. No dia 16/01, o parlamento aprovou uma série de “leis antiprotestos”, que proibiam reuniões e restringiam a liberdade de expressão, o que levou ao recrudescimento dos protestos e à “batalha da Rua Hrushevsky”, em 19/01, uma verdadeira batalha campal entre manifestantes violentos de franjas da extrema-direita e a polícia.
Os líderes da oposição política pediam que os manifestantes não escalassem a violência, em uma atitude que seria digna de Mahatma Ghandi. Do outro lado, grupos nacionalistas reunidos no que ficou conhecido como oSetor Direitolideravam a reação à violência policial, e foram os protagonistas da batalha no dia 19/01, às vezes sendo agentes provocadores da violência para fins políticos. A natureza desses grupos, muitas vezes caracterizados como de “extrema-direita” ou mesmo “neonazistas”, merece uma melhor análise, que será feita no próximo capítulo.
O dia 20/02 foi decisivo para o Euromaidan. Snipers em edifícios próximos à praça começaram a atirar nos manifestantes, matando 74 pessoas. Em geral, aceita-se a ideia de que esses snipers eram da polícia de Yanukovich, mas há interpretações alternativas, como a docientista político Ivan Katchanovski, que escreveu um livro defendendo que, na verdade, esses snipers pertenciam ao Right Sector, e que o massacre tinha como objetivo empurrar a classe política a depor o presidente Yanukovich. Uma interpretação rocambolesca, mas não poderia deixar de mencionar este “outro lado”.
De qualquer forma, o massacre do Euromaidan levou o Congresso ucraniano a depor o presidente Viktor Yanukovich dois dias depois, que fugiu para Moscou. Putin invadiria a Crimeia 5 dias depois da fuga de Yanukovich, dando início oficial à guerra contra a Ucrânia.
Blog do Marcelo Guterman é uma publicação apoiada pelos leitores.
Através do acompanhamento das diversas votações ao longo da curta história da Ucrânia independente, poderemos observar o vai-e-vem das preferências e simpatias dos cidadãos ucranianos, assim como as divisões geográficas e étnicas dessas votações.
O Referendo da Independência
A Ucrânia moderna nasce em 1991, com a dissolução da União Soviética. Vladimir Putin, em sua campanha para justificar as suas ações, defende a ideia de que a Ucrânia e a Rússia formam um só país e a Ucrânia, de fato, nunca existiu como país soberano. Realmente, isso aconteceu no passado. Durante o reinado de Catarina a Grande, entre 1764 e 1781, a antiga Ucrânia foi absorvida pelo Império Russo, e assim ficou até a revolução bolchevique de 1917, quando a região foi constituída como a República Soviética da Ucrânia, passando a fazer parte da União Soviética. Com a sua dissolução, temos o ato fundacional da Ucrânia moderna em 01/12/1991, quando ocorre o referendo popular do ato de Independência da Ucrânia, texto que havia sido elaborado pelo Congresso ucraniano em 24/08/1991. Boris Yeltsin, no dia seguinte ao referendo, reconheceu o seu resultado.
Em vista do perigo mortal que cerca a Ucrânia em conexão com o golpe de estado na URSS em 19 de agosto de 1991,
Continuando a tradição de mil anos de desenvolvimento do Estado da Ucrânia,
Procedendo do direito de uma nação à autodeterminação de acordo com a Carta das Nações Unidas e outros documentos legais internacionais, e
Implementando a Declaração de Soberania do Estado da Ucrânia,
a Verkhovna Rada (Congreso) da República Socialista Soviética Ucraniana solenemente
DECLARA
a Independência da Ucrânia e a criação de um estado ucraniano independente - UCRÂNIA.
- O território da Ucrânia é indivisível e inviolável.
- A partir deste dia em diante, apenas a Constituição e as leis da Ucrânia são válidas no território da Ucrânia.
- Este ato entra em vigor no momento de sua aprovação.
Note a menção à “indivisibilidade” e “inviolabilidade” do território ucraniano. O resultado desse referendo é fundamental para entender o que vem nos anos seguintes. No mapa a seguir, temos o nível de aprovação desse ato por província (fonteaqui).
Observe no mapa abaixo que mesmo nas províncias do leste, o apoio à independência foi acima de 80% dos votantes. O referendo foi aprovado mesmo na Crimeia e Sevastopol, onde a população de origem russa é ampla maioria.
No gráfico abaixo, temos as 10 províncias com maior população russa, e o percentual da população russa sobre a população total que votou pela independência:
As barras azuis mostram o percentual de população russa em cada província e na cidade de Sevastopol, de acordo com o censo de 1989. Podemos observar que Crimeia, Donetsk, Sevastopol e Luhansk têm mais do que 70% de sua população de origem russa.
Já as barras laranjas mostram a parcela da população russa sobre a população total que votou pela independência da Ucrânia. Com exceção da Crimeia e de Sevastopol, em que cerca de 45% da população russa votou pela independência, em todas as outras províncias a independência teve o apoio de mais de 70% dessa população, sendo que em Donetsk e Luhansk, as duas províncias rebeldes, esse apoio chegou a 80%. Na província de Dnipropetrovsk, onde Zelensky nasceu, 73% da população de origem russa votou a favor da independência.
Na mesma votação no referendo da independência, foi eleito o 1º presidente da Ucrânia, o antigo presidente do Soviete Supremo (Parlamento) da Ucrânia,Leonid Kravchuk, que venceu com 62% dos votos no 1º turno. Seria a primeira e última eleição em que o eleito venceu no 1º turno com larga margem, até o advento de Volodymyr Zelensky, em 2019.
Interessante observar que Kravchuk foi eleito mesmo tendo sido o último burocrata apontado pela antiga União Soviética para comandar a Ucrânia, vencendo candidatos que se notabilizaram pela sua dissidência e que estavam presos até há pouco tempo. Aparentemente, conseguiu, durante a campanha presidencial, convencer seus compatriotas de sua “conversão” à causa da independência, e se mostrou o mais preparado para liderar a transição.
No mapa a seguir, vemos a distribuição dos votos de Kravchuk pelas províncias. Podemos observar que as votações do presidente estão razoavelmente espalhadas pelo país, tendo perdido em apenas 3 províncias, as de tendência mais nacionalistas. Esta dominância de um candidato no país inteiro somente irá repetir-se com a eleição de Zelensky, em 2019.
Eleição presidencial 1994
Dadas as condições péssimas da economia ucraniana pós-independência, as condições políticas de Kravchuk ficaram insustentáveis, e ele concordou em antecipar as eleições, que estavam programadas para 1995. Assim, em julho de 1994, o presidente Leonid Kravchuk concorreu à reeleição, mas perdeu paraLeonid Kuchmano 2º turno, por 53,6% a 46,4%. O interessante é que o incumbente, que havia perdido as eleições nas províncias do Oeste nas eleições anteriores, foi o mais votado nessas províncias nas eleições de 1994, conforme podemos observar no mapa a seguir:
Aparentemente, o seu desafiante Kuchma era ainda mais pró-Rússia do que o antigo líder do Soviete Supremo ucraniano, o que levou as províncias nacionalistas do Oeste a escolherem preferencialmente o atual presidente. Mas o que fez Kravchuk perder a cadeira certamente foi a questão econômica: como vimos no 1º capítulo da série, o PIB ucraniano encolheu nada menos do que 15% em 1993 e 25% em 1994, um verdadeiro descalabro econômico.
Esta é a primeira eleição em que vemos uma divisão clara entre o Leste e o Oeste da Ucrânia. Este padrão irá se repetir mais fortemente a partir das eleições de 2004.
Eleição presidencial 1999
Em 1999 tivemos a única reeleição na história ucraniana moderna, com Leonid Kuchma sendo reconduzido à presidência com uma margem folgada no 2º turno, de 59,8% a 41,2% de seu oponente, Petro Symonenko, do Partido Comunista. Kushma obteve votação mais forte nas províncias do Oeste (veja o mapa abaixo), o que é mais compreensível, dado o partido do seu adversário. No entanto, podemos observar que Kushma, apesar de ser mais à direita do que seu adversário, conseguiu votações importantes no Leste, como em Donetsk e Sevastopol. A distribuição dos votos entre Leste russo / Oeste europeu ficou borrada aqui.
Eleição presidencial 2004
As eleições de 2004 marcam uma virada histórica na vida política ucraniana. O candidato do presidente Leonid Kuchma era o seu primeiro-ministroViktor Yanukovych, do Partido das Regiões, pró-Rússia. O seu adversário eraViktor Yushchenko, do bloco Nossa Ucrânia, que congregava desde partidos e políticos pró-Europa até as franjas nacionalistas de extrema-direita. As eleições são disputadas palmo a palmo, e Yanukovych obtém uma vitória apertada, por 51,5% a 48,5%.
Mas assim que os resultados foram divulgados, começaram protestos em várias cidades ucranianas contra evidentes fraudes eleitorais a favor do candidato do governo (falaremos mais sobre isso no próximo capítulo). Era a Revolução Laranja, que recebeu esse nome porque os manifestantes usavam fitas cor de laranja. Com a pressão, a Suprema Corte cancelou o 2º turno, que foi repetido. Na nova eleição, o candidato da oposição conquistou a presidência com uma vantagem de 54,0% a 46,0%.
A distribuição dos votos pelas províncias pode ser vista no mapa a seguir (os números representam as votações na primeira e na segunda eleição, respectivamente). Observe como todos os números a favor de Yunukovych diminuíram e todos os números a favor de Yuschenko aumentaram. As maiores diferenças ocorreram nas províncias do Oeste, onde houve os maiores protestos contra fraudes.
Essa eleição marcou claramente a divisão do país entre províncias do Oeste / Norte e do Leste / Sul, e que será o padrão até as eleições de 2019.
Eleição presidencial 2010
O mundo não gira, ele capota. O mesmoViktor Yanukovychque havia tido a sua vitória anulada pelo Supremo em 2004, venceu as eleições de 2010 por uma diferença apertada, de 51,9% a 48,1%. Sua adversária no 2º turno,Yulia Tymoshenko, era uma das lideranças políticas mais radicais pró-Europa, e seria presa pelo governo de Yanukovych no ano seguinte, o que foi amplamente condenado pela comunidade internacional. O incumbente, Viktor Yushchenko, recebeu apenas 5,5% dos votos no 1º turno, contra 35,3% de Yanukovych e 25,0% de Tymoshenko. Os eleitores ucranianos definitivamente não tratam bem os incumbentes. Yushchenko e Tymoshenko representavam mais ou menos o mesmo campo político, mas Tymoshenko era mais radical, provável razão de ter atraído mais votos no 1º turno.
A distribuição dos votos nas províncias foi a seguinte:
Eleição presidencial 2014
As próximas eleições deveriam ser em 2015. No entanto, o Euromaidan, que será analisado no próximo capítulo, mudou tudo. Com a queda do presidente Yanukovych, as eleições foram antecipadas para maio de 2014, e vencidas porPetro Poroshenkojá no 1º turno, com 56,7% dos votos válidos. Em um distante segundo lugar, ficou novamente Yulia Tymoshenko, com apenas 13,0% dos votos válidos.
Poroshenko foi visto como a solução de compromisso do Euromaidan, um candidato centrista que poderia ser aceito pelos russófonos do Leste, uma vez que o Partido das Regiões, do presidente afastado Viktor Yanukovich, havia sido banido. De qualquer modo, sua votação nessa região foi das menores, como podemos ver no mapa a seguir:
Não houve votação na Crimeia, já anexada pela Rússia, e em partes de Luhansk e Donetsk.
Eleição presidencial 2019
O 1º turno das eleições de 2019 levaram ao 2º turno a novidade dessas eleições, o comedianteVolodymyr Zelensky, com 30,2% dos votos, e o incumbentePetro Poroshenko, que obteve 16,0% dos votos. O 2º turno, como dizem os americanos, foi umlandslide: Zelensky ganhou em todas as províncias menos uma, Lviv, centro do nacionalismo ucraniano, obtendo um total de 75,0% dos votos. Mesmo províncias que normalmente votam em candidatos pró-Europa ou nacionalistas, como Ternopil e Ivano-Frankisky, deram a maior parte dos votos para Zelenksy, que ganhou nesses territórios por uma vantagem mais estreita do que no restante do país.
Vale a pena, no entanto, analisar o voto das províncias do Leste/Sul, onde Zelensky obteve a maior parte de seus votos. No primeiro turno, Donetsk e Luhansk deram a vitória a Yuriy Boyko, o candidato mais pró-Rússia do pleito, enquanto Lviv, Ivano-Frankvisk e Ternopil deram a vitória a Yulia Tymoshenko, radical pró-Europa, a mesma que havia sido presa pelo presidente Viktor Yanukovych em 2011 e que foi libertada depois do Euromaidan. No 2º turno, entre um candidato pró-europeu mais centrista e outro que era uma incógnita, a Ucrânia votou maciçamente em Zelensky, que ganhou o 2º turno com 73% dos votos. Suas maiores votações ocorreram justamente no Leste e Sul, o que não surpreende. Mas a sua vitória em regiões claramente mais pró-Europa, e mesmo em províncias marcadamente nacionalistas, demonstraram o quanto o povo estava cansado do status quo e quanto ansiava por algo diferente.
Blog do Marcelo Guterman é uma publicação apoiada pelos leitores.
O que eu poderia legar de útil aos sobreviventes do próximo apocalipse?
Paulo Roberto de Almeida
Minha atenção foi despertada para essa questão justamente por uma pergunta similar feita por uma usuária do Linkedin que se interrogava sobre suas capacidades resilientes a um eventual fim de mundo (não sei se ela estava pensando no Putin ou no Trump, dois destruidores do mundo pacato em que vivíamos até a pouco).
Ao que parece, trata-se de uma especialista em políticas públicas, uma expertise sempre necessária, já que o Estado, surgido logo após a expulsão de Adão e Eva do paraíso, não deve dar trégua mesmo após um conflito nuclear devastador.
Excelente pergunta, eu primeiro observei: o que se deveria deixar de seu aos sobreviventes de um eventual apocalipse? Depois refleti sobre minhas modestas capacidades.
Expertise em políticas públicas é uma excelente contribuição, desde que disseminada numa forma escrita, registrada, podendo ser acessada em proveito dos “sobreviventes”.
Posso me fazer a mesma pergunta: o que deixarei de útil à posteridade? Políticas públicas é um terreno muito amplo para a minha modesta expertise numa política setorial, a diplomacia profissional e as relações exteriores do Brasil, em geral, talvez numa dimensão ainda mais restrita, a da história diplomática da minha própria contemporaneidade (embora eu também me atreva na anterioridade, por uma razão muito simples: os mortos já não poderão reclamar de minhas interpretações de suas ações passadas, ao passo que alguns muito vivos poderiam vir tomar satisfação).
Pensando nisso, cabe retomar meu livro já meio escrito sobre a Formação do Diplomata Brasileiro, que se segue a um já em 3a edição sobre a Formação da Diplomacia Econômica no Brasil (mas este cuidava basicamente do século XIX, ao passo que o novo, mais perigoso, pretende chegar a nossos dias). Vou perseverar!
A “Internacional” de extrema-direita tem Putin, Trump e a AfD alemã, sendo que Putin manipula os dois
Trump conseguiu unir a extrema-direita ocidental à extrema-direita russa, representada pelo próprio Putin. O mais estranho é que Lula, um político supostamente de esquerda, se considera amigo de Putin, um homem de extrema-direita, que calha ser antiocidental e antiamericano, o que cabe inteiramente no perfil de Lula; mas, e o resto? PRA
“Germany's far-right AfD: Proxies for Trump and Russia
Hans Pfeifer
Deutsche Welle, February 24, 2025
The far-right Alternative for Germany (AfD) wants to have a bigger say in foreign policy. It is relying on its contacts within the Trump administration in the US to help it exert pressure on the government in Germany.
When it became clear on election night (February 23, 2025) that the far-right party would achieve a historic victory in the federal elections, but with their result of just over 20% would come in in second rather than first playe, the comment sections on social media went into overdrive: "Election fraud!", "Good night, Germany!", "We're all going to die", "Last resort: Trump!".
AfD supporters believe that Germany, the world's third-largest economy, is on the brink and has been for years, if not decades. To bring about change, they are calling for Trump-style "Germany first" policymaking.
Donald Trump, the AfD and conspiracy theorists
Jürgen Elsässer is an ardent supporter of US President Donald Trump. He is also a fervent conspiracy theorist. Elsässer used to be a left-wing extremist. Today, he is an extreme right-wing media entrepreneur and influential AfD campaign supporter with his publishing house Compact.
Efforts to ban Compact are currently underway in the German courts. It disseminates "antisemitic, racist, anti-minority, historical revisionism and conspiracy theory content," according to Germany's Interior Ministry. The AfD's candidate for chancellor and co-chair of the party Alice Weidel has called the move to ban the publication a "serious blow to the freedom of the press."
On election Sunday, Elsässer hosted a three-hour live broadcast on YouTube channel Compact TV which has over 475,000 subscribers. According to Elsässer, war is coming to Germany and Friedrich Merz, leader of the conservative Christian Democrats (CDU) and likely next chancellor, is responsible.
During the live broadcast, Elsässer proffered a solution for Germany: "Perhaps we need a temporary occupation by the peace powers, the US and Russia." A former AfD member of the Bundestag seconded the proposal, elaborating that the so-called enemy state clause from World War II is still applicable because it allows the former victorious powers, Russia and the US, "to intervene politically and militarily in Germany without a UN Security Council resolution if they are convinced that the political situation is becoming unstable."
Common friends, common enemies
Today's far right see Trump and Russian dictator Vladimir Putin as the saviors of the German nation. And even if the talk of a two-front war and myriad conspiracy theories bear little relationship to reality, the resonance of such narratives can have an impact on the real world. As the 2025 federal elections have shown, many people in Germany have fears and anxieties about the future, and that includes the prospect of war.
The day after the election, Weidel talked up cooperation with the US, Russia and China who she referred to as "partners." With her new contacts to the Trump administration Elon Musk and US Vice President JD Vance, both of whom supported her election campaign, Weidel suggested the AfD could simply bypass any future German government on foreign policy. "We are the point of contact for our negotiating partners on the international stage," she explained confidently.
Although the AfD will likely be shut out of any coalition government, foreign policy pressure from within could still pose a challenge for the future chancellor. "The Trump administration has no interest in maintaining Europe as a strong player. Their approach seems to be that supporting radical nationalists weakens the European Union," Boris Vormann, a political scientist at Bard College Berlin, told DW.
Given what Vormann calls its "ideological proximity" to the Trump administration, the AfD could well become an instrument for the US to undermine the authority of the German government. "There is a common understanding of what is wrong with society, for example, a rejection of wokeness and support for a traditional family image and conservative values," Vormann said.
And like Donald Trump, the AfD has a certain admiration for Vladimir Putin and Russia. "Today it is a country that is not only associated with negative connotations, but one or two people also hope that it could be the champion of a world of free and sovereign states without hegemonic influence," enthused Björn Höcke, one of the most influential AfD politicians, in an interview in January 2023.
The fact that Putin is waging a bloody war of aggression in Ukraine that has killed tens of thousands of people is not an issue for the AfD. Nor is the fact that the Trump administration is running roughshod over the rule of law. The AfD wants to present itself as an equally powerful force on the world stage. Should the conflicts between Europe and the US or Russia escalate, they hope to position themselves as a viable alternative on foreign policy.
The AfD wants to become the biggest political force in Germany and hopes that by putting pressure on the conservatives it can drive the political agenda. On election night, Weidel was already talking about the 2029 federal elections when she said the AfD would "have a mandate to govern."
Political scientists agree that generating fear and anxiety ultimately benefits the far right, a lesson the AfD and its media cheerleaders appear to know only too well.