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terça-feira, 26 de abril de 2016

O Estado como Fora-da-lei (1): artigo de 2007, esquema e prefacio de livro - Paulo Roberto de Almeida


Autobiografia de um fora-da-lei, 1:
uma história do Estado brasileiro

Paulo Roberto de Almeida
Introdução a um grande ensaio histórico-político,
que pode tornar-se um livro verdadeiro, sobre o Estado brasileiro,
narrado, de forma inédita, na primeira pessoa. Politicamente emocionante!
  Espaço Acadêmico (ano 7, n. 78; novembro 2007 link: http://www.espacoacademico.com.br/078/78almeida.htm).

Bom dia, caro leitor! Alô, cidadãos! Como estão, prezados contribuintes e caros amigos? Como têm passado, distintos trabalhadores e senhoras donas-de-casa? Escrevo estas linhas – ou parágrafos, que podem virar páginas e, talvez, até, um livro – porque senti que era chegado o momento de me dirigir diretamente a vocês, pessoas comuns, dispensando tantos intermediários – sociólogos, ou cientistas políticos – que, ao longo do tempo, têm tentado cobrir meu itinerário histórico, desvendar o meu passado, interpretar o meu desenvolvimento institucional, analisar o modo de funcionamento dos meus órgãos internos (oh!, perturbadores), ou até desvendar o meu futuro, como cabe a especialistas tão reputados (e, por vezes, tão enganados e tão enganosos).
Depois de tantas páginas memoráveis dedicadas ao meu modo de ser e às mais variadas formas de minha intervenção na vida de vocês, cheguei à conclusão que era a hora de eu mesmo tomar da pluma – mas, que antiquado eu sou: sentar-me à frente do computador, melhor dito – para escrever minha autobiografia, algo raro em se tratando de uma instituição pública que emana da própria sociedade, como vocês podem bem adivinhar. Mas, vocês bem que mereciam este gesto, pois, afinal de contas, são vocês que pagam as minhas contas, alimentam os meus cofres, financiam a construção de um palácio aqui, outro acolá, provêm os recursos dos quais eu tiro os salários de tantos empregados a meu serviço – sim, sim, não me enganei, a meu serviço, eu disse – me permitem, enfim, umas tantas loucuras de vez em quando (ou tantas quantas eu consigo levar adiante, sem maiores turbulências nas redondezas). Estava, de fato, devendo isso a vocês. Já estou ficando velho e gordo, atacado da gota e de alguns achaques aqui e ali, e queria dar a vocês alguma satisfação sobre o que tenho feito nestes últimos anos (nestes últimos duzentos anos, quero dizer, mas com certa ênfase no período recente, talvez os mais movimentados de minha longa trajetória de vida).
Se ouso tomar da pluma – ops, teclar estas notas, na tela à minha frente – para contar algumas coisas edificantes e outras talvez menos dignas, não o faço movido por ódios ou paixões, nem como reação a tantas bobagens que tenho lido nos livros, revistas ou jornais a meu respeito, tampouco em função de alguma urgência do momento. Afinal de contas, eu sou, aparentemente, “eterno”, e nada obsta a que uma nova biografia seja escrita sobre mim em mais cem ou duzentos anos. Apenas senti necessidade de colocar no papel – ou melhor, em bits and bytes do meu laptop – uma trajetória de vida que tem muito a ver com a vida de cada um de vocês, especialistas em destrinchar as minhas entranhas, cidadãos preocupados com os assaltos que faço regularmente em seus bolsos ou no caixa de suas empresas, ou simples curiosos, que sofrem ou se beneficiam com minhas ações ou omissões.
De fato, senti que devia a todos vocês este racconto storico eminentemente pessoal sobre a minha carreira, as minhas aventuras de vida, as minhas expectativas e os meus projetos. Tenho estado – sem trocadilho – insatisfeito com tantas análises capciosas que encontro nos livros de supostos estudiosos de minha trajetória e ações, de tantos ataques furibundos que venho constatando nas folhas liberais, assim como em face de tantas reclamações que tenho ouvido, como resultado de frustrações acumuladas por cidadãos que confessam não terem sido atendidos em esperanças e promessas que me teriam sido endereçadas por vocês mesmos, cidadãos do país.
Antes de começar, porém, a reconstituição de minha trajetória, vale uma explicação pelo título e subtítulo escolhidos para este ensaio autobiográfico. Por que “fora-da-lei”, exatamente? E por que o subtítulo não mais pessoal e sim, aparentemente, impessoal, ou, pelo menos, na terceira pessoa? A que se deve este exercício de auto-flagelação, esta decisão em prol da auto-acusação?
De fato, hesitei muito quanto à qualificação que eu deveria dar à minha própria trajetória de vida, sendo eu, supostamente, o personagem mais importante da história brasileira, aliás, ainda antes que o Brasil se conhecesse por esse nome, ou que fosse ele um Estado independente, como tal reconhecido pelas outras potências soberanas. Tendo estado – perdão pela nova redundância estilística – na origem da nação antes mesmo que ela se constituísse em Estado, eu deveria ser, presumivelmente, o personagem em princípio mais interessado no estrito cumprimento da lei, na correta observância da legalidade, no fiel atendimento das regras de vida social e das normas de organização pública que orientam, pelo menos em teoria, a vida dos cidadãos, a conduta dos agentes públicos, a atividade dos agentes econômicos privados e, a rigor, de todos aqueles que estabeleceram residência regular (ou passageira) no território colocado sob a minha jurisdição exclusiva. Por que, então, “fora-da-lei”? Sim, o que justificaria uma tal infração ao gentil tratamento de praxe que se deve estabelecer entre o detentor da soberania e súditos ou cidadãos – como você que está me lendo agora –, com essa auto-classificação de “infrator da legalidade”?
Tal se deve a uma razão muito simples (e vou ser absolutamente sincero com vocês). Eu tenho sido, a despeito de todos os preceitos constitucionais que me cercam, o mais freqüente e o mais constante violador da legalidade criada por vocês – ou seus representantes – para orientar minha conduta e as minhas ações práticas. Confesso que tenho sido um mau cumpridor desses preceitos e admito abertamente violar a lei em tantas ocasiões que já perdi a conta de todas as ilegalidades cometidas ao longo desta minha vida de, digamos, dois séculos justos. Eu sou, reconhecidamente, o maior infrator constitucional já conhecido neste país e um grande descarado quando se trata de atender às obrigações constitucionais ou infra-constitucionais que me foram historicamente atribuídas por nada menos do que – acho que já perdi a conta – cinco ou seis processos de elaboração constitucional e outros tantos remendos constitucionais, ao longo desta minha trajetória conturbada. Sim, confesso que sou um reincidente nas violações constitucionais, e mais ainda nas pequenas normas que deveriam, supostamente, guiar a vida dos meus súditos – êpa!, cidadãos – e orientar-lhes a conduta diária.
A bem da verdade, não posso reclamar dos meus conterrâneos, a maior parte formada por honestos cidadãos e modestos trabalhadores, cumpridores da lei e defensores da normalidade democrática, desejosos que sempre foram de uma vida normal, feita de segurança na vida diária, oportunidades abertas a todos para o desenvolvimento de atividades respeitadoras dos direitos de propriedade, eleitores fiéis em todos os momentos em que foram chamados às urnas, enfim, pessoas que aspiram a uma vida digna e merecedora de respeito por parte daquele mesmo que deveria atender a esses requisitos mínimos da vida em sociedade, isto é, eu mesmo. Sei disso, e é por isso mesmo que eu tive este ataque de franqueza e de sinceridade e resolvi me classificar como um “fora-da-lei”, nesta biografia tão crítica quanto desautorizada (digo isto porque não solicitei a autorização de nenhum dos meus poderes constituídos para escrevê-la, sendo ela, mais exatamente, a pura expressão de uma vontade passageira e irrefletida, um desejo repentino de auto-confissão, que provavelmente não se repetirá nos próximos cem anos). Aproveitem, pois!
Quanto ao subtítulo, que parece contradizer o título, ele se deve, tão simplesmente, a que pretendi que esta minha autobiografia fosse concebida e escrita com o maior grau de isenção possível, com tanta objetividade quanto seja admissível num panfleto crítico centrado sobre um personagem suscetível de todas as críticas, e que ainda assim se dispõe a desvendar um pouco de suas reflexões sobre sua longa trajetória de logros e frustrações. Atentos aos próximos capítulos!

Brasília, 1826, 19 outubro 2007, revisão: 27.10.2007.
 
Esquema tentativo

1. Prefácio: uma história do Estado brasileiro
       (já escrito; sob nr. 1826)
2. Uma questão de método: como o Estado pode escrever sua própria biografia?
       (considerações sobre quem fala, ou escreve, e como fala e se manifesta) (n. 1831; abaixo)
3. Um nascimento impreciso: data e local do parto, paternidade presumida...
       (digressões sobre minha trajetória colonial: um Estado fora do estado normal)
4. Minha criação pelo “método confuso”: tocata e fuga, sem qualquer partitura...
       (a fuga da família real portuguesa em 1807 e sua instalação em 1808)
5. De colônia a Reino-Unido: uma promoção merecida...
       (o que o bom príncipe D. João fez por mim, antes e depois de 1816)
6. Em face do meu próprio destino: a caminho da independência
       (saquearam o meu banco e me deixaram na penúria; então, tome...)
7. Um príncipe impulsivo: meu primeiro mandatário, de muitos maus modos...
       (o príncipe convertido em Imperador, fechando a Constituinte)
8. Uma carta liberal-escravista: meu primeiro contrato constitucional
       (aspectos bizarros e pouco recomendáveis da Constituição de 1824)
9. Esquartejando o corpo da pátria: revoltas e rebeliões adolescentes...
       (expulsão do meu imperador, revoltas da Regência, violência de toda espécie)
10. Em paz com meu novo chefe: um jovem inexperiente, mas de boas intenções
       (digressões sobre o modo de ser do bom imperador D. Pedro II)
11. Como é duro reformar e modernizar um país: as amarras conservadoras
       (tentativas de abolir o tráfico, a escravidão, trazer progresso e indústria)
12. Desafios externos e incapacidade interna: enfrentando ditadores e déficits
       (Guerras platinas, desequilíbrios orçamentários, dívida externa)
13. Deliqüescência senil?: os reumatismos de minha condição monárquica
       (problemas no enfrentamento das questões sociais e políticas)
14. Um golpe algo improvisado: o nascimento da República
       (finalmente, virei “americano”: adeus à velha Europa)
15. Artigo de imitação: minha primeira constituição “federativa”
       (a Constituição de 1891 e seus muitos equívocos conceituais)
16. Testando a minha vontade: ameaças regressistas e reações jacobinas
       (como se resolvem alguns problemas a bala...)
17. Na santa paz das oligarquias: o café-com-leite do menu republicano
       (arranjos oligárquicos e instabilidade político-econômica)
18. Controvérsias internas e externas: o consenso das elites
       (revoltas provinciais, fixação das fronteiras externas)
19. O voto no bico da pena: eleições falsas, mas representação verdadeira
       (como eleger um presidente com um mínimo de voto, e fraudando além de tudo)
20. O que devo ao café: tudo, ou quase tudo...
       (a base das minhas receitas, minha presença no mundo)
21. De repente, afundam os meus navios
       (minha primeira experiência em uma briga de grandes: a primeira guerra mundial)
22. Como eleger um presidente sem precisar fazer campanha: Epitácio na Europa
       (nossa participação na conferência de Versalhes)
23. Jovens exaltados: meus inconstantes súditos militares
       (as revoltas dos tenentes se espalham pelo país)
24. Progredir, progredimos um tiquinho, que o progresso também é uma fatalidade
       (investimentos estrangeiros, reações xenófobas, nosso difícil desenvolvimento)
25. Meus liberais autoritários: desalojando a oligarquia, refazendo minhas fundações
       (a Revolução de 1930 e todo o resto)
26. Esses paulistas presunçosos: os guardiões da constitucionalidade
       (breve história da revolta de 1932: forçando a enfrentar os fatos)
27. Novo arranjo constitucional: desta vez, sob o signo do corporativismo
       (a elaboração constitucional de 1934)
28. Vermelhos e verdes: os meus radicais de esquerda e de direita
       (comunistas e integralistas tentam me conquistar)
29. A longa noite autoritária: me convertem em “Estado Novo”
       (o golpe de 1937, e o lado bom da não-democracia)
30. Entre o martelo e a bigorna: decidindo quem são meus verdadeiros amigos
       (minha decisão pelas nações aliadas)
31. Lutando na Europa pela democracia: e o que acontece lá em casa?
       (ideais e valores confrontados à realidade: a caminho do fim de uma etapa)
32. Luz no fim do túnel: a caminho da normalidade democrática
       (presidência provisória, eleições e um presidente militar)
33. O soneto melhor que a emenda: avaliando retrospectivamente a Carta de 1946
       (Dutra e a legalidade democrática: alguns arranhões na normalização)
34. A volta do mito: o ditador me conquista pelo voto
       (o segundo Vargas e as confusões intermináveis)
35. Um Estado de crise permanente: golpes e contra-golpes civil-militares
       (as crises de meados dos anos 1950)
36. O otimismo em pessoa: JK me encanta, mas a conta foi salgada...
       (cinqüenta anos em cinco, com despesas multiplicadas por dez)
37. De vassoura em punho, para o desconhecido: como tentaram me limpar
       (JQ e uma experiência inesquecível)
38. Meu primeiro Forrest Gump: Jango e a indecisão em pessoa
       (a grande confusão do governo populista-voluntarista)
39. Nova violência constitucional: esses militares impacientes
       (não quiseram esperar até 1965)
40. Tentando minha modernização, pelo alto: a via prussiana da mudança
       (as grandes reformas da era militar)
41. Querendo me transformar em grande potência: o fortificante da dívida externa
       (rápido crescimento, com ilegalidades a olhos vistos)
42. Do auge ao declínio do Estado militar: um retrato em tons de cinza
       (tentando um balanço honesto da era militar: tarefa impossível?)
43. Mobilização pela minha conquista: helàs, uma transição conservadora
       (como a nova República se instalou; aos trancos e barrancos e com muitos conchavos)
45. Todos os poderes ao povo (ou quase): a Constituinte congressual
       (sabores e dissabores do processo de elaboração constitucional)
46. Uma Constituição cidadã?: talvez, mas depois virou madastra...
       (análise das promessas generosas, economicamente impossíveis)
47. Acharam que eu era uma cornucópia: a descida na voragem inflacionária
       (como destruir uma economia com dois ou três congelamentos)
48. A grande fraude: como um caçador de marajás seqüestra a poupança dos incautos
       (mas pelo menos o cidadão começou a me transformar)
49. Meu segundo Forrest Gump: Itamar e a estabilização sem sacrifícios (ou quase)
       (trajetória de um bem sucedido plano de estabilização macroeconômica)
50. Na euforia da globalização, com um breve chamado à razão
       (tentando colocar as coisas em ordem, com alguns desajustes inevitáveis)
51. Remendando o que fizeram errado: a ordem econômica da introversão
       (consertando os desvios mais evidentes da Constituição de 1988)
52. Violando um velho princípio republicano: a caixa de Pandora da reeleição
       (esses políticos e suas fantásticas elocubrações)
53. Da glória ao inferno em pouco tempo: apagão cambial e energético
       (enfrentando os dragões da crise financeira e da imprevidência energética)
54. Tudo pronto para a mudança: a mais perfeita campanha de ilusionismo que conheci
       (prometendo uma coisa e se preparando para outra: a transição de 2002)
55. Contando uma bela história e atuando na penumbra: o Richelieu do Planalto
       (como comprar políticos a preço vil: a democracia violada pelo dinheiro)
56. Do carisma ao mito: como comprar o apoio do povo no cartão magnético
       (o grande curral eleitoral do Bolsa-Familia)
57. Uma tentativa de balanço: do Estado ideal ao estado a que chegamos
       (o barão de Itararé tinha razão?; como é difícil me reformar...)
58. Conclusões: uma trajetória aventurosa, cheia de riscos, sempre mais cara
       (quanto eu custo para o povo brasileiro?; será que ele me merece?)

Brasília, 27 outubro 2007.
(a ser desenvolvido progressivamente)

Autobiografia de um fora-da-lei, 2
(uma história do Estado brasileiro)

Paulo Roberto de Almeida

Uma questão de método: como o Estado pode escrever sua própria biografia?

Expostas as razões pelas quais decidi escrever minha próprias história, cabe agora responder à difícil questão de como pode uma entidade que é, por definição, impessoal, vale dizer, indefinível enquanto personalidade individual e, portanto, sem vontade própria, escrever sua biografia na primeira pessoa? Quem é você, seu fora-da-lei assumido?
Sim, afinal de contas, quem está falando, ou quem está escrevendo, exatamente? Seria sempre a mesma pessoa, ao longo do tempo, em toda e qualquer circunstância? Qual inteligência anima essa pluma, ou movimenta esse mouse a bate os dedos nesse teclado de computador? Que cérebro está atrás dos argumentos escritos e responde pela veracidade do que vou aqui expor? O Estado, isto é, eu mesmo, não foi o mesmo ao longo do tempo, não há um fio condutor que leva da mera capitania-geral e do vice-reinado da era colonial, para um reino sui generis no contexto americano, no início do século XIX, daí para um império pretensioso em seu aristocratismo mestiço e, finalmente, uma república de oligarcas e de aventureiros que foi se transformando ao longo do século XX. Em cada uma dessas etapas da minha existência, forças e ânimos diferentes estiveram atrás de minhas ações (e omissões), vontades diversas, e muitas vezes contraditórias, me empurraram para esta ou aquela aventura política ou militar, interesses concretos daqueles que ocuparam minhas sedes eventuais levaram a características muito particulares que fui assumindo no decorrer dessas fases, algumas mais tempestuosas do que outras, sem que se possa, em todos os casos, identificar o momento certo de ruptura com certas práticas e hábitos ancestrais e o começo de uma nova era de dominação.
Claro, o que permanece constante no decorrer de toda a minha existência é essa essência verdadeira de todo Estado: a concentração do poder e o exercício indisputável – algumas vezes disputado – da dominação política, ou seja, o comando sobre os homens e a administração das coisas. Tirando essa característica fundamental do meu modo de ser, tudo o mais mudou, ao longo desses anos e séculos de trajetória errante, de ações claudicantes, por vezes decisivas, em outras timoratas, em todo caso, determinantes para o destino de tanta gente e de tantos interesses. Eu sempre fui fiel a um único princípio, a uma única vontade, ou seja, a mim mesmo, buscando preservar a lógica do poder absoluto, que é o monopólio do uso da força e a eliminação de todo e qualquer concorrente no exercício daquela capacidade de agir que os cientistas políticos chamam de nomes aliás coincidentes: Macht, power, puissance. Não admito competição quando se trata da minha própria vontade!
Por isso mesmo eu sou único, ainda que diversas personalidades se tenham sucedido no comando de minhas ações. Mas todos aqueles que se sentaram na minha cadeira de comando, estiveram a meu serviço exclusivo e encarnaram minha vontade pessoal, mesmo sem o saber ou sequer perceber. Muitos pensaram, sobretudo aqueles com vocação caudilhesca ou ditatorial, que se guiavam por sua própria vontade, quando na verdade estavam cumprindo meus desígnios permanentes, que são o de sempre acumular poder e o de aumentar cada vez mais meu domínio sobre os homens e as coisas. Alguns me serviram fielmente, outros pensaram que estavam devolvendo o “poder ao povo”, quando nada mais faziam do que confirmar minha determinação em exercer solitariamente toda e qualquer decisão relevante na vida da nação. O país se coloca aos meus pés: este é princípio diretor que orienta todas as minhas ações.
Isto não quer dizer que eu tenha sido sempre arbitrário e prepotente no decorrer de minha história multissecular, longe disso. Na maior parte das vezes, eu agi com o consentimento e a concordância da maior parte dos meus súditos, ou cidadãos, conforme o caso. Raras vezes me vi obrigado a me afastar de meu próprio livro-guia para impor minha vontade unilateral ao povo miúdo ou aos poderosos que me sempre me cercaram. Normalmente todos eles me obedecem, por costume ou porque são sensatos, não lhes importando muito saber de onde vem a minha força e o poder de minha clave, apenas interessando-lhes ter certeza de que ela poderia se abater sobre suas cabeças caso ousassem infringir as normas fixadas nas tábuas da lei.
E, para tocar no ponto certo, quem impunha a sua lei sobre os pergaminhos e papéis que condensavam a vontade superior que eu representava ao longo do tempo? Bem, isso variou muito no decorrer dos séculos pois, ainda que a minha palavra fosse unívoca e singular, os comandos foram sendo articulados pelas diferentes figuras que, na sucessão dos reis postos, de sucessores impostos, de monarcas de ocasião e de tribunos cooptados pelas oligarquias, ocuparam os meus palácios pela razão ou pela força. Essas leis, em todo caso, foram sempre sendo interpretadas à minha própria maneira, segundo meus desejos circunstanciais, foram sendo modificadas sempre quando isso me convinha, foram sendo dobradas à minha vontade ou descartadas como inúteis e substituídas por novas leis, sempre melhores, claro, do meu ponto de vista.
Foi assim que eu fui acumulando, sem sequer enrubescer uma única vez, constituições várias e milhares de normas, centenas de alvarás-régios, dezenas de milhares de leis, incontáveis decretos, medidas provisórias, portarias, circulares, instruções, avisos e tudo o que foi possível humanamente (e até de forma desumana) inventar como injunções aos súditos e cidadãos (à falta de poder me dirigir às coisas inanimadas). Confesso que eu mesmo me perdi, inúmeras vezes, no meio dessa barafunda de regras, nessa selva de leis, sem saber ao certo qual a que se devia aplicar a cada caso específico. Mas, isso não importa muito, pois o que vem com o carimbo do Estado e a chancela da autoridade merece ser cumprido, sob as penas da lei, que sou eu mesmo quem faço (ainda que alguns juízes inventem de interpretá-la).
Sendo assim, nada obsta a que eu escreva minha própria história, nas minhas próprias palavras, com o que hão de concordar (obrigatoriamente) os mais sensatos. Nada impede que eu tenha escolhido para ser meu escriba particular – e temporário – um mero empregado do Estado, um servidor público temporariamente disponível para estas digressões fora do comum, posto que raramente me é dado o lazer de eu mesmo descrever minha trajetória política (e econômica). No mais das vezes, minha história e carreira política têm sido escritas por cientistas sociais ou sábios da academia, ocasionalmente até um ou outro psicanalista ou filósofo improvisado. Eles falam muita bobagem a meu respeito, e até algumas inverdades.
Esta é, portanto, a minha autobiografia autorizada, a única que me foi dada escrever até este momento, ao que eu saiba, pelo menos. Desconheço, na verdade, se em outras encarnações de minha múltipla personalidade, antecessores tomaram eles mesmos da pluma – aqui no sentido literal – para escrever minha história pregressa, ou se delegaram a outros essa tarefa. Não tenho registro de exemplos precedentes nos meus arquivos implacáveis, algo confusos, é verdade, e, no mais das vezes, impenetráveis. Quero, em todo caso, deixar constância de minha honestidade proverbial na reconstituição dos meus atos e fatos, o que aliás vem expresso no subtítulo desta autobiografia: eu escrevi que se trata de “uma” história do Estado brasileiro, e não “da” história desse Estado. Esta é a minha história, quem quiser que conte outra. Nunca pretendi retirar o sustento de tantos cronistas voluntários da minha existência, nem competir deslealmente com tantos intérpretes da academia. O presente rábula é de ocasião, mas ele é meu, ele sou eu.
Esta é, portanto, a minha versão da minha história, a única por mim autorizada. Outras existirão, que não receberam a minha chancela ou até à minha revelia, quando não deformando totalmente as minhas ações e os meus dizeres. Não me importa! Sou democrata, se isto não causar arrepios (ou calafrios) ao mais respeitável dos filósofos políticos. Minha vontade é a lei, mas eu deixo que a interpretem à vontade, à condição que ela seja cumprida. Tem sido assim nos últimos quatro ou cinco séculos e não vejo por que isso tenha de mudar agora.
Não temam os historiadores se eu não revelar as fontes documentais dos muitos atos e fatos que eu aqui relatar: não tenho tempo, agora, para ir remexer no pó dos arquivos e dali retirar as “provas irrefutáveis” do que vou contar, em linguagem livre e por vezes desabusada. Vou ser sincero, tanto quanto me permitem a idade e o alcance da memória e não tenho por que esconder as coisas mais escandalosas que andaram dizendo ao meu respeito. Aprendi, em outros tempos, com um intérprete genial, Niccolò Machiavelli, que não devemos nos envergonhar de exercer a única coisa que nos é dada como essência da nossa própria existência: o poder total, em todas as suas formas e manifestações. Dele faço questão e é por isso mesmo que eu decretei ao meu escriba: senta-te e escreve a minha história verdadeira.
É a que eu passo agora a relatar...

Brasília, 2 de novembro de 2007

Chernobyl: 30 anos da maior tragedia nuclear no mundo (e o comeco do fim do socialismo) - NYTimes

Front Page Image

Soviet Announces Nuclear Accident at Electric Plant



Power Reactor Damaged
Mishap Acknowledged After Rising Radioactivity Levels Spread to Scandinavia
By Serge Schmemann
Special to The New York Times
OTHER HEADLINES Deaver Requests a Special Inquiry Into his Lobbying: Justice Dept. Must Decide: Meese Removes Himself From Discussions on Naming of Independent Counsel
Judge Puts Off Gotti Crime Trial Until August to Revamp the Jury
Cuomo Presents Legislative Plan to Combat Craft: Ethics Bill Proposed to Deter Abuses by State Officials and Political Leaders
U.S. Plans End of Military Ties to New Zealand
Political Dueling on Capital Hill May Kill '87 Budget, Dole Warns
New Ring of Suburbs Springs Up Around City
Editor at U.S. Radio Reappears in Soviet, Assailing the West
Moscow, April 28, 1986 -- The Soviet Union announced today that there had been an accident at a nuclear power plant in the Ukraine and that ''aid is being given to those affected.''
The severity of the accident, which spread discernable radioactive material over Scandinavia, was not immediately clear. But the terse statement, distributed by the Tass press agency and read on the evening television news, suggested a major accident.
The phrasing also suggested that the problem had not been brought under full control at the nuclear plant, which the Soviet announcement identified as the Chernobyl station. It is situated at the new town of Pripyat, near Chernobyl and 60 miles north of Kiev.
Heightened Radioactivity Levels
The announcement, the first official disclosure of a nuclear accident ever by the Soviet Union, came hours after Sweden, Finland and Denmark reported abnormally high radioactivity levels in their skies. The readings initially led those countries to think radioactive material had been leaking from one of their own reactors.
The Soviet announcement, made on behalf of the Council of Ministers, after Sweden had demanded information, said in its entirety:
''An accident has occurred at the Chernobyl nuclear power plant as one of the reactors was damaged. Measures are being taken to eliminate the consequences of the accident. Aid is being given to those affected. A Government commission has been set up.''
Concern Is Reinforced
The mention of a commission of inquiry reinforced indications that the accident was a serious one. [United States experts said the accident probably posed no danger outside the Soviet Union. But in the absence of detailed information, they said it would be difficult to determine the gravity, and they said environmental damage might conceivably be disastrous. Page A10. [The Chernobyl plant, with four 1,000-megawatt reactors in operation, is one of the largest and oldest of the 15 or so Soviet civilian nuclear stations. Nuclear power has been a matter of high priority in the Soviet Union, and capacity has been going into service as fast as reactors can be built. Page A10.] Pripyat, where the Chernobyl plant is situated, is a settlement of 25,000 to 30,000 people that was built in the 1970's along with the station. It is home to construction workers, service personnel and their families.
A British reporter returning from Kiev reported seeing no activity in the Ukrainian capital that would suggest any alarm. No other information was immediately available from the area.
But reports from across Scandinavia, areas more than 800 miles to the north, spoke of increases in radioactivity over the last 24 hours.
Scandinavian authorities said the radioactivity levels did not pose any danger, and it appeared that only tiny amounts of radioactive material had drifted over Scandinavia. All of it was believed to be in the form of two relatively innocuous gases, xenon and krypton. Scandinavian officials said the evidence pointed to an accident in the Ukraine.
In Sweden, an official at the Institute for Protection Against Radiation said gamma radiation levels were 30 to 40 percent higher than normal. He said that the levels had been abnormally high for 24 hours and that the release seemed to be continuing.
In Finland, officials were reported to have said readings in the central and northern areas showed levels six times higher than normal. The Norwegian radio quoted pollution control officials as having said that radioactivity in the Oslo area was 50 percent higher.
Since morning, Swedish officials had focused on the Soviet Union as the probable source of the radioactive material, but Swedish Embassy officials here said the Soviet authorities had denied knowledge of any problem until the Government announcement was read on television at 9 P.M.
The first alarm was raised in Sweden when workers arriving at the Forsmark nuclear power station, 60 miles north of Stockholm, set off warnings during a routine radioactivity check. The plant was evacuated, Swedish officials said. When other nuclear power plants reported similar happenings, the authorities turned their attention to the Soviet Union, from which the winds were coming.
A Swedish diplomat here said he had telephoned three Soviet Government agencies - the State Committee for Utilization of Atomic Energy, the Ministry of Electric Power and the three-year-old State Committee for Safety in the Atomic Power Industry -asking them to explain the high readings over Scandinavia. All said they had no explanation, the diplomat said.
Before the Soviet acknowledgment, the Swedish Minister of Energy, Birgitta Dahl, said that whoever was responsible for the spread of radioactive material was not observing international agreements requiring warnings and exchanges of information about accidents.
Tass, the Soviet Government press agency, said the Chernobyl accident was the first ever in a Soviet nuclear power plant.
It was the first ever acknowledged by the Russians, but Western experts have reported at least two previous mishaps. In 1957, a nuclear waste dump believed related to weapons production was reported to have resulted in a chemical reaction in the Kasli areas of the Urals, causing damage to the environment and possibly fatalities. In 1974, a steam line exploded in the Shevchenko nuclear breeder plant in Kazakhstan, but no radioactive material is believed to have been released in that accident.
Soviet authorities, in giving the development of nuclear electricity generation a high priority, have said that nuclear power is safe. In the absence of citizens' opposition to nuclear power, there has been virtually no questioning of the program.
The terse Soviet announcement of the Chernobyl accident was followed by a Tass dispatch noting that there had been many mishaps in the United States, ranging from Three Mile Island outside Harrisburg, Pa., to the Ginna plant near Rochester. Tass said an American antinuclear group registered 2,300 accidents, breakdowns and other faults in 1979.
The practice of focusing on disasters elsewhere when one occurs in the Soviet Union is so common that after watching a report on Soviet television about a catastrophe abroad, Russians often call Western friends to find out whether something has happened in the Soviet Union.
Construction of the Chernobyl plant began in the early 1970's and the first reactor was commissioned in 1977. Work has been lagging behind plans. In April 1983, the Ukrainian Central Committee chastised the Chernobyl plant, along with the Rovno nuclear power station at Kuznetsovsk, for ''inferior quality of construction and installation work and low operating levels.'' ---- U.S. Offers to Help AGANA, Guam, Tuesday, April 29 -Donald T. Regan, the White House chief of staff, said today that the United States was willing to provide medical and scientific assistance to the Soviet Union in connection with the nuclear accident but so far there had been no such request.

Defesa: Australia encomenda 12 submarinos franceses - Le Monde

Marinheiros brasileiros devem ficar babando quando leem notícias como essa:

Le constructeur naval militaire français DCNS a remporté un appel d’offres pour 12 sous-marins pour la marine australienne, un contrat de cinquante ans évalué à plus de 34 milliards d’euros, a annoncé mardi le premier ministre de l’Australie. # Comme en France, le monde du travail est en Belgique trop hiérarchisé, et la participation des travailleurs y est insuffisante.
Par Edouard Pflimlin   

Australie : DCNS gagne un contrat géant de sous-marins
Un sous-marin français de type Barracuda Block 1A, dessiné par DCNS pour la Royal Australian Navy.

Un sous-marin français de type Barracuda Block 1A, dessiné par DCNS pour la Royal Australian Navy. HANDOUT / REUTERS

Le groupe français DCNS a remporté mardi face à ses concurrents allemand et japonais un mégacontrat estimé à 50 milliards de dollars australiens (34,5 milliards d’euros) en vue de la construction de la prochaine génération de sous-marins australiens. Malcolm Turnbull, le premier ministre de l’Australie, a annoncé mardi lors d’une conférence de presse l’issue d’un processus d’appel d’offres de plusieurs années, après en avoir informé le président François Hollande.
La recommandation du panel chargé d’étudier les offres était « sans équivoque », a déclaré M. Turnbull. « L’offre française présentait les meilleures capacités pour répondre aux besoins uniques de l’Australie. » Ce contrat est la plus importante commande militaire passée par l’Australie. Il porte sur 12 sous-marins océaniques qui devront remplacer les sous-marins de la classe Collins fonctionnant au diesel et à l’électricité. Le spécialiste français du naval de défense détenu par l’Etat et Thales était en concurrence avec l’allemand ThyssenKrupp Marine Systems (TKMS) et un consortium emmené par Mitsubishi Heavy Industries et soutenu par le gouvernement japonais. DCNS proposait une version à propulsion classique de son Barracuda, ThyssenKrupp défendait le Type-216, et le Japon le Soryu.
Le processus d’appel d’offres a été politiquement délicat en Australie, avec en toile de fond les craintes pour l’avenir de l’industrie navale australienne. Canberra cherchait à obtenir l’assurance qu’une grande partie du processus de fabrication se ferait en Australie, de façon à maximiser la participation et l’emploi de l’industrie du pays. « C’est un grand jour pour notre marine, un grand jour pour l’économie australienne du XXIe siècle, un grand jour pour l’avenir de l’emploi », a déclaré M. Turnbull à Adelaïde, en Australie-Méridionale, où les sous-marins seront construits. « Ce nouveau succès sera créateur d’emplois et de développement en France comme en Australie », a assuré l’Elysée. « Il marque une avancée décisive dans le partenariat stratégique entre les deux pays, qui vont coopérer durant cinquante années sur l’élément majeur de souveraineté que représente la capacité sous-marine. » Les sous-marins devraient être mis en service en 2027. Le contrat prévoit une enveloppe comprenant notamment les infrastructures, la maintenance et la formation des équipages. Les 12 sous-marins, a assuré M. Turnbull, seront « les vaisseaux les plus sophistiqués construits dans le monde ». L’Australie a annoncé en février une rallonge de 29,9 milliards de dollars australiens (19,4 milliards d’euros) du budget de la défense sur les dix années à venir pour faire face aux enjeux géopolitiques en Asie-Pacifique. Alliée des Philippines, l’Australie s’inquiète notamment de l’attitude de la Chine en mer de Chine méridionale, objet d’âpres contentieux territoriaux entre Pékin et les capitales régionales.