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Este blog trata basicamente de ideias, se possível inteligentes, para pessoas inteligentes. Ele também se ocupa de ideias aplicadas à política, em especial à política econômica. Ele constitui uma tentativa de manter um pensamento crítico e independente sobre livros, sobre questões culturais em geral, focando numa discussão bem informada sobre temas de relações internacionais e de política externa do Brasil. Para meus livros e ensaios ver o website: www.pralmeida.org. Para a maior parte de meus textos, ver minha página na plataforma Academia.edu, link: https://itamaraty.academia.edu/PauloRobertodeAlmeida;

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quinta-feira, 14 de setembro de 2017

Seminario de Estudos Estrategicos - CEEEx e Uniceub, 18-20/09


O Centro de Estudos Estratégicos do Exército (CEEEx) e o Centro Universitário de Brasília (UniCEUB) realizarão, entre os dias 18 e 20 de setembro, o Seminário de Estudos Estratégicos: Geopolítica, Defesa e Segurança da Nação Brasileira. O encontro visa debater temas de Defesa e Segurança Nacional, com estudiosos e autoridades nacionais, de modo a estimular a reflexão sobre a temática e subsidiar políticas públicas na área e contribuir para o Planejamento Estratégico do Exército.
O evento será realizado no auditório do campus da Asa Norte do UniCEUB, Bloco 3, e contará com transmissão ao vivo pelo canal youtube. Para inscrever-se, é preciso acessar o site e preencher o formulário até o dia 17/9. Inscrições efetuadas nos dias do evento estarão sujeitas à disponibilidade de vagas.

PROGRAMAÇÃO
Mesa 1 – Geopolítica e interesses nacionais brasileiros Dia 18/9, das 19h às 21h40
Presidente da Mesa: Cel Valério Luiz Lange (Ch CEEEx)
Moderador: Alcides Vaz (CEEEx)
Painelistas: Gen Div Fernando Jose Sant’ana Soares e Silva (EME)/ Wanderley Messias da Costa (USP)/ Major Selma Gonzales (ESG)
Acontecimentos recentes, como a preocupação com o esgotamento dos recursos naturais, a emergência de novas potências regionais, a proliferação de ataques terroristas e a ampliação das migrações internacionais aparecem no cenário internacional como espécie de “vingança da Geopolítica”. Percebe-se uma tendência à valorização de elementos da Geopolítica clássica, que ressurgem, dando sinais de que as relações entre os Estados continuam pautadas por disputas de poder. Nesse cenário, o Brasil desponta como ator relevante por sua grandeza geográfica e riqueza natural. Entretanto, observam-se sérios desafios a sua projeção internacional. Além de questões estruturais e vulnerabilidades materiais, o País enfrenta desafios de ordem política e de natureza conjuntural que dificultam o pensamento de longo prazo, geram dúvidas sobre seus reais interesses e conformam um país que, geopoliticamente, parece não perceber o valor de seu território e do seu potencial. Considerando tal cenário, a presente mesa visa a discutir os interesses nacionais, considerando o retorno da Geopolítica nas relações internacionais.

Mesa 2 – Grande Estratégia e Defesa Nacional Dia 19/9, das 9h às 11h40
Presidente da Mesa: Raphael Camargo Lima (CEEEx)
Moderador: Giovanni Okado (PUC/GO)
Painelistas: Joanisval Brito (SAE/PR)/ Salvador Raza (NDU)/ Juliano da Silva Cortinhas (UnB)/ Gen Div Fernando José Soares da Cunha Mattos (ASPLAN/MD)
Uma Grande Estratégia pode ser entendida enquanto uma estratégia ampla, capaz de dar sentido aos diversos recursos de uma nação para a consecução de objetivos políticos. É comum, ao longo da história, potências terem combinado meios diplomáticos, econômicos e militares para atingirem seus interesses nas relações internacionais. Diferentemente das grandes potências, países em desenvolvimento têm, em geral, dificuldades de traçar e implementar uma Grande Estratégia de modo coerente, uma vez que possuem fragilidades nos níveis político, econômico e social. O Brasil, ainda que com grandes potencialidades, não enfrenta desafios menores que outras potências médias no sistema internacional. O tema faz-se importante, pois direcionamentos estratégicos mais amplos delineiam o que o país aspira de suas Forças Armadas e, consequentemente, implica na existência de uma estrutura de defesa nacional coerente. Nesse sentido, o estabelecimento da END (2008), pode ser considerado um interessante exemplo, na medida em que aproxima fatores fundamentais para uma potência: desenvolvimento e segurança. Considerando sua relevância para a Defesa Nacional, a presente mesa redonda se propõe a debater uma possível Grande Estratégia brasileira e suas implicações para a defesa. Há ou houve uma Grande Estratégia? Quais interesses permeiam esse delineamento estratégico amplo? Qual é o papel da Defesa na Grande Estratégia brasileira? Qual é a estrutura desejável para a Defesa Nacional para que se atinja seus objetivos? Essas são algumas das perguntas a serem debatidas.

Mesa 3 – Economia e Base Industrial de Defesa Dia 19/9, das 14h às 16h40
Presidente da Mesa: Alexandre da Costa Pereira (CEEEx)
Moderador: Peterson Ferreira da Silva (CEEEx)
Painelistas: Igor Castellano (UFSM)/, Flávio Augusto Corrêa Basílio (SEPROD)/ Gen Bda R1 Mauro Guedes Ferreira Mosqueira Gomes (Conselho Internacional de Engenharia de Sistemas Complexos - INCOSE)/ Larissa Querino (ABDI)
No Brasil, a consolidação de uma Base Industrial de Defesa (BID), congregando empresas estatais ou privadas, civis e militares, voltada ao desenvolvimento de Produtos Estratégicos de Defesa (PED), passa por desafios constantes, como a irregularidade na alocação de recursos orçamentários destinados às Forças Armadas.  A superação de tais óbices demanda, sobretudo, uma maior regularidade e previsibilidade do poder de compra governamental, especialmente no que se refere às necessidades das Forças Armadas. Faz-se necessário, também, discutir temas como a qualificação e a retenção de capital humano, bem como o aprimoramento de regimes especiais que permitam ampliar a competitividade da BID. Ao Exército Brasileiro, em particular, interessa conciliar as suas necessidades e demandas com as capacidades da BID. Nesse sentido, deve-se destacar a importância do desenvolvimento de novas tecnologias com base na “Tríplice Hélice” (relação Defesa, Indústria e Academia). Do exposto, a presente mesa discutirá a importância da Economia de Defesa e da consolidação de uma BID, considerando, especialmente, seus reflexos para a Segurança e Defesa nacionais.

Mesa 4 – Política Externa, Defesa e Segurança Dia 19/9, das 19h às 21h40
Presidente da Mesa: Cel Gerson Vargas Ávila (CEEEx)
Moderadora: Renata de Melo Rosa (UniCEUB)
Painelistas: Emb. Nelson A. Tabajara (MRE)/ Maria Regina S. de Lima (UERJ)/ Brig Ricardo Reis Tavares (SCAI/MD)
A diplomacia e a defesa são duas expressões da ação internacional dos Estados. Nesse sentido, se alinhadas, a política externa e a política de defesa permitem que o país combine recursos de poder para atingir seus interesses na dinâmica das relações internacionais. No caso do Brasil, durante muitas décadas, houve grande dissonância entre essas duas vertentes da ação externa.  Atualmente, a necessidade de coordenação entre atores, agendas e meios dessas duas políticas tornou-se uma agenda cada vez mais presente, especialmente nas pautas de acadêmicos, do Ministério da Defesa e do Ministério das Relações Exteriores. Nesse contexto, o objetivo desta mesa será debater os avanços e desafios para a maior coordenação entre essas duas políticas, bem como as agendas e desafios para a formulação da ação externa do Brasil em suas dimensões diplomática e militar.

Mesa 5 – Conflitos armados e Operações de Paz Dia 20/9, das 9h às 11h40
Presidente da Mesa: Cel Guilherme Otávio Godinho de Carvalho (MD)
Moderador: Marcos Aurelio Guedes de Oliveira (CEEEx)
Painelistas: Conselheiro Cristiano Figueroa (DPAZ/ MRE)/ Gen Div R1 Santos Cruz (SENASP)/ Adriana Erthal Abdenur (Instituto Igarapé)
Finda a Guerra Fria, imaginava-se uma redução no número dos conflitos armados no mundo. Diferentemente do que muitos aspiravam, houve apenas uma mudança de perfil. Decaiu o número de conflitos entre Estados e disseminaram-se conflitos de natureza assimétrica, intraestatal e transnacional. Grupos armados, organizações terroristas e o crime organizado tornaram-se desafios mais significativos à agenda de segurança internacional. A natureza mutante dos conflitos tem inspirado que missões de paz das organizações internacionais, alianças e blocos logrem se adaptar aos novos teatros de operações. Nesse contexto, o Brasil tem entendido as operações de paz como um importante meio de empregar suas Forças Armadas em apoio à política externa do país, postura que fortalece a importância desse tema no âmbito da ação exterior brasileira. Considerando a relevância da temática para o Brasil, o objetivo da presente Mesa Redonda será debater o novo perfil dos conflitos internacionais, as operações de paz e suas implicações para o Brasil. De que forma os novos conflitos influenciam a dinâmica das operações de paz? Quais são os interesses internacionais que permeiam as atuais operações? Qual o interesse do Brasil em ampliar sua participação? Essas são algumas questões postas em debate.

Mesa 6 – Entorno Estratégico e segurança nas fronteiras Dia 20/9, das 14h às 16h40
Presidente da Mesa: TC Oscar Medeiros Filho (CEEEx)
Moderador: Cel Mário Giussepp Santezzi Bertotelli Andreuzza (NEE/CMS)
Painelistas: Paulo G. Fagundes Visentini (UFRGS)/ Samuel Soares (Unesp)/ Gen Bda R1 Luiz Eduardo Rocha Paiva (CEEEx)/ C ALTE André Novis Montenegro (SubChefe de Estratégia do EMA)
A América do Sul, junto ao Atlântico Sul, aos países da costa ocidental africana e à Antártica compõem o entorno estratégico brasileiro e, portanto, constitui área de interesse prioritário para a defesa e a segurança nacional. Ao longo de mais de 15 mil km, o Brasil compartilha fronteira terrestres com países sul-americanos, por ondem transitam pessoas, mercadorias e bens, mas também o ilícito e as atividades criminosas transnacionais. Além disso, o país dispõe de mais de 7 mil km de fronteiras marítimas, o lhe impõe a necessidade de controle e vigilância desse espaço estratégico em termos de comércio e riquezas naturais. O avanço da cooperação nas últimas décadas ampliou o grau de porosidade e permeabilidade dessas fronteiras. Tal cenário impõe aos países fronteiriços maiores preocupações com a segurança nas fronteiras, o que demanda, por sua vez, a ampliação de atividades de vigilância e de atuação coordenada entre os órgãos de defesa e os de segurança pública. Considerando tal cenário, a presente mesa visa a discutir as ameaças, as vulnerabilidades e as oportunidades de cooperação regional com base na ideia de segurança “nas” fronteiras.

Mesa 7 – Defesa, Segurança e Inteligência Dia 20/9, das 19h às 21h40
Presidente da Mesa: Renata de Melo Rosa (UniCEUB)
Moderador: Cel Valério Lange (Ch CEEEx)
Painelistas: Eliezer Rizzo (Unicamp)/ Gen Ex R1 Carlos Bolivar Goellner (GSI/PR)/  Marco Cepik (UFRGS)
A crise de segurança pública pela qual passa o País,  marcado por quadro onde há sinais de uma perigosa simbiose entre grupos de banditismo armado e organizações criminosas internacionais, revela uma situação que, para além de uma questão conjuntural, aponta para possíveis vulnerabilidades do Estado brasileiro. Tal desafio sugere ações coordenadas pelos órgãos de defesa, segurança e inteligência. A efetivação de ações coordenadas enfrenta sérios desafios, desde o aprimoramento de operações interagências até a compreensão da sociedade brasileira que, de forma geral, desconhece o papel da inteligência em uma sociedade democrática. Diante do exposto, a presente mesa tem por objetivo discutir os pontos de contato entre os órgãos da defesa nacional, da segurança pública e da inteligência visando ao enfrentamento do quadro atual de (in)segurança que vive a Nação Brasileira.

quarta-feira, 13 de setembro de 2017

Oswaldo Aranha: um estadista brasileiro: livro da Funag

Quase pronto: dentro em pouco vai para o forno:




Oswaldo Aranha: um estadista brasileiro

Sérgio Eduardo Moreira Lima
Rogério de Souza Farias
Paulo Roberto de Almeida (editores)
(Brasília: Funag, 2017)


Oswaldo Aranha: diplomata e estadista – Sérgio E. Moreira Lima

Cronologia                   16

Introdução geral – Rogério de Souza Farias    20

Oswaldo Aranha: the evolution of his strategic vision – Stanley Hilton        37

Diplomacia hemisférica (1934-1939) – Rogério de Souza Farias       59

Oswaldo Aranha e Franklin D. Roosevelt – Carlos Leopoldo de Oliveira      67

Entre a Europa e a América (1934)          68

A chegada nos Estados Unidos (1934).   72

Um elogio à civilização americana (1936)            74

Limite, fronteira e paz (1937)      77

Retorno da Embaixada em Washington (1937)    92

Posse no Ministério das Relações Exteriores (1938)       94

Paz para a América: assinatura da paz do Chaco (1938) 98

A vulnerabilidade das Américas (1939)   100

Panamericanismo (1939)  104

Retorno da Missão aos Estados Unidos (1939)  107

Avaliação da Missão Aranha (1939)       110

Reassumindo o Itamaraty (1939)            116

O chanceler no conflito global (1939-1945) – Paulo Roberto de Almeida      118

Oswaldo Aranha e os refugiados judeus – Fábio Koifman     150

Fronteiras e limites: a política do Brasil (1939)     169

A preparação para a guerra (1939) 186

Conferência sobre a história diplomática brasileira (1940)            188

Reunião de consulta dos chanceleres americanos (1942).  200

O papel do Itamaraty na política do Brasil (1942)            204

O torpedeamento de navios brasileiros (1942)      207

O Brasil e a comunidade britânica (1942)  209

A carta a Vargas: planejando o pós-guerra (1943) 216

A América no cenário internacional (1943)            222

Um ano da entrada do Brasil na guerra (1943)       225

A Sociedade dos Amigos da América (1945)         227

Comício das quatro liberdades (1945)        234

Liga da Defesa Nacional (1945)     245

Multilateralismo e pós-guerra (1947-1958) – Rogério de Souza Farias         252

A conception of world order (1947)        265

Homenagem nas Nações Unidas (1947)  270

A profile of Brazil (1947)            272

Sessão Especial da ONU: Partilha da Palestina (1947)   277

Abertura da II Assembleia Geral da ONU (1947)           280

A new order through the United Nations (1947)            285

A crise da consciência universal (1948)   292

Regional systems and the future of U.N. (1948) 299

A ONU e a nova ordem mundial (1948)  305

Entre a paz e a guerra (1949)       312

Formatura no Instituto Rio Branco (1950)          328

O Brasil e o pós-guerra (1950)    338

Estados Unidos e Brasil na Guerra Fria (1953)   347

A última missão na ONU (1957) 355

Um balanço da Assembleia Geral da ONU (1957)          359

Dez anos nas Nações Unidas (1957)       362

Reatamento das relações com a União Soviética (1958)  368

Discurso na ESG: o bloco soviético (1958)         376

O estadista econômico – Paulo Roberto de Almeida          394

Renegociação da dívida externa (1934)    421

Nacionalismo econômico na Constituinte (1934)            441

Comparando as economias do Brasil e dos Estados Unidos (1936)        445

Soluções nacionais para os problemas de cada país (1937)         452

Tratado de integração econômica Brasil-Argentina (1941)          455

The rise of interdependence (1947)         460

De volta ao Ministério da Fazenda (1953)          465

A situação financeira e econômica do país (1953)           472

O parlamento e as finanças (1953)          484

Os fundamentos do Plano Aranha (1953)           493

O problema da dívida brasileira (1954)    511

O café e o Brasil (1954)   517

O estadista político – Paulo Roberto de Almeida       523

A Revolução (1930)         537

Despedida do Ministério da Justiça (1931)         540

Roosevelt: o único estadista mundial (1945)       554

A relevância de Rui Barbosa (1945)        581

Democracia, Estado Novo e relações internacionais (1945)        583

Os governos e o povo (1947)      587

Discurso no túmulo de Vargas (1954)     596

Compreendendo o suicídio de Vargas (1954)      603

A despedida do estadista (1959) 610

Frases de Oswaldo Aranha     621

Referências bibliográficas        623

Sobre os autores          637


[Índice: 14/09/2017]

Imigrante ideal: livro do historiador Fabio Koifman (Civilização Brasileira, Pesquisa Fapesp, 2012)

Os indesejáveis

Política imigratória do Estado Novo escondia projeto de branqueamento



Revista Pesquisa Fapesp,  ED. 201 | NOVEMBRO 2012

© ACERVO DO MUSEU LASAR SEGALL – IBRAM / MINC
“Navio de emigrantes”, de Lasar Segall (1939/41), pintura a óleo com areia sobre tela, 230 x 275 cm
Quando, em 1995, o Arquivo Histórico do Itamaraty foi aberto ao público, parte da documentação revelou que a instituição havia participado da política racista e discriminatória de estrangeiros do Estado Novo, colocando o passado do Ministério das Relações Exteriores na incômoda posição de “porteiro do Brasil”. Uma nova pesquisa, Imigrante ideal (Civilização Brasileira), do historiador Fábio Koifman, da Universidade Federal Rural Fluminense (UFRF), isenta o Itamaraty de toda a responsabilidade por essa política restritiva. “É um equívoco historiográfico, já que se ignora que, entre 1941 e 1945, o Serviço de Visto estava alocado no Ministério da Justiça, o real responsável pela palavra final da aceitação ou não de estrangeiros”, diz Koifman. Esse foi o único momento na história da República que a atribuição não esteve no âmbito do Itamaraty.
O pesquisador afirma que é a primeira vez que se analisa o papel central do Ministério da Justiça, de seu titular, o jurista Francisco Campos (1891-1968), e de Ernani Reis (1905-1954), parecerista do ministério, burocrata que, através de sua interpretação, dizia, baseado na legislação, quem entrava ou não no país. Suas sugestões quase sempre eram aceitas pelo ministro e se baseavam na seleção dos imigrantes “desejáveis”, que se encaixassem no projeto de “branqueamento” da população brasileira da ditadura Vargas. Negros, japoneses e judeus, assim como idosos e deficientes, não estavam nos padrões estabelecidos e eram recusados como “indesejáveis”.
A pesquisa de Koifman começou quando ele encontrou o decreto-lei 3.175, de 1941, que passava o poder de decisão de concessão dos vistos do Ministério das Relações Exteriores para o Ministério da Justiça. Mas o Serviço de Visto em si não foi criado por decreto, embora existisse com papel timbrado e tudo. Não foi, porém, instituído formalmente e sua verba vinha de outros órgãos. “Ele foi criado para isolar seus técnicos e tomar as decisões de forma puramente técnica e fria. Eles achavam mais fácil negar o visto do que ter de decidir no porto”, conta o historiador. “Todo o processo não chegou a conhecimento público e é nele que o Francisco Campos explica para  Vargas por que o Brasil deveria restringir a imigração”, fala.
Funcionários do Itamaraty eram obrigados a informar o ministério com detalhes sobre a pessoa que pedia o visto e aguardar o parecer do ministro para concedê-lo ou não. A desobediência de diplomatas às diretrizes do ministério provocava ação direta de Vargas, que poderia determinar a instauração de inquérito administrativo ou até a demissão sumária do infrator. “Esse controle aumentou quando a situação europeia se agravou com a guerra e a escalada do antissemitismo na Alemanha. Judeus e perseguidos políticos começam a sair da Europa, gerando um aumento da demanda nos consulados. Nesse momento, a política imigratória brasileira se voltou contra eles.”
“No início do Estado Novo cabia ao Itamaraty gerir a política de vistos, mas isso mudou a partir de 1941. Essa troca refletia o debate na elite brasileira sobre qual era o imigrante ‘desejável’ para o ‘aprimoramento’ do povo brasileiro”, fala Koif-man. Vargas era simpatizante aberto do ideário eugênico. Em 1930, num discurso de campanha à Presidência, avisou: “Durante anos pensamos a imigração apenas em seus aspectos econômicos. É oportuno obedecer agora ao critério étnico”. Em 1934, durante a Constituinte, o lobby eugenista, bem organizado, conseguiu a aprovação de artigos baseados nas teorias racistas. O alvo, então, era o japonês. De forma silenciosa foi institucionalizado um sistema de cotas para cada nacionalidade que foi manipulado para restringir a entrada de orientais no país.
“O Brasil não foi o único a adotar medidas restritivas contra imigrantes e até ‘demorou’ a implantá-las. Democracias como os EUA e o Canadá já o faziam nos primeiros anos da década de 1920”, lembra o autor. Mas, uma vez iniciado o processo, foram rápidos. Não satisfeitos com as leis de 1934, setores da elite e intelectuais exigiram uma maior intervenção do Estado e uma seleção mais rigorosa na política imigratória. O resultado foi o decreto-lei 3.010, de 1938: exigia-se do solicitante de vistos que se apresentasse pessoalmente ao cônsul para que o diplomata visse o candidato e relatasse se era branco, negro, ou se tinha alguma deficiência física. “Segmentos letrados da sociedade brasileira e muitos homens do governo, incluindo Vargas, acreditavam que o problema do desenvolvimento brasileiro estava relacionado à má formação étnica do povo. Achavam que trazendo ‘bons’ imigrantes, ou seja, brancos que se integrassem à população não branca, o Brasil em 50 anos se transformaria em uma sociedade mais desenvolvida”, conta o pesquisador.
O estrangeiro ideal era branco, católico e apolítico. A preferência pessoal de Vargas era pelos portugueses. “A maioria dos imigrantes vindos de Portugal era de origem modesta e instrução limitada, acostumados à ditadura salazarista”, diz Koifman. Europeus, mas sem “ideias dissolventes”, ao contrário dos grupos intelectualizados originários da Alemanha, França, Áustria, entre outros países, que produziam reflexões em jornais e livros sobre as mazelas nacionais. O ministro da Justiça detestava particularmente os intelectuais estrangeiros e chegou a propor o fechamento total do Brasil à imigração enquanto durasse a guerra na Europa, medida que o pragmatismo de Vargas rejeitou.
“O Brasil, que não contribuiu para que se criassem na Europa as perseguições e as dificuldades de vida, não pode se converter numa fácil hospedaria da massa de refugiados. Não nos serve esse white trash, rebotalho branco que todos os países civilizados refugam”, argumentava Campos, também conhecido como “Chico Ciência”. “Um dos inspiradores intelectuais do Estado Novo foi influenciado pelos fascismos português e italiano, defendendo uma legislação imigratória calcada nas teorias eugênicas americanas.” Para Campos, na contramão do entusiasmo pela imigração em voga no país desde o século XIX, estrangeiros só atrasavam o desenvolvimento do país, “parasitas” que nada contribuíam para o progresso nacional. “Os judeus, por exemplo, só se dedicavam a atividades urbanas, ao pequeno comércio. O problema é que Campos e Reis logo perceberam que essas eram as mesmas atividades às quais os portugueses se dedicavam, apontando a Vargas essa contradição, para ira do ditador, que queria imigrantes de Portugal”, fala Koifman.
O que abalou Campos, cuja ideologia não era isenta de interesses pessoais. Chico Ciência disputava as atenções de Vargas com Oswaldo Aranha, então à frente do Itamaraty. Para atacar o rival, martelava a tecla de que, apesar das restrições, estrangeiros continuavam a entrar no Brasil, prova da incompetência do Itamaraty na gestão da questão imigratória. Bem-sucedido, convenceu o ditador da validade de suas ideias e ganhou o poder de seleção de “desejáveis” e “indesejáveis” para o seu Setor de Vistos. Não conseguiu, porém, impor o ideário eugênico que admirava, sendo obrigado a “tropicalizá-lo”. “As raças admiradas pelos americanos eram minoria num país composto majoritariamente por grupos considerados ‘inferiores’”, lembra o historiador. Isso levou Campos a se concentrar no combate aos imigrantes “infusíveis” que, supostamente, tinham um grau de miscigenação baixo e, logo, não serviam ao projeto de “branqueamento” por miscigenação, entre esses, os judeus.
© ACERVO MARIA LUIZA TUCCI CARNEIRO
Passaporte cancelado pelos nazistas, mas aceito pelas autoridades brasileiras
“Mas as restrições à entrada de judeus, tema recorrente nos estudos sobre a política imigratória do Estado Novo, devem ser vistas num contexto maior, em que vários outros grupos foram igualmente classificados como “indesejáveis”. Se a condição de judeu dificultava a emissão de um visto, a comprovação da ausência dessa condição tampouco era garantia de um visto”, avisa Koifman. Para o pesquisador, o antissemitismo de um fascista como Campos não era análogo ao racismo dos nazistas. “Após a Intentona Comunista de 1935 o Estado adotou uma visão genérica dos judeus que os associava ao comunismo, um antissemitismo de fundo político compartilhado por Vargas”, observa o pesquisador. Nas palavras de Campos: “Os judeus se tem aproveitado do descuido das autoridades brasileiras. Embora o Brasil não seja fascista ou nacional-socialista, o certo é que esses elementos comunizantes, socialistas, esquerdistas ou liberais leem por uma cartilha que está longe de nos convir”.
Sem negar o antissemitismo de membros individuais do governo e da sociedade brasileira, Koifman acredita que o critério adotado mais importante, ao lado da “ameaça vermelha”, era a capacidade, ou não, da suposta capacidade de “fusão” dos imigrantes. “A preocupação estava no potencial de união de europeus brancos com descendentes de africanos e indígenas, condição necessária para conseguir o ‘aprimoramento’ das gerações futuras”, fala. “O Estado Novo não queria reproduzir o racismo, então muito em voga nos EUA e na Europa. A segregação deveria ser evitada a qualquer custo, pois dificultaria a miscigenação, força-motriz do ‘branqueamento’”, diz. Vargas não tolerava racismos contra grupos étnicos dentro do Brasil.
Esse cuidado também se devia à manutenção de uma boa imagem internacional, para agradar, em especial, os EUA, cuja política racial para os outros não refletia a sua realidade interna. “Ser acusado de racista ativo, nas décadas de 1930 e 1940, colocava qualquer nação, diplomata ou intelectual, em posição constrangedora de alinhamento com a política de exclusão da Alemanha nazista”, explica a historiadora Maria Luiza Tucci Carneiro, da Universidade de São Paulo (USP) e autora do estudo referencial Antissemitismo na era Vargas (1987). “Ainda assim o Estado Novo, por meio do Ministério da Justiça e de uma política nacionalista, não admitia fissuras, combatendo grupos migrantes, vistos como elementos de ‘erosão’. O ideal do regime era a homogeneidade em detrimento da diversidade”, continua.
Ambiguidades
Para o brasilianista Jeffrey Lesser, da Emory University e autor de A questão judaica no Brasil (1995), é preciso cuidado ao retratar as políticas de imigração da época apenas com base em documentos oficiais, do Itamaraty ou do Ministério da Justiça. “Os escritos dão conta das ambiguidades que regiam essa política. Como explicar, por exemplo, a entrada expressiva de judeus logo após os decretos restritivos e a absorção expressiva desses grupos ao lado de árabes e japoneses na sociedade brasileira em fins dos anos 1930”, questiona. Para ele, houve muita incongruência entre discurso e prática, gerando curiosos paradoxos. “Os imigrantes viraram o discurso eugênico de brancura, que os discriminava, em favor de seus interesses e conseguiram conquistar um espaço na sociedade. Perceberem que ser branco no Brasil era melhor do que ser negro e também adotaram a retórica eugênica.”
“Há uma série de boletins policiais sobre brigas entre estrangeiros e negros. Imigrantes pobres não queriam ser vistos como os novos escravos e afirmavam sua superioridade atacando os negros”, conta Lesser. Se os documentos contam uma história, no cotidiana do Estado Novo o movimento xenófobo não funcionou como pretendido. O brasilianista não nega o discurso contra a imigração e o antissemitismo das elites brasileiras, mas, ao estudar casos reais, viu que a ação do governo era mais flexível do que letra “dura” dos papéis timbrados. “Um bom exemplo é que, antes de colocar em vigor, em 1934, as leis que restringiam a entrada de japoneses, o governo brasileiro avisou o ministro das Relações Exteriores do Japão. Um diplomata brasileiro contou ao ministro japonês o que estava para acontecer e o acalmou prometendo que os orientais continuariam a entrar no Brasil, utilizando cotas de países como a Finlândia, que praticamente não eram usadas”, conta. Lesser reuniu outros casos do “jeitinho brasileiro” de tratar os entraves da legislação.
Para o americano, a história mais rocambolesca dessa flexibilidade que não se lê nos arquivos oficiais é a cooptação secreta pelo Itamaraty de funcionários do consulado alemão, para que eles falsificassem a assinatura do cônsul, liberando imigrantes para entrar no Brasil. “Numa palestra chamei o cônsul de nazista e pessoas da plateia ficaram indignadas, mostrando vistos assinados pelo cônsul, a quem chamavam de herói, sem imaginar que eram falsificações”, conta.
Koifman respeita a hipótese de Lesser sobre uma “negociação” das leis, mas afirma que os documentos do Serviço de Visto não sustentam essa visão. “A lei foi, sim, aplicada, e a maleabilidade estava condicionada à origem do imigrante. Basta ver a questão pouco conhecida dos suecos: eles tinham colônia representativa no país e tampouco se interessavam em imigrar para o Brasil, mas o Serviço de Visto estava particularmente interessado na vinda deles” observa.
Como revela o caso de um sueco que passou mal numa viagem, desembarcou para se tratar e, quando percebeu, já estavam tratando do seu visto. Ele não queria ficar no país. “Ao mesmo tempo, muitas pessoas com todas as condições de emigrar, que tinham os documentos necessários, enfrentavam medidas protelatórias e pareceres que dificultavam sua entrada, se não fosse o ‘imigrante ideal’. Isso mostra como os critérios se baseavam na bandeira da eugenia”, explica. Para Koifman, isso desmascara o discurso nacionalista e a flexibilidade com as leis, reduzidos à sua real dimensão: a utopia de aprimoramento étnico.

segunda-feira, 11 de setembro de 2017

Academia.edu: trabalhos mais vistos de Paulo Roberto de Almeida (acima de 100)


 
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Paulo Roberto de Almeida (11 September 2017)