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sábado, 1 de junho de 2019

O caso Trump: entrevista com Michael Wolff, autor de livro devastador

De certa forma, é inédito: uma grande democracia avançada de mercado ter um criminoso como presidente. Talvez existam outras..


Entrevista com
Michael Wolff

Autor de livro sobre Trump lança uma continuação com base em velhas fontes e relatos de Steve Bannon

‘Bannon é quem mais sabe sobre Trump’

Michael M. Grynbaum / The New York Times 
O Estado de S.Paulo, 01 de junho de 2019

Autor de Fire and Fury: Inside the Trump White House (“Fogo e Fúria: na Casa Branca de Trump”), sobre o início do mandato de Donald TrumpMichael Wolff ressurgiu esta semana com uma continuação – Siege: Trump Under Fire (“Cerco: Trump sob Fogo”). Seu primeiro livro, que retratou um presidente com tensas relações com a verdade, levantou também questões sobre a adesão do próprio Wolff aos fatos. Em entrevista em sua casa em Manhattan, Wolff, de 65 anos, defendeu sua confiança em Steve Bannon como fonte e explicou por que não leva muito em conta a checagem dos fatos.


Como o sr. conseguiu fontes? Após ‘Fire and Fury’ o sr. não se tornou persona non grata na Casa Branca?

Todos continuam falando comigo. Quando Fire and Fury saiu, achei que Steve Bannon nunca mais falaria comigo, mas na verdade ele jamais parou de conversar. Mas outro ponto – que considero chave – é que sou um cara de Nova York. Trump também é. Temos muitos conhecidos em comum. E essas pessoas falam entre elas de Trump. Tenho sorte de pertencer a esse meio. 

Quando escreveu ‘Fire and Fury’, o sr. teve acesso físico à Casa Branca. Teve desta vez?

Não estive na Casa Branca para escrever o novo livro. Mas muitas pessoas que falaram comigo para o primeiro livro continuaram a falar para o segundo. Acho que o quadro que descrevi no primeiro livro funcionou para elas. 

O sr. tentou entrevistar o presidente? 

Não. 

Por que não? 

Da última vez, ele tentou barrar a publicação. Seria um erro tentar ouvi-lo agora. Mas a ira de Trump bombou a venda do primeiro livro.
Foi o que se viu. Mas não gostaria de passar por isso de novo. 

O sr. ficou preocupado? 

Sim! Se o presidente dos EUA está contra você, é para se preocupar.  

O sr. diz que ‘Siege’ “é mais sobre um estado emocional do que sobre um estado político” da presidência. 

Já disse muitas vezes que não sou um repórter político de Washington. Esses repórteres fazem um grande trabalho, mas em minha abordagem o mais importante, além da política, são as palhaçadas, a psicopatologia, a crueldade aleatória ou dirigida. Para mim, esse governo pede um tipo diferente de escritor. 

O sr. tem um ponto de vista em ‘Siege’? 

O ponto de vista é que esse é um tipo totalmente diferente de presidente e de governo. Além disso, você tem uma figura estranhamente isolada, que é Trump. Não existe um governo funcionando aqui. Há um entendimento histórico de que a presidência muda o ocupante do cargo. Penso que aqui o reverso também seja verdadeiro – a Casa Branca transformou-se nas Organizações Trump.  

Bannon não trabalha mais na Casa Branca e está fora do círculo de Trump. Até onde devemos confiar no que ele diz?

É preciso considerar o conhecimento de Bannon sobre o governo e o presidente. Entre as centenas de pessoas com as quais conversei, ele é o que está mais por dentro sobre aquilo que faz Donald Trump ser o que é.  

Críticos de ‘Fire and Fury’ dizem que o sr. trata os fatos de modo superficial. O que o sr. responde a essas pessoas? 

Creio que avaliações apenas confirmaram o que está em Fire and Fury. Com frequência, meses ou anos depois. 

O sr. espera muitas críticas de outros jornalistas por ‘Siege’?

Sim. 

Tenho de pressioná-lo mais sobre checagem de fatos...

Há uma distinção entre jornalistas institucionais e os que não o são. Eu não sou. Você faz perguntas para se proteger e proteger a instituição que representa. Mas estou falando de quando você já sabe a resposta. Então, você fica numa posição de, potencialmente, ter de negociar o que sabe. De uma maneira curiosa, o jornalismo é, em grande parte, algo sobre uma verdade negociada. Como escritor de livro, eu não preciso fazer isso. / TRADUÇÃO DE ROBERTO MUNIZ

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Que tal um criminoso como presidente? - o caso Trump; novo livro (The Guardian)

Karen Dawisha, uma professora da Universidade de Ohio, escreveu um livro de excepcional qualidade chamado “Putin’s kleptocracy”, uma análise meticulosa de todas as jogadas financeiras feitas pelo ex-agente do KGB que o levaram ao controle da Rússia.
Este livro pode representar o início de uma investigação oficial sobre um outro cleptocrata e mentiroso compulsivo, que resultou ser o presidente da nação mais poderosa do planeta.
Outros presidentes criminosos podem aparecer, mas esta dupla — que estaria muito unida, não fossem as atitudes russofóbicas da maior parte do establishment americano, militares sobretudo — supera todas as demais gangues políticas na história contemporânea.
Este livro ainda vai causar muito ruído, pelo mesmo autor de Fire and Fury.
Paulo Roberto de Almeida


Bannon described Trump Organization as ‘criminal enterprise’, Michael Wolff book claims

Former White House adviser says financial investigations will take down president in sequel to Fire and Fury
The Guardian, Wed 29 May 2019 07.00 BST


The former White House adviser Steve Bannon has described the Trump Organization as a criminal entity and predicted that investigations into the president’s finances will lead to his political downfall, when he is revealed to be “not the billionaire he said he was, just another scumbag”.



The startling remarks are contained in Siege: Trump Under Fire, the author Michael Wolff’s forthcoming account of the second year of the Trump administration. The book, published on 4 June, is a sequel to Fire and Fury: Trump in the White House, which was a bestseller in 2018. The Guardian obtained a copy.

In a key passage, Bannon is reported as saying he believes investigations of Donald Trump’s financial history will provide proof of the underlying criminality of his eponymous company.
Assessing the president’s exposure to various investigations, many seeded by the special counsel Robert Mueller during his investigation of Russian election interference, Wolff writes: “Trump was vulnerable because for 40 years he had run what increasingly seemed to resemble a semi-criminal enterprise.”
He then quotes Bannon as saying: “I think we can drop the ‘semi’ part.”
Bannon, a leading promoter of far-right populism, was a White House adviser until August 2017, when he was removed. He was a major source for Fire and Fury, also first reported by the Guardian. Among other claims in that book, he labelled as “treasonous” an infamous Trump Tower meeting between Donald Trump Jr, Trump’s son-in-law Jared Kushner, campaign manager Paul Manafort and a Russian lawyer.
Amid publicity surrounding Fire and Fury, Bannon was ejected from circles close to Trump and his position at Breitbart News.
In Siege, Wolff pays close attention to Trump’s financial affairs. Investigations into Trump’s business dealings, spearheaded by the southern district of New York, have shuttered the president’s charity and seen the Trump Organization chief financial officer, Allen Weisselberg, receive immunity for testimony in investigations of Michael Cohen, the former Trump attorney and fixer who is now in jail in New York.
This month, the New York Times obtained tax information that showed Trump’s businesses lost more than $1bn from 1985 to 1994.
The newspaper subsequently reported that in 2016 and 2017, Deutsche Bank employees flagged concerns over possible money laundering through transactions involving legal entities controlled by the president and Kushner. Some of the transactions involved individuals in Russia.
The bank did not act but Congress and New York state are now investigating its relationship with Trump and his family. Deutsche Bank has lent billions to Trump and Kushner companies. Trump has attempted to block House subpoenasfor his financial records sent to Deutsche Bank.

In Siege, Wolff quotes Bannon saying investigations into Trump’s finances will cut adrift even his most ardent supporters: “This is where it isn’t a witch hunt – even for the hard core, this is where he turns into just a crooked business guy, and one worth $50m instead of $10bn.

“Not the billionaire he said he was, just another scumbag.”

Wolff also details a 2004 Palm Beach property deal involving the now disgraced financier Jeffrey Epsteinand the Putin-friendly oligarch Dmitry Rybolovlev that, the author writes, earned Trump “$55m without putting up a dime”.
Epstein, he writes, invited Trump to see a $36m Palm Beach mansion he planned to buy. According to Wolff, Trump went behind Epstein’s back to buy the foreclosed property for around $40m, a sum Epstein had reason to believe Trump couldn’t raise in his own right, through an entity called Trump Properties LLC, which was entirely financed by Deutsche Bank.
Epstein, Wolff writes, knew Trump had been loaning out his name in real estate deals for a fee and suspected that in his case Trump was fronting for the property’s real owners. Epstein threatened to expose the deal. As the dispute increased, he found himself under investigation by the Palm Beach police.
According to Wolff, Trump made only minor improvements and put the house on the market for $125m. It was purchased for $96m by Rybolovlev, part of a circle of government-aligned industrialists in Russia, thereby earning Trump $55m without risking any of his own money.
Wolff presents two theories as to how the deal worked: first, perhaps “Trump merely earned a fee for hiding the real owner – a shadow owner quite possibly being funneled cash by Rybolovlev for other reasons beyond the value of the house”
Second, he suggests the real owner of the house and the real buyer were one and the same. “Rybolovlev might have, in effect, paid himself for the house, thereby cleansing the additional $55m for the second purchase of the house.”
This,” Wolff writes, “was Donald Trump’s world of real estate.”

sexta-feira, 31 de maio de 2019

Politica externa bolsonarista traz perda de prestígio para o Brasil, dizem diplomatas (BBC Londres)

Governo Bolsonaro ameaça prestígio internacional do país, dizem diplomatas brasileiros

Bolsonaro e Trump
Direito de imagemKEVIN LAMARQUE/REUTERS
Image captionO termo soft power é usado para definir a capacidade que um país tem de influenciar decisões internacionais pela persuasão e imagem 'positiva' junta a outros países, sem precisar usar coerção, poderio econômico e militar
O governo Jair Bolsonaro conseguiu sua primeira grande conquista internacional na semana passada (23/5) com a oficialização do apoio dos Estados Unidos à entrada do Brasil na Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE), seleto grupo que reúne as principais economias do mundo. 
Mas diplomatas ouvidos pela BBC News Brasil que ocupam postos em diferentes países - de Europa, África e Oriente Médio- afirmam que o prestígio internacional do Brasil pode estar em declínio, a ponto de o país começar a deixar de ser convidado para algumas negociações diplomáticas, principalmente àquelas dedicadas a direitos de minorias. 
Segundo eles, o que está em jogo é o chamado "soft power", termo dado à influência de um país em decisões internacionais por meio de sua capacidade de persuasão, sem uso de coerção, poder econômico ou militar. 
A imagem brasileira, afirmam, vem sendo gradativamente alterada a partir de mudanças internas e externas, com a ruptura da política Sul-Sul (voltada a países emergentes) que marcou as gestões petistas e um realinhamento ideológico agora centrado na aproximação com os EUA. 

O soft power brasileiro

Segundo o professor Marco Vieira, diretor de pesquisa do Departamento de Ciência Política e Relações Internacionais da Universidade de Birmingham (Reino Unido), ao longo das últimas décadas o Brasil conseguiu propagar junto à comunidade internacional uma imagem de país preocupado com o meio ambiente, pacifista, não intervencionista, capaz de dialogar com atores diversos e defensor de órgãos multilaterais como a Organização das Nações Unidas (ONU).
Essas características permitiram, segundo ele, que o Brasil ocupasse posições de destaque em organismos internacionais e obtivesse vantagens econômicas em negociações comerciais com grandes potências, como Estados Unidos e Europa. 
Assinatura de acordos com IsraelDireito de imagemHEIDI LEVINE/REUTERS
Image captionO que mudou no soft power brasileiro nos últimos anos?
Atualmente, a Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO) e a Organização Mundial do Comércio (OMC) são presididos por dois brasileiros: José Graziano da Silva e Roberto Azevêdo, respectivamente. 
Um diplomata com mais de 30 anos de carreira no Itamaraty, que prefere não se identificar por temer retaliações, disse à BBC News Brasil que essas características nacionais garantiam vantagens em negociações, já que o Brasil não conta com outros instrumentos de barganha, como poder econômico e arsenal militar. 
"Essa imagem de Brasil facilitava enormemente o meu trabalho, porque eu podia entrar numa sala onde havia negros e índios, japoneses, latinos, europeus ou russos e ter sempre esse cartão de visitas", disse.

Mudanças em curso 

As novas atitudes do Brasil em política externa e questões sociais vêm causando em foros internacionais estranhamento e dúvidas entre diplomatas estrangeiros. 
Segundo especialistas e diplomatas ouvidos pela BBC News Brasil, três aspectos do discurso do governo Jair Bolsonaro têm potencial para, no curto prazo, provocar prejuízos à reputação consolidada pelo Brasil no ambiente diplomático internacional: 
- A postura em relação a minorias (gays e indígenas, em especial)
- Um discurso que minimiza os impactos do aquecimento global
- O alinhamento com Estados Unidos e a forte aproximação com Israel, deixando de lado a tradição histórica de neutralidade
Em organismos internacionais, a reação a essa ruptura com a tradição diplomática brasileira veio na forma de comentários preocupados de representantes de outros países e na redução de convites para que o Brasil participe de debates sobre temas sociais. 
Bolsonaro e MourãoDireito de imagemARTHUR MAX/MRE
Image captionDiplomatas e especialistas dizem que posição do Brasil sobre minorias e meio ambiente pode impedir que o país seja convidado a participar de debates em foros internacionais
Um diplomata que trabalha junto à delegação brasileira em um foro internacional disse, também a sob condição de anonimato, que um colega estrangeiro chegou a dar uma "dica" aos brasileiros: eles deveriam se aproximar da delegação iraniana em questões de gênero "para deixar que, publicamente, eles (o Irã) fizessem o trabalho sujo de falar contra os direitos da mulher".
O mesmo diplomata disse ter ouvido um colega de um país africano lamentar as mudanças, dizendo que o Brasil "era a maior inspiração do mundo em desenvolvimento" e pedindo para que os brasileiros "não se retraíssem e continuassem exercendo liderança em favor desses países".
Um ministro de primeira classe, topo da carreira diplomática, que já representou o Brasil em vários postos no exterior, afirmou que alguns diplomatas tentam amenizar as instruções recebidas pelo governo, quando atuam em foros internacionais. 
"Colegas meus que trabalham em foros que discutem temas sociais estão procurando, da melhor maneira, se desincumbir das orientações e instruções de um governo que tem uma visão conservadora na pauta social", disse à reportagem, sob anonimato. 
"Mesmo assim, pela maneira como a gente está se pronunciando em determinados foros, a gente já não é chamado para algumas salas (de debates e negociações)."

'Países dão um desconto ao Brasil'

Esse mesmo diplomata relata, porém, que ainda predomina uma postura de "tolerância" em relação ao Brasil, manifestada em tom de brincadeira por colegas diplomatas de outros países. 
"As pessoas meio que dizem: 'Ah, política é um desastre no meu país também, não tem jeito'. É como se as pessoas tivessem uma tolerância, a partir do reconhecimento de que o Brasil é maior que isso."
Outro diplomata diz que, por vezes, os colegas estrangeiros parecem expressar "compaixão" pela situação dos representantes brasileiros.
Ernesto Araújo e chanceler alemãoDireito de imagemEVARISTO SA
Image captionDurante encontro de Ernesto Araújo com o ministro de Relações Exteriores da Alemanha, Heiko Maas, imprensa alemã fez várias perguntas sobre o compromisso do Brasil no combate às mudanças climáticas
"É como se estivessem dando um desconto para a gente, tipo relevando. Mas essa postura obviamente tem limites. Inevitavelmente, o perfil e a intensidade do relacionamento do Brasil com os parceiros mundo afora vai diminuindo."
Ele cita um possível reconhecimento de Jerusalém como capital de Israel em detrimento de demandas palestinas como um exemplo de política que pode comprometer as relações com países árabes e muçulmanos. 
"O capital político e econômico-comercial com os parceiros árabes e muçulmanos virariam pó e iriam por água abaixo, com graves consequências para nossas exportações e também para o apoio a pleitos brasileiros diversos internacionalmente, como na eleição de membros não permanentes no próximo biênio para o Conselho de Segurança da ONU e na defesa de pautas importantes para o país em áreas como meio ambiente/clima, direitos humanos, acesso a mercados/Organização Mundial do Comércio e agricultura", diz. 

Aquecimento global

Para Marco Vieira, da Universidade de Birmingham, essa mudança de posição em relação ao combate às mudanças climáticas tem o maior poder, em potencial, de isolar o Brasil e trazer consequências econômicas. 
Bolsonaro e TrumpDireito de imagemKEVIN LAMARQUE/REUTERS
Image captionBrasil não está sozinho em abandonar visões que tradicionalmente são vistas como geradoras de soft power
O Brasil era visto como uma liderança em questões ambientais, sendo ouvido e escolhido para sediar grandes eventos internacionais sobre o tema, como a Rio+20, em 2012, que reuniu líderes dos principais países do mundo. 
Em 2016, o governo brasileiro ratificou o Acordo de Paris, se comprometendo cortar as emissões do país em 37% até 2025, e em 43% até 2030, tendo como base o ano de 2005.
Mas durante a campanha eleitoral, Bolsonaro chegou dizer que retiraria o Brasil do Acordo de Paris. Ele recuou ante as reações negativas dentro e fora do país, mas declarações do hoje presidente de que a Amazônia deve ser explorada economicamente e de que há terras indígenas demais receberam grande repercussão no exterior, principalmente na Europa. 
"Se o Brasil for encarado como um país que vai contra os interesses da humanidade como um todo e um deles, se não for o principal, é a mudança climática, poderá ser isolado em outras discussões, sendo visto como um país irresponsável."
Para Marco Vieira, da Universidade de Birmingham, essa mudança de posição em relação ao combate às mudanças climáticas tem o maior poder, em potencial, de isolar o Brasil e trazer consequências econômicas. 
"Já há movimentos na União Europeia de condicionar a importação de commodities brasileiras ao compromisso com a proteção ambiental", exemplifica. 
No último dia 23, o Brasil levou um baque nas negociações por um acordo comercial entre Mercosul e União Europeia. O governo francês endureceu sua posição nas conversas, dizendo que não ratificará nenhum acordo que, entre outros pontos, prejudique os "engajamentos ambientais da Europa no Acordo de Paris".
MourãoDireito de imagemADNILTON FARIAS/VPR
Image caption'Estamos correndo o risco de acender vela para o santo errado. Não podemos, por exemplo, abrir mão da China', diz Marcus Vinicius de Freitas, da China Foreign Affairs University

Afinal, soft power é tão importante assim?

Nem todos os especialistas concordam que o prestígio e a influência para além dos campos econômicos e militares seja determinante no protagonismo dos países no cenário internacional. 
Para o professor Marcus Vinicius de Freitas, da China Foreign Affairs University, em Beijing, o Brasil ganhou maior visibilidade no exterior nos últimos anos por três fatores: criação dos Brics (grupo formado por Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul), curiosidade do mundo em relação ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, e o crescimento econômico razoável na primeira década do ano 2000. 
"Quando se diz que o Brasil está perdendo seu soft power, você cria uma camisa de força para que o governo atue em determinadas áreas em que a opinião pública internacional considera relevante, mas que não resolve os problemas internos do país", disse à BBC News Brasil. Mas, para ele, isso "não coloca ninguém na sala de reunião para definir destino ou governança global". 
Freitas diz que o atual governo erra na "estratégia de comunicação", prendendo o Brasil a uma "narrativa negativa". Mas, para ele, o que vai, de fato, influenciar o protagonismo do país no exterior não é isso, mas sim a capacidade ou não de o governo aprovar reformas e garantir a retomada do crescimento econômico e se tornar um polo de investimentos. 
Gráfico da balança comercial Brasil-China
Marco Vieira, da Universidade de Birmingham, discorda. "Soft power abre portas. O Brasil teve ganhos reais na sua relação com países em desenvolvimento ao promover mecanismos de cooperação entre nações emergentes", diz. 

Que novas alianças pode colher o governo Bolsonaro? 

É fato que o Brasil não está sozinho em relativizar o aquecimento global, nem em defender negociações bilaterais em detrimento de acordos multilaterais, e em promover posições conservadoras em questões de costumes e nos direitos de minorias. 
O principal exemplo é nada menos que os Estados Unidos, maior potência mundial. O presidente Donald Trump retirou o país do Acordo de Paris e vem minando a importância das Nações Unidas, da OMC e de outros organismos internacionais. 
E a Europa tem presenciado movimentos de desintegração de blocos regionais, como o Brexit, e a ascensão de líderes de direita, particularmente na Hungria e na Itália. 
Balança comercial Brasil-EUA
Marco Vieira, da Universidade de Birmingham, afirma que é possível que as características tradicionalmente associadas a soft power (respeito a direitos humanos, democracia e liberalismo, por exemplo) sejam gradualmente substituídas, caso haja uma continuidade na expansão de ideias associadas à direita do espectro político no plano internacional.
"As contestações aos princípios que geraram soft power no passado podem acabar criando um novo sistema normativo, oposto ao sistema atual. Não é irrelevante que os Estados Unidos estejam liderando esse movimento", afirma. 
No entanto, para ele, essa transformação, se ocorrer, só será consolidada no longo prazo.
"O governo Bolsonaro só vai conseguir ter soft power se o modelo internacional se transformar e se reconstituir dentro dessa compreensão de direita radical, cristã, ocidental e branca. Mas isso levaria anos e anos para ocorrer."
Enquanto isso o desafio será conciliar parcerias estratégicas para o Brasil, como a relação com a China, países árabes e alguns dos principais países da União Europeia, com os novos vínculos que o governo pretende ou busca construir. 
"Tenho a impressão de que não há uma visão estratégica para o Brasil em relações internacionais. O que o Brasil pretende alcançar e ser nos próximos anos?", questiona Marcus Vinicius, da China Foreign Affairs University. 
"Sem isso, corremos o risco de acender vela para o santo errado. Não podemos, por exemplo, abrir mão da China."