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sexta-feira, 13 de abril de 2018

Meira Penna: um intelectual liberal, morto aos 100 anos - Paulo Roberto de Almeida

Meu trabalho publicado mais recente: 

1276. “José Osvaldo de Meira Penna: um intelectual brasileiro”, Revista da ADB(ano XX, n. 97, dezembro de 2017 a março de 2018, p. 36-37; ISSN: 0104-8503; link: https://adb.org.br/revista-adb/#revista-adb-97/page36-page37).


José Osvaldo de Meira Penna: um intelectual brasileiro

Paulo Roberto de Almeida
Diretor do Instituto de Pesquisa de Relações Internacionais (IPRI).

Qualquer que seja a qualificação que se lhe atribua – liberal, conservador, direitista –, Meira Penna foi um dos grandes intelectuais brasileiros, certamente o maior da carreira diplomática, talvez até mais, na variedade e volume dos escritos, que os dois outros colegas que poderiam legitimamente lhe ser equiparados: Roberto Campos e José Guilherme Merquior. Já conhecedor de boa parte de sua obra, para preparar esta nota fui consultar as entradas sob seu nome nas bibliotecas próximas. As do Itamaraty, possuem apenas 27 obras (mas em vários exemplares), sendo 17 na SERE, oito no Rio de Janeiro e duas no Instituto Rio Branco. A do Senado Federal, mais copiosa em artigos do que em livros, exibe 16 obras no catálogo, mas 104 artigos – parte ínfima de seus “sueltos” em periódicos, durante décadas –, sendo o último deles significativamente intitulado “Por que escrever memórias?” (2006). 
Suas memórias, justamente, ficaram por terminar, e ainda permanecem sob a guarda da família. Um excelente verbete na Wikipedia registra 23 livros publicados, dos quais eu destacaria os seguintes: O Brasil na Idade da Razão(1980); O Evangelho segundo Marx(1982); O Dinossauro(1988); Utopia brasileira(1988); Opção preferencial pela riqueza(1991); O espírito das revoluções(1997); A Ideologia do século XX(1994); Em berço esplêndido: ensaios de psicologia coletiva brasileira(1999); Da moral em economia(2002). Esse verbete, provavelmente escrito pelo amigo Ricardo Vélez-Rodríguez, trata de suas análises sobre o patrimonialismo brasileiro, nosso cartorialismo, o burocratismo, e vários ismos também fustigados pelo seu colega – e contemporâneo na carreira – Roberto Campos. Meira Penna foi admitido em 1937 e Campos ingressou em 1938, no primeiro concurso do DASP, ao lado de outros que entravam pela janela, situação que se prolongou até a criação do Instituto Rio Branco.
Antes de entrar no Itamaraty eu já o conhecia de nome, pelos artigos publicados no Estadãoou no Jornal do Brasil. Quando ingressei, fui ler um de seus livros: Política externa: segurança e desenvolvimento(1967), obra que discute de forma inteligente os dois princípios da era militar. O primeiro livro emergiu no segundo posto: Shanghai: aspectos históricos da China moderna(1944). Ao partir para missão temporária nessa cidade, em 2010, eu o contatei, para conversar sobre a cidade que ele tinha conhecido antes da dominação comunista. Em mensagem de 8/11/2009, ele me escreveu:
Estive duas vezes em Xanghai [sic]. Da primeira, 1941-42, como Vice-Cônsul sob as ordens do Cônsul Geral James F. Mee. Da segunda, em 1949, assistindo ao fim da guerra civil que trouxe Mao ao poder. Dessa segunda vez, fiquei quase um ano em Nanking como Encarregado de Negócios, até a chegada do novo Embaixador, Paranhos da Silva. Saí da cidade duas semanas antes da entrada dos maoístas. (...) Terei grande prazer em conversar consigo. Meu telefone é... 

Eu já o conhecia desde os anos 1980, tendo feito uma visita à sua residência, a “Vila Castália”, na Park Way, depois de retornar do doutorado e começar a dar aulas no Instituto Rio Branco e na UnB, onde ele também se exercia como professor do então Departamento de Relações Internacionais. Ele me presenteou com um de seus livros, e nos anos seguintes fui adquirindo ou sendo agraciado com vários outros, todos eles fortemente estimulantes de um diálogo de alto nível sobre as razões do atraso brasileiro em perspectiva histórica e comparada, com base em grandes nomes da cultura ocidental: Weber, Tocqueville, Marx e outros pensadores. Meira Penna foi, salvo engano, o primeiro brasileiro a ser admitido na Sociedade do Mont Pèlerin, o grupo liberal criado no imediato pós-guerra por Friedrich Hayek para se contrapor ao keynesianismo, já dominante nas universidades e nas políticas econômicas de quase todos os países.
Por sua vez, ele se contrapôs desde o início ao pensamento estatizante e terceiro-mundista, que prevalecia nas elites brasileiras, independentemente do regime político ou das chefias do Itamaraty. Em plena atividade como embaixador nos anos 1970, Meira Penna nunca se eximiu de criticar as orientações da política externa, em especial as dos últimos governos da era militar. Tais críticas recrudesceram na democratização, a despeito da boa disposição inicial em relação ao banqueiro Olavo Setúbal. Aposentado desde 1981, seu último grande embate se deu pela denúncia das “polonetas”, os créditos oferecidos a países socialistas para a exportação de manufaturas brasileiras sem quaisquer garantias credíveis. O mesmo ocorreu nos financiamentos oferecidos a países do Terceiro Mundo, na África e na América Latina, redundando em grandes perdas para o país, quando as insolvências passaram a exame, e desconto, no âmbito do Clube de Paris, onde o Brasil era admitido como credor. 
Em meados dos anos 1980 ele funda, com amigos e intelectuais de renome, a Sociedade Tocqueville, assim como esteve na origem do Instituto Liberal de Brasília. Suas principais contribuições no campo intelectual se dão na crítica ao patrimonialismo e à mentalidade estatizante e intervencionista no Brasil, entranhada na psicologia social, que interpreta com base em teses de Carl Gustav Jung. Uma das últimas manifestações de Meira Penna se deu em entrevista a Bruno Garschagen, do Instituto Mises Brasil, em 6/12/2013 – nos links: https://goo.gl/1Aj5HChttps://www.youtube.com/watch?v=XkE00n0ZYNk–, na qual ele revela inicialmente que sua orientação liberal surgiu ainda em 1935, quando ele iniciava estudos de Direito e ocorreu a intentona comunista de novembro daquele ano. As leituras de Hayek, Mises e Milton Friedman foram solidificando suas convicções liberais, e sua oposição ao ambiente positivista, intervencionista, nacionalista míope, predominante no Brasil e na grande maioria dos países dominados pelo keynesianismo.
Sua morte, aos cem anos, em 29 de julho de 2017, deixou o Brasil mais pobre na vertente liberal, num ambiente intelectual carente de grandes nomes nessa área, pois já rarefeito desde o desaparecimento de Roberto Campos e de José Guilherme Merquior. Uma coleção de ensaios em sua homenagem seria bem vinda, a exemplo daquela que se fez por ocasião do centenário de Roberto Campos: O homem que pensou o Brasil. Uma coletânea de seus escritos mais representativos seria ainda melhor...

Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 21 de janeiro de 2018
Relação de Publicados n. 1276.

terça-feira, 2 de agosto de 2016

Breve nota biografica: Paulo Roberto de Almeida (divertissement)


Breve nota biográfica: Paulo Roberto de Almeida

Nasci em São Paulo, na exata metade do século XX, depois de uma primeira metade conhecida como a mais mortal de todas as épocas históricas anteriores. Por sorte (ou talvez, como diria Raymond Aron, graças à arma atômica, segundo o diagnóstico feito logo em 1947: “paz improvável, guerra impossível”), a minha geração, e as duas seguintes, não conhecemos nenhum novo conflito global, mas inúmeros, incontáveis conflitos parciais, guerras civis, guerras limitadas, sem mencionar uma imensa destruição econômica, inclusive no próprio Brasil, em função de governos irresponsáveis, líderes populistas, aventureiros políticos.
Creio que “aprendi” economia na prática, ao nascer numa família de baixa classe média, com pais que não dispunham sequer de primário completo, sem livros em casa, e tendo de trabalhar desde muito cedo (e gostaria de sublinhar: desde muito cedo).
Tive sorte de residir, mesmo numa casinha muito modesta, muito próximo de uma biblioteca pública infantil, onde passei toda a minha infância (mesmo antes de aprender a ler) e metade da primeira adolescência. Devo à Biblioteca Infantil Municipal Anne Frank os melhores momentos de minha infância, tendo lido provavelmente tudo o que havia de disponível para um garoto sedento de novos saberes, como eu era. Depois, devo ao Ginásio Vocacional Oswaldo Aranha, na primeira adolescência, tudo o que eu aprendi de importante, e que iria guiar a minha vida doravante. Foi ali que fui “apresentado” aos problemas de relações internacionais, quando ouvi o que me pareceu uma fascinante preleção de Oliveiros da Silva Ferreira sobre a crise dos mísseis soviéticos em Cuba, um ano ou dois depois da famosa confrontação russo-americana (1962) que levou o mundo ao limiar de um holocausto nuclear. Nos anos seguintes, aprendi de verdade economia nas páginas desse jornal reacionário que eu lia quase todos os dias, o Estadão, onde também aprendi a conhecer Raymond Aron e muitos outros luminares do melhor pensamento político do século XX.
Chegado ao século XXI, creio que posso fazer um balanço positivo de uma trajetória intelectual toda ela dedicada a ensinar aos mais jovens o que eu mesmo aprendi nos livros, na observação da realidade, em incontáveis viagens, em contato com pessoas mais espertas, mas sobretudo na reflexão ponderada com base em todas as metodologias anteriores. Viajei muito, li muito (não tanto quanto Carmen Lícia, minha adorável companheira de quase 40 anos, mas quase tanto) e sobretudo mantive uma atitude, em face de afirmações peremptórias e argumentos lidos e ouvidos, que aprendi muito jovem: ceticismo sadio. O que isso quer dizer? Nunca tome uma opinião, uma afirmação, mesmo um argumento de autoridade, pelo seu “valor face”, mas procure perguntar: é isso mesmo?; por que?; tem fundamento?; quais as provas?; não seria de outra forma?; vamos examinar melhor...
O que eu gostaria de deixar, como memória, como recordação, como lição a mim mesmo ou aos outros, ao longo de uma vida dedicada aos estudos e aos escritos? Talvez apenas isto: aprendeu, refletiu, transmitiu conhecimentos, esforçou-se para tornar o mundo um pouco melhor do que aquele que recebeu dos pais e das gerações passadas. A certeza de ter contribuído com o meu quinhão de conhecimentos para a elevação espiritual da humanidade, ou pelo menos do Brasil, é uma das coisas mais gratificantes que tenho legítimo orgulho de exibir...

Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 2 de agosto de 2016