segunda-feira, 30 de dezembro de 2013

Um Brasil bolivariano? - Armando Castelar Pinheiro

Muitos se perguntam se o Brasil pode virar bolivariano.
Certamente não como os hermanos que exageraram na dose, mas já somos bolivarianos, no que depende do partido totalitário que ocupa o poder. Eles só não fazem como os hermanos porque não podem, não porque não querem...
Paulo Roberto de Almeida

Um Brasil bolivariano?

ARMANDO CASTELAR PINHEIRO

CORREIO BRAZILIENSE - 28/12/2013

Ao longo deste ano, diversas vezes me perguntaram se via alguma chance de o Brasil seguir por um caminho bolivariano, como o da Argentina e o da Venezuela. A pergunta em geral traduz certa ansiedade com a economia do país, por conta de indicadores ruins de crescimento e inflação.
Parte da dificuldade em lidar com essa questão é que nem todos têm a mesma visão do que é o modelo bolivariano. Muitos parecem preocupados com o risco de uma alta da inflação, com a concomitante intervenção nos institutos de pesquisa de preços, como ocorreu na Argentina com o Indec, o IBGE de lá.

Como se sabe, a inflação oficial na Argentina é de 10%, enquanto a inflação real supera os 25%. Isso não ocorre no Brasil, mas por aqui também há uma distância entre a inflação dos preços livres (7,3% nos últimos meses) e a dos preços controlados pelo governo (1%), o que mascara a inflação real. Isso vai continuar em 2014, com a decisão de adiar o aumento da energia elétrica para depois das eleições.
Nas contas públicas há o número oficial e aquele que o mercado utiliza. Até nas contas externas há dificuldade de conhecer o número real, devido a só em 2013 se registrarem importações ocorridas em 2012.

Também há gente preocupada com a crescente divisão entre uma América Latina do Pacífico e outra do Atlântico e a percepção de que estamos cada vez mais nos alinhando com esta última. A Aliança do Pacífico, um acordo comercial do qual participam Chile, Colômbia, México e Peru, e ao qual devem se associar Costa Rica e Panamá, compreende o primeiro grupo. Esses países têm economias abertas, inflação baixa, bom ambiente de negócios, atitude amigável em relação ao capital estrangeiro e crescimento do PIB que é o dobro do nosso.

A parte "atlântica" da América Latina congrega os países do Mercosul, que inclui a Venezuela e no qual pode entrar a Bolívia, além de Equador e Nicarágua. São países com políticas econômicas de má qualidade, economias fechadas, inflação alta, elevado intervencionismo estatal e baixo crescimento econômico.
Muita gente associa o bolivarianismo a uma opção ideológica, calcada na intervenção estatal na economia. O bolivarianismo é, porém, acima de tudo, pragmático. A sua essência está na disposição do governo de sacrificar os fundamentos econômicos e institucionais do país para se preservar no poder. Nesse sentido, o bolivarianismo é uma versão contemporânea do populismo latino-americano de meados do século passado.

O elemento central é gerar um aumento do consumo privado, via transferências, gasto público, preços subsidiados, aumentos reais de salários acima da produtividade etc. De um lado, isso é popular. De outro, pressiona a inflação, piora as contas públicas, aumenta o deficit externo, compromete a situação patrimonial do setor público e piora o ambiente de negócios.
Não creio que haja ilusões com relação a essas políticas levarem a uma deterioração da economia do país. Elas não são escolhidas por serem boas, mas porque geram votos no curto prazo. E, com os votos e a falta de alternância no poder, o governo domina as instituições e ganha controle sobre a narrativa do que acontece com o país. Não por outra razão, o controle da mídia é elemento tão central do bolivarianismo.

Esse controle é indispensável para a manutenção do modelo quando o bem-estar começa a cair, como resultado das más políticas. Exemplo é a narrativa do governo venezuelano de que a alta inflação no país é culpa da oposição e dos especuladores, a quem ameaça com a cadeia se subirem os preços. Há outros exemplos na Argentina, na Bolívia e no Equador.
Muita gente não acredita que o Brasil siga por esse caminho, por ter instituições mais fortes e imprensa mais livre e atuante. É um bom argumento. Mas ignora que, quando o bolivarianismo começou, a imprensa desses países também era mais livre e atuante, e as instituições, a começar pelo Judiciário, mais fortes do que são atualmente. Foi o bolivarianismo que as enfraqueceu, não a sua fraqueza que trouxe o bolivarianismo.
Se o Brasil algum dia seguir por um caminho bolivariano, o primeiro sinal disso não virá da economia. O alerta de que isso está acontecendo virá do esforço de controlar a narrativa sobre as causas de um mau desempenho econômico do país, de forma a evitar que esse leve a uma natural alternância política.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Comentários são sempre bem-vindos, desde que se refiram ao objeto mesmo da postagem, de preferência identificados. Propagandas ou mensagens agressivas serão sumariamente eliminadas. Outras questões podem ser encaminhadas através de meu site (www.pralmeida.org). Formule seus comentários em linguagem concisa, objetiva, em um Português aceitável para os padrões da língua coloquial.
A confirmação manual dos comentários é necessária, tendo em vista o grande número de junks e spams recebidos.